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segunda-feira, 3 de abril de 2023

O MULATO de Aluísio Azevedo

 LIVRO 106




O livro é forte porque trata com rudeza a escravidão e o preconceito a um mulato;

Foi lançado em 1881. A história se passa em São Luiz do Maranhão.

Em poucas páginas deixou o Autor de apontar o absurdo da escravidão e, no caso do personagem "mulato", Raimundo, ao nascer paixão doentia entre ele e  a branca Ana Rosa.

Queriam se casar mas ele era... "mulato", filho de uma escrava e um traficante de escravos abastado, José Silva, assassinado, irmão de Manoel, pai de Ana Rosa mas o interesse matrimonial com a prima, tivera rejeição do padre vilão, Diogo, da avó e do próprio pai da moça.

O livro não diz em contrário, não ostentava Raimundo a cor mais escura, tendo se formado em Direito em Coimbra, culto, de pensamento irrepreensível, visitado outros países europeus e os Estados Unidos, tudo por conta da herança do pai assassinado.

Então, voltara ele ao Maranhão, sendo hospedado com honras por seu tio Manoel até que concluísse negócios não bem definidos, mas atinentes aos bens deixados por seu pai. Depois, partiria para o Rio de Janeiro para exercer sua profissão.

Então, hospedado na casa do tio, entre Raimundo e Ana Rosa nasce aquela paixão "incontrolável".

E essa paixão resultaria em tragédia.

São personagens principais da obra, que têm destaque na história:

Dona Maria Bárbara, sogra de Manoel — com quem fora morar após a morte prematura da filha e esposa dele — e avó de Ana Rosa:

"Era uma fúria! Uma víbora! Dava nos escravos por hábito e por gosto, só falava a gritar e, quando se punha a ralar, — Deus nos acuda! — incomodava toda a vizinhança! Insuportável!"

Manoel Pedro da Silva, o Manoel Pescada, pai de Ana Rosa, comerciante, com "caixeiros" que o auxiliavam na administração dos negócios sobressaindo-se Luiz Dias um empregado que pensava em o tornar sócio nos negócios e futuro marido de Ana Rosa.

 Ana Rosa, que fora orientada por sua mãe, às vésperas de sua morte, para se casar com o noivo que amasse, "a não aceitar marido contra o seu gosto".

Padre Diogo, vaidoso, hipócrita, "pecador", vilão, tinha forte influência sobre Manoel, sobre seu irmão José e sobre Ana Rosa de quem era padrinho. Era um severo opositor do romance entre a afilhada e Raimundo. Um opúsculo subtraído de seu quarto de modo clandestino por Dias revelou que ele seria maçom ou simpatizante e, como tal, contrário à doutrina católica. E ele o acusa de ser maçom.

José Pedro da Silva, enriqueceu negociando escravos. Quando Raimundo nasceu ele e sua mãe Domingas receberam carta de alforria. Casou-se com Quitéria  Santiago, viúva rica, megera, despreza os escravos e traiu o marido com o padre Diogo. Desesperado, enforca a mulher e, então, o padre o chama de criminoso e lhe faz um proposta: ele, José, nada diria das relações do padre com sua esposa e o padre por sua vez nada diria do assassinato. E as coisas foram resolvidas pelo padre perante à comunidade. 

José seria assassinado com um tiro, não esclarecido, quem sabe crime engendrado pelo padre.

Domingas, a escrava, mãe de Raimundo vivendo numa fazenda em ruinas de propriedade de José da Silva. Sua imagem era horrível, um espectro que assustava quem se aproximasse da antiga fazenda (São Brás). Raimundo tentou resgatá-la, sem sucesso.

Raimundo que chegara da Europa sendo hospedado na casa do seu tio Manoel. A presença dele na mesma moradia de Ana Rosa resultou na paixão desmedida. Seu tio Manoel rejeitou o pedido de casamento que ele fizera para desposar Ana Rosa e foi franco e essa rejeição: "Recusei-lhe a mão de minha filha, porque o senhor é filho de uma escrava (...), O senhor não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos."

DESFECHO

Ana Rosa estava grávida e isso sabia o padre Diogo, seu confessor. No seu desespero ela não faz mais segredo da gravidez. Ela sonhava com o filho que iria nascer.

