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domingo, 12 de maio de 2019

DEMIAN de Hermann Hesse

Livro 59



O Autor Hermann Hesse (1877-1962) nasceu na Alemanha mas em 1923 naturalizou-se suíço. Foi vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1946. 

DEMIAN é de 1929 ainda sob os efeitos devastadores da 1ª Guerra Mundial na Europa prevendo o Autor uma mudança no continente. Tanto que inseriu uma guerra iniciada pela Russia na qual seus personagens Sinclair e Demian vão para o campo de batalha. 

O que dizer de sua obra, Demian?

Que em momentos ela é instigante, meio sombria mas, sobretudo, reveladora. A história se baseia na marca de Caim, que assassinara seu irmão Abel.


Diz a Bíblia que, a despeito desse pecado mortal, fora Caim preservado, ao receio de que saindo pelo mundo, seria morto. Mas, disse Deus que qualquer um que matasse Caim, sete vezes seria castigado:


"E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse." (*)


Caim teve descendentes.


Então Hesse parte desse sinal para elaborar sua história reconhecendo que a alguns esse sinal é reconhecido.


Seriam aqueles que não ofereceriam a face esquerda depois de agredido na face direita? (**)


Mas, aqueles que detém esse sinal de Caim, não saem por aí matando pessoas os "Abeis" que encontram. 


O livro muito pouco fala de Jesus e num certo trecho me parece uma provocação ao o incluir e mencionar Nietzsche:  


"Ver-se-á que o que a natureza quer com o homem está gravado no indivíduo está gravado em ti e em mim. Já o estava em Jesus e em Nietzsche."


Para mim, em muitos dos seus trechos ininteligíveis Nietzsche não ostentava nada de vida interior, pelo contrário, falava na morte de Deus, crítico das religiões que faziam o homem caminhar tal qual mansos cordeiros e defendia o super-homem, aquele que se despoja dessas amarras e se supera:


"Eu anuncio-vos o super-homem! O super-homem é o sentido da terra..."

E permanecer fieis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrestres". (***)

Os personagens, Sinclair e Damian se "formam" na tradição católica tanto que cursam o preparatório para a crisma, ato que ratifica "a graça do batismo".


À medida que os amigos vão amadurecendo eleva-se o estágio da meditação, das revelações dos sonhos no sono, noites chuvosas, ambiente sombrio, percepções extraídas de experiências do dia a dia. 


Damian sempre esteve presente na vida de Sinclair.


O livro é feminista.


O sexo para o narrador Sinclair que concentrava forte disposição à meditação e à interioridade não era um ato a ser evitado e o praticaria se encontrasse a mulher certa, mas até aquele momento ele não tivera nenhuma experiência.


Aqui eu extrapolo, para explanar sobre a abstenção sexual mantida até ali do personagem em busca de sua espiritualidade invoco este "indicativo" revelado em hostes místicas:


"Se a força sexual for usada do modo indicado (para procriação), a função sexual terá lugar muito  poucas vezes na vida, podendo portanto, praticamente, toda a força sexual ser empregada para fins espirituais. Não é o uso mas o abuso que produz todas as perturbações e interfere com a vida espiritual". (****)


Até porque, 


"Glorifica-se a Deus como Pai de toda a vida, ao mesmo tempo em que se oculta e se silencia a vida sexual, fonte e substrato da própria vida, declarando-se pecado e obra do Demônio" (Alex Demian)


Essas perturbações graves teriam ocorrido com o personagem Knauer que lutava por obter "energias interiores", mas era afetado de modo suicida pelo vigor sexual. Não se suicidou porque salvo por Sinclair que fora levado até ele por mero "acaso".


Não sei se Hesse esperaria poucos anos depois o advento do nazismo no seu país de nascimento. 


Sinclair era um menino que vivia feliz e confortável em sua casa, recebendo o carinho dos pais, os cuidados da mãe e a companhia das irmãs.

Quando devia ter uns 10 anos de idade, com dois vizinhos quando se encontraram com Frank Kromer, um garoto com seus 13 anos, de família problemática, malvado, com tendência a submeter à sua  vontade os mais jovens.

Todos contava suas vantagens, aventuras e inverdades.

Então, para impressionar, Sinclair inventou na hora uma aventura que consistiu no roubo de um saco de maças de um vizinho.


Kromer fez com que jurasse que aquela aventura fora verdadeira.

A partir dai, Kromer passou a chantageá-lo ameaçando denunciá-lo ao dono das maças e aos seus pais se não lhe pagasse dois marcos.


