Li três livros de José Saramago, este, também "Memorial do Convento" (resenhado *) que não gostei da ficção referente ao voo da "passarola" suposta engenhoca do brasileiro Bartolomeu de Gusmão, conhecido nas cortes portuguesas nos tempos de João V com experiências de balões leves que subiam impulsionados por ar quente e também "Ensaio sobre a cegueira" (não resenhado) que também não gostei.
A despeito de ser Saramago "Prêmio Nobel" (1998), achei o título desse livro uma elevada presunção, quando muito deveria ser identificado, sim, como "O Evangelho segundo Saramago".
O livro é um ROMANCE e como tal as proposições do Autor são livres.
"Os Evangelhos" de Saramago:
● A concepção de Jesus, no casamento de Maria e José foi natural, não divina. Mas, nas páginas finais maçantes do livro, Deus informa que à semente de José ele misturou a sua;
● Maria na fase de gestação recebeu a visita de um mendigo a quem ela alimentou. Mas, esse personagem se transformava em "anjo". Mas, não, era o demônio. Ele deixou com ela uma tigela com terra que brilhava, sendo enterrada pelos sacerdotes da sinagoga a pedido de José (!)
Já aqui o Autor deixa uma linha muito tênue que separa o bem e o mal e, aliás, sustenta "... que não há diferença entre um e outro, ou, se diferença há, não é essa, pois o Bem e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro".
● Maria e José moravam em Nazaré, mas rumam para Belém para cumprir exigências do recenseamento imposto pelos romanos. Não houve os Reis Magos seguindo a estrela até chegar na manjedoura. Herodes soube que havia nascido o rei dos judeus por um sacerdote que lera para ele revelações de Miqueias:
"Mas, tu Belém tão pequena entre as famílias de Judá, é de ti que me há-de sair aquele que governará em Israel."
Herodes, então, resolveu assassinar crianças com até dois anos.
● Herodes, assassino cruel da própria família, os seus últimos foram terríveis. Ele fora atacado por vermes apodrecendo em vida, sofrendo fortes dores. Cheirava mal e assim morreu.
● Não houve um sonho divino, o anjo que informara a José que deveria fugir de Belém com seu filho e Maria porque haveria essa matança. Ele ouvira soldados romanos comentando essa matança encomendada por Herodes e resolveu se esconder numa caverna sendo seu filho Jesus, poupado;
● Mas, ele tem forte dor de consciência por não ter avisado as outras famílias para esconderam seus filhos nessa tenra idade que poderiam ser salvos;
● José é preso injustamente pelas forças romanas porque resolvera procurar por seu vizinho Ananias que se aliara as forças rebeldes comandadas por Judas, o Galileu, combatendo o exército romano. Embora inocente, mas sem gritar por sua inocência, foi condenado à crucificação e morreu. O Autor abreviara a vida de José para dar andamento ao seu romance...;
● Essa morte afetou a família, Maria já dera a luz a outros filhos e Jesus passaria a ser o chefe da família porque era o mais velho. Mas, ele sofrera o impacto da morte prematura do pai e sutilmente sentira a culpa dele pela omissão em não avisar famílias sobre o massacre de crianças por ordem de Herodes. Só Jesus fora salvo das armas dos soldados de Herodes. A escrava-parteira Zelomi que trouxera Jesus ao mundo confirmara esses eventos;
● Mas, resolvera Jesus abandonar a família embora pré-adolescente, 13 anos, e caminhou de cidade em cidade, sem destino, desocupado, um carpinteiro aprendiz sem muito talento, vivendo de caridade. Então, ele não foi instruído pelos essênios ampliando sua espiritualidade, como muitos autores e estudiosos sustentam (**).
● Tornou-se pastor num rebanho de muitas ovelhas, ao ser aceito por alguém que ele chamava de Pastor que, na verdade, era o demônio. Essa constatação se dera quando Pastor insinuou que Jesus poderia abusar das ovelhas;
● O primeiro contato com Deus: Jesus salvara do sacrifício no Templo uma ovelhinha que ganhara de um samaritano. Então, de modo pouco claro, uma imagem acobertada por uma névoa, se apresentou a Jesus como sendo a Deus que sugeriu que ele sacrificasse o animal. Isso feito, e "Deus" se regozijara pelo sacrifício. Ao saber do sacrifício, Pastor dissera que Jesus nada entendera...
O Autor discute a ausência de Deus perante os homens: "Quando chegará, Senhor, o dia em que virás a nós para reconheceres os teus erros perante os homens."
É que nunca se compreendeu as tragédias, suas causas, que vitimam os homens... os homens seriam "joguetes" na mão do Senhor;
● Um dia pensando em voltar para casa, um ferimento no pé que o impedia de bem caminhar, parou numa casinha bem cuidada. Foi atendido por uma mulher prostituta, Maria de Magdala, que fez os curativos e se impressionou de tal modo por Jesus, que não só abandonara aquele modo de sobrevivência como passou a ser sua companheira em todos os seus passos. Não há unanimidade de que Maria Madalena fosse prostituta (***).
● Os primeiros milagres de Jesus se deram na pescaria no barco dos irmãos Simão e André. Os pescadores nada pescavam ate que Jesus orientou-os a jogar a rede para um determinado lado. A rede voltou cheia. Um prodígio. A partir dai ele passara a ser bem-vindo entre os pescadores e outros milagres se sucederam com cura de doentes e aleijões;
● Jesus soube que poderia ser o filho de Deus ao se aproximar de um homem endemoninhado. O demônio que dominava o espírito do homem disse que mesmo sendo Jesus filho de Deus, deveria deixá-lo "em paz";
● Seu contato direto com Deus se deu nos águas do mar, com a presença de Pastor, o demônio acobertado por uma bruma espessa que inclusive impediu a pesca. Ao revelar Deus que Jesus era seu filho, o informou que seu modo de vida e sacrifício tinha por objetivo levar as "boas novas", o Evangelho a todos os rincões da Terra, de modo indelével, "...espalhar uma crença e afervorar uma fé". Talvez o Autor tivesse se inspirado no versículo 5.36 do Evangelho de João: "Mas eu tenho maior testemunho que o do João, porque as obras que o Pai me deu para realizar, as mesmas obras que eu faço, testificam de mim que o Pai me enviou";
● Pelos seus milagres, pela multidão que o seguia, os sacerdotes judeus estavam tentando assassinar Jesus, até que Judas de Iscariotes, com uma posição ambígua de Jesus sobre a traição, o denúncia. Judas se enforca. Em seus bolsos não havia moedas;
● Perante Pilatos, Jesus se apresentara como rei dos Judeus. Pouco se defendeu sendo condenado à crucificação.
O livro naquela linguagem densa do Autor não é só isso. A edição "de bolso" que li contém 370 páginas.
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