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quarta-feira, 28 de maio de 2025

NIETZSCHE (Uma introdução biográfica) de Janko Lavrin

 LIVRO 140













Friedrich Nietzsche, nascido em 15.10.1844 na Turíngia, Alemanha, era filho de piedosos pastores. 

Nos estudos foi sempre brilhante; aos 14 anos foi aceito no "fechado" colégio interno Pfort e, em 1864 passou a estudar na Universidade de Bonn. Em 1865 transferiu-se para Leipzig.

Foi nesse tempo que conheceu a obra de Shopenhauer, "O mundo como verdade e representação" e se encantou com seu conteúdo, porque afirmava em suas linhas o filósofo pessimista, que não existia Deus, nem a Providência e a vida não fazia sentido ou o universo. Apenas a vontade de existir, com toda dor e sofrimento.

Quando voltou de Leipzig em 1868 conheceu Richard Wagner, nascendo verdadeira amizade mas que mais tarde rompeu com o compositor, porque com o sucesso, se tornara soberbo e vaidoso. Mas, não só por isso: há uma dose de ciúmes relacionada à companheira de Wagner — Cósima, que Nietzsche tinha interesse.

Em 1868 foi contratado pela Universidade da Basileia, como professor de filologia.

Tivera Nietzsche quando serviu o exército um acidente na montaria de um cavalo "manhoso"; para se sustentar, bateu o peito no cabeçote da sela, sentindo dor atroz. Houve complicações, ficando acamado, com febre alta por 3 meses. A supuração nunca cessou. Disse ele que ao deixar o leito, teve que reaprender a andar.

Começava aí o tormento de sua saúde fragilizada acentuada por enxaquecas e insônias. E com o tempo, remédios e drogas para conter as dores.

Em 1871 escreveu "O nascimento da tragédia" no qual rejeitava atitudes pessimistas, que rejeitava a vida através da tragédia, afirmando-a a despeito de suas dores e seus males. E porque a "arte é a mais alta tarefa e a atividade propriamente metafisica dessa vida". Então, a justificativa para a existência do homem se constitui num "fenômeno estético". 

Essa obra foi muito criticada, não obteve êxito.

Com suas dores insuportáveis, sua decadência física, a visão deficiente, tudo dificultando até mesmo sua possibilidade de escrever, "não é de surpreender que, nessa luta, tenha encontrado um promissor aliado, na moderna biologia, que ele adaptou — ou fez o máximo para adaptar — à sua visão de um novo homem e de uma nova humanidade".

Mas, ele se mostrava inseguro sempre esperando maior crença em sua missão e obras, tanto que em 1880 escrevia ao amigo Erwin Rohde: — Amigos como vocês me ajudam a conservar a crença em mim mesmo".

O super-homem que lançou na sua obra "Assim falou Zaratustra": esse personagem seria um homem livre na Terra, vivendo intensamente, sem qualquer ligação com divindades, com Deus essa figura inventada que restringe a liberdade de viver.

E, não levando a nada a busca pelas verdades abstratas "uma vez adotada essa (convicção), é natural que se passe a encarar como importantes aqueles fatores que encorajam uma vida vigorosa", pelo que impondo ao caos da vida o máximo de sentido e regularidade...

[Nunca passou pela sua mente que o super-homem "real" poderia ser golpeado a qualquer momento, uma queda do cavalo que montava? E ele desaparecia inevitavelmente e perderia a alma que Nietzsche acreditava que era algo que existia interiormente, mas sem qualquer "utilidade".]

Outra teoria de Nietzsche sempre lembrada e a do eterno retorno que o autor assim pontifica:

"Dado que, no cego processo eterno do mundo, os átomos  estão permanentemente mudando de posição, o universo deve passar — durante eternidades imensuráveis — pelas mesmas combinações possíveis e retornar, incontáveis vezes, aos estágios pelos quais passara anteriormente", significando "que as mesmas condições em que ele presentemente se encontra, deverão retornar repetidamente, exatamente com as mesmas pessoas, os mesmos momentos e a mesma história". 

E ele, com todo seu sofrimento, com o eterno retorno, teria que reviver as mesmas torturas físicas além de indagações do próprio Deus que ele desprezava.

