"Ensaio de crítica do Cristianismo"
LIVRO 73
Nietzsche na sua maturidade pelos 46 anos de idade foi perdendo a razão, num grave colapso mental. Atribui-se sua loucura ao avanço da sífilis, que adquirira na juventude. Com a doença “viveu” por cerca de 11 anos. Ele faleceu em 1900 aos 55 anos de idade (seu nascimento: 1844 na Alemanha).
No capítulo “Mater Dolorosa” do velho livro (1948) “A Marcha do Tempo” de Stefan Zweig é relatado o drama de sua mãe, cuidando do doente famoso no dia-a-dia:
“Vê-se agora uma velhinha a conduzir, de vez em quando, o seu doente, como a um urso grande e pesadão, pelas ruas e a longos passeios. A fim de o distrair, recita-lhe intermináveis poesias, que ele escuta em torpor. Guia-o jeitosamente; fá-lo desviar-se das pessoas que o fitam curiosas e dos cavalos que detesta. Sente-se feliz toda vez que consegue reconduzi-lo à casa, sem que ele desperte a curiosidade popular com sua “voz muito alta” (como a senhora delicadamente classifica seus berros selvagens).
O "ódio aos cavalos" que teria Nietzsche tem este comentário de Milan Kundera no livro
"A Insustentável Leveza do Ser":
Nietzsche já afetado pela loucura: sai o filósofo alemão de um
hotel em Turim, ano de 1889, no momento em que um cocheiro espanca seu cavalo
com um chicote: “Nietzsche se aproxima do cavalo, abraça-lhe o pescoço, e sob o
olhar do cocheiro, explode em soluços.” (...) Nietzsche veio pedir ao cavalo
perdão por Descartes – que considera o animal um autômato, uma máquina
animada...” Quando um animal geme, não é uma queixa, é apenas o ranger de um
mecanismo que funciona mal.” (*)
(*) Livro de Milan Kundera - acessar
(*) Livro de Milan Kundera - acessar
Friedrich Nietzsche é um autor que me incomoda. Demorei mas li "Assim falava Zaratustra” (escrito em 1883/5) mas constatei nessa obra ambiguidades, contradições em páginas desconexas. Ora, é preciso "interpretar". Mas, interpretar o quê? (*)
Mas, há os que se debruçam sobre as obras de Nietzsche, e se tornaram estudiosos de seu pensamento. Se entendem o que quis transmitir o autor é algo sempre a ponderar.
A filósofa Scarlett Marton, é estudiosa das obras de Nietzsche. Sobre "Zaratustra" diz se tratar de um texto "hermético", pelo que difícil.
O ANTICRISTO
No livro "Assim falava Zaratustra", Nietzsche afirma o Super-homem, mas em "O Anticristo" ele o chama de "homem-superior" cuja essência de viver com liberdade, não comporta a presença de Deus.
Ele começa assim: "olhamo-nos no rosto, somos hiperbóreos..." - essa é uma região referida pela mitologia grega que se situaria ao norte da Europa e da Ásia na qual o povo vivia despreocupado, feliz, usufruindo de vida longa muito superior aos demais homens. Essa região hiperbórea só poderia ser alcançada com a ajuda dos deuses.
Mas, não nas terras de Nietzsche...
Ele, o homem-superior deve ter, então, a liberdade de usufruir da vida sem a presença, por exemplo, dos sacerdotes cristãos que conduzem os "fieis" nas mentiras contidas na Bíblia que enaltece o judaísmo e, no "novo testamento", o evangelho cristão ("as boas novas") mentiras, não poupando nem mesmo a todos os ensinamentos de Jesus Cristo.
O cristianismo tolhe a liberdade de pensar, tolhe os instintos naturais da vida, impedindo a felicidade dos fiéis porque os mantém na mentira.
E, nesse rumo, para o homem-superior, a compaixão não pode ser aceita, porque ela significa um sofrimento contagioso e leva a uma perda da energia vital. Então, um sentimento inútil ao "homem-superior".
