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sábado, 23 de dezembro de 2017

NADA DE NOVO NO FRONT de Erich Maria Remarque

Livro 32

O livro foi lançado na década de 20 do século passado e se constitui num relato amargo da denominada “guerra convencional” que faz suas vítimas se tornarem peças de matadouro, massacrados pelos bombardeios e granadas atiradas nas trincheiras inimigas.

Quem são esses soldados inimigos, rivais na tragédia, se não jovens atirados à linha de frente para se matarem e para não serem mortos. Que sequer sabem bem pelo que lutam.

Quando lançado e por muito tempo, o livro de Remarque foi um “best seller” absoluto inspirando dois filmes que reproduziram em parte o drama dos jovens soldados alemães na 1ª Guerra Mundial.

O livro não faz concessões aos dramas por eles vividos, tornam-se assassinos nas linhas de frente para não serem mortos no corpo a corpo naquelas guerras ditas convencionais.


Quando com a baioneta, o narrador mata um “inimigo” numa trincheira assume que o morto “está ligado à minha vida por isso tenho de fazer e prometer tudo para me salvar: juro que pretendo viver só para ele e para sua família, com lábios úmidos me dirijo a ele...”

E com esse sentimento que se estende à família do morto, pretende apenas se salvar do crime que praticou para salvar sua própria vida... 

[Se "salvar do crime", porque o assassino carrega consigo marcas da alma do assassinado].

Mas, as dores dos combates o fazem esquecer-se das promessas que fez ao morto e à sua família.

Quem é o narrador, Paul, que relata todas as tragédias que assistiu e viveu?

“Sou jovem, tenho 20 anos, mas da vida conheço apenas o desespero, o medo, a morte e a mais insana superficialidade que se estende sobre um abismo de sofrimento. Vejo como os povos são insuflados uns contra os outros, e como se matam em silêncio, ignorantes, tolos, submissos e inocentes. Vejo que os cérebros mais inteligentes do mundo inventam armas e palavras para que tudo isso de faça com mais requinte, e maior duração.”

Nos três anos no front, o narrador vai assistindo a tragédia da guerra que não pouca sequer os animais.

Cavalos gravemente feridos não relinchavam, mas em desespero emitiam sons incomuns às suas dores, tropeçando nas tripas que lhe escavam do abdômen.
Precisaram ser mortos para não prolongar o sofrimento.

E nas trincheiras,

“Corremos agachados como gatos, submersos por essa onda que nos arrasta, que nos torna cruéis, bandidos, assassinos, até demônios; essa onda que aumenta nossa força pelo medo, pela fúria e pela avidez da vida, e que é apenas a luta pela nossa salvação. “ (...) Ficamos à espreita. O fogo salta cem metros à frente – retomamos à ofensiva. Ao meu lado, a cabeça de um cabo é arrancada. Ainda corre mais alguns passos, enquanto o sangue lhe jorra do pescoço, como um repuxo.” 

Seus amigos leais, de dores e sobrevivência, vão sendo feridos gravemente ou mortos aumentando sua angústia:

“Então me admiro de como esta atividade inexplicável que se chama Vida se adaptou mesmo a tais formas. A vida é simplesmente uma constante vigília contra a ameaça da morte; faz de nós animais para nos dar a arma terrível que é o instinto...”
[Os soldados americanos que combateram no Vietnam ao voltarem ao país chegaram a ser rejeitados ao retornarem à “vida normal”. Essas restrições aos combatentes foram amenizadas com programas próprios oficiais de integração com destaque à vida profissional].

Trata-se de uma obra a ser revista ou conhecida. Gostei muito.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

MEMORIAL DO CONVENTO de José Saramago

Livro 31

Quem leu obras de Saramago, sabe de seu estilo diferente de qualquer outro autor. Praticamente não usa ponto ao final de frase, que é substituído por vírgulas dando o mesmo efeito daquele e, principalmente, não usa travessão nos diálogos e nem ponto de interrogação.

E o vocabulário é do português de Portugal, páginas densas e às vezes difícil de acompanhar. Ao nível da irritação.

Além de “Memorial do Convento” eu li “Ensaio sobre a cegueira” que não gostei porque a violência eclode mesmo entre nós todos que enxergamos, e também “O Evangelho segundo Jesus Cristo”. Nesse livro talvez seja a primeira revelação literária de que Maria Madalena fora esposa ou companheira de Jesus. Mas, como prostituta redimida e não como esposa espiritual de Jesus que o acompanhou em sua pregação razão do desprezo que recebeu da Igreja Católica.

Desses dois livros embora lidos não tenho, pelo tempo decorrido, condições de os comentar por ora.

José Saramago recebeu o prêmio Nobel de literatura de 1998.






“Memorial do Convento” é um livro com 347 páginas “cheias” composto de várias fazes

A história se desenvolve no início dos anos 1.700, em Portugal.
O rei Dom João V está angustiado porque a sua esposa e rainha D. Maria Ana não engravida.