E, ademais, Nietzsche desprezava tudo o que era humilde, gentil e cristão (ele desprezava a compaixão) tornou-se o porta-voz de um raça humana mais saudável, mais digna do futuro.

Vê-se que é um delírio...

Desafiado e amargurado com o seu sofrimento, ele rejeitava de modo exacerbado a presença de Deus e o desprezava e, nessa arrogância, não tinha a que se apegar. E seu final de vida foi de extrema decadência mental. Seu orgulho não se dobraria a contar com a ajuda de Deus para seus amenizar seus sofrimentos.

No auge de sua pré-demência, considerando sua obra prima, "Assim falou Zaratustra" — que escreveu de 1882 a 1885 com baixa aceitação —, quando se manifestou sua megalomania, chegou a dizer que ele estabelecera uma nova conduta da humanidade por milênios, superando Jesus Cristo:

"Ele devia ser o novo salvador, arrancando tanto a história quanto a humanidade do domínio de Cristo". Além de doente - o biógrafo o qualificou de inválido - o quê na vida algo lhe foi favorável?

Sem amores

Seus amores não deram certo. Há fortes revelações de que "visitava" áreas de prostituição e indícios de que sua demência fora resultado da sífilis. 

À uma carta remetida à sua amiga e protetora de toda a vida, Malwida von Meysenburg disse que contava se casar com uma boa esposa. 

Mas, tal não aconteceu. Ele foi rejeitado por suas paixões. Uma delas foi Cósima Liszt, muito ligada a Richard Wagner que, segundo Nietzsche o compositor era indigno dela, resultando daí, desse ciúmes, uma das causas do seu rompimento com o amigo que admirava. Cósima seria a segunda esposa de Wagner.

Foi rejeitado, também por Mathilde Trampedach com ascendência russa e, depois, apaixonou-se por Lou Salomé que conheceu em Roma, mas seu amigo Paul Rée também era apaixonado pela jovem. Havia essas relações estranhas. Lou foi rejeitada pela mãe e irmã de Nietzsche, Elisabeth, pelo que obrigou-se a desistir dela.

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O trágico fim de Nietzsche

No capítulo “Mater Dolorosa” do livro “A Marcha do Tempo” (1948) de Stefan Zweig é relatado o drama da mãe de Nietzsche, cuidando do doente famoso no dia-a-dia:

“Vê-se agora uma velhinha a conduzir, de vez em quando, o seu doente, como a um urso grande e pesadão, pelas ruas e a longos passeios. A fim de o distrair, recita-lhe intermináveis poesias, que ele escuta em torpor. Guia-o jeitosamente; fá-lo desviar-se das pessoas que o fitam curiosas e dos cavalos que detesta. Sente-se feliz toda vez que consegue reconduzi-lo à casa, sem que ele desperte a curiosidade popular com sua “voz muito alta” (como a senhora delicadamente classifica seus berros selvagens).

A mãe faleceu em 1896. De Naumburg foi transportado para Weimar, ficando aos cuidados da irmã, Elisabeth Forster Nietzsche até seu falecimento em 25 de agosto de 1900.

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Europa e seu tempo

Nietzsche chegou a defender a integração cultural da Europa pelo que não procede a afirmação de que suas ideias serviram para alimentar o nazismo. Se serviram, foram oportunismos.

Sua irmã Elizabeth, já idosa, "saudou Hitler como a encarnação do super-homem com o qual sonhara seu irmão". 

A irmã de Nietzsche, Elisabeth Forster Nietzsche que tinha forte ascendência sobre ele, que dele cuidava de modo carinhoso porque ele não tinha esposa, casou-se em 1884 com Bernard Foerster, um anti-semista que fundara um núcleo  alemão no Paraguai. Não poderia ser uma experiência nazista porque a ideologia eclodiria somente após a 1ª Grande Guerra. Ele se suicidou em 1889 mas ela permaneceu no Paraguai por mais 6 anos tentando levar em frente o projeto fracassado do marido.

Nessa linha tomado pensamentos de Nietzsche o nazista Richard Oehler diria que "o pensamento de Nietzsche é Hitler em ação".

Ele fora, a despeito de suas contradições e distúrbios mentais, um defensor da Europa forte e unida proclamando que o slogan "A Alemanha acima de tudo" é o mais estúpido que jamais foi criado no mundo".

Nietzsche antecipou o que seria a Rússia e sua força.

