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quinta-feira, 27 de junho de 2024

DOS DELITOS E DAS PENAS de Cesare (Bonesana) Beccaria

LIVRO 124

Explicação:

Eu estava em débito com essa livro porque fora ele recomendado por professor de Direito Penal da PUC de São Paulo há décadas quando acadêmico de Direito. Saldei meu débito, lendo-o agora, em 2023 depois de mais de 50 anos e 260 anos de sua publicação.

Este pequeno livro — não tão pequeno assim — foi escrito em 1764 quando o Autor contava apenas 27 anos. Beccaria nascera em 1738 falecendo em 1794 em Milão.

Na França fora traduzido por André Morellet em 1765/1766, economista e literato. A edição francesa recebeu elogios de filósofos renomados da França pelo modo como expôs Beccaria suas ideias que explicou assim:

"Minha única ocupação é cultivar em paz a filosofia, e contentar assim três sentimentos muito vivos em mim: o amor à reputação literária, o amor à liberdade e a compaixão pelas desgraças dos homens escravos de tantos erros",

[Escravos seriam os condenados submetidos a severos castigos e privação da liberdade pela condenação].

Então, ele preconizou que as nações se preocupassem em estabelecer um corpo de leis penais que impedissem a interpretação pelos juízes, que poderiam se exceder nas penas, levando injustamente o condenado às masmorras e aos suplícios.

A pena será justa se o grau de rigor e limite desviem os homens do crime. Deve haver uma proporção entre o delito e a pena.

As penas daqueles de "alta linhagem" devem ser as mesmas aplicadas ao "ultimo dos cidadãos". 

Um acusado só ficará detido no tempo necessário para a instrução do processo.

As provas do delito só serão perfeitas se não trouxerem no seu âmago a dúvida do crime praticado. E para os abusos, o povo dirá: "Não somos escravos, mas protegidos pelas leis".

Ademais, "a moral política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem".

Claro que no seu tempo ainda sobre os horrores da inquisição há esse princípio ideal do "coração" mas se sabe que o planeta é repleto de diferenças e crueldades. (*)

Ele não aceita o julgamento tomando como base "o espírito das leis" e também rejeita delitos punidos de modo diferente em tempos diferentes pelo mesmo tribunal.

A graça dada pelo soberano a um criminoso pode soar como um aviso de impunidade geral?

Os cidadãos podem fazer tudo que não seja contrário à lei. Nulla poena sine lege.

Beccaria rejeita a tortura de modo veemente porque exige do acusado sob castigo físico que seja acusador de si mesmo e por essa violência, extrair uma "verdade" como se estivesse ela nos músculos do torturado.

Um homem honesto desarmado favorece o bandido armado. 

A pena de morte não é útil nem necessária. Ela se constitui uma 'guerra' contra o homem que a nação a impõe mas quem perde é a humanidade.

O suicídio só pode ser punido por Deus.

O verdadeiro tirano: é aquele que começa reinando sobre a opinião — quando é senhor dela comprime as almas corajosas, das quais tem tudo a temer...

CONCLUINDO:

Sempre digo que essas resenhas tentam trazer as linhas gerais da obra. Mas, o livro de Beccaria  tem mais, muito mais e, reconheça-se, que muito dos conceitos que ele defendeu há 260 anos estão consagrados em muitos códigos penais modernos, inclusive na legislação penal brasileira. De um modo ou outro ele se posicionou em "todos" os crimes mas com base na sua cultura de meados do século XVIII.

Beccaria, à frente do seu tempo, é um desses luminares que de vez em quando aportam no planeta.

Nota:

(*) No tocante à inquisição, em resposta a uma crítica, esclarece Beccaria que a ela não se referiu nem direta nem indiretamente. Mas, a leitura atenta do livro revela que há nas suas linhas e entrelinhas a condenação dos modos perversos adotados pela inquisição.


A MÁQUINA DO TEMPO de Herbert George Wells

 LIVRO 123

O Autor H. G. Wells tem obras diversas de ficção. 

Mas, não só. Ele é autor da obra "História Universal" em três volumes lançado na década de 30 do século passado.