Mas, o frei Antônio de S. José disse que ele teria os filhos que quisesse mas haveria que prometer construir um convento franciscano em Mafra, distante uns 30 quilômetros de Lisboa.

E, feita a promessa, vieram os filhos.

[“Em noites em que vem el-rei, os percevejos começam a se atormentar mais tarde por via de agitação dos colchões, são bichos que gostam de sossego e gente adormecida. Lá na cama do rei estão outros à espera do seu quinhão de sangue, que não acham nem pior nem melhor que o restante da cidade, azul ou natural”].

E a promessa foi cumprida, mas a epopeia da construção constitui-se uma das partes do livro.

Na sequência ingressa na história o ex-soldado Baltazar Mateus, o Sete-Sois, dispensado do exército porque um tiro em batalha com os espanhóis perdera a mão esquerda e não servia mais para as armas.

Em substituição à mão, mais tarde, seria adaptado um gancho.

Perambulou por Mafra, foi para Lisboa – fétida, lamacenta e suja -, para sobreviver mendigou nessa vida sem esperança até que conheceu Blimunda ao acaso quando ambos lado a lado assistiam atos públicos do “santo ofício” que expunham todos os condenados pela inquisição.

Entre eles, estava a mãe de Blimunda, Sebastiana Maria de Jesus, que dizia ouvir vozes do céu mas disse o tribunal que a condenou que eram “efeitos demoníacos”. Fora condenada ao açoitamento e o degredo por oito anos em Angola.

A mãe de Blimunda vê ao lado da filha o padre Bartolomeu Lourenço e também um homem alto que a impressionara muito. Passou a condenada por Blimunda que naquele instante quis saber quem era aquele homem alto ao seu lado (algum tipo de transmissão telepática entre a mãe e a filha?).

Era Baltazar Sete-Sóis 

Unem-se sem se casarem, um sacrilégio.

Blimunda, em jejum, pela manhã, tem poderes de ver as vontades das pessoas, não a alma, e também as coisas “por dentro” (!).

Assim, para nunca ver as vontades das pessoas, nem de Baltazar, comia pão de olhos fechados para suspender esse seu dom.

A ligação de Baltazar com o padre Bartolomeu Lourenço (de Gusmão) se deu após pedir ajuda a ele que indagasse os desembargadores se seria possível concessão de pensão como forma de reconhecer a perda de sua mão esquerda em batalha.

E nesses contatos, o padre, conhecido como voador, porque fizera experiência na corte de João V com balões leves (aeróstatos) que subiam impulsionados tenuemente por ar quente.

Fazem uma parceria incluindo Blimunda – a quem “batizara” de Sete-Luas -, para construir a passarola, um aparelho que voaria com velas e esferas de âmbar.

Aqui a ficção.

Pronta a passarola, bate o vento um dia e ela alça voo, e flutua por muitos quilômetros. Os que na terra a viram no alto, acreditavam tratar-se da aparição do espírito santo.

A outra parte do livro descreve a epopeia para construir o convento e a igreja em Mafra, o grande sacrifício para conseguir profissionais, obter o material, o seu transporte e até mesmo uma pedra imensa, puxada por centenas de bois.

Sete-Sóis trabalhara nessas obras fazendo transporte manual de materiais e deslocamentos de terra, mesmo com o gancho que ostentava no braço esquerdo.

Em meio a essas obras, deu-se o casamento da filha do rei João V com o príncipe Fernando da Espanha, tudo relatado com detalhes por Saramago.

Sete-Sóis nunca esquecera a passarola e frequentemente voltava onde ela estava escondida entre a mata para mantê-la e repará-la.

Num dos últimos episódios do livro Baltazar Sete-Sóis volta à passarola e desaparece. Blimunda angustiada o procura por nove anos, comete um crime, assassinando um monge que tentara estuprá-la num noite de descanso numas ruinas de um convento.

Até que o encontra numa fogueira da inquisição mas protegida por uma “nuvem fechada”: “Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltazar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda”.

Realidades:

Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o padre “voador” 

Nascido em Santos, em 1685 e falecido em Toledo – Espanha em 1724, esquecido, doente, considerado inventor talentoso conseguira resultados positivos em suas experiências na corte portuguesa com os aeróstatos (balões).
Não seriam a origem dos balões atuais?

Perseguido pela inquisição pela suposta simpatia devotada aos “cristãos-novos” (judeus).

Seus restos mortais foram trazidos para São Paulo em 2004 e sepultados na cripta da Catedral da Sé, localizada no subsolo sob o altar-mor ao lados dos túmulos dos bispos e cardeais que comandaram a arquidiocese da cidade.

A passarola

Um “projeto” controvertido, atribuído a Bartolomeu de Gusmão, objeto de deboche que nunca voou porque não teria condições para tanto.



Convento de Mafra

Uma das obras magníficas de Portugal: foi iniciada em 1717 e sagrada em 22/10/1730, ainda não terminada, aniversário do rei João V que por isso exigiu sua inauguração e por ser domingo, tem área de 40 mil m² possibilitando alojar 300 frades.