A angústia de Sinclair chegou ao auge, furtando moedas para pagar a Kromer. 


E as exigências continuaram culminando com o pedido do chantagista em conhecer a sua irmã mais velha. Sinclair não entendeu os motivos embora desconfiasse, por ouvir dizer, que um homem e uma mulher poderiam praticar atos inconfessáveis.


Ele de nada sabia da prática sexual.


E nesse momento que se aproxima Alex Damian e praticamente adivinhando seus pensamentos e suas angústias. Confirma que a causa é Kromer.


Essas páginas são eletrizantes.


Damian, tinha nos olhos algo que ia além de sua pouca idade.


Havia comentários de que Damian podia se defender de um modo até mortal.


A partir daquele dia, nunca mais Kromer se aproximou de Sinclair que nunca soube o que fizera Damian para que isso ocorresse.


Sinclair volta à sua vida de paz com sua família e confessa o que fizera.


Começou, então, a amizade entre Sinclair e Damian. Demian vira em Sinclair o sinal de Caim.


Ao avançar nos estudos, passa a frequentar o liceu isolando-se, ignorado pelos colegas pelo seu comportamento reservado. Por influência de Afonso Beck, porém, passa a frequentar cafés e tavernas e se embebedar de vinho e divertir os colegas de farra pelo seu cinismo nessa sua nova vida.


Sinclair não se aproximava das garotas até que encontrou numa tarde de primavera, num parque, uma jovem que o impressionou profundamente. Chamou-a de Beatrice e, por causa de sua paixão, voltou ao seu estilo de vida reservado, afastando-se das companhias e do vinho, "aspirando a ser santo".


E tenta pintar o seu retrato, sem êxito, parte para um qualquer rosto que se apresentou diferente de Beatrice. Esse retrato guardou com cuidado até identificar a quem parecia o rosto: a Damian.


Mais tarde, reecontra Damian e o conduz a uma taverna e passa a beber vinho. Damian recusa a compartilhar a bebida e chama a atenção de Sinclair ao dizer: "Sempre é bom termos consciência de que dentro de nós há alguém que sabe tudo sabe..."


Numa aula ouve pela primeira vez explanações sobre a doutrina de "Abraxas",


"Contudo, outras hipóteses atribuem a Abraxas importância ainda maior, vendo nele uma divindade dotada da função simbólica de reunir em si o divino e o demoníaco."


Prosseguindo nessa sua vida solitária, interior, ouvindo de uma igreja, o som bem tocado de um órgão.


Depois de alguma dificuldade, se aproxima do organista Pistorius e com ele trocam reflexões sobre a espiritualidade até que se dá o rompimento. (1)


Já no final do livro, Sinclair conhece Eva, mãe de Damian, uma mulher bonita, de idade indefinida, que se torna, mãe, protetora e se torna sua paixão profunda.


Algo edipiano. Dela chega a receber um beijo na boca. 


Mas, não há referência no livro que Sinclair tenha conhecido o sexo.


Por fim Sinclair e Alex Damian são convocados para a guerra. Sinclair e ferido e se cura. Não Damian.


Mas, Demian, antes de "partir" sugere a Sinclair com o chame se precisar de alguma coisa, como se deu com o chantagista Kromer.


Damian era ou se tornou a consciência de Sinclair.


Um pequeno livro, 157 páginas com muito a dizer, a pensar e transmitir. Li muito livros que deveriam se encerrar 50 páginas antes. Demian poderia ter essas 50 páginas a mais.


"MORAL DA HISTÓRIA": Se tomado o texto de livro quem, afinal, não tem o sinal de Caim? Quem dá a outra face para o agressor? Mas, no mundo sombrio de Sinclair e Demian há a busca intensa à interioridade. Sinclair e "iniciado" por Demian, sua verdadeira consciência e Eva, aquele elemento feminino que o homem não ignora. Aquela imagem edipiana de amor entre ela e Sinclair. Sinclair e Demian não tiveram experiências sexuais porque a busca da espiritualidade pode superar o desejo. E nessa busca Demian é a consciência do amigo.


Referências no texto:

(*) Gênesis, 04.15
(**) Mateus, 5.39
(***) Frederico Nietzsche, "Assim falava Zaratustra"
(****) Max Heindel, "Conceito Rosacruz do Cosmos"

(1) De todas as músicas interpretadas nesses dias há uma música citada possível de ser ouvida, soberba: "passacale de Buxtehude". Possível ouvir no "Youtube"




De Hermann Hesse resenhei o livro "Sidarta". Acessar: Sidarta comentado


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