LIVRO 140
Friedrich Nietzsche, nascido em 15.10.1844 na Turíngia, Alemanha, era filho de piedosos pastores.
Nos estudos foi sempre brilhante; aos 14 anos foi aceito no "fechado" colégio interno Pfort e, em 1864 passou a estudar na Universidade de Bonn. Em 1865 transferiu-se para Leipzig.
Foi nesse tempo que conheceu a obra de Shopenhauer, "O mundo como verdade e representação" e se encantou com seu conteúdo, porque afirmava em suas linhas o filósofo pessimista, que não existia Deus, nem a Providência e a vida não fazia sentido ou o universo. Apenas a vontade de existir, com toda dor e sofrimento.
Quando voltou de Leipzig em 1868 conheceu Richard Wagner, nascendo verdadeira amizade mas que mais tarde rompeu com o compositor, porque com o sucesso, se tornara soberbo e vaidoso. Mas, não só por isso: há uma dose de ciúmes relacionada à companheira de Wagner — Cósima, que Nietzsche tinha interesse.
Em 1868 foi contratado pela Universidade da Basileia, como professor de filologia.
Tivera Nietzsche quando serviu o exército um acidente na montaria de um cavalo "manhoso"; para se sustentar, bateu o peito no cabeçote da sela, sentindo dor atroz. Houve complicações, ficando acamado, com febre alta por 3 meses. A supuração nunca cessou. Disse ele que ao deixar o leito, teve que reaprender a andar.
Começava aí o tormento de sua saúde fragilizada acentuada por enxaquecas e insônias. E com o tempo, remédios e drogas para conter as dores.
Em 1871 escreveu "O nascimento da tragédia" no qual rejeitava atitudes pessimistas, que rejeitava a vida através da tragédia, afirmando-a a despeito de suas dores e seus males. E porque a "arte é a mais alta tarefa e a atividade propriamente metafisica dessa vida". Então, a justificativa para a existência do homem se constitui num "fenômeno estético".
Essa obra foi muito criticada, não obteve êxito.
Com suas dores insuportáveis, sua decadência física, a visão deficiente, tudo dificultando até mesmo sua possibilidade de escrever, "não é de surpreender que, nessa luta, tenha encontrado um promissor aliado, na moderna biologia, que ele adaptou — ou fez o máximo para adaptar — à sua visão de um novo homem e de uma nova humanidade".
Mas, ele se mostrava inseguro sempre esperando maior crença em sua missão e obras, tanto que em 1880 escrevia ao amigo Erwin Rohde: — Amigos como vocês me ajudam a conservar a crença em mim mesmo".
O super-homem que lançou na sua obra "Assim falou Zaratustra": esse personagem seria um homem livre na Terra, vivendo intensamente, sem qualquer ligação com divindades, com Deus essa figura inventada que restringe a liberdade de viver.
E, não levando a nada a busca pelas verdades abstratas "uma vez adotada essa (convicção), é natural que se passe a encarar como importantes aqueles fatores que encorajam uma vida vigorosa", pelo que impondo ao caos da vida o máximo de sentido e regularidade...
[Nunca passou pela sua mente que o super-homem "real" poderia ser golpeado a qualquer momento, uma queda do cavalo que montava? E ele desaparecia inevitavelmente e perderia a alma que Nietzsche acreditava que era algo que existia interiormente, mas sem qualquer "utilidade".]
Outra teoria de Nietzsche sempre lembrada e a do eterno retorno que o autor assim pontifica:
"Dado que, no cego processo eterno do mundo, os átomos estão permanentemente mudando de posição, o universo deve passar — durante eternidades imensuráveis — pelas mesmas combinações possíveis e retornar, incontáveis vezes, aos estágios pelos quais passara anteriormente", significando "que as mesmas condições em que ele presentemente se encontra, deverão retornar repetidamente, exatamente com as mesmas pessoas, os mesmos momentos e a mesma história".
E ele, com todo seu sofrimento, com o eterno retorno, teria que reviver as mesmas torturas físicas além de indagações do próprio Deus que ele desprezava.
E, ademais, Nietzsche desprezava tudo o que era humilde, gentil e cristão (ele desprezava a compaixão) tornou-se o porta-voz de um raça humana mais saudável, mais digna do futuro.
Vê-se que é um delírio...
Desafiado e amargurado com o seu sofrimento, ele rejeitava de modo exacerbado a presença de Deus e o desprezava e, nessa arrogância, não tinha a que se apegar. E seu final de vida foi de extrema decadência mental. Seu orgulho não se dobraria a contar com a ajuda de Deus para seus amenizar seus sofrimentos.