A resenha da obra "A GUERRA DOS MUNDOS" foi efetuada. Esse livro serviu para o enredo de dois filmes .(*)

Esta obra sobre a "máquina do tempo" também foi filmada em 1960.



Cena com o ator Rod Taylor no "seu" laboratório




O livro é de 1895 e o relato parece até um tanto apressado (a edição que está comigo tem 146 páginas).

O próprio tradutor observa que a obra não expõe como a máquina do tempo se movimenta, qual combustível e como ela avança no tempo, no caso do livro, para o futuro.

Hoje há ficção com enredo muito mais científico, digamos, porque há o efeito Einstein cujos teorias foram expostas depois da obra de Wells.

As três dimensões: altura, largura e espessura. O tempo é a quarta dimensão?

Pois bem, o "Viajante no Tempo" (assim qualificado no livro) embarca para um futuro remoto, chega ao ano de 802.701 da "Era Cristã" e lá se depara com pequenos seres (humanos), bonitos, alegres que só se alimentavam de frutas. Eram os Elois.

O ambiente que encontrou era florido, clima quente. Os edifícios eram velhos e abandonados. O "Viajante no Tempo" se surpreende com uma espécie de esfinge grandiosa a qual não pôde explicar origem.

Ele vai se entrosando com esses seres que demonstravam "deficiência emocional" tanto que a pequena Weena num dado momento na iminência de se afogar é salva pelo "Viajante no Tempo" não demonstrando seus semelhantes qualquer reação nesse sentido. 

Essa pequena criatura passa a fazer companhia ao "Viajante no Tempo" e faz parte da aventura mesmo com as dificuldades de comunicação.

Então o "Viajante no Tempo" se depara com um poço profundo e percebe no fundo a uns 200 metros movimentação de seres monstruosos, os Morlocks.

Ele, então, desce nesse poço e constata que aquelas criatura viviam no subsolo. Eles se alimentavam da carne dos Elois.

Voltando-se e procurando sua máquina do tempo não a encontra no lugar no qual fora deixada pelo que conclui que fora ela escondida pelos Morlocks,

Mas, a máquina não poderia ser acionada porque mantinha com ele as alavancas de partida.

Nos embates havidos entre o "Viajante no Tempo" e os Morlocks  morre sem que tenham sido dados detalhes, a pequena Weena talvez abandonada na floresta.

Com uma alavanca de defesa obtida de um velho equipamento, o "Viajante no Tempo" se defende dos monstros e encontra sua máquina num prédio que conseguira adentrar.

Nesse momento, atacado pelos Morlocks o "Viajante no Tempo" consegue repor as alavancas de partida da máquina e sem maiores explicações técnicas, "volta para casa".

O relato da aventura para seus amigos foi recebido entre o ceticismo e a perplexidade. 

FRASE (ao constatar o "Viajante no Tempo" aquele mundo decadente):

"O mundo inteiro será inteligente, educado e cooperativo; as coisas caminharão cada vez mais rápidas em nosso esforço para subjugar a Natureza. No fim, iremos reajustar o equilíbrio da vida animal e vegetal, com sabedoria e cuidado, de uma maneira que satisfaça nossas necessidades  humanas." (Wells, 130 anos depois, se visse o planeta como está certamente que repensaria esse "otimismo").

(*) Acessar: A GUERRA DOS MUNDOS


sábado, 15 de junho de 2024

DOUTOR JIVAGO de Boris Pasternak

 LIVRO 122












Nesta resenha há desfechos que podem ser considerados "spoiler".

A edição que li, de "bolso" contém 750 páginas.

O livro foi lançado em 1957, possibilitando que o Autor recebesse o Prêmio Nobel em 1958 mas obrigado a recusar porque eram os tempos da União Soviética ditadura comunista fechada e porque a obra trazia momentos amargos da Revolução de 1917 não sendo para o regime uma referência enaltecedora.

Para lá da janela estava a Moscou muda, escura e faminta.”