Raimundo desistira de deixar o Maranhão e não embarca

Mesmo assim com tanta oposição ao casamento, Raimundo e Ana Rosa depois de tantas contrariedades, da paixão descontrolada dela resolvem fugir. A carta informando data, modo e detalhes da fuga foi interceptada e lida pelo padre Diogo. Depois encaminhada normalmente à Ana Rosa.

O padre Diogo, sabendo do plano, coloca na mão de Dias um revólver e o convence a assassinar Raimundo. Tal se dá e abre a ele o caminho para conseguir o casamento com Ana Rosa.

Ela ao descobrir a morte de Raimundo entra em choque de modo severo. Ao desfalecer, deixou "pelo chão um grosso rastro de sangue, que lhe escorria debaixo das saias, tingindo-lhe os pés."

O crime não foi esclarecido como não fora do próprio pai de Raimundo.

O final não é feliz, suportável, tudo se acomodando pelos rigores do tempo e pelo esquecimento da sociedade fútil. Nesse quadro fútil e de tolerância hipócrita, mesmo Ana Rosa, embora impedida violentamente, não seguiu os conselhos da mãe.

Retratos de uma época que até hoje expande resquícios.

A obra além de revelar-se antiescravagista descreve aquelas cenas amargas de rejeição àquele que tinha nas veias, o sangue escravo. Suas páginas "agridem". Não é hipócrita amenizando a escravidão sem moral e  ética dos senhores e o preconceito cujo mal até agora não foi curado.

Na "orelha" da capa lê-se que referindo-se ao Autor, depois de polêmica que seu deu com artigos que redigiu e amigos no jornal anticlerical "O Pensador":

"A situação se agrava com a aparição do romance "O Mulato" em 1881, de tal maneira Aluísio é hostilizado em sua própria terra que se transfere de vez para o Rio de Janeiro nesse mesmo ano."

Outro mérito: em diversas páginas relata a obra o folclore maranhense naqueles tempos, descrevendo as comemorações da festa junina de São João. 

O livro é bom e tem muitas páginas a usufruir.

 


domingo, 2 de abril de 2023

A DIVINA COMÉDIA de Dante Alighieri

Edição especial (II)











Dante nasceu em Florença em 1265.  Faleceu em 1321 na cidade de Ravena, cidade onde viveu depois de ser expulso e condenado em sua cidade natal, por posições políticas que adotou.

A sua obra sobrevive desde o século XIV. Ela foi escrita entre 1310 a 1321 e seu título fora apenas "Comédia" pelo estilo e linguagem simples adotado por Dante Alighieri, idioma italiano e não o latim normalmente adotado em outras obras.

A obra se tornaria "Divina Comédia" porque Boccacio, também italiano, autor de Decameron (1) que acrescentaria, ao título da obra de Alighieri, a palavra "divina".

Principalmente a primeira parte do poema, "Inferno", impacta pelos castigos que o autor engendra para punir com o fogo eterno todos os pecados mortais.

O “Inferno”, então, é uma leitura depressiva ou agressiva dependendo da ótica de quem lê a obra.

E, se fora escrita como "comédia" por Dante, a verdade é que mesmo neste século XXI muitas são as calamidades e tragédias quando impressionam pelos seus desdobramentos qualificadas de "dantescas".

Obscura como é a narrativa, me levou a pensar se o "Inferno" de Dante não tem algo a ver com a doutrina católica da Idade Média, a inquisição brutal cujos métodos de tortura e sacrifício infligidos aos “pecadores”, nos detalhes, causam tanta emoção e perplexidade ainda hoje.

O próprio Dante é o personagem central do livro. Perdido numa local inóspito, numa floresta, ameaçado por um enorme leão, por ali vaga aos tropeços, em desespero, mas num momento percebe alguém perto de si que o informa não ser homem vivo e, então, Dante reconhece estar diante do grande poeta Virgílio:

Oh! Tu, tu és Virgílio, cuja eloquência ...qual fonte ...jorra versos fartamente? Mestre dos poetas.

[Virgílio fora o Autor da obra “universal” Eneida. (*)]

Virgílio chegara até Dante atendendo a um pedido da pura Beatriz para ser seu guia nas regiões do inferno e purgatório. Dante receia essas regiões mas é informado por Virgílio que era desejo de Beatriz.

Virgílio, um pagão não condenado ao inferno porque sua conduta não o levara a esse castigo extremo, foi autorizado a conduzir Dante aos círculos do Inferno e ao Purgatório. No Paraíso, proibido o acesso do poeta, Dante fora conduzido pela própria Beatriz.

Beatriz,  menina de nove anos de quem ele, Dante, se apaixonara, pelo seu rosto angelical, pela sua pureza. Sobre ela, assim a descrevera no opúsculo "Vida Nova" de sua autoria:

"Apareceu vestida de nobilíssima cor, humilde e honesta, sanguínea, cingida e ornada à guisa que a sua juveníssima idade convinha."

[Na “vida real”, Dante não a desposou, mas aquela imagem de pureza feminina jamais esqueceria a ponto de, em sua "Divina Comédia", seria Beatriz sua guia no Paraíso]. (2)

Inferno

Sim, “O Inferno” de Dante é brutal. Ao identificar os condenados ao fogo eterno (e até ao gelo eterno) há um momento em que ele, autor, se vinga de seus desafetos florentinos. E nesse bem descrito clima de horrores, converte Deus num agente cruel, imperdoável, pelo que dominam os demônios e a própria figura horrenda de Lúcifer.

Habitam também no inferno, figuras mitológicas, como o Minotauro, o monstro com cabeça de touro, Caronte, o barqueiro infernal, Cérbero, o cão de três cabeças, guardião dos infernos,  todos personagens da mitologia grega. E também serpentes gigantes que picam os ladrões que são reduzidos a cinzas para em seguida renascer...

Esses personagens mitológicos não fazem parte da "comédia"?

Logo na entrada do Inferno Dante se depara com um letreiro escuro que dizia: "Abandonai toda a esperança, ó vós que entrais."

“Ó justiça divina, quão dura sois que tamanhos golpes desferis na punição extrema dos pecados!”

Então à indagação de Dante, Virgílio responde: "Aqui convém deixar de lado toda suspeita, toda debilidade."

E porque "nos encontramos no lugar onde verás a gente atormentada que não pôde conservar a luz do bem",

Sobre as queixas e lamentos em meio à escuridão que Dante ouve:

“Tal horror espicaçava-me a mente, e eu disse a Virgílio: Mestre, que ouço agora? Que gente é esta, que a dor está prostrando?

"Queixa-se dessa maneira”, tornou-me ele, “quem viveu com indiferença a vida, sem ter nunca merecido nem louvor nem censura ignominiosa. Faz-lhes companhia um grupo de anjos mesquinhos, que a Deus não manifestaram nem fidelidade nem rebeldia, expulsos dos céus; nem o inferno profundo os acolhera, pois os anjos rebeldes se jactariam de lhes serem superiores em algo.” 

O inferno é constituído por nove círculos e em cada com seus abismos e valas que situam todos os tipos de pecados e castigos eternos:


Ali, além de Virgílio estavam Platão, Sócrates, Hipócrates, Homero – rei dos poetas.

“São os escolhidos, respondeu o mestre, do Céu, que recompensou fama alta e preclara com que na Terra, foram engrandecidos.”   
    

Aqui cumprem o castigo eterno homens e mulheres que sofrem com vento fortíssimo, seus vícios com a luxuria. Viram os poetas ali a libidinosa Cleópatra, também Helena. Páris e Aquiles. “E mostrou-me mais um bando de sombras que o amor conduzira à sepultura, nomeando-as”


“Todos lá chamava-me Ciacco. Pelo vício da gula eu sofro à chuva, miseravelmente, enregelado e fraco, Entretanto, não peno sozinho, pois os que aqui estão com castigo foram punidos por igual pecado.”


Lá estavam também clérigos, cardeais e papas que se dedicaram ao desperdício e todos aqueles dominados pela avareza. Condenados a “rolar  enormes pesos e a se injuriarem mutuamente.”


“As almas que pela ira foram vencidos”. Permaneciam sob água imunda. Imersas no lodo, recitam estas palavras: "Tristes fomos sob os doces ares que o Sol aquece e que nossa ira toldou. Hoje, mais triste somos neste negro lodo."


“Mestre”, disse eu, “que gente é esta que desse modo deixa ouvir seu sofrer imenso?” E ele: “Aqui estão reclusos os heresiarcas e seus seguidores. Bem mais do que podes julgar, estão cheias estas tumbas. Aí se encontram iguais com iguais, réus dos mesmos crimes; as tumbas queimam segundo a gravidade da heresia feita.”
Conselho de Virgílio: 
"Paremos um pouco na descida pois convém acostumar o olfato ao mau cheiro. Assim, não sofreremos tanto os seus efeitos."


A violência contra o próximo; os assassinos, os tiranos cozinham no sangue fervente: “São os tiranos, os que viveram da pilhagem e do sangue derramado. Aqui são pagos impiedosos danos.
Neste 7º círculo estão os suicidas que se transformam em árvores:
Diz Dante:
"Arranquei então o ramo de um galho. E o tronco clamou: "Por que me partes?" Cobrindo-se logo de negro sangue, prosseguiu:
"Por que me feres? Não possuis um mínimo de piedade? Já fomos homens, hoje somos lenho; mas se fôssemos almas de serpente, menos cruel sua mão seria."
Também se insere em outro recinto os violentos contra Deus, contra a arte e contra a natureza. A estes são castigados por uma chuva de fogo.
E também no 7º círculo foram encontrados os sodomitas que sob fogo intenso, eram vítimas de “horríveis chagas”.


Os pecadores eram os fraudadores do todo tipo, os que se beneficiaram do tráfico de cargos, os falsários, os corruptos, os prevaricadores... cada um exposto nas dez valas desse Círculo.
Os castigos não eram comuns a cada tipo de pecado: havia enterrados de cabeça para baixo, ficando do fora os pés em chamas, cabeça virada para as costas,  os mergulhados no betume fervente, conduzidos pelo mais negro demônio...
Então, em todas essas valas eram os fraudadores mantidos nos mais severos e eternos castigos
A um dos pecadores, Dante o questiona:
"Ó tu que baixas o olhar! (...) que pecados cometeste para ser reduzido a tal estado?
E ele responde: 
"Eu te responderei de má vontade. Cedo ao som desse falar gentil que à memória me trouxe a felicidade antiga. Fui aquele que induziu sua irmã, a bela Gisola, a satisfazer os desejos do marquês. Só agora  revelo tal acontecimento (...) Ia dizer mais quando um demônio o golpeou, gritando: “Em frente, rufião, aqui não há mulheres a que possa explorar”.


Com muito rigor são punidos todos os traidores inclusive da pátria, aqueles que traem seus benfeitores, seus amigos.
Nesse círculo até Judas Iscariotes paga seus pecados, transformado num "corpo" deformado.
Esses pecadores não ficavam sob calor e fogo dos infernos, mas sob frio intenso.
E foi aí, nessas geleiras que se depararam Virgílio e Dante com Lúcifer e sua figura tenebrosa: 

"O imperador do reino doloroso erguia o peito para fora da geleira. Eu, com minha estatura, mais próximo estou de um gigante do que um gigante, comparado com o braço, apenas, de Lúcifer. Imagina pois, caro leitor, quão grande será Lúcifer se calculado pelo tamanho dos seus braços. Se um dia foi belo, quanto hoje é horrendo; se contra o Criador alçou a fronte, bem entendo seja ele a fonte única do mal que o mundo chora."

 ●●●
Com todas essas passagens pelo Inferno, Dante e Virgílio de lá saem por galeria subterrânea e retornam à superfície da Terra.

O quadro de Sandro Botticelli (Florença, 1445/1510) 

O pintor Sandro Botticelli, autor de obras primas, como é o caso da delicadeza refletida no “Nascimento de Vênus”...











... pintou o quadro "horroroso" dos círculos e valas do "Inferno" inspirado no Inferno Dante Alighieri. 
Até hoje, séculos depois, estudiosos das artes se debruçam sobre esse quadro tentando desvendar seus detalhes. 

