Livro 30
Livro que gosto muito.
Hermann Hesse é escritor alemão, Prêmio
Nobel de Literatura de 1946.
Na edição que disponho, nos comentários de
contracapa de autoria de Otto Maria Carpeaux no trecho final, ele escreveu:
“A vida de Sidarta parece-se com a do próprio Buda.
Mas, também se parece com a do próprio Hesse, que experimentou todas as
possibilidades da existência humana até reconhecer a profunda doutrina da
identidade de tudo que é vivo: idênticos são os pecados e a santidade, a
sabedoria e a loucura e, enfim, a vida e a morte. Hermann Hesse foi um grande
poeta. Também foi um grande sábio.”
Por causa dessa identidade, tendo como suporte o volume 2 da
“História Universal” de H. G. Wells (edição de 1939), me estenderei um pouco
nesta resenha estabelecendo a diferença entre o livro de Hesse e a vida de
Buda.
O
Sidarta de Hesse, um dia questiona os deuses que recebiam reverências e
sacrifícios, não havia nada que revelasse a busca do eu interior, o princípio
da vida (atma). Ele era membro de família abastada, mas não era feliz.
E com
essas dúvidas em mente, sem as respostas “definitivas” a essa procura interior,
abandonou sua vida de riqueza, seus pais e se uniu aos samanas, ascetas peregrinos que renunciavam aos prazeres da vida
vestindo andrajos, viviam de esmolas, de sacrifícios, jejuando, na tentativa de
eliminar o eu e se encontrarem com
sua própria vida, na sua interioridade.
Seguiu-o
seu amigo leal, inseparável, Govinda.
BUDA:
Sidarta Gautama nascera entre 600/500 AC numa família
afortunada. Casara-se cedo, aos 19 anos e fora pai de um filho, Rahula.
Sua vida era de prazer, da “caça e do amor” até os 29 anos quando
começou a se indagar se sua vida não era pautada pela infelicidade.
Como relata Wells, as causas da mudança em encarar a vida foram
estas:
“Rodava, certo dia, em seu carro, numa excursão de
prazer e eis que passa por um homem extremamente abatido pela idade. A pobre
criatura, curvada e frágil, feriu-lhe a imaginação. “Este é o caminho da vida”,
disse Chana, seu condutor, e “aí temos todos de chegar”. Ainda estava isso em
seu espírito, quando se lhe deparou um homem sofrendo horrivelmente de uma
moléstia repugnante. “Isto é a vida”, disse Chana. A terceira visão foi a de um
corpo insepulto, inchado, sem olhos, estraçalhado pelas aves e pelos animais e
tornado completamente hediondo. “Este é caminho da vida”, disse Chana.”
Vira ainda sob os efeitos dessas experiências um asceta, em
grande número naqueles tempos, dos quais se dizia que buscavam uma realidade mais
profunda para a vida.
Sidarta Gautama, naquele momento se decidiu por aquelas mesmas
buscas. Na noite em que se comemorava o nascimento do seu filho, a tudo
abandona e acompanhado por Chana, seu amigo, partem pela noite em busca dessas
revelações, do nirvana (?).
Sidarta de Hesse com seu amigo
Govinda questiona o sentido da meditação, o jejum como modos de “fugir de nós
mesmos”.
A
sabedoria é o atman que está no
interior de todas as criaturas.
Ali
está a sabedoria.
Govinda
recita, então, um verseto de um upanichade:
“Quem ao meditar com o espírito purificado, se confunde com o
Atman, propiciará ao seu coração indizível bem-aventurança”. (*)
Sidarta
como samana viaja ao encontro de
Gautama e a despeito da santidade revelada em seu olhar e pelo sorriso sereno
ele pontifica que a experiência de iluminação pertencera somente a ele, o Buda.
Com
esta explanação:
“Dissera a Gautama que o tesouro e o mistério de Buda não consiste
na doutrina, senão num quê indizível não suscetível de ser ensinado e cuja
experiência coubera ao Augusto na hora de sua iluminação.”
E
mais explanara Sidarta:
“Ora, o desígnio de sua própria jornada seria ter essa mesma
experiência”.
