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segunda-feira, 3 de abril de 2023

O MULATO de Aluísio Azevedo

 LIVRO 106




O livro é forte porque trata com rudeza a escravidão e o preconceito a um mulato;

Foi lançado em 1881. A história se passa em São Luiz do Maranhão.

Em poucas páginas deixou o Autor de apontar o absurdo da escravidão e, no caso do personagem "mulato", Raimundo, ao nascer paixão doentia entre ele e  a branca Ana Rosa.

Queriam se casar mas ele era... "mulato", filho de uma escrava e um traficante de escravos abastado, José Silva, assassinado, irmão de Manoel, pai de Ana Rosa mas o interesse matrimonial com a prima, tivera rejeição do padre vilão, Diogo, da avó e do próprio pai da moça.

O livro não diz em contrário, não ostentava Raimundo a cor mais escura, tendo se formado em Direito em Coimbra, culto, de pensamento irrepreensível, visitado outros países europeus e os Estados Unidos, tudo por conta da herança do pai assassinado.

Então, voltara ele ao Maranhão, sendo hospedado com honras por seu tio Manoel até que concluísse negócios não bem definidos, mas atinentes aos bens deixados por seu pai. Depois, partiria para o Rio de Janeiro para exercer sua profissão.

Então, hospedado na casa do tio, entre Raimundo e Ana Rosa nasce aquela paixão "incontrolável".

E essa paixão resultaria em tragédia.

São personagens principais da obra, que têm destaque na história:

Dona Maria Bárbara, sogra de Manoel — com quem fora morar após a morte prematura da filha e esposa dele — e avó de Ana Rosa:

"Era uma fúria! Uma víbora! Dava nos escravos por hábito e por gosto, só falava a gritar e, quando se punha a ralar, — Deus nos acuda! — incomodava toda a vizinhança! Insuportável!"

Manoel Pedro da Silva, o Manoel Pescada, pai de Ana Rosa, comerciante, com "caixeiros" que o auxiliavam na administração dos negócios sobressaindo-se Luiz Dias um empregado que pensava em o tornar sócio nos negócios e futuro marido de Ana Rosa.

 Ana Rosa, que fora orientada por sua mãe, às vésperas de sua morte, para se casar com o noivo que amasse, "a não aceitar marido contra o seu gosto".

Padre Diogo, vaidoso, hipócrita, "pecador", vilão, tinha forte influência sobre Manoel, sobre seu irmão José e sobre Ana Rosa de quem era padrinho. Era um severo opositor do romance entre a afilhada e Raimundo. Um opúsculo subtraído de seu quarto de modo clandestino por Dias revelou que ele seria maçom ou simpatizante e, como tal, contrário à doutrina católica. E ele o acusa de ser maçom.

José Pedro da Silva, enriqueceu negociando escravos. Quando Raimundo nasceu ele e sua mãe Domingas receberam carta de alforria. Casou-se com Quitéria  Santiago, viúva rica, megera, despreza os escravos e traiu o marido com o padre Diogo. Desesperado, enforca a mulher e, então, o padre o chama de criminoso e lhe faz um proposta: ele, José, nada diria das relações do padre com sua esposa e o padre por sua vez nada diria do assassinato. E as coisas foram resolvidas pelo padre perante à comunidade. 

José seria assassinado com um tiro, não esclarecido, quem sabe crime engendrado pelo padre.

Domingas, a escrava, mãe de Raimundo vivendo numa fazenda em ruinas de propriedade de José da Silva. Sua imagem era horrível, um espectro que assustava quem se aproximasse da antiga fazenda (São Brás). Raimundo tentou resgatá-la, sem sucesso.

Raimundo que chegara da Europa sendo hospedado na casa do seu tio Manoel. A presença dele na mesma moradia de Ana Rosa resultou na paixão desmedida. Seu tio Manoel rejeitou o pedido de casamento que ele fizera para desposar Ana Rosa e foi franco e essa rejeição: "Recusei-lhe a mão de minha filha, porque o senhor é filho de uma escrava (...), O senhor não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos."

DESFECHO

Ana Rosa estava grávida e isso sabia o padre Diogo, seu confessor. No seu desespero ela não faz mais segredo da gravidez. Ela sonhava com o filho que iria nascer.

Raimundo desistira de deixar o Maranhão e não embarca

Mesmo assim com tanta oposição ao casamento, Raimundo e Ana Rosa depois de tantas contrariedades, da paixão descontrolada dela resolvem fugir. A carta informando data, modo e detalhes da fuga foi interceptada e lida pelo padre Diogo. Depois encaminhada normalmente à Ana Rosa.

O padre Diogo, sabendo do plano, coloca na mão de Dias um revólver e o convence a assassinar Raimundo. Tal se dá e abre a ele o caminho para conseguir o casamento com Ana Rosa.

Ela ao descobrir a morte de Raimundo entra em choque de modo severo. Ao desfalecer, deixou "pelo chão um grosso rastro de sangue, que lhe escorria debaixo das saias, tingindo-lhe os pés."

O crime não foi esclarecido como não fora do próprio pai de Raimundo.

O final não é feliz, suportável, tudo se acomodando pelos rigores do tempo e pelo esquecimento da sociedade fútil. Nesse quadro fútil e de tolerância hipócrita, mesmo Ana Rosa, embora impedida violentamente, não seguiu os conselhos da mãe.

Retratos de uma época que até hoje expande resquícios.

A obra além de revelar-se antiescravagista descreve aquelas cenas amargas de rejeição àquele que tinha nas veias, o sangue escravo. Suas páginas "agridem". Não é hipócrita amenizando a escravidão sem moral e  ética dos senhores e o preconceito cujo mal até agora não foi curado.

Na "orelha" da capa lê-se que referindo-se ao Autor, depois de polêmica que seu deu com artigos que redigiu e amigos no jornal anticlerical "O Pensador":

"A situação se agrava com a aparição do romance "O Mulato" em 1881, de tal maneira Aluísio é hostilizado em sua própria terra que se transfere de vez para o Rio de Janeiro nesse mesmo ano."

Outro mérito: em diversas páginas relata a obra o folclore maranhense naqueles tempos, descrevendo as comemorações da festa junina de São João. 

O livro é bom e tem muitas páginas a usufruir.

 


domingo, 2 de abril de 2023

A DIVINA COMÉDIA de Dante Alighieri

Edição especial (II)











Dante nasceu em Florença em 1265.  Faleceu em 1321 na cidade de Ravena, cidade onde viveu depois de ser expulso e condenado em sua cidade natal, por posições políticas que adotou.

A sua obra sobrevive desde o século XIV. Ela foi escrita entre 1310 a 1321 e seu título fora apenas "Comédia" pelo estilo e linguagem simples adotado por Dante Alighieri, idioma italiano e não o latim normalmente adotado em outras obras.

A obra se tornaria "Divina Comédia" porque Boccacio, também italiano, autor de Decameron (1) que acrescentaria, ao título da obra de Alighieri, a palavra "divina".

Principalmente a primeira parte do poema, "Inferno", impacta pelos castigos que o autor engendra para punir com o fogo eterno todos os pecados mortais.

O “Inferno”, então, é uma leitura depressiva ou agressiva dependendo da ótica de quem lê a obra.

E, se fora escrita como "comédia" por Dante, a verdade é que mesmo neste século XXI muitas são as calamidades e tragédias quando impressionam pelos seus desdobramentos qualificadas de "dantescas".

Obscura como é a narrativa, me levou a pensar se o "Inferno" de Dante não tem algo a ver com a doutrina católica da Idade Média, a inquisição brutal cujos métodos de tortura e sacrifício infligidos aos “pecadores”, nos detalhes, causam tanta emoção e perplexidade ainda hoje.

O próprio Dante é o personagem central do livro. Perdido numa local inóspito, numa floresta, ameaçado por um enorme leão, por ali vaga aos tropeços, em desespero, mas num momento percebe alguém perto de si que o informa não ser homem vivo e, então, Dante reconhece estar diante do grande poeta Virgílio:

Oh! Tu, tu és Virgílio, cuja eloquência ...qual fonte ...jorra versos fartamente? Mestre dos poetas.

[Virgílio fora o Autor da obra “universal” Eneida. (*)]

Virgílio chegara até Dante atendendo a um pedido da pura Beatriz para ser seu guia nas regiões do inferno e purgatório. Dante receia essas regiões mas é informado por Virgílio que era desejo de Beatriz.

Virgílio, um pagão não condenado ao inferno porque sua conduta não o levara a esse castigo extremo, foi autorizado a conduzir Dante aos círculos do Inferno e ao Purgatório. No Paraíso, proibido o acesso do poeta, Dante fora conduzido pela própria Beatriz.