A Revolução de 1917 extinguira com violência a dinastia russa do czar Nicolau II. (*)

Parece que o Autor avançou um pouco nos tempos mais sombrios dos tempos de Stalin para enfatizar as mudanças para pior da vida das pessoas comuns do povo — ninguém disse isso mas eu conclui assim.

O livro só foi publicado, como explica a contracapa porque os originais foram "contrabandeado" para a Itália e lá publicado em 1957.


A obra inspirou um filme de muita beleza, Dr. Jivago de 1965 estrelado pela linda atriz Julie Christie (Lara) e Omar Sharif (Jivago). A música "Tema de Lara", inspiradora, também fez muito sucesso e até hoje, ocasionalmente, se a ouve. 




 

Os atores principais do filme de 1966





O livro não tem muito a ver com o roteiro do filme nele baseado. Há o romance entre Jivago e Lara interrompido pelos fatores políticos mas o fim da história, no livro, é diferente.


A obra se esmera em descrições poéticas de cidades mesmo que abandonadas, de florestas e da neve intensa na Sibéria, uma dificuldade de viver sobre e sob ela.

Outra particularidade: mesmo com suas 750 páginas (na edição que está comigo) o livro é fácil de ler porque, a despeito de longos capítulos, o Autor os dividiu em textos curtos.

Aos personagens, o Autor usou o patronímico (sobrenome) e não o nome e usou mesmo o diminutivo do nome dos personagem.

As referências históricas são imprecisas na obra, mencionadas ocasionalmente sem referência clara das causas e efeitos.

Os principais personagens e a participação na história, são estes:

Iuri Andreevitch (Dr. Jivago)

Médico bastante preocupado com seus pacientes, a partir da Revolução de 1905, movimento pacífico de trabalhadores que reivindicavam ao czar  direitos pelo trabalho exaustivo, reforma agrária, tolerância religiosa, liberdade de manifestação.

Essa manifestação resultou num massacre pela guarda do czar, começando aí a desorganização da vida comum do povo russo, que eclodiria em 1917, com a revolução bolchevique comunista liderada por Lenin.

Jivago se casara com Tônia, tivera filhos e trabalhava normalmente no hospital mas se deslocava para outras cidades.

Às vésperas da Revolução de 1917 reencontra Larissa Fiodorovna (Lara) lindíssima que procurava pelo marido. Com ela teria, tempos depois, relacionamento amoroso intenso numa vida conturbada por dificuldades e apreensões pelos rumos que o país seguia.

Muitos os deslocamentos para vilarejos remotos. Nesses deslocamentos, Jivago foi sequestrado por guerrilheiros sob argumento de que deveria cuidar de um ferido do grupo. Mas, não seria libertado, permanecendo confinado por mais de dois anos até que, num dado momento, foge.

Chega ao Vilarejo (Iuriatin) em andrajos, cabeludo e barbudo como um mendigo. Mas, é reconhecido e recebe apoio, indo morar num cômodo abandonado como tantos outros.

Com pendores literários, redigindo textos e poesias, mas deprimido pela situação em que vivia distante da família e da amada Lara, nesse período de solidão, quase em fuga pela situação política grave da Revolução transmitindo a sensação de insegurança, de ameça velada que afetava mesmo as pessoas simples que abandonavam suas casas e fugissem sem muita clareza do quê.

Dava-se por ordem oficial, o confisco de grãos e alimentos pelo que havia dificuldades de obter comida, obrigando até clandestinamente, a plantação de hortas.

Lá pelo ano de 1929 Iuri distante de sua família e de Larissa se une a Marina, telegrafista, com quem teve duas filhas, vivendo precariamente, embora apoiado ou protegido pelo irmão Ievgraf que demonstrava influência no noel regime bolchevique.

A morte de Jivago deu-se de modo inesperado nesse tempo.

Marina entrou em desespero.

Lara discretamente acompanhada do irmão de Iuri, Ievgraf estiveram presentes homenageando o morto que amavam

Larissa Fiodorovna (Lara)

Jovem muito bonita, aplicada nos estudos, inteligente, sofre violação sexual, é o que deixa entrever o livro, por Komarovski, advogado, personagem influente no meio social e político.