Depois
de dialogar com Buda, Sidarta mudou sua visão do mundo. Via beleza no céu azul,
nas matas, o rio a correr e chegara à conclusão que não era a influência de
Mara, o demônio, que tentava influenciar negativamente aqueles que saiam em
busca de si mesmos, da sabedoria.
Aliás,
Wells relata sobre Gautama e Mara, o tentador da Humanidade:
“Volta”, dizia Mara, “e tornar-te-ei rei e eu te farei o maior de
todos.”
Tal
qual a tentação de Jesus no deserto depois de 40 dias de jejum:
Mateus
4 a 10:
8. Depois, o Diabo o levou a um monte
muito alto e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e o seu esplendor.
9. E disse-lhe: "Tudo isto te darei
se te prostrares e me adorares".
10. Jesus lhe disse: "Retire-se,
Satanás! Pois está escrito: 'Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste
culto”.
Há um fato curioso em
relação ao jejum. Num desses tempos de jejum, num dado momento caiu Gautama
inconsciente e quando acordou alimentou-se certamente que chegando à conclusão
de que a iluminação que buscava poderia ser alcançada com um corpo pouco mais
são.
Seus discípulos
horrorizados dele se afastaram.
Buda, então, percorreu
sozinho seus caminhos até que sob uma grande árvore (denominada “a árvore da
vida” – uma figueira), ao lado de um rio, pronto para se alimentar foi invadido
por um sentido de claridade e lucidez. Ali permaneceu em profunda meditação por
horas até se encorajar a informar ao mundo sua visão e iluminação.
Buda nunca assim se
qualificasse, mas assim o fizeram os seus discípulos reconquistados.
E
quanto a Sidarta?
Embora no seu íntimo, nunca perdendo
aquele sentimento de ascetismo, passou a viver por longo período uma vida
mundana: uniu-se à linda cortesã Kamala, tornou-se comerciante rico, jogava
dados, perdia e ganhava fortunas e convivia com os “homens tolos”.
Entediado por todas essas experiências
mundanas, antes de retornar à vida ascética e deixar tudo para trás, teve mais
uma relação com Kamala que engravidou.
Chega à beira do rio, torna-se amigo e
hóspede do balseiro Vasudeva de poucas palavras, humilde, que dizia ouvir a voz
do rio, porque “o rio sabe tudo e tudo podemos aprender dele.”
Passa Sidarta, que envelhece, a
dividir as tarefas de atravessar o rio transportando viajantes nesse trabalho
humilde mas sem perder aquele sentido de atingir o atma.
Sidarta adoece e Kamala – agora sua
seguidora a quem doara seu bosque – chega até o rio para visitar o doente junto
com seu filho.
É, então, picada mortalmente por uma
cobra, agoniza, não sem antes informar a Sidarta que o menino era seu filho. E
morre.
O menino que vivia em condições
confortáveis com sua mãe, vivendo, então, naquela cabana tão precária, se revolta
e passa a ofender e desprezar o pai até que foge.
Rahula, o filho de Buda,
ainda criança quando o encontra o indaga sobre a herança a que faria jus, mas bem cedo se torna monge e segue o
pai até o fim da vida.
Sidarta procura o filho intensamente
na cidade sem o encontrar e lhe vem à mente o desgosto que provocara aos seus
próprios pais ao os abandonar e se tornar um
samana.
O balseiro Vasudeva falece. Sidarta o
substitui. Govinda envelhecido, seguidor das doutrinas de Buda, volta a
encontrar Sidarta.
Nesse encontro de amizade profunda e
amor de velhos amigos Govinda percebeu que “esse sorriso da máscara, o sorriso
da unidade acima do fluxo das aparências, o sorriso da simultaneidade muito
além do sem-número de nascimentos e mortes, o sorriso de Sidarta era idêntico
àquele sorriso calmo, delicado, indevassável, talvez bondoso, talvez irônico,
de Gotama, o Buda...”
“Era
assim – Govinda o sabia – que sorriam os seres perfeitos.”
(*)Upanichade: partes de escrituras hindus que discutem meditação e filosofia.