Pergunta ele: "o que é mais nocivo que um vício qualquer? A compaixão em um ato para todos os fracassados e os fracos - o cristianismo".
Ataca também os teólogos porque aquilo que consideram verdadeiro seria uma falsidade difundida insistentemente.
Diz mais que a crença ou em Deus ou no diabo, são produtos da decadência, esse Deus que hostiliza a vida.
E ao continuar a "condenar" o cristianismo, se refere ao budismo que seria "cem vezes mais realista que o cristianismo", mas também uma religião decadente, embora mais amena nos seus princípios (talvez seja o budismo decadente pela compaixão um princípio que transmite a partir dos ensinamentos do Buda).
No meu modo de interpretar, Nietzsche não interpretou e parece ter mencionado o budismo apenas para estabelecer um novo ângulo crítico em relação ao cristianismo. E ele também não explica sua afirmação de que o budismo não promete nada, mas cumpre; "o cristianismo promete tudo, mas não cumpre nada". (?)
Faz duras crítica a Jesus por não ter resistido às acusações falsas de que era vítima, não ter se defendido diante dos juízes, diante dos acusadores.
Mais a frente, seleciona versículos dos Evangelhos e faz sua crítica àquilo que considera contradições da palavra de Jesus.
Menciono este, no qual a crítica é mais contundente:
"E tantos quantos vos não receberem, nem vos ouvirem, saindo dali, sacudi o pó que estiver debaixo dos vossos pés, em testemunho contra eles. Em verdade vos digo que haverá mais tolerância no dia de juízo para Sodoma e Gomorra, do que para os daquela cidade.(Marcos 6.11). Como é evangélico!..."
Nietzsche selecionou outros versículos para criticar os Evangelhos, a Jesus Cristo que qualifica de "impostor", mas claro que, de modo ao seu próprio convencimento, não ousou se referir ao "Sermão da Montanha", aos milagres de Jesus àqueles necessitados, seus embates com os filisteus...
E, então, volta a negar "Deus como Deus", e mais: "Se alguém nos provasse esse Deus dos cristãos, ficaríamos ainda menos inclinado a crer nele."
E Deus inventa as guerras, separa os povos e permite que se exterminem reciprocamente. Os sacerdotes, precisam da guerra.
Interessante que Nietzsche critica a doutrina do perdão, da graça, da salvação, por significarem a negação da causalidade, "um ataque contra o conceito de causa e efeito" (?)
Estaria remotamente se referindo ao carma ("conceito de causa e efeito") aceito pelo budismo?
Do convertido Paulo, o autor o converte a um farsante e aproveitador dos ensinamentos cristãos.
E no prosseguimento das acusações e críticas, seguem páginas a frente, concluindo que a igreja cristã "não poupou nada em sua corrupção".
Por fim, quanto as cristãos, "a natureza os dotou mal - esqueceu de lhes atribuir um modesto quinhão de instintos respeitáveis, convenientes, limpos... Dito entre nós eles não são sequer homens... Se o islamismo despreza o cristianismo, tem mil razões para isso: o islamismo tem como condição, verdadeiros homens..."
MORAL DA HISTÓRIA
As críticas principalmente ao catolicismo são contundentes no livro. O que pensaria hoje com o escândalo da pedofilia? Desses "evangélicos" que negociam o Evangelho? Nietzsche nesse conceito de homem-superior é muito limitado pelo que a vida oferece e há o momento da própria decadência física. Não haveria como imaginar viverem ele e seus adeptos na região mítica dos hiperbóreos. Pelas limitações da vida pareceu muito de utopia, um delírio, mesmo que rejeitando Deus. Ele viveu apenas 55 anos na "terra" do seu Zaratustra e os seus últimos anos (11) foram vegetando por causa da doença mental progressiva.
O livro "O Anticristo" é oferecido ainda hoje pelas livrarias.
Referências: