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quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

TRÓPICO DE CÂNCER de Henry Miller

LIVRO  102



Esse livro vinha me desafiando havia anos. 

Estava bem posto a espera que eu me encorajasse a lê-lo, nesse exercício que tenho feito de ler de tudo (ou quase) e, se começada a leitura, o compromisso de não a abandonar até o final.

Por isso, li muito livro que considerei ruim, como este. Porém, o livro foi enredo dum filme com o mesmo nome de 1970.

Eu precisava conhecer o Autor. Henry Miller era americano de Nova York (1891-1980).

De modo muito distante ouvira que nos Estados Unidos esse livro fora censurado, desde o seu lançamento em 1934 perdurando até 1961.Qual o nível dos conceitos morais mesmo na longínqua década de 30 e seguintes do século passado?

O Autor usa alguns nomes para se identificar no livro, inclusive o seu próprio.

À medida que lia constatava o forte apelo pornográfico, aquela linguagem da boemia, da vulgaridade. 

As mulheres, conseguidas facilmente naqueles cantos e becos sórdidos de Paris, a boemia, as prostitutas que não eram chamadas como "mulheres", mas identificadas pelo Autor e seus amigos, pelo seu órgão genital, mas naquele termo, digamos, vulgar.

Pouco trabalho, vadiagem, refeição e sexo constante com prostitutas.

As mulheres, no relato do livro, não são respeitadas. Aquela de "objeto sexual", no livro, cai bem ... demais.

São relatos da vida precária em Paris, jornalistas sem jornal ou pouco definidos, escritores que não escrevem, como o caso do Autor, pintores com pouco talento, todos sem ou pouco dinheiro, a cata permanente de alguns trocados para pagar um quarto precário e, especialmente, para se alimentarem.

No caso do Autor, a busca diária por refeições era uma prioridade.

Paris os encantava, mesmo com aquela vida precária. Até os moradores de ruas pareciam felizes segundo o Autor quando o dia amanhecia e lá estava, a recepcioná-los por mais um dia a grande cidade, mesmo que frequentassem ruas de periferia, sórdidas, sujas:

"Esta Paris, cuja chave só eu possuo, não se presta bem a uma excursão, mesmo com a melhor da intenções; é uma Paris que tem de ser vivida, que tem de ser experimentada cada dia em mil formas diferentes de tortura, uma Paris que cresce dentro da gente como um câncer e cresce e cresce até nos devorar". 

Os amigos do Autor se sucedem. Eles são personagens ocasionais da obra e desaparecem, significando, de regra, que fazem parte de capítulos que não aparecerão em outros.

Um detalhe notável: raramente alguém se "salva" da vida precária e do mau conceito. O Autor, de todos os personagens, realça o lado negativo de cada um, predominantemente, todos um tanto desequilibrados, carentes. Há o desrespeito figuras sacras por misturá-las sistematicamente com aquele linguajar descontrolado, sujo, com o chulo.

Sobre um jovem hindu, discípulo de Gândi, ele o desmoraliza ao levá-lo a um prostíbulo no qual ele confunde o bidê com a privada. Parede engraçado, mas não é.

As coisas são nesse nível. E tendo em conta esse jovem que conheceu os Estados Unidos, diz o Autor sobre o seu próprio país:

"O inimigo da Índia é o espirito do tempo, o ponteiro que não pode ser virado para trás. Nada servirá para vencer esse vírus que está envenenando o mundo inteiro. A América é a própria encarnação da ruína. Arrastará o mundo inteiro para o poço sem fundo." (!)

Outro caso de escárnio que o Autor apresenta se trata de um corcunda servidor de uma escola na qual fora contratado para ministrar aulas de inglês. Num dado momento, para não perder o costume da zombaria, o chama de Quasímodo, aquele personagem deformado de Victor Hugo, no romance "O Corcunda de Notre Dame".

Uma frase: 

"Mas esses imundos mendigos deitados na chuva, a que propósito servem? Que em nos podem fazer? Eles nos fazem sangrar durante cinco minutos, mais nada."

                                            ● ● ●
Tudo bem que o corpo humano tem reações naturais, mas a menção constante dessas reações fisiológicas representam o desencanto, a mente perdida na falta de um sentido com um mínimo senso da condição humana.
                                           ● ● ●

Quando o Autor se propõe a explanar sobre suas reflexões, o que pensaria sobre a própria vida, digamos, constitui-se um amontoado de frases confusas que não levam a um sentido mínimo de lógica, e que não seja lógica, pelo menos alguma consistência no que pensa de sua existência, ainda que precária naqueles dias em Paris. 

A falta de trabalho ou a pouca vontade em trabalhar, jornalistas medíocres, escritores que pouco escreviam a angústia por uma refeição parece que no final da obra o Autor se daria bem.

Sim,

Ele encontra o amigo Fillmore no momento em que saíra do Banco após tirar "algum dinheiro". Estava angustiado esse amigdo com a opressão que a esposa Ginette lhe fazia, explosiva, controlando-o muito de perto. É nessa conversa o Autor o convence a fugir da esposa, viajando para Londres com a roupa do corpo.  

Mas, não era algum dinheiro, que Fillmore sacara, era muito dinheiro. Nervoso com a fuga iminente, de trem,  deixa importância significativa aos cuidados do Autor para ser entregue à esposa Ginette ... mas o livro não revela que ele isso tenha feito. 

O leitor que decida.

Um livro sem luz mesmo em Paris. Taciturno. 
O livro é ruim mas circula por aí até hoje há quase 90 anos de seu lançamento.


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