Beatriz,  menina de nove anos de quem ele, Dante, se apaixonara, pelo seu rosto angelical, pela sua pureza. Sobre ela, assim a descrevera no opúsculo "Vida Nova" de sua autoria:

"Apareceu vestida de nobilíssima cor, humilde e honesta, sanguínea, cingida e ornada à guisa que a sua juveníssima idade convinha."

[Na “vida real”, Dante não a desposou, mas aquela imagem de pureza feminina jamais esqueceria a ponto de, em sua "Divina Comédia", seria Beatriz sua guia no Paraíso]. (2)

Inferno

Sim, “O Inferno” de Dante é brutal. Ao identificar os condenados ao fogo eterno (e até ao gelo eterno) há um momento em que ele, autor, se vinga de seus desafetos florentinos. E nesse bem descrito clima de horrores, converte Deus num agente cruel, imperdoável, pelo que dominam os demônios e a própria figura horrenda de Lúcifer.

Habitam também no inferno, figuras mitológicas, como o Minotauro, o monstro com cabeça de touro, Caronte, o barqueiro infernal, Cérbero, o cão de três cabeças, guardião dos infernos,  todos personagens da mitologia grega. E também serpentes gigantes que picam os ladrões que são reduzidos a cinzas para em seguida renascer...

Esses personagens mitológicos não fazem parte da "comédia"?

Logo na entrada do Inferno Dante se depara com um letreiro escuro que dizia: "Abandonai toda a esperança, ó vós que entrais."

“Ó justiça divina, quão dura sois que tamanhos golpes desferis na punição extrema dos pecados!”

Então à indagação de Dante, Virgílio responde: "Aqui convém deixar de lado toda suspeita, toda debilidade."

E porque "nos encontramos no lugar onde verás a gente atormentada que não pôde conservar a luz do bem",

Sobre as queixas e lamentos em meio à escuridão que Dante ouve:

“Tal horror espicaçava-me a mente, e eu disse a Virgílio: Mestre, que ouço agora? Que gente é esta, que a dor está prostrando?

"Queixa-se dessa maneira”, tornou-me ele, “quem viveu com indiferença a vida, sem ter nunca merecido nem louvor nem censura ignominiosa. Faz-lhes companhia um grupo de anjos mesquinhos, que a Deus não manifestaram nem fidelidade nem rebeldia, expulsos dos céus; nem o inferno profundo os acolhera, pois os anjos rebeldes se jactariam de lhes serem superiores em algo.” 

O inferno é constituído por nove círculos e em cada com seus abismos e valas que situam todos os tipos de pecados e castigos eternos:


Ali, além de Virgílio estavam Platão, Sócrates, Hipócrates, Homero – rei dos poetas.

“São os escolhidos, respondeu o mestre, do Céu, que recompensou fama alta e preclara com que na Terra, foram engrandecidos.”   
    

Aqui cumprem o castigo eterno homens e mulheres que sofrem com vento fortíssimo, seus vícios com a luxuria. Viram os poetas ali a libidinosa Cleópatra, também Helena. Páris e Aquiles. “E mostrou-me mais um bando de sombras que o amor conduzira à sepultura, nomeando-as”


“Todos lá chamava-me Ciacco. Pelo vício da gula eu sofro à chuva, miseravelmente, enregelado e fraco, Entretanto, não peno sozinho, pois os que aqui estão com castigo foram punidos por igual pecado.”


Lá estavam também clérigos, cardeais e papas que se dedicaram ao desperdício e todos aqueles dominados pela avareza. Condenados a “rolar  enormes pesos e a se injuriarem mutuamente.”


“As almas que pela ira foram vencidos”. Permaneciam sob água imunda. Imersas no lodo, recitam estas palavras: "Tristes fomos sob os doces ares que o Sol aquece e que nossa ira toldou. Hoje, mais triste somos neste negro lodo."


“Mestre”, disse eu, “que gente é esta que desse modo deixa ouvir seu sofrer imenso?” E ele: “Aqui estão reclusos os heresiarcas e seus seguidores. Bem mais do que podes julgar, estão cheias estas tumbas. Aí se encontram iguais com iguais, réus dos mesmos crimes; as tumbas queimam segundo a gravidade da heresia feita.”
Conselho de Virgílio: 
"Paremos um pouco na descida pois convém acostumar o olfato ao mau cheiro. Assim, não sofreremos tanto os seus efeitos."


A violência contra o próximo; os assassinos, os tiranos cozinham no sangue fervente: “São os tiranos, os que viveram da pilhagem e do sangue derramado. Aqui são pagos impiedosos danos.
Neste 7º círculo estão os suicidas que se transformam em árvores:
Diz Dante:
"Arranquei então o ramo de um galho. E o tronco clamou: "Por que me partes?" Cobrindo-se logo de negro sangue, prosseguiu:
"Por que me feres? Não possuis um mínimo de piedade? Já fomos homens, hoje somos lenho; mas se fôssemos almas de serpente, menos cruel sua mão seria."
Também se insere em outro recinto os violentos contra Deus, contra a arte e contra a natureza. A estes são castigados por uma chuva de fogo.
E também no 7º círculo foram encontrados os sodomitas que sob fogo intenso, eram vítimas de “horríveis chagas”.


Os pecadores eram os fraudadores do todo tipo, os que se beneficiaram do tráfico de cargos, os falsários, os corruptos, os prevaricadores... cada um exposto nas dez valas desse Círculo.
Os castigos não eram comuns a cada tipo de pecado: havia enterrados de cabeça para baixo, ficando do fora os pés em chamas, cabeça virada para as costas,  os mergulhados no betume fervente, conduzidos pelo mais negro demônio...
Então, em todas essas valas eram os fraudadores mantidos nos mais severos e eternos castigos
A um dos pecadores, Dante o questiona:
"Ó tu que baixas o olhar! (...) que pecados cometeste para ser reduzido a tal estado?
E ele responde: 
"Eu te responderei de má vontade. Cedo ao som desse falar gentil que à memória me trouxe a felicidade antiga. Fui aquele que induziu sua irmã, a bela Gisola, a satisfazer os desejos do marquês. Só agora  revelo tal acontecimento (...) Ia dizer mais quando um demônio o golpeou, gritando: “Em frente, rufião, aqui não há mulheres a que possa explorar”.


Com muito rigor são punidos todos os traidores inclusive da pátria, aqueles que traem seus benfeitores, seus amigos.
Nesse círculo até Judas Iscariotes paga seus pecados, transformado num "corpo" deformado.
Esses pecadores não ficavam sob calor e fogo dos infernos, mas sob frio intenso.
E foi aí, nessas geleiras que se depararam Virgílio e Dante com Lúcifer e sua figura tenebrosa: 

"O imperador do reino doloroso erguia o peito para fora da geleira. Eu, com minha estatura, mais próximo estou de um gigante do que um gigante, comparado com o braço, apenas, de Lúcifer. Imagina pois, caro leitor, quão grande será Lúcifer se calculado pelo tamanho dos seus braços. Se um dia foi belo, quanto hoje é horrendo; se contra o Criador alçou a fronte, bem entendo seja ele a fonte única do mal que o mundo chora."

 ●●●
Com todas essas passagens pelo Inferno, Dante e Virgílio de lá saem por galeria subterrânea e retornam à superfície da Terra.

O quadro de Sandro Botticelli (Florença, 1445/1510) 

O pintor Sandro Botticelli, autor de obras primas, como é o caso da delicadeza refletida no “Nascimento de Vênus”...











... pintou o quadro "horroroso" dos círculos e valas do "Inferno" inspirado no Inferno Dante Alighieri. 
Até hoje, séculos depois, estudiosos das artes se debruçam sobre esse quadro tentando desvendar seus detalhes. 

                        
                        











Representação do inferno e seus círculos















REFERÊNCIA:


(1) DECAMERON (1353):  Autor: Giovanni BOCCACCIO nascido em Paris em 1313 e falecido em 1375. É um romance que fala sobre 7 mulheres e 3 homens que decidem fugir da peste que assolava a cidade de Florença, na Itália, no ano de 1348. Os 10 partem juntos para uma casa de campo, onde ficam por 10 dias, a fim de se proteger das doenças e celebrar a vida. Todos os dias, cada um dos integrantes do grupo contava uma história e os relatos giravam em torno das paixões, sexo, infidelidades, enfim, tudo o que havia de proibido e pecaminoso na sociedade medieval. (Fonte: “Superinteressante” de 16.10.2016) 

(2) VIDA NOVA de Dante Alighieri







Purgatório

Continuando na leitura de “A Divina Comédia”, agora na sua segunda parte, “O Purgatório”.
Há uma mudança no modo de identificar os pecadores que tiveram “a sorte” de se arrependerem dos pecados antes da morte, pelo que foram aceitos no Purgatório.

Também uma montanha em cuja base se aglomeravam os “eleitos” tentando galgar em caminhos ríspidos, os primeiros “terraços” até atingirem as vizinhanças do céu.