Nietzche e Dostoiévski

Nietzche tinha apreço pelas obras de Dostoiévski. Mas, escritor russo não tinha aquela obsessão incontrolada de negar Deus como Nietzsche. Dostoiévski também se impunha um combate em prol da vida e do crescimento mas preservando valores espirituais.

O personagem Zosima, da obra "Os Irmãos Karamazóv" de Dostoiévski: "Amar a todas as criações de Deus e a cada grão de areia nelas contido. Amar cada folha, cada raio da luz de Deus. Se você ama todas as coisas, perceberá o mistério divino de tudo".

Então, embora se encontrem pontos em comum nalgumas das obras de ambos —há até uma paródia em Dostoiévski sobre o denominado "eterno retorno" talvez inspirando Nietzsche — elas se distanciam pela aceitação de Divindades pelo russo.

O super-homem que não deu certo

Como super-homem Nietzsche não deu certo. Ele deixou obras que encantam muitos estudiosos hoje, mas não encontrou o amor, delirou nas suas descrenças, sofreu muito fisicamente e no seu vazio espiritual, enlouqueceu.

Quantos são os filósofos que se perdem na areia da praia a procura de conchas e não olham para a transcendência do mar, mas ele distorceu ao afirmar ao se referir ao mar: — Nossa força nos impele a procurar o mar de onde tem submergido até agora todos os sóis, tomamos conhecimento de um novo mundo.


O Livro, com nem 140 páginas é muito bom. A edição é de 1974.


Obras de Nietzsche resenhadas, acessar:

O ANTICRISTO

ASSIM FALOU ZARATUSTRA


NOTA DE DIVULGAÇÃO

Niestzsche há muito tem sido para mim o filósofo que me desafia. 

Dele sabia que era um filósofo que rejeitava divindades, Deus, a despeito de levar uma vida difícil, cheia de desventuras, doente, frágil, sem amores que imaginou o super-homem que viveria plenamente, sem as amarras, se que as há, de uma crença que tolha seus impulsos.

A sua obra mais conhecida é "Assim falou Zaratustra" na qual nasce esse super-homem. Nos delírios mentais de Nietzsche na fase de pré-demência ele se imaginou substituto por milênios de Jesus Cristo. Um super-homem que não deu certo: nos últimos dez anos de sua vida foi de demência acentuada, cuidado pela mãe e, depois, por sua irmã.

Eu acho, conhecendo mais seu perfil, digamos, que ele é dos filósofos que cavoucam a areia da praia buscando conchinhas e não olham para o mar onde está a transcendência da existência irrespondível.

Essa obra biográfica, que mal resenhei, revela sua face sem rodeios. E foi bom para mim para melhor o compreender.


segunda-feira, 19 de maio de 2025

O HERÓI DISCRETO de Mario Vargas Lhosa

LIVRO 139






















Trata-se de livro fácil de ler, bom passatempo, mas algumas tramas e personagens ficam sem respostas. Conflitos familiares, traições e um pouco de suspense policial.

Personagens

Felicito Yanaqué 
Rico empresário, dono de empresa de transporte em Piura - Peru, casado com Gertudris uma ex-prostituta gerenciada pela mãe Mandona. Ela engravidou atribuindo-se a Felícito a paternidade pelo que obrigado ao casamento. Nasceu Miguel — que pela aparência não poderia ser filho de Felícito — depois Tibúrcio.
Por esse casamento indesejado, Felícito tinha uma amante, Mabel.

Uma amiga que Felicito preservava era a mulata Adelaida, dona de uma lojinha de bugigangas dada a ter, de modo inesperado, visões. Mas, essas visões nem sempre foram em beneficio do amigo.

Ismael Carrara 
Rico empresário, dono de uma empresa de seguros em Lima, viúvo. Era pai de gêmeos, Mike e Escovinha, que odiavam o pai e contavam com sua morte para usufruírem da herança.
Sabendo disso, para arrasar a sorte dos filhos perversos e não terem direito à herança, ele se casa com a empregada Armida - que era irmã de Gertudris.
Depois de uma longa viagem de lua de mel à Europa, ele falece abruptamente, gerando o interesse da imprensa.

