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domingo, 27 de setembro de 2020

O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO de Jerome David Salinger

  LIVRO 76

Há alguns anos li esse livro porque me caiu em mãos num período de relativo isolamento e, então, me pus a lê-lo sem interesse.

Qual o impacto de suas páginas? Um jovem pelos seus 16 anos perdido porque fora expulso do Internato Pencey por reprovação, fumante inveterado - naqueles tempos nos quais a ligação de uma cena a outra nos filmes americanos se dava pelo acender do cigarro - o consumo desesperado da bebida e o uso constante da gírias como "o cinema é uma droga", "o bar é uma porcaria".

Naquele oportunidade, levei o livro ao seu final meio forçado.

Agora quando o releio fico sabendo que na década de 50-60 vendeu cerca de 65 milhões de exemplares, "num ritmo de 250 mil por ano", na verdade, um fenômeno literário inegável.

E sua influência fora forte entre os jovens por uma série de dúvidas, angústias e principalmente insegurança, sentimento típico daqueles tempos que enfrentava um jovem que "perdera o chão" ao ser jubilado da escola porque fora reprovado em todas as matérias menos no inglês.

O Autor Jerome David Salinger, de Nova York (1919-2010) especialmente depois desse livro (escreveu outros) viveu recluso desde 1951 e de sua biografia, se diz que ele era violento e autoritário e, adepto da cintologia, por causa disso ou não, bebia sua própria urina (!)

Naqueles tempos das décadas de 50-60, nos colégios públicos brasileiros - era uma regra, pelo menos no Estado de São Paulo - qual aluno teve a experiência do jubilamento por duas reprovações na mesma série? A "perda do chão", o vexame perante os pais e colegas que ficaram e seguiram para a série seguinte, a ironia, a busca de outra escola, que poderia estar distante e ouvir pela terceira vez tudo o que ouvira naquela da qual fora expulso.

Embora a década de 60 fosse mágica, aquela consciência fictícia da imortalidade, havia essa insegurança entre o jovens. Vivendo naqueles dias, identifiquei muitos pontos do livro que diziam da realidade jovem daquela época.

Holden Caulfield está nos último dias de hospedagem no Pencey diante da expulsão. Seu companheiro de quarto, entre tolerância e ódio era Stradler que se dava muito bem com as garotas, inclusive com sua possível namorada, a Jane. Sem motivo Holden atacou Strader, talvez enciumado pela Jane. Num quarto ao lado, Robert Ackley que não escovava os dentes, cheio de espinhas no rosto.

Holden implicava com ambos mas, no dia a dia de sua angústia, precisava deles. E a saudade de ambos ele revelaria no final de sua aventura de perdido em Nova York vez por outra usando seu chapéu de caça vermelho, baixando as abas para proteger as orelhas do frio.

Sempre pensava em seu irmão D.B. escritor que estava em Hollywood e estaria escrevendo um roteiro para um filme. Esse trabalho do irmão ele não gostava, até porque o cinema "é uma droga".

Além da angústia de que haveria que enfrentar ao voltar para casa como aluno expulso batia-lhe o fato de ser "virgem" sexualmente. Seu relacionamento com a garotas embora fosse constante ele não avançava para aquela fase da consumação da experiência sexual assim que qualquer delas dissesse que ele não avançasse.

E seus assuntos nem sempre eram agradáveis, românticos.

Sentiu-se indisposto diante da prostituta que contratara. Foi lesado, agredido pelo cáften na discussão do preço que fora dobrado e, pagou e, claro, não "aproveitou" os serviços da apressada profissional.

Quando não tinha onde ficar, porque não se encorajara a assumir perante os pais a expulsão do Pencey, depois de uma noite de bebedeiras e de modo sorrateiro, vai ao apartamento dos país - que estavam ausentes - para conversar com sua irmã de dez anos,  Phoebe. Ela desconfiou que seu irmão fora expulso e diz:

- Papai vai te matar.

Falando em abandonar tudo, morar numa casinha próxima de matas, não tendo para onde ir,  então num momento de  inconveniência, liga para o professor Antolini que o acolhe em seu apartamento. 

Dá-lhe conselhos como neste trecho:

- Por incrível que pareça, isso não foi escrito por um poeta. Foi escrito por um psicanalista  chamado Wilhelm Stekel (...) Aqui está o que ele disse: " A característica do homem imaturo é aspirar a morrer nobremente por uma causa, enquanto que a característica do homem maduro é querer viver humildemente por uma causa".