Mas, os castigos aos pecadores no Purgatório não eram menos estranhos, algo realmente digno de comédia.

Pareceu-me até que o estilo da redação mudou um pouco em relação ao “Inferno”, mas a leitura continua densa, inserindo Dante, para interagir com ele e Virgílio, figuras mitológicas.

“Ah! Quão diversos são estes círculos daquele outros infernais! Aqui, cantares divinos; lá gritos irados!”

E há a presença de anjos que ajudam os poetas nos caminhos inóspitos.

No Purgatório já há referência a questões mais “reais”:

O peso da oração:

“Mas nenhum anátema [excomunhão] é tão poderoso que deserde a alma do amor divino enquanto a esta alma restar a confiança no Sumo Amor. Essa alma deve permanecer fora do Purgatório trinta vezes o tempo em que na Terra viveu apartado da Santa Igreja, se preces do mundo não lograrem encurtar tal período”.

Mas também “cenas” como esta:

“Um delas (alma), adiantando-se, esboçou o propósito de abraçar-me, e com tal ímpeto que de entusiasmo igual fui tomado. Vã tentativa, pois a sombra era verdadeira só em aparência! Três vezes querendo estreitá-la, três vezes ao peito eu trouxe apenas as minhas mãos”.

Pecados e penitências:

⦁ Primeiro recinto: Dante reconhece alguns penitentes e pergunta a um próximo: "Não és Oderísio mestre da iluminura?" Responde  o penitente que havia trabalhos mais alegres e mais coloridos de outro artista os quais não proclamou ao mundo quando vivo, "pois a isso me impedia o mundano desejo de em tudo ser o primeiro. Dessa soberba aqui se paga a pena. Estaria em pior lugar, não houvesse mostrado a Deus que de meus pecados, no extremo momento me arrependera. É gloria vã dos ímpetos humanos! Quão pouco dura o verde no cimo, se não seguido de época medíocre."

 ⦁ Segundo recinto: a alma dos invejosos. Nada viam porque suas pálpebras estavam costuradas nos olhos por fios de metal...

 ⦁ Terceiro recinto: os iracundos [irados] eram envolvidos por fumaça que provocava escuridão “tal que nem no inferno eu vira”. E esses espíritos cantavam. Virgílio confirma e explica: “E por esse modo desatam os nós da ira que os ataram ao passado.”

⦁ Quarto recinto: encontram os poetas penitentes que negligenciaram as obras da fé e caridade.

⦁ Quinto recinto: os avarentos deitados com o rosto voltado para a terra: “Havendo a avareza extinguido em nós a intenção do bem, a justiça divina que nos punir com fazer-nos olhar as coisas terreais”.

⦁ Sexto recinto: os  gulosos e que se entregaram à bebida, agora esqueléticos sentem o aroma dos frutos e o frescor da água, sem poder comer ou beber: “Felizes os que a graça divina livrou dos estímulos da gula e que só com o necessário se contentam.”

 Sétimo recinto: Os luxuriosos e os lascivos: “O primeiro grupo era dos luxuriosos de acordo com a natureza; o segundo, de lascivos contra a natureza.”
Esses todos caminhavam sob fogo, cumprindo sua penitência porque também se arrependeram a tempo de seus graves pecados.

"Nosso crime foi o do hermafroditismo, ao transgredir o normal copiando, quais brutos, o apetite das bestas.

Um dos interrogados cumprindo a penitência:
“Ditoso és, pois de nossa experiência, podes colher a lição de viver melhor para bem morrer! Os que marcham em sentido contrário ao nosso purgam o pecado de haver César de Rainha”.

["Cesar Rainha".  Essa a explicação do texto acima em nota de rodapé — naqueles tempos já o escárnio:“Júlio Cesar, segundo Suetônio, mantivera relações carnais com o rei oriental Nicomedes. A fim de aborrecê-lo, seus soldados após a vitória contra os galos, saudaram-no aos gritos de “Viva a Rainha”.

Beatriz e despedida de Virgílio
















A partir dai, aproximando-se dos ares celestes, Virgílio deixa seu discípulo sem mais seu apoio embora outro poeta se aproximara. Estácio.

Virgílio retorna ao Limbo, local dos não batizados e pagãos virtuosos.

Ao ascender às alturas da montanha do Purgatório, Dante encontra Beatriz sua musa angelical lembrança dos tempos de infância que lhe diz:

“Dirigiu assim os passos por caminho errado, seguindo o que do bem era apenas falsa imagem – enganadora promessa de constância. Em vão, por meio de sonhos, procurei guiá-lo, e em vigílias fiz com que divisasse o verdadeiro bem. Com nada disse se importou. Tão fundo mergulhou no pecado que, para reerguê-lo, não havia senão um remédio: mostrar-lhe as penas que no Inferno aguardam as almas danadas.”

Paraiso


Quais as emoções teria algum mortal de se aproximar do céu, dos vários estágios de santidade?

Pois o relato do Autor revela sempre alta luminosidade dos espíritos que ofusca sempre sua visão mortal, um som musical enternecedor tudo inspirando exatamente a presença das santidades.

Afinal de contas, para chegar aos céus, beirando a Divindade máxima teria que revelar virtudes incomuns.

E é Beatriz, aquela sua amada e guia, de pureza angelical que conhecera em criança e preservara aquela imagem, o conduzia aos vários céus:

“Beatriz, capaz de ler meus pensamentos tão bem quanto os mesmos os conhecia, disse-me: “Teu espírito se deixa perder em raciocínio errado, pois julga-te ainda na Terra. Assim, não vês o que poderias estar vendo. Compreende que nem o raio desce tão veloz para a Terra quanto estas subindo ao Céu”.

Tratando-se a obra de “comédia”, os santos que vai conhecendo em sua subida aos vários estágios dos nove céus, não revelaram o erro da crença no geocentrismo, teoria de que a Terra era estática e todos os astros e o sol giravam em torno dela.

Beatriz:

“O movimento universal, que mantém a Terra imóvel e faz girar ao seu redor os demais astros, daqui se endereça ao Universo inteiro”.

A teoria do geocentrismo foi formulada por Ptolomeu. O matemático Copérnico deu forma à teoria do heliocentrismo em 1543 que explicava que a Terra e os demais astros giravam em torno do Sol estático – que seria o centro do universo.

Nem o Sol é estático e ele se constitui pequena estrela no universo.

No geral, nos encontros de Dante com os santos nos vários estágios celestiais, havia forte influência católica.

Se pensada a obra hoje, ela seria considerada “feminista” tal a influência espiritual de Beatriz sobre o narrador e mesmo nos vários céus.

O Paraíso de Dante é composto de vários céus.

O 1º Céu, a Lua

O primeiro Céu é aquele que se concentra na Lua, por ser o astro mais próximo da Terra. E o mais distante do Empíreo (Céu).

Então, diz Dante o narrador:

“Não tive a partir de então mais dúvida de que qualquer das partes dos céus é o mesmo Paraíso, e que, contudo, a graça divina não reside por igual em todas aquelas partes.”

Nem o Céu, então, seria igual para todos.

Nesse 1° Céu encontra Picarda Donati que lhe diz que num meigo sorriso:

“Seguimos aqui as leis da caridade, que Deus implica à Sua corte”.

E diz mais Picarda que é uma alma bem-aventurada, “apenas espero nesta esfera que é de todas a mais lenta”.

E que,

“A sorte que nos coube, que parece inferior, devemo-la uns ao mau cumprimento dos votos religiosos, outros ao esquecimento total de tais votos.”

 O 2º Céu, Mercúrio

Nesse Céu, o narrador se depara com Justiniano que diz ter sido eleito Cesar por inspiração do Espírito Santo e que expurgara “as leis que tinham de injusto e excessivo”.

E ele diz que,

“Nesta pequena estrela, muitos espíritos justos se esforçaram bastante no mundo para nele deixar honra e fama marcantes.”

Há, ainda, os esclarecimentos de Beatriz às dúvidas de Dante sobre a crucificação de Cristo.

Diz ela entre muitas reflexões, “eis que mais generoso mostrou-se Deus utilizando Seu sangue para redimir o homem do que só meramente lhe perdoasse”.

A redenção do homem tem a ver com o pecado de Adão, referindo-se à natureza humana que é expulsa do Paraíso por sua culpa “pois afastou-se do caminho da verdade e da vida.”

O 3º Céu, Vênus

Informa a introdução desse céu que nele se encontram almas que embora suscetíveis ao amor físico, “foram agraciados com a salvação”.

Um dos espíritos que se apresenta ao narrador respondendo uma dúvida diz,

“O Bem que alegra este reino a que acabas de subir – Deus – faz com que a Sua obra, nestes corpos celestes manifestada, tornem-se virtudes aptas a influenciarem os mundos inferiores”.