                        
                        











Representação do inferno e seus círculos















REFERÊNCIA:


(1) DECAMERON (1353):  Autor: Giovanni BOCCACCIO nascido em Paris em 1313 e falecido em 1375. É um romance que fala sobre 7 mulheres e 3 homens que decidem fugir da peste que assolava a cidade de Florença, na Itália, no ano de 1348. Os 10 partem juntos para uma casa de campo, onde ficam por 10 dias, a fim de se proteger das doenças e celebrar a vida. Todos os dias, cada um dos integrantes do grupo contava uma história e os relatos giravam em torno das paixões, sexo, infidelidades, enfim, tudo o que havia de proibido e pecaminoso na sociedade medieval. (Fonte: “Superinteressante” de 16.10.2016) 

(2) VIDA NOVA de Dante Alighieri







Purgatório

Continuando na leitura de “A Divina Comédia”, agora na sua segunda parte, “O Purgatório”.
Há uma mudança no modo de identificar os pecadores que tiveram “a sorte” de se arrependerem dos pecados antes da morte, pelo que foram aceitos no Purgatório.

Também uma montanha em cuja base se aglomeravam os “eleitos” tentando galgar em caminhos ríspidos, os primeiros “terraços” até atingirem as vizinhanças do céu.

Mas, os castigos aos pecadores no Purgatório não eram menos estranhos, algo realmente digno de comédia.

Pareceu-me até que o estilo da redação mudou um pouco em relação ao “Inferno”, mas a leitura continua densa, inserindo Dante, para interagir com ele e Virgílio, figuras mitológicas.

“Ah! Quão diversos são estes círculos daquele outros infernais! Aqui, cantares divinos; lá gritos irados!”

E há a presença de anjos que ajudam os poetas nos caminhos inóspitos.

No Purgatório já há referência a questões mais “reais”:

O peso da oração:

“Mas nenhum anátema [excomunhão] é tão poderoso que deserde a alma do amor divino enquanto a esta alma restar a confiança no Sumo Amor. Essa alma deve permanecer fora do Purgatório trinta vezes o tempo em que na Terra viveu apartado da Santa Igreja, se preces do mundo não lograrem encurtar tal período”.

Mas também “cenas” como esta:

“Um delas (alma), adiantando-se, esboçou o propósito de abraçar-me, e com tal ímpeto que de entusiasmo igual fui tomado. Vã tentativa, pois a sombra era verdadeira só em aparência! Três vezes querendo estreitá-la, três vezes ao peito eu trouxe apenas as minhas mãos”.

Pecados e penitências:

⦁ Primeiro recinto: Dante reconhece alguns penitentes e pergunta a um próximo: "Não és Oderísio mestre da iluminura?" Responde  o penitente que havia trabalhos mais alegres e mais coloridos de outro artista os quais não proclamou ao mundo quando vivo, "pois a isso me impedia o mundano desejo de em tudo ser o primeiro. Dessa soberba aqui se paga a pena. Estaria em pior lugar, não houvesse mostrado a Deus que de meus pecados, no extremo momento me arrependera. É gloria vã dos ímpetos humanos! Quão pouco dura o verde no cimo, se não seguido de época medíocre."

 ⦁ Segundo recinto: a alma dos invejosos. Nada viam porque suas pálpebras estavam costuradas nos olhos por fios de metal...

 ⦁ Terceiro recinto: os iracundos [irados] eram envolvidos por fumaça que provocava escuridão “tal que nem no inferno eu vira”. E esses espíritos cantavam. Virgílio confirma e explica: “E por esse modo desatam os nós da ira que os ataram ao passado.”

⦁ Quarto recinto: encontram os poetas penitentes que negligenciaram as obras da fé e caridade.

⦁ Quinto recinto: os avarentos deitados com o rosto voltado para a terra: “Havendo a avareza extinguido em nós a intenção do bem, a justiça divina que nos punir com fazer-nos olhar as coisas terreais”.

⦁ Sexto recinto: os  gulosos e que se entregaram à bebida, agora esqueléticos sentem o aroma dos frutos e o frescor da água, sem poder comer ou beber: “Felizes os que a graça divina livrou dos estímulos da gula e que só com o necessário se contentam.”

 Sétimo recinto: Os luxuriosos e os lascivos: “O primeiro grupo era dos luxuriosos de acordo com a natureza; o segundo, de lascivos contra a natureza.”
Esses todos caminhavam sob fogo, cumprindo sua penitência porque também se arrependeram a tempo de seus graves pecados.

"Nosso crime foi o do hermafroditismo, ao transgredir o normal copiando, quais brutos, o apetite das bestas.

