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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER de Milan Kundera

Livro 55




















Houve momentos em que encarei o livro como uma colcha de retalhos. (*)

Do ponto de vista filosófico, logo na primeira página se refere a uma “ideia misteriosa” de Nietzsche sobre o “eterno retorno”.

Não me proponho a aprofundar teses de Nietzsche até porque nunca cheguei a compreender conceitos do filósofo alemão.

Mas, páginas a frente diz que a Terra significa uma experiência e que não há outros planetas para avançar em outros graus pelo que concluo que o “eterno retorno” não tem possibilidade de ocorrer. Mas, e se existissem planetas onde fosse possível renascer de tal modo que as experiências pudessem prosseguir? E se houvesse outros?

Não, o Autor não insinuou a reencarnação….

Na proposição do título do livro, a “leveza do ser insustentável”, no decorrer do livro há ambiguidades de conceitos, mas o que me pareceu mais aproximado dela, a leveza, se dá num momento de paz, aquelas situações que a vida impõe reflexões… exatamente aquelas situações em que os pesos da sobrevivência estão ausentes.


O livro conta a história do médico Thomas, sua amante e depois esposa Tereza. Thomas entre dezenas de amantes, tem Sabina como referência que, por sua vez, tem como amante, também, Franz. 

Thomas é um “maníaco sexual consentido” porque desfrutava de dezenas de amantes, traia Tereza de modo a não disfarçar, incluindo Sabina como amante - um verdadeiro privilegiado porque nunca contraíra qualquer doença sexualmente transmitida.

Nesse ponto, o livro cansa.

O erotismo, porém, na maior parte do livro é “soft”, mas depois já assume algum desvio.

Tereza também traiu uma vez Thomas, uma história mal contada ocorrida num ambiente sórdido. O parceiro seria um agente da governo comunista?

Thomas era médico cirurgião, conceituado, prestigiado no hospital onde trabalhava conhecera Tereza numa pequena cidade da Boêmia, se amaram e passaram a viver juntos.

Embora infiel ao extremo, o final do livro revelará que, entre alto e baixos, eles se amavam: “Sentado na cama, olhava a mulher deitada a seu lado que, dormindo, apertava-lhe a mão. Sentira por ela um amor inexprimível”.

Episódios não muito explorados no livro, uma pena, envolvem os personagens nos eventos da “Primavera de Praga”, um movimento que eclodiu em 1968 na Tchecoslováquia, que na sua essência defendia princípios de liberdade e democracia no reduto socialista, mas trucidado pela invasão soviética com seus tanques e soldados, submetendo o líder Alexander Dubcek à humilhação e ao ostracismo.

Outros adeptos da “Primavera de Praga” foram perseguidos. Uma maneira de tirar eventual influência desses dissidentes, era impedir que trabalhassem em suas profissões.

Foi o caso do próprio Thomas. Escrevera ele uma carta a uma revista, que foi publicada como artigo, no qual, nas linhas não perdoava os comunistas pela truculência praticada pelo partido contra seus opositores, mesmo que desconhecessem tais atos de violência.

Thomas faz uma analogia, considerando o personagem da mitologia grega da obra de Sófocles, "Édipo", que não se perdoou ao saber que matara seu pai e desposara sua mãe. 

O castigo que se impusera, fora vazar seus próprios olhos.

Por isso, os comunistas "inocentes", que nada sabiam não poderiam ser perdoados como Édipo não se perdoara.

Procurado por prepostos do governo, não se retratou dessa proposição metafórica, perdeu o posto médico, para sobreviver passou a lavar vidros e, finalmente, refugiou-se com Tereza numa cidadezinha do interior, trabalhando como motorista de caminhão e ela, pela manha, cuidando de novilhas nos pastos: “não existe nada mais comovente do que vacas brincando”.

Uma novilha se aproxima de Tereza, para, e olha para ela longamente com grandes olhos castanhos”.

O livro apresenta momentos de tédio, como a insistência em se referir ao chapéu coco de Sabina - não pretendi "interpretar" essa passagem - e, de repente, num capítulo praticamente inteiro, se valendo da palavra kitsch para isso é para aquilo, explicando o Autor: “O kitsch é a estação intermediária entre o ser e o esquecimento”. (!)

E também a seguinte proposição: se o homem foi criado à imagem de Deus, as suas necessidades fisiológicas seriam inadmissíveis. Uma discussão inútil nesse nível.

As páginas finais foram pungentes em explanar sobre a violência contra os animais: “O direito de matar um veado ou uma vaca é a única coisa sobre a qual a humanidade inteira manifesta acordo unânime, mesmo durante as guerras mais sangrentas.”

Emocionante o relato dado ao câncer que vitimou a cadelinha Karenin (nome inspirado em Anna Karenina de Tolstoi) (**) ser sacrificada por falta de qualquer outra opção.

Há um relato no livro sobre reação controversa de Nietzsche já afetado pela loucura: sai o filósofo alemão de um hotel em Turim, ano de 1889, no momento em que um cocheiro espanca seu cavalo com um chicote: “Nietzsche se aproxima do cavalo, abraça-lhe o pescoço, e sob o olhar do cocheiro, explode em soluços.” (...) Nietzsche veio pedir ao cavalo perdão por Descartes – que considera o animal um autômato, uma máquina animada...” Quando um animal geme, não é uma queixa, é apenas o ranger de um mecanismo que funciona mal.”

E uma frase do Autor:

A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda pureza, com toda a liberdade, em relação àqueles que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, num nível tão profundo que escapa ao nosso olhar) são as relações com aqueles que estão a nossa mercê: os animais. É aí que se produz o maior desvio do homem, derrota fundamental da qual decorrem todas as outras”.

Franz um intelectual, amante de Sabina e depois de jovem estudante, de compleição forte, fora assaltado nas ruas de Bangkok - estivera no Camboja em missão humanitária frustrada -, reage é atacado e morre num hospital de Genebra pelos ferimentos da agressão.

Tomas e Tereza morrem num desastre com o caminhão. O caminhão sem freios caíra num barranco.

(*) O livro inspirou filme do mesmo nome, de 1988, dirigido por Philip Kaufman, com os atores Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche e Lena Olin.
(**) Leitura - “Anna Karenina” de Leon Tolstoi - Livro 4 - neste blog.
Acessar: https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2017/06/4-ana-karenina-de-leon-tolstoi.html


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