O homossexualismo era uma realidade, a "veadagem", mas enrustida naqueles tempos contidos. 

Então, Holden Caulfield cansado e já melhor da bebedeira que diminuíra com o café, adormece profundamente no sofá curto para ele, mas é acordado por carícias do professor Antolini em seus cabelos,

Assustado, rapidamente deixa o apartamento desconfiado das intenções do professor e revela o assédio dessa natureza desde criança.

Antes de buscar suas malas guardadas na estação, remete um bilhete para sua irmã Phoebe na escola, informando que vai "sumir" dali, procurar um emprego e viver isolado. E informa a ela que a espera na porta do museu.

Enquanto na escola da irmã incomodou-se com a inscrição na parede com as palavras: "foda-se". Preocupado com o que poderiam questionar as crianças sobre o seu significado, tenta apagá-las.

Então, ele a vê com uma velha mala e ao saber do que se trata, sua irmã lhe diz que queria "fugir" com ele - o livro não explica como ela arrumou a mala saindo de casa sem ser vista porque simplesmente não sabia que o irmão fugiria. [liberdade poética?].

Outro ponto controverso: como um jovem de 16 anos nos Estados Unidos, embora de estatura 1,85 m., pôde frequentar casas noturnas, beber sendo raramente questionado sobre a idade, se hospedar em hotéis, mesmo que baratos?

Mas, no seu desequilíbrio chega a dizer que, "se um dia eu morrer e me enfiarem num cemitério, com uma lápide e tudo, vai ter a inscrição "Holden Caulfield", mais o ano em que eu nasci e o ano em que morri e, logo abaixo, alguém vai escrever "Foda-se". Tenho certeza absoluta."

As linhas finais do livro revelam que Holden Caulfield voltou para a casa dos pais mas revela que não explicaria como.

O TÍTULO DO LIVRO TEM ESTA EXPLICAÇÃO:

Diálogo entre Holden e sua irmã Phoebe: "Você conhece aquela cantiga: "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio"? Eu queria... - A cantiga é "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio"! - ela disse. É dum poema do Robert Burns. - Eu sei que é dum poema do Robert Burns. 

Mas ela tinha razão. É mesmo "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio". Mas eu não sabia direito(...)direito."

MORAL DA HISTÓRIA

O livro vendeu tanto porque muitos foram jovens no final da década de 50 e 60 do século passado que se identificaram com alguma passagem ou várias delas explanadas no livro, no tocante às dúvidas sobre o futuro, sobre os desafios do dia a dia naquela idade juvenil e até a consumação da experiência sexual.

O estudante jubilado, quem teve essa experiência, enfrentara um momento terrível, especialmente quando mau aluno, sabe que tem que continuar estudando em qualquer escola que seja, em qualquer localidade que seja. 

E aí, o "castigo".





domingo, 6 de setembro de 2020

COMO VIVER NESTE MUNDO de Jiddu Krishnamurti

LIVRO 75


Quem foi Krishnamurti?

Ele nasceu em Madras, Índia, em 11 de maio de 1895.

Ele e seu irmão Nytiananda eram inseparáveis até na fome. Mãe falecida na infância e pai com dificuldades de sustentar a família.

Morando em Adyar aproximaram-se os irmãos sem qualquer interesse da denominada Casa dos Sábios na qual  Annie Besant, Charles W. Leadbeater e outros se dedicavam aos estudos esotéricos.

Bem recebidos, estreitaram a a amizade com esses estudiosos.

Autorizado pelo pai, os irmãos foram introduzidos, em 1909 na Sociedade Teosófica onde receberam educação e ensinamentos. Annie Besant, eleita presidente internacional da Sociedade Teosófica - uma mulher lutadora com inteligência superior que teria forte influência na sua comunidade pelo domínio espiritual que lhe era atribuído -, dizia ter contato com os mestres espirituais de altas hierarquias e por eles fora informada que Krishnamurti seria o veiculo de um grande espírito. Ele incorporaria um ente espiritual de elevada espiritualidade. Seria o "Instrutor" do mundo.

Em 1925, quando Krishnamurti estava fora do círculo, na Califórnia, cuidando de seu irmão muito doente, que viria a falecer, os teosofistas e adeptos fanáticos se reuniam em Ommen, cidade da Holanda o proclamaram esse avatar "esperado", por injunção de Besant considerando as instruções que recebera dos Mestres.