Um dos interrogados cumprindo a penitência:
“Ditoso és, pois de nossa experiência, podes colher a lição de viver melhor para bem morrer! Os que marcham em sentido contrário ao nosso purgam o pecado de haver César de Rainha”.

["Cesar Rainha".  Essa a explicação do texto acima em nota de rodapé — naqueles tempos já o escárnio:“Júlio Cesar, segundo Suetônio, mantivera relações carnais com o rei oriental Nicomedes. A fim de aborrecê-lo, seus soldados após a vitória contra os galos, saudaram-no aos gritos de “Viva a Rainha”.

Beatriz e despedida de Virgílio
















A partir dai, aproximando-se dos ares celestes, Virgílio deixa seu discípulo sem mais seu apoio embora outro poeta se aproximara. Estácio.

Virgílio retorna ao Limbo, local dos não batizados e pagãos virtuosos.

Ao ascender às alturas da montanha do Purgatório, Dante encontra Beatriz sua musa angelical lembrança dos tempos de infância que lhe diz:

“Dirigiu assim os passos por caminho errado, seguindo o que do bem era apenas falsa imagem – enganadora promessa de constância. Em vão, por meio de sonhos, procurei guiá-lo, e em vigílias fiz com que divisasse o verdadeiro bem. Com nada disse se importou. Tão fundo mergulhou no pecado que, para reerguê-lo, não havia senão um remédio: mostrar-lhe as penas que no Inferno aguardam as almas danadas.”

Paraiso


Quais as emoções teria algum mortal de se aproximar do céu, dos vários estágios de santidade?

Pois o relato do Autor revela sempre alta luminosidade dos espíritos que ofusca sempre sua visão mortal, um som musical enternecedor tudo inspirando exatamente a presença das santidades.

Afinal de contas, para chegar aos céus, beirando a Divindade máxima teria que revelar virtudes incomuns.

E é Beatriz, aquela sua amada e guia, de pureza angelical que conhecera em criança e preservara aquela imagem, o conduzia aos vários céus:

“Beatriz, capaz de ler meus pensamentos tão bem quanto os mesmos os conhecia, disse-me: “Teu espírito se deixa perder em raciocínio errado, pois julga-te ainda na Terra. Assim, não vês o que poderias estar vendo. Compreende que nem o raio desce tão veloz para a Terra quanto estas subindo ao Céu”.

Tratando-se a obra de “comédia”, os santos que vai conhecendo em sua subida aos vários estágios dos nove céus, não revelaram o erro da crença no geocentrismo, teoria de que a Terra era estática e todos os astros e o sol giravam em torno dela.

Beatriz:

“O movimento universal, que mantém a Terra imóvel e faz girar ao seu redor os demais astros, daqui se endereça ao Universo inteiro”.

A teoria do geocentrismo foi formulada por Ptolomeu. O matemático Copérnico deu forma à teoria do heliocentrismo em 1543 que explicava que a Terra e os demais astros giravam em torno do Sol estático – que seria o centro do universo.

Nem o Sol é estático e ele se constitui pequena estrela no universo.

No geral, nos encontros de Dante com os santos nos vários estágios celestiais, havia forte influência católica.

Se pensada a obra hoje, ela seria considerada “feminista” tal a influência espiritual de Beatriz sobre o narrador e mesmo nos vários céus.

O Paraíso de Dante é composto de vários céus.

O 1º Céu, a Lua

O primeiro Céu é aquele que se concentra na Lua, por ser o astro mais próximo da Terra. E o mais distante do Empíreo (Céu).

Então, diz Dante o narrador:

“Não tive a partir de então mais dúvida de que qualquer das partes dos céus é o mesmo Paraíso, e que, contudo, a graça divina não reside por igual em todas aquelas partes.”

Nem o Céu, então, seria igual para todos.

Nesse 1° Céu encontra Picarda Donati que lhe diz que num meigo sorriso:

“Seguimos aqui as leis da caridade, que Deus implica à Sua corte”.

E diz mais Picarda que é uma alma bem-aventurada, “apenas espero nesta esfera que é de todas a mais lenta”.

E que,

“A sorte que nos coube, que parece inferior, devemo-la uns ao mau cumprimento dos votos religiosos, outros ao esquecimento total de tais votos.”