Rigoberto
Casado em segunda núpcias com Lucrécia, porque era viúvo, tinha um filho do primeiro casamento, Fonchito (Alfonso), de seus 15 anos, 'filhinho', mimadinho que passou a ser  "assediado" por um homem, Edilberto Torres, que no começo aparecia e desaparecia, depois não mais, poderia ser ex-seminarista, chorava às vezes, falava da Bíblia, depois se fez presente a ponto de querer conhecer o pai Rigoberto, mas desapareceu na historia. Não se sabe se era um personagem fictício criado pela mente do menino ou o quê? Um pedófilo? Historia mal contada.
E Fonchito tinha um timbre angélico com insinuou o padre O' Donova, que conversou com ele sobre a figura de Edilberto Torres? Este misterioso não chamou Fonchito de "Luzbel" — "o portador da luz"? 

Rigoberto era funcionário de confiança de Ismael Carrara e se envolve na história porque testemunhou a sanidade do patrão nada impedindo que se casasse com a doméstica Armida.
Ele passou a ser pressionado fortemente pelos gêmeos, filhos de Carrara, que pretendiam anular o casamento inclusive com ações judiciais.

O ENREDO

Um certo dia Felícito, dono da transportadora, recebeu um bilhete com a figura de uma ararinha, compelindo-o a pagar U$500,00 para ter a proteção sua, de sua família e da sua empresa.
Recusou-se, anunciou no jornal "El Tiempo" que não pagaria, chamando a atenção da imprensa, até de Lima. 
Seu escritório foi incendiado. 
Novo bilhete com a imagem da ararinha,
A polícia começa a investigar. 
Mabel e sequestrada e libertada depois de um anúncio no qual Felícito informava de modo velado que aceitaria o pagamento.
Mabel é ouvida pelos policiais e estes desconfiam que ela estava envolvida na trama. Sim, estava. Mas, quem era o cúmplice? 
Felícito rompe definitivamente com Mabel pela traição.
Depois de todos esses incidentes superados, Felícito e Gertudris se aceitam e viajam para a Europa.

Com a morte súbita de Ismael Carrara, logo após falar ao telefone com Rigoberto, levantam-se suspeitas, os gêmeos se retratam, se tornam mais afinados porque nada receberiam da herança. 
Mas, havia o assédio da imprensa e a presença dos enteados inconformados, Armida foge escondida para a casa da irmã Gertudris em Piura. Armida mais tarde aceita um acordo com o pagamento de um valor aos gêmeos. Quando tudo se acalma ela vai morar numa propriedade do falecido marido em Roma.

Rigoberto, com todos os incidentes judiciais nos quais foi envolvido com o casamento e morte do patrão Ismael, obtida a aposentadoria, viaja com a esposa Lucrécia e Fonchito para Europa, numa viagem de 30 dias. No avião Fonchito prega um susto no pai sobre o misterioso Edilberto Torres

A edição que está comigo é de 2013, com 342 páginas.


Outra obra do autor nestas resenhas. Acessar:



NOTA DE DIVULGAÇÃO

Um livro fácil de ler, que desperta interesse pelos conflitos familiares, as traições e o suspense em torno duma investigação policial.
Reviravoltas dos personagens, filhos irresponsáveis, exacerbados, ambicionando heranças de pais ricos, um empresário de transportes (Felícito) e outro dono de uma empresa de seguros (Ismael). Um dos personagens, Rigoberto, empregado de confiança de Ismael, tinha um filho mimado que era "assediado" por um homem estranho, visto pelo menino em muitos locais onde estava, aparecia e desaparecia, depois não mais, se apresentou, mas essa personagem "misterioso" não sobreviveu na história.
Um bom passatempo e isso não desmerece o interesse da obra.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

ERASMO DE ROTTERDAM de Luiz Feracine [*]

 LIVRO 138

[*] O Autor do livro Luiz Feracine: é um sacerdote católico, advogado, professor e escritor. O livro se refere à "filosofia comentada" dando facilidade ao leitor de qualquer "segmento da sociedade brasileira", não se tratando de "estudo de alta significação". A dúvida que tenho sobre a obra é se autor compilou e/ou traduziu textos de Erasmo de Rotterdam. O livro, sobre o autor Feracine, não traz uma linha, sequer.