Mas, para surpresa geral, Krishnamurti não aceitou essas designações e renunciou a tudo isso rompendo filosoficamente com a Sociedade Teosófica e com a Ordem da Estrela do Oriente a qual presidia, proclamando que passaria a ter a partir de então, a liberdade de pensar e transmitir ensinamentos ou mensagens para melhorar esse mundo cheio de violências, de guerras, de ódios e do caos. Proclamara-se um homem livre sem ouvir autoridades ou religiões.

A Fundação que leva o seu nome é garantida por doações havidas na Holanda e na Califórnia na década de 20.

Muitas da informações que vou expressando nesta resenha, foram obtidas do livro "Krishnamurti" uma biografia escrita pelo médico brasileiro Francisco Ayres.


"COMO VIVER NESTE MUNDO"  

Como chegou esse livro de 127 paginas até mim há muito tempo, não posso precisar. 

O que posso dizer é que na década de 60, Krishnamurti era muito lembrado, até porque ele criticava de modo veemente a guerra no Vietnam, a violência neste mundo caótico, falava das drogas que poderiam aumentar o grau de consciência de modo artificial, dos jovens viciados, a explosão sexual, além de não professar qualquer religião...

Bom, com essas lembranças me pus a ler os dois livros, o de Krishnamurti e também o livro biográfico do filósofo, de autoria de Francisco Ayres,

Confesso que no tocante ao livro de Krishnamurti, não posso deixar de expressar a minha decepção. Ele foi constituído de 10 palestras realizadas em 1967 na cidade de Saanem, Suiça cujos temas posso enumerar: "Escutar e aprender", "A dependência psicológica", "Os conflitos humanos", "O prazer", "A natureza da Liberdade", "O problema do medo", "O que é aprender?" "Sobre o tempo e o pensamento", "O que é a mente?" e "A verdade".

Talvez um pouco pelas transcrições das palestras, quem sabe tradução da tradução, encontrei um texto confuso, contraditório e por vezes incompreensível. No geral, muito dessas imprecisões se identificaram nos conceitos explanados por  Krishnamurti.

Então, para não fazer juízo de valor - porque a crítica é sempre muito fácil de ser feita - ouvi vídeos de entrevistas e, no meu modo de pensar, ele que tanto critica a mente fragmentária, seus conhecimentos externados são, em boa medida, fragmentários. 

Parece que quando de sua educação e a de seu irmão conduzida por Annie Besant na Sociedade Teosófica conduzida de modo maternal por ela absorvera ele princípios teosóficos elementares dando-se  aquilo que sempre digo, parou numa barreira de compreensão relativa, num muro que não conseguiria ultrapassar. E se ultrapassasse, um outro mais elevado se lhe oporia como a todos acontece aos que buscam compreender esses enigmas da vida e do Universo.

Mas, mesmo assim, ministrou ensinamentos e palestras por muitos anos. Ele faleceu em fevereiro de 1986.

Nesse livro, quando indagado por ouvintes da plateia, não apreendi nenhuma resposta dele que tivesse significado efetivo com as perguntas.

E não se diga que suas conclusões eram de nível superiores ao meu entendimento.

Krishnamurti, na busca da verdade despreza ideais religiosos provindos do Salvador (Jesus Cristo), de Buda, dos sacerdotes, das religiões, dos místicos, dos pseudo-religiosos, dos filósofos, de Freud e de quem mais possa influenciar a outrem, até porque são ideias e  ideais que "ficaram no passado". A verdade haverá que ser obtida pelo próprio indivíduo, se conseguindo sua mente livre embora não seja Krishnamurti muito claro nesse caminho, porque nem ele desejava influenciar seus "simpatizantes". 

Ele é tão rigoroso em evitar essas influências que troca "meditação" - uma prática de busca interior consagrada no oriente e ocidente -, por "atenção" e não há que se falar em "concentração" porque a mente se torna fragmentária... 

Algumas frases e ideais de Krishnamurti no livro:

Só quando isso acontecer, quando vos sentirdes inteiramente responsável por esta monstruosa sociedade, com suas guerras, suas divisões e tantas outras coisas horríveis - brutalidades, ambições, etc; só quando cada um de nós perceber bem isso, poderemos agir.

Ora, a grande maioria sente isso. O que não parece ter  percebido o filósofo é que este  planeta é a terra das desigualdades, das penitências. Tanto que aqui neste planeta infeliz convivem iluminados espirituais de imensa grandeza, ao lado de párias mentais. Estes pouco ou nada sentem porque vivem num mundo de sobrevivência e podem se manifestam pela violência extrema e pela desonestidade. Nem sempre as carências explicam esse atos danosos.

