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quinta-feira, 3 de outubro de 2019

TUPARI de Franz Caspar (Entre os índios nas florestas brasileiras)

LIVRO 64





Capa do livro.

Legenda da foto: Os feiticeiros acompanham, atentos, o comportamento dos espíritos
















Este livro está comigo há muito. Resolvi lê-lo sem o compromisso de o incluir neste blog porque a motivação fora apenas obter elementos da vida de indígenas brasileiros, após dar uma folheada em algumas de suas páginas.

Resolvi, incluir aqui, porque gostei muito do relato do Autor, um suíço "encantado" com os índios brasileiros e, com os Tupari viveu por quatro meses todos os usos e costumes da tribo. Esse convívio se deu na segunda metade do ano de 1948. 

O livro foi publicado por aqui pela "Melhoramentos", pelos idos dos primeiros anos da década de 50.

Franz Caspar era suíço, nascido em 17.09.1916 e falecido na Áustria em 13.04.1977, de modo inopinado, embora residisse em Zurique, Suíça.

Relata o Autor que naquele ano de 1948 estava na Bolívia e num estalo, resolvera conhecer e até conviver em aldeias indígenas conhecer índios verdadeiros.

Veio até o lado brasileiro e, após longa viagem, seguindo o traçado do rio Guaporé Mato Grosso (que deságua no rio Mamoré em Rondônia).



Minhas indicações: o quadro da esquerda localiza a aldeia Tupari do ponto de apoio do rio Guaporé; o quadro da direita, a localização a partir do rio Branco.

A legenda no livro desse quadro 2 (da direita) tem a seguinte explanação no livro: "Esboço do itinerário da marcha de São Luis para os Tupari. Como modelo, serviu de rascunho de Pedro, o criado preto. A linha tracejada assinala uma segunda rota, não percorrida pelo autor."



Pelo rio Branco chega à aldeia Tupari, que contava com duas malocas, com cerca de 200 indivíduos.

Recebido no começo com reservas porque se apresentara vestido numa população toda nua, homens e mulheres, com o tempo passou a fazer parte da comunidade, sendo muito querido.

Com Waitó, o cacique e pajé, o Autor firmara amizade de valor. As amizades que se estenderam aos demais membros da comunidade indígena pode constatar Caspar como eram bons e puros os indígenas.

Os tuparis trabalhavam muito em suas plantações de milho, mandioca, inhame e amendoim, tarefas que o Autor se integrou totalmente, como se membro fosse da tribo.

Saíam à caça e Caspar com sua espingarda ajuda a derrubar macacos, cuja carne é saborosa e, pelo que se soube no decorrer do relato, as práticas de canibalismo do passado revelavam que a carne humana tinha sabor bem semelhante ao do animal...

Nessas caçadas, são relatadas cenas de crueldade contra os animais abatidos mas que não chegam nem perto dos abatedouros de sempre.

Então, a alimentação básica, era a carne dos animais abatidos, milho, aipim (mandioca) e amendoim.

Para preparação de suas culturas, havia com muita regularidade, desmatamentos e até mesmo incêndios perigosos mas que não avançavam, pelo que se depreende do relato do Autor, além do "planejado".

Disse Waitó:

"- Essas fagulhas são perigosas: uma vez, elas queimaram a choça e as plantações de Tokürüru. Perderam-se mesmo as redes e o pessoal teve de dormir no chão, por muito tempo. Até uma criancinha morreu queimada".

[A comunicação se dava pelo português precário aprendido por alguns dos indígenas e pelas palavras que ia aprendendo o Autor dos tuparis].

Um relato dos trabalhos de abertura de terreno para o plantio:

"Nas últimas semanas, haviam trabalhado com afã. Calculei a floresta derrubada em cerca de dois hectares. Uns trinta homens se ocupavam no trabalho. Cada um usava um machado de ferro, alguns dos quais já eram bem gastos."

[Machados, facões e outras ferramentas eram obtidas dos "homens brancos" após prestarem os indígenas pequenos trabalhos de carregamento incluindo porções da borracha extraída em grande quantidade das seringueiras].





Legenda da foto no livro: "O Autor com a filhinha de Waitó, Kabátoa e a pequena vizinha Nyänkiab. Fotógrafo: cacique Waitó












A importância do milho e do aipim na produção da chicha

A chicha, produzida em grande quantidade, não poderia faltar na tribo, era uma bebida fermentada preparada com o sumo do milho esmagado e mandioca.

O Autor não explicou como se dava a fermentação. 

Vez por outra, na obra ele qualificava a chicha como "cerveja".

Então, com a produção permanente de chicha, a bebida era servida em inúmeras festas dando-se verdadeira bebedeira coletiva. 

Alguns bebiam até não aguentarem mais, mas então provocavam vômito para continuar bebendo!

A bebedeira ocasionalmente poderia produzir violência contra a mulher.

Quando estava o Autor já cansado da vida 'selvagem', no que se refere ao consumo de chicha disse:

"Havia outras coisas que se estavam tornando intoleráveis. As bebedeiras me enojavam cada vez mais."

Nudez

Com exceções, homens e mulheres tuparis naqueles idos de final da década de 40, andavam nus e não revelou o Autor abusos sexuais.

Mas, claro que havia o assédio, quem sabe o "amor" escondido por aquelas matas.

Mas o casamento era uma "instituição" que era quebrada se, depois de um tempo, o casal não tivesse filho.

Tanto carinho recebeu o Autor que a tribo toda pedia que ele ficasse para sempre entre os tuparis, se casasse e esquecesse sua aldeia de outras terras.

Então, tanto o cacique como sua esposa se esforçaram muito para que ele aceitasse e se casasse com Tonga, uma índia já madura, vesga mas muito carinhosa.

E ela própria o assediava a ponto de deitar uns instantes em sua rede.

Mas, ele resistiu o quanto pode e ao se despedir ouviu de Tonga uma frase que disse jamais ter esquecido:

"Queria dar-lhe, pois, à despedida, uma pequena lembrança.

- O que você quer das minhas coisas? perguntei-lhe, um espelho, um pente ou o quê?

Tonga olhou-me com seus olhos vesgos e respondeu-me baixinho:

- Para que você quer dar-me alguma coisa? Você vai embora e eu vou morrer aqui.

Com lágrimas o Autor foi se despedindo e ao olhar para trás todos os tuparis estavam reunidos e acenando com as mãos, flechas, espadas... Francisco, Francisco...

A origem da humanidade

O relato inicial da origem da humanidade é curioso porque antigamente a terra não era povoada e no céu não havia nenhum Kiad-pod (pajés primitivos).

Havia somente um grande bloco de pedra. Esse bloco era uma mulher que se abriu e entre torrentes de sangue, deu à luz um homem, a Waledjád. Mais uma vez o bloco se abriu e nasceu um outro homem. Chamou-se Wab. Ambos eram pajés.

Como não tinham mulher, mataram um aguti (uma das espécies de roedores, gambá) e com os dentes da frente do animal, esculpiram uma companheira para cada um deles e, dai nasceram os outros pajés primitivos os Wamoa-pod.

Waledjád era muito mal e ao se zangar chovia copiosamente a ponto de inundar toda a terra, morrendo afogados Wamoa-pod.

E aí, o meio encontrado para se livrar de Waledjád foi desterrá-lo a um lugar ao norte vivendo numa choça de pedra.

Mesmo assim, quando se zanga faz chover muito nas terras Tupari,

Os que se interessarem em expandir esse tema, sugiro acessar o portal abaixo que até mesmo transcreve páginas do livro de Franz Caspar:
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tupari



Diz o Autor que quando conviveu com os indígenas, eram certa de 200 indivíduos da aldeia Tupari. Quando voltou em 1955 não contou mais do que 60 sobreviventes, vítimas de epidemia de sarampo. E todos vestidos.


O livro é muito mais do que ora relato.

O que posso dizer é que gostei muito.

Tenho comigo obras do sertanista Willy Aureli que vou reler e ler e, com o tempo, farei a resenha, quem sabe, de mais de uma obra reunidas.

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