Diz, também, dos diferentes nascimentos e pessoas diferentes. Faz referência, entre outros a Esaú e Jacó irmãos consanguíneos tão diferente. Porque “os céus giram e enviam influxos aos mortais, sem cuidar de qual casa em que venha a baixar esta ou aquela essência”.

Em outro ponto, uma outra alma emitindo luzes, fulgor, se justifica dizendo que o fato de terem amado quando na Terra, foram amores esquecidos, preenchidos pelo amor divino que lhes dispôs Deus.

E no final, referindo à “flor maldita” que seria a moeda florentina: por ela os Evangelhos foram abandonados pelos papas e cardeais, que passaram a consultar e seguir a Decretais, conjunto de leis canônicas e jurídicas.

O 4º Céu, Sol

Neste Céu, pela influência do Sol, Dante destaca a radiante Beatriz que tornara-se resplandecente em altíssimo grau.

Ali aproximam-se almas diversas, inclusive de Salomão, irradiando altíssimo brilho, porque “tão alta foi sua mente, tão vasto e profundo o seu saber, “que certo quanto a verdade outro igual não se ergueu na Terra.”

Porém, Salomão mesmo não se manifesta.

Quem se aproxima é Santo Thomaz de Aquino que relata a Dante a história de São Francisco de Assis que “muito jovem entrou em conflito com o pai por amor daquela dama (a pobreza) à qual assim como a morte ninguém abre a porta com prazer.”

São Thomaz de Aquino também reflete sobre a sabedoria de Salomão: pedira ele a Deus essa sabedoria para discernir entre o que um rei digno deve praticar e o que não deve.

São Boaventura também se manifesta narrando a história de São Domingos. Servo de Cristo, que ama muitas vezes prostrado em terra desperto e silencioso, como a dizer: ‘Para isto fui destinado!”

O 5º Céu, Marte

Este é o céu dos que lutaram em prol da Igreja.

Destaca-se a presença do trisavô de Dante que revela que lutara na guerra “contra o infiel que usurpa o vosso direito na Terra Santa, por culpa do pastor que a negligencia. Por aquela torpe gente fui tirado ao mundo, pelo martírio da morte subi ao Paraíso, encontrando a paz eterna”.

Cacciaguida, esse era o seu nome, informa que o seu filho e bisavô de Dante cumpria purificação ainda no purgatório e que a oração poderia minorar sua penitência.

Fala de Florença do seu tempo que “vivia em paz, casta, sóbria, cingida por antigos muros dentro dos quais fora erguido templo que mesmo hoje assinala a passagem das horas!"

Ele vaticina que Dante deverá se afastar de Florença, sofreria com essa ausência como já ouvira tal anuncio em sua passagem pelo inferno e purgatório.

Mas, diz o seu trisavô sobre seu exílio forçado de Florença por embates políticos:

“Porém, não deves invejar a teus conterrâneos, pois o teu renome há de ultrapassar em muito o tempo em que as perfídias daqueles receberão o merecido castigo”.

O 6º Céu, Júpiter

Nesse Céu habitam as almas dos príncipes bons. O símbolo da Justiça divina é a águia cujas asas são compostas por almas luminosas.

Um conceito importante transmitido pela águia se refere aos limites impostos aos extremos do mundo e nesse entendimento há coisas que são e que não são do “nosso conhecimento” e no Universo algo ao homem que permanece inexplicado, “pois não pode a vossa razão por sua natureza, entender Deus para além daquilo em que Ele próprio desejar”.

“Ó predestinação”. E vós mortais, hão de cuidar dos julgamentos, porque nem mesmo sabemos dos Seus eleitos.

A águia continuou:

“Jamais subiu a estes reinos quem não acreditasse em Cristo , nem antes nem depois que Ele fosse cravado ao lenho. Não obstante, há muitos que, embora bradando ‘Cristo! Cristo!’, quando levados a juízo serão mandados para lugares mais afastados do que muitos que não O conheciam”. 

O 7º Céu, Saturno

Nesse céu estão as almas que praticam a contemplação.

À medida que avançavam nas várias escalas o fulgor que Beatriz emitia em sua santidade poderia até mesmo causar males físicos no narrador, até mesmo se risse, “pois minha formosura conforme pudeste verificar, aumenta à medida que subimos os degraus dessa eterna escada.”

Dante dialoga com São Pedro Damião e aqui também há a preocupação com os mistérios da predestinação. Considera, pois, não ser possível entender na Terra aquilo que não se pode compreender nem no Céu”.

Disse ele que se dedicou ao serviço divino, alimentando-se parcamente e de azeite, suportando alegremente o verão e o inverno em contemplação.

Hoje, diz ele, os pastores modernos sempre precisam ter servos por perto para ajudá-los tão gordo ficam, para se manterem de pé.

São Benedito também se aproxima e na sua preleção também estranha os novos tempos em que suas regras monásticas, inúteis, jazem no papel.

“Tornaram-se espeluncas os muros que serviam de abadia, e o capuz monástico, transformou-se em saco para farinha de má qualidade”.

O 8º Céu, Estrelas fixas

Neste Céu, Dante pode ver o esplendor de Cristo, chamado de “a bela flor” (A Rosa mística): “Vi essa viva estrela, maior em grandeza e luzimento, que todos as outras supera, no Céu e na Terra”.

Responde o narrador a São Pedro sobre a fé, “que é a substância do que se espera e argumento que, mesmo sem prova, leva à convicção”.

São Tiago o interroga sobre a esperança. Respondeu Dante, o narrador: “A esperança é o aguardar sem nenhuma dúvida, a glória futura, por efeito da graça divina e do mérito precedente”.

De São João Evangelista, o que entendia Dante sobre a caridade: “... a divina essência da caridade é por tal modo avantajada que todo e qualquer bem porventura existente fora dela não será senão reflexo pálido de sua virtude”.

Por fim, São Pedro mostra sua indignação contra os desvios do temporal, aqueles que usam vestes de pastores, mas são lobos vorazes que ocupam os currais. E proclama o santo: “Ó cólera divina, por que não te fizeste sentir ainda?”.

O Céu - Empíreo

As descrições do Céu são de irradiação de luzes intensas de difícil fixação pelos olhos humanos.

Beatriz é substituída por São Bernardo como guia de Dante.

Há o enaltecimento de Maria como figura gloriosa no Céu.

Os anjos também habitam o Empíreo.

Autorizado a encarar Deus com seus olhos mortais, ele diz que viu “unido pelo amor em um ser único tudo quanto contém o Universo”.

“Na profunda e clara essência de Deus, três círculos surgiram, parecendo de três cores distintas, mas de uma só conformação”. (Refere-se ao Mistério da Unidade e da Trindade Divina).


FINALIZANDO: Se nestas impressões eu disser que não gostei da DIVINA COMÉDIA, o que muda? Nada. Essa obra é estudada e lida há 700 anos e na língua portuguesa introduziu a palavra "dantesco (a)" muito utilizada para as tragédias e grande incêndios. Muitos a pronunciam mas desconhecem sua origem. É no "Paraiso", porém, que há pontos com sentido místico.

 

sexta-feira, 17 de março de 2023

ILÍADA, ODISSEIA E ENEIDA (TRÊS OBRAS CLÁSSICAS EM UM ÚNICO TEXTO)

EDIÇÃO ESPECIAL (I)

RAZÕES QUE ADOTEI PARA ORDENAR AS OBRAS CLÁSSICAS ILÍADA, ODISSEIA E ENEIDA. 

As resenhas das obras clássicas “Ilíada” e “Odisseia” de Homero e “Eneida” de Virgílio podem ser consideradas capítulos de uma mesma narrativa épica. "Eneida" também tem origem na guerra de Troia, com a fuga de Eneias de sua cidade destruída pelos gregos.

Com efeito, na “Iliada” Homero descreve a guerra de Troia, na qual os gregos (ou aqueus) avançam sobre os troianos tendo como causa, o rapto de Helena, esposa de Menelau por Páris. Na “Odisseia” dá-se a narrativa da volta de Ulisses à Ítaca, depois de vencida a guerra de Troia, viagens cheias de percalços, com castigos dos deuses do Olimpo, que perduraria por 10 anos.

Quando foram escritas a "Ilíada" e a "Odisseia", por Homero? No século dez antes de Cristo? Ou no século sétimo?

Mas, quem foi Homero?

Poeta épico grego, cuja data de nascimento é controversa, mas pode-se situar há cerca de 900 anos antes de Cristo. Teria vivido uns 30 anos, pouco mais.

Estudiosos chegam a admitir que Homero nunca existiu e que essas obras foram escritas por vários autores ou, por outra, elas são constituídas de textos de poemas diversos compilados.

No andamento da leitura, em determinadas narrativas parece haver alguma desconexão, mas isso não tira o interesse por ambas as obras.