 O 2º Céu, Mercúrio

Nesse Céu, o narrador se depara com Justiniano que diz ter sido eleito Cesar por inspiração do Espírito Santo e que expurgara “as leis que tinham de injusto e excessivo”.

E ele diz que,

“Nesta pequena estrela, muitos espíritos justos se esforçaram bastante no mundo para nele deixar honra e fama marcantes.”

Há, ainda, os esclarecimentos de Beatriz às dúvidas de Dante sobre a crucificação de Cristo.

Diz ela entre muitas reflexões, “eis que mais generoso mostrou-se Deus utilizando Seu sangue para redimir o homem do que só meramente lhe perdoasse”.

A redenção do homem tem a ver com o pecado de Adão, referindo-se à natureza humana que é expulsa do Paraíso por sua culpa “pois afastou-se do caminho da verdade e da vida.”

O 3º Céu, Vênus

Informa a introdução desse céu que nele se encontram almas que embora suscetíveis ao amor físico, “foram agraciados com a salvação”.

Um dos espíritos que se apresenta ao narrador respondendo uma dúvida diz,

“O Bem que alegra este reino a que acabas de subir – Deus – faz com que a Sua obra, nestes corpos celestes manifestada, tornem-se virtudes aptas a influenciarem os mundos inferiores”.

Diz, também, dos diferentes nascimentos e pessoas diferentes. Faz referência, entre outros a Esaú e Jacó irmãos consanguíneos tão diferente. Porque “os céus giram e enviam influxos aos mortais, sem cuidar de qual casa em que venha a baixar esta ou aquela essência”.

Em outro ponto, uma outra alma emitindo luzes, fulgor, se justifica dizendo que o fato de terem amado quando na Terra, foram amores esquecidos, preenchidos pelo amor divino que lhes dispôs Deus.

E no final, referindo à “flor maldita” que seria a moeda florentina: por ela os Evangelhos foram abandonados pelos papas e cardeais, que passaram a consultar e seguir a Decretais, conjunto de leis canônicas e jurídicas.

O 4º Céu, Sol

Neste Céu, pela influência do Sol, Dante destaca a radiante Beatriz que tornara-se resplandecente em altíssimo grau.

Ali aproximam-se almas diversas, inclusive de Salomão, irradiando altíssimo brilho, porque “tão alta foi sua mente, tão vasto e profundo o seu saber, “que certo quanto a verdade outro igual não se ergueu na Terra.”

Porém, Salomão mesmo não se manifesta.

Quem se aproxima é Santo Thomaz de Aquino que relata a Dante a história de São Francisco de Assis que “muito jovem entrou em conflito com o pai por amor daquela dama (a pobreza) à qual assim como a morte ninguém abre a porta com prazer.”

São Thomaz de Aquino também reflete sobre a sabedoria de Salomão: pedira ele a Deus essa sabedoria para discernir entre o que um rei digno deve praticar e o que não deve.

São Boaventura também se manifesta narrando a história de São Domingos. Servo de Cristo, que ama muitas vezes prostrado em terra desperto e silencioso, como a dizer: ‘Para isto fui destinado!”

O 5º Céu, Marte

Este é o céu dos que lutaram em prol da Igreja.

Destaca-se a presença do trisavô de Dante que revela que lutara na guerra “contra o infiel que usurpa o vosso direito na Terra Santa, por culpa do pastor que a negligencia. Por aquela torpe gente fui tirado ao mundo, pelo martírio da morte subi ao Paraíso, encontrando a paz eterna”.

Cacciaguida, esse era o seu nome, informa que o seu filho e bisavô de Dante cumpria purificação ainda no purgatório e que a oração poderia minorar sua penitência.

Fala de Florença do seu tempo que “vivia em paz, casta, sóbria, cingida por antigos muros dentro dos quais fora erguido templo que mesmo hoje assinala a passagem das horas!"

Ele vaticina que Dante deverá se afastar de Florença, sofreria com essa ausência como já ouvira tal anuncio em sua passagem pelo inferno e purgatório.

Mas, diz o seu trisavô sobre seu exílio forçado de Florença por embates políticos:

“Porém, não deves invejar a teus conterrâneos, pois o teu renome há de ultrapassar em muito o tempo em que as perfídias daqueles receberão o merecido castigo”.

