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sexta-feira, 17 de novembro de 2017

SIDARTA de Hermann Hesse

Livro 30

Livro que gosto muito. 

Hermann Hesse é escritor alemão, Prêmio Nobel de Literatura de 1946. 

Na edição que disponho, nos comentários de contracapa de autoria de Otto Maria Carpeaux no trecho final, ele escreveu:

“A vida de Sidarta parece-se com a do próprio Buda. Mas, também se parece com a do próprio Hesse, que experimentou todas as possibilidades da existência humana até reconhecer a profunda doutrina da identidade de tudo que é vivo: idênticos são os pecados e a santidade, a sabedoria e a loucura e, enfim, a vida e a morte. Hermann Hesse foi um grande poeta. Também foi um grande sábio.”



Por causa dessa identidade, tendo como suporte o volume 2 da “História Universal” de H. G. Wells (edição de 1939), me estenderei um pouco nesta resenha estabelecendo a diferença entre o livro de Hesse e a vida de Buda.

O Sidarta de Hesse, um dia questiona os deuses que recebiam reverências e sacrifícios, não havia nada que revelasse a busca do eu interior, o princípio da vida (atma). Ele era membro de família abastada, mas não era feliz.

E com essas dúvidas em mente, sem as respostas “definitivas” a essa procura interior, abandonou sua vida de riqueza, seus pais e se uniu aos samanas, ascetas peregrinos que renunciavam aos prazeres da vida vestindo andrajos, viviam de esmolas, de sacrifícios, jejuando, na tentativa de eliminar o eu e se encontrarem com sua própria vida, na sua interioridade.

Seguiu-o seu amigo leal, inseparável, Govinda.

BUDA:

Sidarta Gautama nascera entre 600/500 AC numa família afortunada. Casara-se cedo, aos 19 anos e fora pai de um filho, Rahula.

Sua vida era de prazer, da “caça e do amor” até os 29 anos quando começou a se indagar se sua vida não era pautada pela infelicidade.

Como relata Wells, as causas da mudança em encarar a vida foram estas:

“Rodava, certo dia, em seu carro, numa excursão de prazer e eis que passa por um homem extremamente abatido pela idade. A pobre criatura, curvada e frágil, feriu-lhe a imaginação. “Este é o caminho da vida”, disse Chana, seu condutor, e “aí temos todos de chegar”. Ainda estava isso em seu espírito, quando se lhe deparou um homem sofrendo horrivelmente de uma moléstia repugnante. “Isto é a vida”, disse Chana. A terceira visão foi a de um corpo insepulto, inchado, sem olhos, estraçalhado pelas aves e pelos animais e tornado completamente hediondo. “Este é caminho da vida”, disse Chana.”

Vira ainda sob os efeitos dessas experiências um asceta, em grande número naqueles tempos, dos quais se dizia que buscavam uma realidade mais profunda para a vida.

Sidarta Gautama, naquele momento se decidiu por aquelas mesmas buscas. Na noite em que se comemorava o nascimento do seu filho, a tudo abandona e acompanhado por Chana, seu amigo, partem pela noite em busca dessas revelações, do nirvana (?).

Sidarta de Hesse com seu amigo Govinda questiona o sentido da meditação, o jejum como modos de “fugir de nós mesmos”.

A sabedoria é o atman que está no interior de todas as criaturas.
Ali está a sabedoria.

Govinda recita, então, um verseto de um upanichade:

“Quem ao meditar com o espírito purificado, se confunde com o Atman, propiciará ao seu coração indizível bem-aventurança”. (*)

Sidarta como samana viaja ao encontro de Gautama e a despeito da santidade revelada em seu olhar e pelo sorriso sereno ele pontifica que a experiência de iluminação pertencera somente a ele, o Buda.

Com esta explanação:

“Dissera a Gautama que o tesouro e o mistério de Buda não consiste na doutrina, senão num quê indizível não suscetível de ser ensinado e cuja experiência coubera ao Augusto na hora de sua iluminação.”