Na obra “Eneida”, poema épico de Virgílio conta a história de Eneias (Eneas), troiano que escapou da guerra de Troia, como herói mesmo sendo seus exércitos derrotados pelos gregos. Há referência ao “cavalo de madeira” grego de proporções que possibilitou entrarem em Troia derrotando seu exército.

Eneida” foi escrita há mais de dois mil anos.


ILÍADA












O volume que li da “Ilíada", não é em verso, mas em prosa numa tradução esmerada.

A obra para quem a ler integralmente, pode se surpreender.

Desfilam em suas páginas os deuses que influenciaram diretamente os eventos da guerra, protegendo ou os gregos ou os troianos, saindo dessas posições até mesmo contatos ríspidos no Olimpo:

Zeus, o deus pai tem interferência direta nos combates. Há deuses protegendo os troianos na figura do valente Heitor enquanto que do lado dos gregos, Heras, "a dos olhos bovinos", irmã e esposa do próprio Zeus, "o ajuntador de nuvens" e Poseidon - "o abalador da terra". Mas, não só, outros participam influenciando no desfecho de lutas e batalhas.

[Três mil anos a idade das obras de Homero, e ele descreve desavenças sérias entre Hera e Zeus, irmãos e cônjuges. Coisas do tipo: "traiçoeiro", acusa Hera, Em outro trecho, agora o qualificativo de Zeus: "Louca, és sempre desconfiada, nem eu escapo de ti". E as divergência do casal não param aí].

Os deuses, então, menos que paz, incitando a guerra.

Heróis na narrativa, que se destacam

ULISSES, "de muitos ardis" sempre citado pelo protagonismo na construção do "cavalo de Troia" que, como presente "de grego", foi introduzido livremente na cidade inimiga  levando em seu "corpo", soldados gregos que dele saíram propiciando o ataque e a destruição de Troia, também denominada Ílion.

O que surpreende em a “Ilíada", porém, é que nas suas 421 páginas, Ulisses aparece como um personagem de pouca expressão ou participação nos combates.

Não há referências ao "cavalo de Tróia" nessa obra. Disso falarei à frente. 

AQUILES "dos pés ligeiros", sim, é o protagonista, mas nada é explanado na obra em relação ao seu calcanhar vulnerável. É um herói sanguinário que não faz concessão aos inimigos que derruba: ou a morte pela lança, ou a morte quando fisicamente dominados.

A obra revela outros heróis, como Agamenon - "rei dos homens" -, Diomedes, os dois Ajax, Pátroclo e mesmo Menelau entre os gregos, chamados na obra também como aqueus e entre os troianos, principalmente Heitor, "semelhante aos deuses" e Eneias. 

ENEIAS poderia ter sido morto por Diomedes, mas foi protegido pelo deus Apolo.

De certa maneira, Menelau foi aconselhado por Agamenon, seu irmão, a não se expor muito nas batalhas.

MENELAU é lembrado por causa da Helena, sua mulher, vítima de rapto consentido (?) e PÁRIS, o raptor, também chamado na obra de Alexandre.

HELENA se fixou bem em Troia mas arrependida como veremos.

No bom texto da dobra da capa, lê-se que

"Estamos diante de Troia. A guerra já dura nove anos. Páris ou Alexandre, príncipe de Tróia havia sequestrado durante sua visita, a mulher de Menelau, rei de Esparta, Helena, a mais bela das mulheres. Menelau recorre  aos outros líderes gregos  e vai atacar a famosa cidade."

Há, aqui, no meu modo de ver, imprecisões de datas que afetará até a ausência de Ulisses de sua pátria, Ítaca, em vez de 10 anos – lapso muitas vezes citado, mas beirando 20 anos (dez anos na guerra de Troia e dez anos para conseguir o retorno à pátria).

Na “Ilíada” a narrativa começa com um desentendimento severo entre Aquiles e Agamenon, “rei dos homens”, que o obriga a lhe entregar um "troféu" de guerra, uma linda mulher, Briseis, virginal.

Aquiles obedece, os deuses intervém e não se dá a violência entre eles, mas guarda um ódio mortal contra Agamenon a ponto de não participar das batalhas ao lado dos aqueus (gregos), Aquiles chora muito essa contrariedade, sendo consolado por sua mãe, a deusa Tétis que chegara mesmo a Zeus, pedindo a proteção ao filho ultrajado, "cujo destino é bem curto".

De um modo ou outro, Aquiles seria decisivo na guerra. Ele só entrará nos combates, com sua poderosa lança e armadura de bronze muito forte, quando seu companheiro e amigo muito estimado, Pátroclo fora morto por Heitor.

Zeus dissera que Heitor seria morto por Aquiles e tal se confirmaria após muitas rusgas entre eles com deuses interferindo protegendo um e outro.

Boa parte do livro se refere a descrição de batalhas sangrentas porque as vítimas caiam a poder de lanças de bronze ou de espadas.

Não havia compaixão de parte a parte, ninguém era perdoado na hora do confronto. A glória era abater o inimigo e mais a glória seria exaltada se a vítima tivesse fama de lutador invencível. E a obtenção da armadura do morto era o troféu.

Algumas descrições às vítimas de lança certeira:

● A lança atingiu o nariz da vítima, junto dos olhos e passou pelos dentes, cortando a língua sob a raiz e a ponta apareceu sobre a mandíbula...

Ou então,

● ...atirou uma seta de sete pontas, quando ele se retirava, atingindo nádega direita do inimigo. A seta penetrou na bexiga, embaixo do osso. Ele caiu e o sangue ensopou a terra... 

E mais,

● A pontiaguda lança atingiu a testa do combatente e os miolos se "dispersaram do lado de dentro" e ele morreu. 

Com Ulisses, Agamenon e Diomedes feridos, com a ajuda dos deuses e com Heitor protegido por alguns deles, inclusive por Zeus, os troianos se aproximam ameaçadoramente dos redutos gregos inclusive incendiando seus "côncavos" navios.

Então, Pátroclo, aliado e companheiro de Aquiles, chega até ele implorando que entre na guerra para vencer os troianos.

Aquiles não se emociona, mantém ainda o rancor pelo ato de Agamenon em retirar dele, a bela Briseis, "troféu" de conquista de batalha, a tal ponto em recusar até valiosos presentes dele na tentativa de reparar a humilhação que lhe impusera.

Então, Aquiles incentiva Pátroclo a partir para a batalha e para isso cede-lhe sua armadura e armas.

Pátroclo assim age e vai matando muitos troianos, até ser morto por Heitor, "o matador de homens".

Há, então, uma disputa  pelo corpo de Pátroclo: os troianos o querem como troféu e os aqueus o querem para a devida cerimônia fúnebre.

Conseguido o corpo, os aqueus informam da morte do amigo a Aquiles. Este porque chorão como era, se emociona e chora copiosamente enquanto se preparam as cerimônias fúnebres.

Decide partir para a guerra, sabendo que era temido pelos inimigos. O deus Hefestos fabrica nova armadura e armas para Aquiles a pedido de sua mãe Tétis.

Ao saberem da entrada de Aquiles na guerra, os pais de Heitor (Príamo e Andrômaca), que já choravam a perda de filhos na guerra, imploram: 

- Heitor, querido filho, não enfrentes sozinho aquele homem. longe dos outros, para que não encontres sem demora o teu destino, abatido pelo filho de Peleu, eis que aquele homem cruel é muito mais forte. 

Não demoraria, e Heitor, enfrentando Aquiles seria morto por um golpe de lança que atravessaria facilmente seu "macio pescoço". Heitor ainda teve tempo de pedir a Aquiles, em nome dos seus pais, que não o deixasse como alimento dos cães gregos.

Mas, Aquiles, com desprezo e rancor:

- Cão, não me supliques pelos meus joelhos e por meus país.

Morto Heitor, uma grande consternação em Troia, o desespero de seus país, tudo agravado pelo modo como agiu o algoz, arrastando o corpo do morto em volta do túmulo de Pátroclo.

Zeus e outros imortais, apiedam-se daquele modo de agir de Aquiles. Então, Zeus chamou a deusa Tétis para que levasse uma mensagem ao filho, determinando que ele entregasse o corpo de Heitor aos seus pais.

Assim se deu, observando Tétis que Aquiles já chorara demais pela morte de Pátroclo:

- Meu filho, por quanto tempo consumirás teu coração chorando e sofrendo, sem pensar no alimento e no leito? Coisa agradável é deitar-se com uma mulher para o amor.(?)

Príamo por mensageira de Zeus foi informado que deveria ir aos redutos gregos com ricos presentes a título de resgate e levasse para Troia o corpo de Heitor. 

Vacilando muito, o velho Príamo (pai de Heitor), assim fez. Tratado com frieza mas com respeito, acabou por levar o corpo do filho à sua cidade, dando-se, então, a cerimônia fúnebre.