O 6º Céu, Júpiter

Nesse Céu habitam as almas dos príncipes bons. O símbolo da Justiça divina é a águia cujas asas são compostas por almas luminosas.

Um conceito importante transmitido pela águia se refere aos limites impostos aos extremos do mundo e nesse entendimento há coisas que são e que não são do “nosso conhecimento” e no Universo algo ao homem que permanece inexplicado, “pois não pode a vossa razão por sua natureza, entender Deus para além daquilo em que Ele próprio desejar”.

“Ó predestinação”. E vós mortais, hão de cuidar dos julgamentos, porque nem mesmo sabemos dos Seus eleitos.

A águia continuou:

“Jamais subiu a estes reinos quem não acreditasse em Cristo , nem antes nem depois que Ele fosse cravado ao lenho. Não obstante, há muitos que, embora bradando ‘Cristo! Cristo!’, quando levados a juízo serão mandados para lugares mais afastados do que muitos que não O conheciam”. 

O 7º Céu, Saturno

Nesse céu estão as almas que praticam a contemplação.

À medida que avançavam nas várias escalas o fulgor que Beatriz emitia em sua santidade poderia até mesmo causar males físicos no narrador, até mesmo se risse, “pois minha formosura conforme pudeste verificar, aumenta à medida que subimos os degraus dessa eterna escada.”

Dante dialoga com São Pedro Damião e aqui também há a preocupação com os mistérios da predestinação. Considera, pois, não ser possível entender na Terra aquilo que não se pode compreender nem no Céu”.

Disse ele que se dedicou ao serviço divino, alimentando-se parcamente e de azeite, suportando alegremente o verão e o inverno em contemplação.

Hoje, diz ele, os pastores modernos sempre precisam ter servos por perto para ajudá-los tão gordo ficam, para se manterem de pé.

São Benedito também se aproxima e na sua preleção também estranha os novos tempos em que suas regras monásticas, inúteis, jazem no papel.

“Tornaram-se espeluncas os muros que serviam de abadia, e o capuz monástico, transformou-se em saco para farinha de má qualidade”.

O 8º Céu, Estrelas fixas

Neste Céu, Dante pode ver o esplendor de Cristo, chamado de “a bela flor” (A Rosa mística): “Vi essa viva estrela, maior em grandeza e luzimento, que todos as outras supera, no Céu e na Terra”.

Responde o narrador a São Pedro sobre a fé, “que é a substância do que se espera e argumento que, mesmo sem prova, leva à convicção”.

São Tiago o interroga sobre a esperança. Respondeu Dante, o narrador: “A esperança é o aguardar sem nenhuma dúvida, a glória futura, por efeito da graça divina e do mérito precedente”.

De São João Evangelista, o que entendia Dante sobre a caridade: “... a divina essência da caridade é por tal modo avantajada que todo e qualquer bem porventura existente fora dela não será senão reflexo pálido de sua virtude”.

Por fim, São Pedro mostra sua indignação contra os desvios do temporal, aqueles que usam vestes de pastores, mas são lobos vorazes que ocupam os currais. E proclama o santo: “Ó cólera divina, por que não te fizeste sentir ainda?”.

O Céu - Empíreo

As descrições do Céu são de irradiação de luzes intensas de difícil fixação pelos olhos humanos.

Beatriz é substituída por São Bernardo como guia de Dante.

Há o enaltecimento de Maria como figura gloriosa no Céu.

Os anjos também habitam o Empíreo.

Autorizado a encarar Deus com seus olhos mortais, ele diz que viu “unido pelo amor em um ser único tudo quanto contém o Universo”.

“Na profunda e clara essência de Deus, três círculos surgiram, parecendo de três cores distintas, mas de uma só conformação”. (Refere-se ao Mistério da Unidade e da Trindade Divina).


FINALIZANDO: Se nestas impressões eu disser que não gostei da DIVINA COMÉDIA, o que muda? Nada. Essa obra é estudada e lida há 700 anos e na língua portuguesa introduziu a palavra "dantesco (a)" muito utilizada para as tragédias e grande incêndios. Muitos a pronunciam mas desconhecem sua origem. É no "Paraiso", porém, que há pontos com sentido místico.