Mas, claro que esses fatos, o das diferenças e sofrimentos no planeta, não podem ser aceitos passivamente. Tudo haverá que ser feito para que essas diferenças diminuam com o apoio aos desfavorecidos dentro daqueles princípios da solidariedade e da caridade.

 ● "Porque vivo em conflito?" - Porque quando já não buscamos uma autoridade para ensinar-nos, quando estamos livres da autoridade de outrem, já estamos na claridade, nossa mente já tem penetração para olhar.

Nesse trecho ele exclui a influência de qualquer autoridade comandando a vida do buscador da verdade.

 ● Está visto, pois, que onde está o prazer está também a dor, a qual leva inevitavelmente ao medo - medo não só das coisas grandes, como a morte, a solidão profunda, o não existir, mas também medo das coisas superficiais: o que pensa de vós o vosso vizinho, o vosso patrão; medo do marido, da esposa, medo de não poder viver conforme as imagens que cada um cria a respeito de si mesmo.

Essa relação entre prazer, dor e medo não me parece tenha qualquer conexão. Ora, o prazer tende a afastar a dor e o medo, claro, que por tempo limitado. É como dizer tenha medo mas não tenha medo do medo. Pode pensar sem pensar. Como se diz hoje, a vida deve seguir... sem prejuízo da busca da verdade...

Vejamos a coisa mais de perto, Quando vós, o observador, olhais para vossa esposa, vosso amigo, estais a observar com a memória de ontem, estais cônscios de que o passado está contaminando o presente, ou estais observando como se não existisse nenhum ontem? O passado está sempre a projetar sua sombra no presente...

Todas as ideias estão sempre no passado e, por conseguinte,  quando funciono em conformidade com ideias, dogmas, crenças, conclusões estou vivendo no passado e, consequentemente, estou morto.

Afinal de contas, o que é a verdade? O percebimento da verdade, o sentimento do que é a verdade, com sua beleza, seu amor - como se pode alcançá-la? Só se pode ver a verdade quando a mente não está fragmentada quando se vê a totalidade. Quando vedes a totalidade de "vós mesmos", não apenas tais e tais fragmentos, porém a totalidade do vosso ser - vedes a verdade e compreendereis todo o complexo conjunto. 

● Krishnamurti demonstrou desdém pela a arte de um modo geral, a pintura e a música. "Mas, diz ele, se soubéssemos olhar para o rosto do passante, para a flor a beira da estrada, para a nuvem, numa certa tarde, olhar com atenção completa e, por conseguinte, com alegria e amor - então, todas aquelas outras coisas teriam muito pouco significado".

Mas, qual o significado dessa arte exposta no ambiente natural? Quem foi o artista? Ele nada disse e também ninguém o perguntou.


 Francisco Ayres, nas páginas finais do seu livro sobre o filósofo chega a escrever que

"Ouvindo Krishnamurti sentimos que ele foge de respostas positivas a perguntas como: - "Existe Deus? Há reencarnação? Qual o caminho para a verdade? Como morrer psicologicamente todos os dias e renascer todos os dias? É certo dizer que foi, como dizem, noutra encarnação Alcyone?" (*)

E o Autor também se refere a perguntas que Krishnamurti "sai pela tangente": Repetidamente ele nos diz que a autocompreensão surge espontaneamente e a luz se faz imediatamente e não num futuro distante".

Mas esse Autor muito "ajuda" ao explanar e condescender sobre ideias de Krishnamurti.

Desenvolve mesmo um forte apelo ecológico em algumas páginas do seu livro. Os encantos de um riacho, das flores, das árvores. 

Numa entrevista, por sua vez, Krishnamurti se refere de modo penalizado sobre a coragem de homens abaterem filhote de foca a pauladas.

Ayres também não esconde suas dúvidas em como conseguir essa autocompreensão, a "descoberta" da verdade.


(*) Um suposto espirito que reencarnou por 48 vidas desde tempos remotos da humanidade. Krishnamurti seria a encarnação desse espírito no século XX.


MORAL DA HISTÓRIA

Com suas mensagens tão confusas, tão impraticáveis, contradições, rejeitando a tudo e a todos não há informações divulgadas se Krishnamurti mesmo encontrou a verdade pela autocompreensão, de olhar uma ideia excluindo-a do passado, sem pensar, pensando,  do modo como sempre explanou em sua longa existência.

PS: Estarei sempre pronto a ouvir críticas e ensinamentos sobre o filósofo.