Ilíada" assim se encerra no relato dessa cerimônia, sem narrar o desfecho da guerra…

O CALCANHAR DE AQUILES

Esse mito não é encontrado na “Ilíada” ou em qualquer obra.

É um mito oral, pode-se assim dizer, inserido num outro mito.

Aquiles era filho de Tétis, deusa do mar e de Peleu, rei dos Mirmidões (Tessália). Quando criança, sua mãe, segurando-o pelo calcanhar o mergulhou nas águas do rio Estinge como um modo de lhe dar a imortalidade. Mas, onde Tétis o segurou no calcanhar não foi banhado pelas águas, deixando-o vulnerável, então, nesse pequeno ponto.

Continua o mito revelando que Aquiles fora morto por uma flecha envenenada atirada por Páris certeira no calcanhar vulnerável dirigida pelo deus Apolo que passara a odiar o herói grego.

E O CAVALO DE TROIA, O FAMOSO "PRESENTE DE GREGO"?

Não há menção sobre essa lenda na "Ilíada".

Mas, a menção se dá sem detalhes na "Odisseia" do mesmo Homero.

Comentário de Menelau às lembranças de Helena de volta ao lar grego sobre Ulisses e o "cavalo de Troia":

"(...) Conheci por experiência os pensamentos e a bravura de muitos heróis, percorri o vasto mundo nunca, porém, meus olhos viram quem possuísse um coração como o do paciente Ulisses. Atentai no que ousou e empreendeu este homem enérgico, dentro do cavalo de madeira, onde os mais valentes dos Argivos (gregos) estávamos emboscados, para levar extermínio e morte aos troianos." (*)

E na "Eneida" de Virgílio que narra a fuga de Eneias da Troia destruída:

"Já fatigados da guerra e repelido pelos fados (destinos), no correr de tantos anos, os chefes gregos, por inspiração de Minerva, constroem um cavalo, tão grande como um monte, tecendo-lhe os costados de pranchas de abeto, e fazem divulgar ser aquilo um voto pelo seu feliz regresso. Dentro, no bojo escuro lhe metem escondidos guerreiros e de armada soldadesca enchem-lhe o ventre e todas as cavidades." (**)

HELENA

A guerra de Troia está muita acima do ousado sequestro da linda Helena, esposa de Menelau, por Páris (Alexandre).

Claro que na obra de Homero, há referências a essa ato ousado (e consentido) de Páris, pensado pelo seu próprio irmão, Heitor.

Diz ele:

"E se eu pusesse no chão meu escudo e o pesado elmo e fosse ao encontro do admirável Aquiles e prometesse entregar Helena aos filhos de Atreu (Agamenon e Menelau), para que a levassem e, com ela, todos os bens que Alexandre trouxe nos côncavos navios para Troia que foi o começo de toda a guerra..."

Escreveu Virgílio na sua "Eneida":

"Não lances a culpa à formosa e odiada Helena nem a Páris tampouco; foi a inclemência dos deuses que destruiu a poderosa Troia."

Em todas as linhas de a "Ilíada", Helena era qualificada como a esposa de Páris (ou Alexandre), mas quando chamada carinhosamente por seu sogro Príamo para ver em batalha seus  irmãos e conhecidos gregos, inclusive Agamenon, seu cunhado, ela mostra arrependimento por estar em Troia, mas não fora forçada a seguir o troiano, seu marido:

- Oh! oxalá a negra morte tivesse me tomado quando segui teu filho até aqui, deixando meus aposentos, meus irmãos, meu filhinho e o grupo alegre de minhas companheiras. Já, porém, que tal não se deu, eu me consumo com o pranto."

Na solenidade fúnebre de Heitor - e aqui uma questão de datas - Helena agradece o falecido pelo modo carinhoso como fora sempre tratada por ele, reafirma que melhor tivesse perecido em seguir o marido Páris, dizendo:

"Eis que faz vinte anos que aqui estou e deixei minha pátria.

Vinte anos! Esse tempo posterga muitos eventos situados na obra de Homero!

Referindo aos feitos de Ulisses, relatados na "Odisseia" explica Helena:

"E após ter massacrado muitos troianos com o bronze de afiada ponta, voltou a reunir-se aos Argivos (gregos) de posse de muitas informações. Então as outras mulheres troianas soltavam lancinantes lamentações, mas eu exultava de alegria, porque meu coração já era outro. Ansiava por voltar para casa e lamentava a cegueira com que Afrodite me ferira ao conduzir-me para lá, longe da pátria. deixando atrás de mim a filha (na "Iliada" ela se refere a filhinho), o tálamo (leito nupcial) e o esposo, que a ninguém é inferior em espírito e beleza".

Não parece muito claro a fidelidade de Helena a Menelau. Tome-se o exemplo de Penélope, a esposa de Ulisses.

Mas, tudo isso é literatura rica e fantástica.


ODISSEIA













Ulisses embora valente, o saqueador de cidades, chorava de saudade de sua Ítaca, de sua esposa Penélope - "a mais cordata das mulheres" e de seu filho Telêmaco.

Esses sentimentos, no longo poema de Homero, brotaram pela série de desafios enfrentados por Ulisses - especialmente 
os obstáculos impostos pelo deuses imortais para que voltasse ele para o lar, para Ítaca, após participar da guerra de Troia - o livro o coloca mesmo como um dos membros que conduziram o cavalo monumento de madeira, "presente de grego" aos troianos que os levou à derrota.

O poema - que li numa boa edição em prosa mas que não difere muito de edição da década de 40 que 
examinei - para mim realça estas virtudes do herói: fidelidade, coragem e heroísmo.

No poema os deuses do Olimpo e os homens mortais tinham relação muito próxima. Muitas vezes os mortais recebiam auxílio ou castigo direto de Zeus e de outros deuses tanto que a deusa Atena, de "olhos brilhantes" protege Ulisses até que voltasse a Ítaca mesmo enfrentado todo tipo de desafios e indivíduos monstruosos.

Depois de anos de ausência, após participar ativamente da guerra de Troia, o destino de Ulisses era uma grande dúvida: fora morto nalguma batalha? Ele teria morrido num naufrágio? Ou estaria vivo ainda prisioneiro nalguma terra distante?

Essa dúvida magoava demais sua esposa Penélope e seu filho Telêmaco já adulto.

Então, com essa dúvida, Telêmaco viaja por outras terras tentando obter informações seguras do paradeiro do pai, sem sucesso.

Ao mesmo tempo, sua mãe chorava muito a ausência do marido e, tanta a demora de notícias que na sua rica morada, acumularam-se varões de Ítaca pretendentes em receber um sim matrimonial de Penélope. Eles acreditavam que Ulisses morrera pelo que Penélope viúva, de notável beleza, poderia se casar com algum dos pretendentes, aquele mais rico e que lhe oferecesse os presentes mais valiosos.

Esses pretendentes praticamente viviam na mansão de Ulisses, alimentando-se de seus rebanhos atitude abusada porque dilapidavam suas riquezas. Houve revolta desses assediadores quando descobriram que o véu tecido por Penélope, futura mortalha para embalar seu sogro Laertes ao morrer, se casaria quando estivesse pronta, mas à noite desmanchava o que de dia tecera.

Telêmaco ao retornar da viagem sem a confirmação se seu pai vivia ou morrera, cuidara que não fosse assassinado pelos pretendentes que o tinham como empecilho ao casamento de sua mãe.

Por sete anos viveu Ulisses com a deusa-ninfa Calipso na Ilha Ogigia depois que sua nau fora destroçada e mortos seus companheiros por violenta tempestade como castigo imposto por Zeus, a pedido do deus Helio pelo abate de vacas deste criadas em suas terras. 

Linhas à frente, volto a esse episódio.

Calipso queria ter Ulisses como esposo. E ele era o amante dela.

Tal perdurou até que a deusa Atena interveio por Ulisses perante Zeus, que determinou que Hermes fosse até Calipso para lhe comunicar que Ulisses deveria retornar à sua terra natal, Ítaca. 

Calipso  promete a Ulisses, se ficasse, se tornaria imortal. Para voltar à esposa Penélope em Ítaca, enfrentaria grandes dificuldades. Mas, ela o auxilia na construção de uma jangada e ele parte.

Essa embarcação é destruída por ato de Posídon que provocara severa tormenta no mar.

O herói se salva chegando à terra dos Féaces.

Recebido com honras pelo rei Alcino – que lhe oferece múltiplos e valiosos presentes - mesmo sem que fosse conhecida sua identidade, depois de um tempo, afirma ser Ulisses e, a pedido do monarca, relata toda sua odisseia até chegar ali.

Relata que ao deixar Ílion, os ventos o levam a Ísmaro, saqueiam a cidade, ficam com as mulheres mas são atacados pelos cícones. Das batalhas havidas, morrem alguns de seus companheiros.