ERASMO DE ROTTERDAM: nasceu em 1469 na Holanda, batizado com o nome de Geer Geertz mas adotou o nome latino Desiderius Erasmus, mas se tornou conhecido como Erasmo de Rotterdam, este último, adotando o nome da cidade de nascimento.








Ele faleceu em 1536 em Basileia - Suíça.

É considerado um dos grandes eruditos de seu tempo, filósofo e teólogo. Há uma obra não muito extensa sempre mencionada, "Elogios à Loucura" que o autor Feracine resumiu na obra.

I - EDUCACIONAL

Mas, o que mais surpreende, e a visão de métodos educacionais, o respeito às crianças e jovens, que sejam incentivados à aprendizagem, que se tornem eruditos num processo de muita compreensão à sua idade, sem violência.

Há a apresentação do livreto sobre 1. A civilidade dos costumes dos meninos; 2. do livros "Sobre os meninos" e 3. De Pueris (sobre os meninos).

Nessas três obras compiladas Erasmo revela seu amor às crianças e jovens e, por isso, cuida de propor um modo de ensinamento sem castigos.

A referências ao liberalismo, mas no sentido de "autodeterminação consciente e responsável na linha a honestidade".

Há referências ao humanismo no trato da educação princípio que nasceu nos tempos de Erasmo que enaltecia a capacidade intelectual do ser humano e, nesse contexto, o distinguido pela sua potencialidade de criação, de aprendizado e livre arbítrio.

E Erasmo confessa, ao desenvolver toda sua avançada mente de educador, seu amor pelas crianças e jovens. E, nesse diapasão, "a primeira atitude educacional consiste em não lesar a dignidade do educando, respeitando sua natureza".

E acentua que não há animal mais perigoso que o homem sem educação.

E acentua de modo veemente que homens sem instrução em filosofia ou em outras disciplinas, não passam de criaturas inferiores e se assemelhando, em certos aspectos, aos animais.

Por outra deve-se cuidar que a criança não seja "agradada" com beijos e carícias, em alguns casos, por criadas e cuidadoras, que não sua inépcia podem chegar a práticas nem sempre pudicas.

Porque ser pai autêntico, deve se dar dedicação plena ao filho, àquelas primazias que o aproxima de perto "da semelhança com a divindade."

Pois, ao comprar um escravo, desde logo, de modo rude, é ele designado para desenvolver algum ofício, seja na cozinha, para a medicina, agricultura ou administração: "Teu filho, ao contrário, como se o único nascido para a ociosidade, tu o relegas às traças".

A amamentação deve ser da mãe e não sendo possível, a nutriz selecionada deve ter conduta ilibada.

Se o menino não é dotado de robustez corporal não importa porque está se preparando um intelectual tornando-o apto para gerir a vida pública. Evitar que o menino traje vestes extravagantes que o efeminem.

"O primeiro grau da aprendizagem consiste no amor ao professor. Com o caminhar do tempo, a criança, que foi iniciada no amor ao estudo por causa do amor ao mestre, passa a amar o mestre por amor ao estudo."

E no ensino deve prevalecer a persistência. O ensino deve contar com a ilustração de fábulas e jogos no aprendizado da língua devendo o professor falar corretamente.

Com esse método, a criança aprende sem pancadaria, ameaças e berros nos três anos.

Erasmo repudia os castigos corporais. Ele dá exemplos consternadores de castigos severos de preceptores desumanos, boçais. Entre os diversos casos que descreve, destaca-se a de um menino levado pela mãe, imaginando que o deixava num ambiente educacional saldável, num dado momento o preceptor, sem qualquer motivo, aplicou-lhe surra covarde, apenas para o humilhar.

Então, as admoestações não podem ser conduzidas pela cólera, mas com mansidão e somente em casos extremos, algum castigo físico mas nunca que atinja a dignidade do estudante.

Atitudes cristãs, dos discípulos do mansíssimo Jesus.

Há, também, os "castigos" de colegas mais velhos, os "trotes" com requintes perversos ao extremo aos que chegam ao nível superior, isso nos tempos de Erasmo e ele diz que é de estarrecer a constatação que se dá a aprovação dos responsáveis pela juventude.

Com esse quadro tão contraditório, os educadores não podem ser ignaros, truculentos e Erasmo não recomenda que sejam velhos preceptores, porque "os velhos a bem dizer, são crianças efetivas e já não simulam balbuciar porque, na realidade, estão a balbuciar." (!)