E mais explanara Sidarta:

“Ora, o desígnio de sua própria jornada seria ter essa mesma experiência”.

Depois de dialogar com Buda, Sidarta mudou sua visão do mundo. Via beleza no céu azul, nas matas, o rio a correr e chegara à conclusão que não era a influência de Mara, o demônio, que tentava influenciar negativamente aqueles que saiam em busca de si mesmos, da sabedoria.

Aliás, Wells relata sobre Gautama e Mara, o tentador da Humanidade:

“Volta”, dizia Mara, “e tornar-te-ei rei e eu te farei o maior de todos.”

Tal qual a tentação de Jesus no deserto depois de 40 dias de jejum:
Mateus 4 a 10:

8. Depois, o Diabo o levou a um monte muito alto e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e o seu esplendor.
9. E disse-lhe: "Tudo isto te darei se te prostrares e me adorares".
10. Jesus lhe disse: "Retire-se, Satanás! Pois está escrito: 'Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto”.

Há um fato curioso em relação ao jejum. Num desses tempos de jejum, num dado momento caiu Gautama inconsciente e quando acordou alimentou-se certamente que chegando à conclusão de que a iluminação que buscava poderia ser alcançada com um corpo pouco mais são.
Seus discípulos horrorizados dele se afastaram.
Buda, então, percorreu sozinho seus caminhos até que sob uma grande árvore (denominada “a árvore da vida” – uma figueira), ao lado de um rio, pronto para se alimentar foi invadido por um sentido de claridade e lucidez. Ali permaneceu em profunda meditação por horas até se encorajar a informar ao mundo sua visão e iluminação.

Buda nunca assim se qualificasse, mas assim o fizeram os seus discípulos reconquistados.
E quanto a Sidarta?            
Embora no seu íntimo, nunca perdendo aquele sentimento de ascetismo, passou a viver por longo período uma vida mundana: uniu-se à linda cortesã Kamala, tornou-se comerciante rico, jogava dados, perdia e ganhava fortunas e convivia com os “homens tolos”.
Entediado por todas essas experiências mundanas, antes de retornar à vida ascética e deixar tudo para trás, teve mais uma relação com Kamala que engravidou.
Chega à beira do rio, torna-se amigo e hóspede do balseiro Vasudeva de poucas palavras, humilde, que dizia ouvir a voz do rio, porque “o rio sabe tudo e tudo podemos aprender dele.”
Passa Sidarta, que envelhece, a dividir as tarefas de atravessar o rio transportando viajantes nesse trabalho humilde mas sem perder aquele sentido de atingir o atma.
Sidarta adoece e Kamala – agora sua seguidora a quem doara seu bosque – chega até o rio para visitar o doente junto com seu filho.
É, então, picada mortalmente por uma cobra, agoniza, não sem antes informar a Sidarta que o menino era seu filho. E morre.
O menino que vivia em condições confortáveis com sua mãe, vivendo, então, naquela cabana tão precária, se revolta e passa a ofender e desprezar o pai até que foge.
Rahula, o filho de Buda, ainda criança quando o encontra o indaga sobre a herança a que faria jus,  mas bem cedo se torna monge e segue o pai até o fim da vida.
Sidarta procura o filho intensamente na cidade sem o encontrar e lhe vem à mente o desgosto que provocara aos seus próprios pais ao os abandonar e se tornar um samana.
O balseiro Vasudeva falece. Sidarta o substitui. Govinda envelhecido, seguidor das doutrinas de Buda, volta a encontrar Sidarta.
Nesse encontro de amizade profunda e amor de velhos amigos Govinda percebeu que “esse sorriso da máscara, o sorriso da unidade acima do fluxo das aparências, o sorriso da simultaneidade muito além do sem-número de nascimentos e mortes, o sorriso de Sidarta era idêntico àquele sorriso calmo, delicado, indevassável, talvez bondoso, talvez irônico, de Gotama, o Buda...”
“Era assim – Govinda o sabia – que sorriam os seres perfeitos.”     


(*)Upanichade: partes de escrituras hindus que discutem meditação e filosofia.

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