Na fuga suas naus são desviadas para terras dos Ciclopes e lá se depara com o gigante Polifemo, dotado de apenas um olho, hábil pastor. 

O gigante os aprisiona em sua caverna, devora seis dos companheiros de Ulisses e mantém refém os demais para a mesma finalidade.

Então, Ulisses e seus companheiros sobreviventes, embebedam Polifeno com vinho, preparam um grande tronco fino comprido, aproveitam sua embriagues e o cegam. 

Na fuga que se segue, Polifeno tenta os atingir com enormes pedras atiradas a esmo e sem direção ao mar.

Polifeno, filho de Posídon, roga ao pai que nunca permita que Ulisses retorne ao lar, a Ítaca.

Aporta Ulisses na Ilha de Eólia terra dos guardiões do vento, onde vivia Éolo. Bem recebido, para que Ulisses e os seus companheiros partissem, Éolo garantiu que os ventos os conduziriam ao destino. Para tanto lhe presenteara com um odre que aprisionava os ventos desfavoráveis. 

Mas na viagem, esse odre foi aberto desencadeando o sopro de ventos desfavoráveis. Suas naus voltam à Ilha de Eólia. Éolo não os recebe de novo e, então, aportam na terra dos Lestrigões.

Dos dois grupos para conhecer a região, um deles, no qual não estava Ulisses, dera-se com Circe, feiticeira que lhes ofereceu uma bebida, transformando-os em porcos.

Hermes aparece para Ulisses e lhe ensina o truque para salvar seus companheiros vítimas do feitiço: ervas lhe foram entregues que impediriam o feitiço de Circe.

Assim, feito, Ulisses por recomendação do deus, ameaça matá-la. Circe assustada liberta seus companheiros do feitiço.

Depois de um ano com Circe e seus banquetes, Ulisses lhe informa que partiriam para a terra natal.

Mas, Circe lhe diz que, antes, deve viajar até a região de Hades - morada dos mortos - e da "terrível Perséfone" para consultar o adivinho Tirésias, já morto mas que mantinha os mesmos poderes de quando vivo. (*)

Ulisses chora muito esse novo desafio, mas para lá vai.

A primeira alma que aparece, já na região de Hades, é Elpenor, companheiro de Ulisses que morrera de acidente na morada de Circe e estava, ainda, sem sepultura.

Para receber Tirésias imola um carneiro negro e deixa correr "o seu negro sangue". (**)

Este, após beber o "negro sangue", informa que a chegada de Ulisses a Ítaca será dificultada pelo "Sacudidor da terra ", Posídon, que pretenderia vingar a cegueira imposta ao seu filho Polifeno.

Mas, disse, também, o adivinho, que conseguiria escapar das tormentas aportando na ilha do Tridente mas não deveria se aproximar dos carneiros e vacas do deus Hélio.

Ulisses, depois de deixar Tirésias encontra sua mãe e, emocionado, tenta abraçá-la mas, ela evitava a aproximação como se "fosse uma sombra ou um sonho."

Todos os mortos se aproximaram de Ulisses, tentando expor suas angústia. 

Reconheceu a bela mãe de Édipo, o aqui chamada de Epicasta que se casara, sem o saber, com o próprio filho. (**)

Viu Tício, sendo atacado por dois abutres que dilaceravam seu fígado por ter violentado Leto, a "ilustre esposa de Zeus".

E outros conhecidos de Ulisses sofriam castigos.

Todos estavam ávidos em sorver o "sangue negro" dos animais abatidos. 

Então, vencida essa etapa, volta aos domínios de Circe para sepultar seu companheiro Elpenor.

Ela o avisa para ser cauteloso quando chegasse na região das sereias porque seu cantar melodioso encantava os viajantes que não resistiam à sedução e por lá ficavam cativos, numa espécie de deslumbramento.

Também haveria que cuidar muito quando se aproximasse da região de Cila e Caríbedes, devendo ficar mais próximo de Cila.

Para não ouvir o canto das sereias, ele obriga que seus companheiros tapem os ouvidos com cera. Ulisses pede para ser amarrado num mastro e suporta  a sedução das sereias que 'inundavam  seu coração'. 

Cila era um monstro horrendo com 12 pés e seis cabeças descomunais das quais não havia quem escapasse. 

Circe recomendara a Ulisses que não empunhasse qualquer de suas armas para não provocar Cila.

Esquecido desse conselho, Ulisses arma-se. Cila atacou a nau  apreendendo e devorando seis dos companheiros de Ulisses,

Caríbedes tinha o poder, ao engolir a água salgada e quando a vomitava o mar se tornava revolto e efervescente.

Mas, ao escaparem, mesmo com os seis companheiros devorados aportam na ilha de Hélio. 

Os companheiros de Ulisses, quando não havia mais alimentos, abatem vacas do deus Hélio que pede a Zeus que todos eles sejam mortos como castigo.

Tal ocorre, apenas Ulisses é poupado e ele é atirado na ilha da deusa Calipso. 

Dai, vai em busca de sua terra, Ítaca, numa jangada e, poupado, chega à terra dos Féaces.

Depois de ouvir tudo o que Ulisses enfrentara, Alcino, rei dos Féaces, resolve equipar uma nau e conduzi-lo a Ítaca, não sem antes dar-lhe muitos presentes.

E Ulisses chega a Ítaca. A deusa Atena que o protegia, o "transforma" num mendigo irreconhecível de tal ordem a que conhecesse a quem poderia confiar e quem o traia.

O único que o reconheceu foi seu fiel cão Argos, meio abandonado, que se ergue à chegada do dono.

Seu porqueiro fiel se emociona porque acreditava na morte de seu senhor.

Algum tempo depois Ulisses se dá a conhecer a seu filho Telêmaco e ambos engendram um plano para se vingar dos pretendentes matando todos eles.

Ulisses mendigo aos poucos vai se aproximando de sua mansão sob escárnio e protesto dos pretendentes que ainda assim lhe davam algum alimento como esmola.

A velha escrava Euricléia ao lavar os pés do mendigo por ordem de Penélope, reconheceu que era Ulisses por uma cicatriz profunda na perna que ficara após o ataque de um javali. Ele pede à escrava que mantenha o segredo de sua identidade.

Penélope também não o reconhecera. Ela sugere uma prova aos pretendentes: que aquele que vergasse o arco de Ulisses, fixasse a corda e armá-lo, ao mirar uma flecha, deveria ela ultrapassar o furo de 12 machados devidamente postos em linha.

Telêmaco parecia  conseguir vergar o arco, mas Ulisses com um gesto imperceptível o impediu de prosseguir.

Então o arco é dado ao mendigo sob protestos. Este não só consegue vergá-lo como mira a flecha que ultrapassa o orifício dos machados.

Feito isso, apoiado pelo porqueiro Eumeu, com o boieiro Filécio  e Telêmaco, começam a matar todos os pretendentes.

E conseguem. Os corpos são levados para um local da morada enquanto Ulisses vai em busca do pai Laertes nos campos porque esperava a reação de toda Ítaca. Foram mortas figuras destacadas da cidade. 

[É nessa visita emocionada entre pai e filho que se sabe que o velho Laertes cultivava frutas em seus campos. Essa é única referência a esse tipo de alimento em toda a Odisseia. A predominância sempre fora nos festins constantes, a carne. o pão e o vinho].

Zeus, todavia, a pedido da deusa Atena, decreta a paz em Ítaca, mesmo após aquelas mortes todas.

Quando Penélope, "a mais cordata das mulheres", finalmente reconhece que o mendigo estrangeiro era Ulisses, agora devidamente apresentado com vestes ricas, se emociona muito e seguem para recuperar o amor de tantos anos passados.

Haviam se passado 20 anos.

MORAL DA HISTÓRIA

A "Odisseia" de Homero traz no seu conteúdo, timbres de fidelidade matrimonial, o amor filial, a coragem e a sensibilidade porque o herói chorava. Mas, também, a vingança para salvar a honra. Todos os sacrifícios, os percalços e os monstros extraordinários (Polifeno e Cila) enfrentados por Ulisses, podem ser qualificados como as dificuldades da própria vida de cada um e, quanto aos monstros aqueles pensamentos de ódio, destrutivos, que frequentemente habitam a mente mais de uns do que de outros.

E os deuses sempre dirigindo a vida e a morte do mortais. 

E há que destacar a fidelidade de Penélope.


Referências:

(*) Sócrates, diz ele que há almas perdidas fora do mundo invisível que temem a região de Hades, afastam-se do corpo e se tornam visíveis, vagando em volta dos túmulos, dos cemitérios, fantasmas medonhos, espectros assustadores. 