Antes de castigar e gritar, todo professor deve se lembrar que também foi criança.

II - ERASMO E MARTINHO LUTERO

O livro informa que Erasmo e Martinho Lutero eram colegas na vida sacerdotal e mesmo na vida teológica.

Lutero nasceu em 1483 e morreu em 1546 na cidade de Eisleben, Alemanha.








Teólogo, estudioso, orador em 1507 tornou-se sacerdote com 21 anos e na sua primeira missa ele teve dificuldades de natureza psicológica em se relacionar com Deus durante a celebração, porque se considerava um pecador.

Tornou-se professor de teologia e suas angústias foram superadas ao aceitar como princípio de sua vida religiosa a frase encontrada na Carta aos Romanos (1,17): "O justo viverá da fé".

Nessa sua vida de dedicação religiosa, indispôs-se contra o "comércio de indulgências".

Em 1517, nos seus discursos, condenou as indulgências que visavam arrecadas fundos para construção  da basílica de São Pedro.  

Então, naquele mesmo ano, no pórtico da Igreja de Wittenberg fixou uma lista com 95 teses contra as indulgências que teve forte repercussão.

Nascia o protestantismo.

Disse mais que o papa (Leão X) e o Concílio estavam sujeitos a erros.

Em 1516 foi chamado a responder pelas suas acusações mas Lutero não se retratou.

Em 1520, o papa publicou a Bula "Levanta-te Senhor, e julga a tua causa. Um javali invadiu tua vinha". Foram apontados 41 erros da lista de Lutero.

Lutero não se resignou e lançou a Bula papal numa fogueira durante uma assembleia estudantil em Wittenberg.

Passados 60 dias prazo que lhe fora dado para a retratação, não o fazendo, em 1521 foi excomungado, permanecendo detido num castelo da cidade até 1522.

Com a convicção de Lutero, Erasmo, humanista, se afastou do colega porque "confiava no potencial humano para compreender e aproximar-se de Deus", (enquanto) Lutero repudiava tal convicção. Para ele o ser humano é mero pecador e por isso incapaz de aproximar-se de Deus. Só a fé redime e salva".

NOTA: com todas os seus abusos e escândalos a Igreja Católica a tudo vem superando, se redimindo ou com com a possibilidade a tanto e permanecendo. O protestantismo se transformou numa legião de igrejas e seitas e todas disfarçando "comércio de indulgências" em dízimos.

III - ELOGIO DA LOUCURA

A despeito da visão avançada da educação e o respeito às crianças e jovem, a obra mais citada de Erasmo e mesmo "Elogio da Loucura" de 1509, chamada de "sátira extraordinária". 

Na verdade, sendo a "loucura" a narradora de suas ocorrências, Erasmo praticamente não preserva nenhuma atividade de seu tempo o que revela, com suas ironias ácidas, as mazelas que o rodeavam.

O livro faz um resumo do "Elogio da Loucura" o que não deixa de ter interesse, mas eu preferi fazer algumas transcrições da obra que dão ideia mais precisa do pensamento de Erasmo e o perfil do modo de vida de seu tempo, século 16 que na "Loucura" ela aponta, em todos os níveis, a busca pelo "vil metal", incluindo príncipes, religiosos, pessoas humildes...

A origem da Loucura

Erasmo lista os deuses e deusas que deram origem à loucura, seus personagens fantásticos mas também Paulo na Epístola Aos Coríntios - 1. 20.21:

"Por ventura não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo,,," e, também, "... aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação".

(No livro do Eclesiastes - 02.14).

E, assim, Erasmo na longo texto, debocha ou ironiza...

Os supostos poliglotas:

Para nós, os tolos, um dos maiores prazeres não consistirá em admirar, com a máxima surpresa, tudo o que nos vem dos países ultramontanos? Finalmente, se houver alguns que, embora não entendendo nada desses velhos idiomas, queiram dar mostras de que os compreendem, nesse caso devem aparentar uma fisionomia satisfeita, aprovar abanando a cabeça, ou simplesmente as longas orelhas de burro, e dizer com um ar de importância: Bravo! Bravo! Muito bem! Justamente!