Num baile, em Moscou, tal o seu ódio por ele, Lara tenta o matar com um tiro mas erra, ferindo apenas sua mão de outrem. E foi nessa dia que Iuri voltou a ter contato com ela.

Mas, Komarovski decidiu abafar o escândalo, preservando sua reputação e cuidando de Lara que poderia até mesmo ser condenada à prisão.

A “proteção” de Komarovski Lara perdura em boa parte da obra.

Ela tinha um pretendente apaixonado, Pavel Antipov (na obra chamado pelo diminutivo Pachenka ou Pacha).

Lara confessara a Pacha que fora violada mas o amor que tinha por ela não impediu que se casassem.

Não demora muito, Pacha resolve ingressar no movimento revolucionário como voluntário, abandona a família para desespero de Lara.

Em 1917 Pacha (também chamado Strelnikov!) desempenhava posto de comando na Revolução bolchevique (da maioria):

Este novo (anseio) era a revolução, mas não aquela idealizada nas universidades em 1905, mas esta, atual, presente, nascida da guerra sanguinária, dirigida por peritos nessa tempestade, os bolcheviques”.

Mas, ele resolve se afastar da Revolução porque fora denunciado por alguma ação não divulgada e estava em vias de prisão ou punição mais severa.

Nessa preocupação em se esconder, encontra Iuri, falam de Larissa fazem planos de partida mas numa manhã, estirado na neve é encontrado morto. Se suicidara.

Embora Iuri (Dr. Jivago) se correspondesse com Lara tal a paixão, eles não chegaram a se reencontrar.

O destino de Tônia a esposa de Iuri não é revelado, mas a filha Tânia, envolvida nos trabalhos de campo como roupeira, é reconhecida pelo tio Ievgraf -— “que cuidará dela”.

Porque Tânia fora uma criança abandonada e seu tio ao conhecê-la diria:

Não a abandonarei assim. Só tenho que acertar alguns detalhes. E, então, quem sabe, ainda vou me constituir como seu tio e darei a você um titulo de sobrinha de general. E ainda farei estudar em uma universidade. Onde você quiser.”


Nas páginas finais do livro, uma série de poemas que o Autor atribui a autoria a Iuri Jivago.

A vida é um instante fugaz,

Não passa da dissolução

do que nós somos nos demais

como perene doação.

FRASES

Marxismo é ciência? Discutir isso com uma pessoa que mal conheço seria no mínimo imprudente. Mas tudo bem. O marxismo não possui autodomínio para ser considerado uma ciência.

● Então chegou  mentira à terra russa. A maior desgraça, a raiz da maldade futura, a perda da fé no valor da opinião própria.

A mulher traz sozinha ao mundo seus filhos, sozinha transporta-se para um segundo plano da existência onde tudo é mais tranquilo e onde se pode colocar o berço, sem medo. Ela, sozinha em sua resignação, alimenta e cria os filhos.

Oh, como é doce existir! Como é doce viver no mundo e amar a vida! Oh, como sempre se deseja dizer obrigado à própria vida, à própria existência, e dizer isso para elas frente a frente.

A floresta livre do homem, embeleza-se em liberdade, como prisioneiros libertados do encarceramento.

O reino das plantas é fácil de ser imaginado como o vizinho mais próximo do reino da morte. Lá, na vegetação da terra, entre as árvores dos cemitérios, entre os rebentos das flores saídos dos canteiros talvez estejam concentrados os segredos da transformação e dos enigmas da vida, que tanto nos atormentam. Maria Madalena, não reconhecendo imediatamente Jesus, saído do túmulo, confundiu-o com o jardineiro.

O livro é bom, fácil de ler.

► A tradutora foi Zoia Prestes, filha mais nova do notório comunista Luis Carlos Prestes que viveu na Rússia por 15 anos. Mas, isso é uma outra história.

 ► Mais informações sobre o regime comunista da União Soviética e o domínio político violento que prevaleceu acessando:


RUMO À ESTAÇÃO FINLÂNDIA

STALIN NOVA BIOGRAFIA DE UM DITADOR