Acessar: SÓCRATES DE PLATÃO

(**) Tirésias é o mesmo adivinho da obra teatral "Edipo Rei" de Sófocles. Epicasta n obra de Sófocles é chamada de Jocasta.

Acessar: ÉDIPO REI de Sófocles


ENEIDA













ENEIDA é um poema épico de Virgílio que conta a história de Eneias, troiano que escapou da guerra de Troia como herói mesmo sendo seus exércitos derrotados pelos gregos que conseguiram entrar na cidade tendo como meio, o famoso cavalo de madeira ("o presente de grego").

Nesse cavalo de madeira, de proporções, se escondiam militares gregos que praticamente destruíram Troia.

O exemplar que tenho de Eneida é 
também em prosa, não em verso, como se constitui a obra original de Virgílio, edição dos primeiros anos da década de 1940.

A obra de Virgílio foi 
conhecida há mais de 2000 anos, pouco tempo antes do surgimento do cristianismo.

Na “Eneida” dá-se relato das lutas de Eneias, guerreiro heroico de Troia que dela foge para se instalar no Lácio, Itália.

Eneias com a ajuda de sua mãe, a deusa Vênus, escapa de Troia devastada pel
os gregos. No trajeto da fuga, na qual o acompanha seu filho Ascânio, desaparece sua esposa Creusa por ordem dos deuses do Olimpo.

Também ele vence obstáculos de toda natureza, o ódio e as ciladas da deusa Juno. 

Na obra  cenas de amor, de suicídio por amor e muitas lutas violentas, a poder de lanças e flechas. Essas lutas ou guerras tinham por objetivo, além de conseguirem os troianos territórios da Itália para fundarem os troianos uma nova cidade. E, também, a conquista por Eneias, de Lavínia, noiva que lhe fora prometida pelo rei Latino mas que seria depois seu inimigo na guerra por influência de Turno também seu inimigo.

Na obra Eneida há também, como na
s obras de Homero, monstros.  Destaco as harpias que voando dos montes, batendo suas asas com "horripilante ruído", roubam as iguarias "sujam  tudo com seu imundo contato" e exalam mau cheiro e seus gritos selváticos.

Quando conseguiu, com seus navios se afastar da região de Troia devastada, por má influência da deusa Juno, os ventos soprados pelo deus Eólio fazendo o mar revolto, os troianos aportam sem o saber nas terras Líbias, na cidade de Cartago na qual a bela Dido, a rainha, vinha construindo.


Enéias e seu grupo são bem recebidos em Cartago. En
eias  relata a Dido todas as suas aventuras, as batalhas em Troia destruída e incendiada, evitado o reino de Ítaca, berço do cruel Ulisses, a morte brutal do velho Príamo, rei troiano...

Por obra de Citereia (Vênus), atacada por Cupido disfarçado, Dido se apaixona por En
eias e pensa em retê-lo para com ele viver. Se entrega a ele, mas Júpiter ordena que seja o herói avisado pelo mensageiro Mercúrio que não seria Cartago o seu destino e o obriga a viajar nos rumos do seu reservado destino (fados), a Itália.

Eneias se emociona em deixar Dido. Esta, perdida de amor e pela fuga de seu amante, envergonhada, se suicida.

Chegando à Sicília, em homenagem a seu pai, Anquises, promove jogos fúnebres mas as mulheres troianas, cansadas das viagens e por sugestão de Juno, incendeiam navios. Então Eneias, funda a cidade de Acesta, deixando lá as mulheres e os inválidos, seguindo seu destino.

Aporta então em Cumas e lá se encontra com Sibila, aquela que "inspira o furor divino e revela o futuro". Com ela desce aos infernos para ver a sombra" do pai, Anquises. Nesse ambiente sombrio constata todo o sofrimento daqueles que em vida pecaram gravemente, as desgraças que afetam os mortais, horríveis monstros...

Chegam na caminhada num ambiente mais sereno, nos "Campos Fortunados" onde se reúnem aqueles  heróis, "dos que em peleja morreram pela pátria, os sacerdotes puros durante a vida, os vates piedosos, que disseram coisas dignas de Apolo, os que inventaram artes para  melhorar a vida..."


Eneias encontrou a sombra do pai. Tenta abraçá-lo mas sendo uma sombra escapa pelos seus braços.


Anquises então explica ao filho o modo de renascer na terra, muita semelhança com os que 
acreditam em reencarnação. São "almas depuradas" as que voltam à vida, "para que deslembrados do passado, tornem a ver a face da terra e queiram voltar aos novos corpos".

Prosseguindo na viagem chega à foz do Rio Tibre.


O rei Latino percebe a presença de estrangeiros e que pretendiam se apossar de 
territórios da Itália.

Nessa perspectiva estava Lavínia acendendo as chamas dos altares dos deuses ao lado do seu pai quando um prodígio se realizou ampliando-se o fogo por todo o recinto e queimando parte dos longos cabelos dela.


Foi considerado um presságio.


Então Latino consultou um oráculo. Este confirmou que um estrangeiro ilustre  chegaria e deveria desposar sua filha Lavínia.


Latino recebeu En
eias e sua comitiva muito bem. Ofereceu território para que construísse uma cidade e ofereceu sua filha em casamento.

Eis que Juno, esposa de Júpiter que odiava os troianos, interveio para, por uma divindade do mal, "envenenar" Amata que cuidava do casamento de Lavínia com Turno.


El
a não convence Latino a romper com o prometido a Eneias. 

Então, instiga o ódio em Turno que declara guerra os troianos, buscando somar ao exército italiano outros exércitos de reinos vizinhas. E sob essas forças revoltas em sua volta, então, Latino se volta contra Eneias

En
eias, por sua vez, ao saber da guerra declarada também busca outros aliados. Orientado pelo deus Tiberino busca Arcade e pede o apoio do rei Evandro.

Evandro aceita ajudar destacando seu filho Palante para comandar o seu exército em apoio a En
eias.

Os combates violentos são descritos por Virgílio de modo realista, como neste trecho:


"Ouvem-se os gemidos dos moribundos, na sangueira rolam armas, cadáveres e cavalos a morrer acende-se áspera batalha".


Latino percebendo o mal que fizera a guerra em seu reino, se arrepende muito de não ter mantido a promessa feita a En
eias, aceitando a guerra proclamada por Turno também pretendente de sua filha Lavínia.

"De todos os pontos da cidade corre-se aos muros. O rei Latino dissolve a assembleia e adia o conselho, lastimando-se por não ter espontaneamente recebido e como genro associado ao reino o dardânio Eneias."

Turno é auxiliado por sua irmã Juturna que pode ter ferido Enéias com uma flecha (
a obra não revela isso) mas ele se recupera logo com a ajuda de Vênus.

En
eias e Turno eram exímios lutadores e praticamente venciam todos os adversários a frente. E o final dos combates se daria em duelo entre Turno e Eneias.

Nessa luta final entre Eneias e Turno, havia a sensação de que este seria morto pelo adversário.

Turno permanece indeciso, medroso e 
à distância. Eneias, então, atira de longe a lança que trespassa a coxa de Turno que se ajoelha indo ao chão aquele corpo avantajado (v. ilustração na capa do livro).

Ao se aproximar do adversário caído, En
eias até vacilava em matá-lo, ouve dele que Lavínia lhe pertence, que ele vencera a guerra,  mas vê nos ombros despojos do jovem Palante - filho de seu aliado Evandro - morto por Turno e, então, cheio de ira, "impetuoso embebe a espada no peito do inimigo".

A heroína: Camila, de peitos nus, luta bravamente ao lado de Turno, inimigo de Eneias mas é morta em combate. 

MORAL DA HISTÓRIA

Não se subestime a fé dos mortais nesses poemas épicos tributada aos seus deuses pagãos, porque as orações nos momentos difíceis eram parecidas às de hoje nas quais os crentes rezam para Deus ou suas Divindades: as orações dos mortais gregos e troianos pediam aos deuses, a vitória, a preservação da vida nas batalhas e nas intempéries, realização de desejos...

Então, nem se estranhe a presença permanentes dos deuses do Olimpo muitas vezes se relacionando com os mortais, porque tantos são os que creem que Deus e as Divindades de hoje também agem respondendo orações piedosas.


Há inclusive o cumprimento dos fados (do destino) que Júpiter reluta em mudar ao pedido que ajudasse En
eias nas batalhas.


MITOLOGIA GREGA: MUITO EXTENSAS ESTAS RESENHAS E COMENTÁRIOS DOS TRÊS LIVROS. E NÃO É SÓ ISSO, HÁ MUITO MAIS.  OS TEXTOS SÃO DENSOS MESMO "EM PROSA" COMO SÃO ESSAS OBRAS RELATADAS.

SERÁ SEMPRE BOM RECEBER CRÍTICAS E CORREÇÕES TANTAS AS ALTERNATIVAS QUE AS OBRAS APRESENTAM.