Advogados

Pretendem os advogados levar a palma sobre todos os eruditos e fazem um grande conceito da sua arte. Ora, para vos ser franca, a sua profissão é, em última análise, um verdadeiro trabalho de Sísifo. Com efeito, eles fazem uma porção de leis que não chegam a conclusão alguma.



 




(Sísifo, da mitologia grega, foi condenado a fazer rolar uma enorme pedra, sem parar, até ao cume de uma montanha. Mal chegava ao termo do seu trabalho, a pedra rolava para baixo).

O órgão reprodutor masculino

E porque, segundo o meu costume, não hei de vos falar mais livremente? Dizei-me, por favor: serão, talvez, a cabeça, a cara, o peito, as mãos, as orelhas, como partes do corpo reputadas honestas, que geram os deuses e os homens? Ora, meus senhores, eu acho que não: o instrumento propagador do gênero humano é aquela parte, tão deselegante e ridícula que não se lhe pode dizer o nome sem provocar o riso. Aquela, sim, é justamente aquela a fonte sagrada de onde provêm os deuses e os mortais.

A meninice e a velhice se atraem

Afirmo, pois, de acordo com esse raciocínio, que a felicidade da velhice supera a da meninice. Não se pode negar que a infância é muito feliz; mas, nessa idade, não se tem o prazer de tagarelar, de resmungar por trás de todos, como fazem os velhos, prazer que constitui o principal condimento da vida. 

Outra prova do meu confronto é a recíproca inclinação que se nota nos velhos e nos meninos, e o instinto que os leva a manterem entre si boas relações. Assim é que se verifica que todo semelhante ama o seu semelhante.

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Estamos tão habituados a ver um homem todo curvado ao peso dos anos e que já não enxerga a terra em que está para descer, a vê-lo, repito, casar-se com uma mocinha sem dote, e casar-se, certamente, mais para o de outrem do que para o próprio uso, que isso se torna quase um motivo de louvor.

Eu cheiraria à sabedoria e seria indigna de ser Loucura se reclamasse essas honras divinas. Que é que se me ofereceria sobre os altares? Um pouco de incenso, um pouco de farinha, um bode, um porco. Poderia eu permitir que se degolassem esses inocentes animais para deleitar-me o olfato?

A mulher e a loucura

E isso porque, segundo o provérbio dos gregos, o macaco é sempre macaco, mesmo vestido de púrpura. Assim também, a mulher é sempre mulher, isto é, é sempre louca, seja qual for a máscara sob a qual se apresente.

Não quero, todavia, acreditar jamais que o belo sexo seja tolo ao ponto de se aborrecer comigo pelo que eu lhe disse, pois também sou mulher, e sou a Loucura. 

Ao contrário, tenho a impressão de que nada pode honrar tanto as mulheres como o associá-las à minha glória, de forma que, se julgarem direito as coisas, espero que saibam agradecer-me o fato de eu as ter tornado mais felizes do que os homens...

A mulher é mera fonte do prazer... um animal delicioso e insensato que ameniza a vida dos homens.

(Erasmo também destaca mulheres idosas que se apresentam para o casamento com homens jovens não podendo esconder todas as marcas da velhice).

O corno

Costuma-se achar isso uma loucura, e com razão; mas é justamente essa loucura que torna o esposo querido da mulher, e a mulher do esposo, mantendo a paz doméstica e a unidade da família. 

Corneia-se um marido? Toda a gente ri e o chama de corno, enquanto o bom homem, todo atencioso, fica a consolar a cara-metade, e a enxugar com seus ternos beijos as lágrimas fingidas da mulher adúltera. Pois não é melhor ser enganado dessa forma do que roer-se de bílis, fazer barulho, pôr tudo de pernas para o ar, ficar furioso, abandonando-se a um ciúme funesto e inútil?

A tragédia das guerras

... quero começar pela guerra. Não se pode negar que essa grande arte seja a fonte e o fruto das mais estrepitosas ações. No entanto, que coisa se poderia imaginar de mais estúpido que a guerra? Dois exércitos se batem (sabe Deus por que motivo) e da sua animosidade obtêm muito mais prejuízo do que vantagem. Os que morrem inutilmente na guerra são incontáveis.

A adulação dum candidato

É por isso que eles exclamam: — Pode haver maior loucura que a de um candidato que adula suplicentemente o povo para conquistar honras e que compra o seu favor à custa de liberalismo? que a daquele que recebe servil e humildemente os aplausos dos mentecaptos? daquele que fica lisonjeado com as aclamações populares? daquele que se deixa carregar em triunfo, como uma estátua, para ser visto pelo povo, ou que é efigiado em bronze no foro?

Gramática

Só a gramática é mais do que suficiente para nos aborrecer durante toda a vida...

Filósofos

Seguem-se-lhes, imediatamente, os veneráveis filósofos, respeitáveis pela barba e pela túnica. Gabam-se de ser os únicos sábios e acreditam que todos os outros homens não passem de sombras móveis. 

Rasguemos esse véu de orgulho e de presunção, e vejamos o que são os filósofos. Não passam, também, de ridículos loucos: quem poderá conter o riso ao ouvi-los sustentar seriamente a infinidade dos mundos? O sol, a lua, as estrelas, todos esses globos são por eles conhecidos tão bem como se os tivessem medido palmo a palmo ou com um fio. 

Sem duvidar de nada, eles vos dizem a causa do trovão, dos ventos, dos eclipses e de todos os outros mistérios físicos. Na verdade, ao ouvi-los falar com tanta convicção, qualquer os julgaria membros do grande conselho dos deuses ou testemunhas oculares da natureza quando tudo saiu do nada. Mas, a despeito disso, a natureza, essa hábil produtora do universo, parece zombar das suas conjecturas.

Nojo dos estoicos! (aqueles que obtém a felicidade e a tranquilidade pela razão, pelo autodomínio e a virtude)

Os teólogos

Em todas essas facções, são tantas as erudições e tantas as dificuldades, que, se os próprios apóstolos descessem à terra e fossem obrigados a discutir com os teólogos modernos sobre essas sublimes matérias, sou de opinião que teriam necessidade de um novo espírito totalmente diverso daquele que, em seu tempo, lhes dava a possibilidade de falar. São Paulo tinha fé, mas não deu uma definição da fé bastante magistral quando disse: A fé é a substância da coisa esperada e o argumento da que não aparece.

Cardeais e as riquezas

Para que tantos tesouros? Aqueles que pretendem representar o antigo colégio dos apóstolos não deveriam, antes de tudo, imitar a sua pobreza?” Afirmo que, se os cardeais fizessem a si mesmos semelhante apóstrofe, refletindo seriamente sobre todos esses pontos, de duas uma: ou devolveriam imediatamente o chapéu ou levariam uma vida laboriosa, cheia de desgostos e de desejos, justamente como faziam os primeiros apóstolos da Igreja

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Eu desejaria saber, porém, se haverá para a Igreja inimigos mais perniciosos do que esses ímpios pontífices, os quais, em lugar de pregar Jesus Cristo, deixam no esquecimento o seu nome e o põem de lado com leis lucrativas, alteram a sua doutrina com interpretações forçadas e, finalmente, o destroem com exemplos pestilentos.

A religião cristã e a loucura

Para terminar logo uma enumeração que por natureza não acabaria nunca, quero vos fazer ver, sucintamente, que a religião cristã se coaduna perfeitamente com a loucura e não tem a menor relação com a sabedoria. Como essa proposição pareça um verdadeiro paradoxo, não serei tão irrazoável que pretenda me acrediteis baseados apenas em minha boa fé. 


NOTA DE DIVULGAÇÃO

Livro 138

ERASMO DE ROTTERDAM de Luiz Feracine

Trata-se de um pequeno volume com muitas alternativas de conhecimento. Sua leitura e reflexão exigiram expansão da resenha, porque Erasmo de Rotterdam surpreende, em pleno século 16, com suas propostas educacionais, de cuidado com crianças e jovens.
O livro também explora as ações de Martinho Lutero, contra as indulgências impostas pela igreja católica, um abuso, que o teólogo denunciou, resultando no rompimento e o surgimento do protestantismo.
Mas, o tema que mais me preocupou foi a obra "Elogios da Loucura" de Erasmo, um verdadeiro quadro de ironias contra todos os abusos humanos que constatava no seu tempo. Uma "sátira extraordinária". Nem os advogados foram poupados. Muitas das suas "sátiras" influenciam o planeta até hoje. Do "Elogios da Loucura", me vali da obra que li na íntegra não seguindo o livro que ora resenho, muito resumido.