No auge de sua pré-demência, considerando sua obra prima, "Assim falou Zaratustra" — que escreveu de 1882 a 1885 com baixa aceitação —, quando se manifestou sua megalomania, chegou a dizer que ele estabelecera uma nova conduta da humanidade por milênios, superando Jesus Cristo:
"Ele devia ser o novo salvador, arrancando tanto a história quanto a humanidade do domínio de Cristo". Além de doente - o biógrafo o qualificou de inválido - o quê na vida algo lhe foi favorável?
Sem amores
Seus amores não deram certo. Há fortes revelações de que "visitava" áreas de prostituição e indícios de que sua demência fora resultado da sífilis.
À uma carta remetida à sua amiga e protetora de toda a vida, Malwida von Meysenburg disse que contava se casar com uma boa esposa.
Mas, tal não aconteceu. Ele foi rejeitado por suas paixões. Uma delas foi Cósima Liszt, muito ligada a Richard Wagner que, segundo Nietzsche o compositor era indigno dela, resultando daí, desse ciúmes, uma das causas do seu rompimento com o amigo que admirava. Cósima seria a segunda esposa de Wagner.
Foi rejeitado, também por Mathilde Trampedach com ascendência russa e, depois, apaixonou-se por Lou Salomé que conheceu em Roma, mas seu amigo Paul Rée também era apaixonado pela jovem. Havia essas relações estranhas. Lou foi rejeitada pela mãe e irmã de Nietzsche, Elisabeth, pelo que obrigou-se a desistir dela.
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O trágico fim de Nietzsche
No capítulo “Mater Dolorosa” do livro “A Marcha do Tempo” (1948) de Stefan Zweig é relatado o drama da mãe de Nietzsche, cuidando do doente famoso no dia-a-dia:
“Vê-se agora uma velhinha a conduzir, de vez em quando, o seu doente, como a um urso grande e pesadão, pelas ruas e a longos passeios. A fim de o distrair, recita-lhe intermináveis poesias, que ele escuta em torpor. Guia-o jeitosamente; fá-lo desviar-se das pessoas que o fitam curiosas e dos cavalos que detesta. Sente-se feliz toda vez que consegue reconduzi-lo à casa, sem que ele desperte a curiosidade popular com sua “voz muito alta” (como a senhora delicadamente classifica seus berros selvagens).
A mãe faleceu em 1896. De Naumburg foi transportado para Weimar, ficando aos cuidados da irmã, Elisabeth Forster Nietzsche até seu falecimento em 25 de agosto de 1900.
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Europa e seu tempo
Nietzsche chegou a defender a integração cultural da Europa pelo que não procede a afirmação de que suas ideias serviram para alimentar o nazismo. Se serviram, foram oportunismos.
Sua irmã Elizabeth, já idosa, "saudou Hitler como a encarnação do super-homem com o qual sonhara seu irmão".
A irmã de Nietzsche, Elisabeth Forster Nietzsche que tinha forte ascendência sobre ele, que dele cuidava de modo carinhoso porque ele não tinha esposa, casou-se em 1884 com Bernard Foerster, um anti-semista que fundara um núcleo alemão no Paraguai. Não poderia ser uma experiência nazista porque a ideologia eclodiria somente após a 1ª Grande Guerra. Ele se suicidou em 1889 mas ela permaneceu no Paraguai por mais 6 anos tentando levar em frente o projeto fracassado do marido.
Nessa linha tomado pensamentos de Nietzsche o nazista Richard Oehler diria que "o pensamento de Nietzsche é Hitler em ação".
Ele fora, a despeito de suas contradições e distúrbios mentais, um defensor da Europa forte e unida proclamando que o slogan "A Alemanha acima de tudo" é o mais estúpido que jamais foi criado no mundo".
Nietzsche antecipou o que seria a Rússia e sua força.
Nietzche e Dostoiévski
Nietzche tinha apreço pelas obras de Dostoiévski. Mas, escritor russo não tinha aquela obsessão incontrolada de negar Deus como Nietzsche. Dostoiévski também se impunha um combate em prol da vida e do crescimento mas preservando valores espirituais.
O personagem Zosima, da obra "Os Irmãos Karamazóv" de Dostoiévski: "Amar a todas as criações de Deus e a cada grão de areia nelas contido. Amar cada folha, cada raio da luz de Deus. Se você ama todas as coisas, perceberá o mistério divino de tudo".
Então, embora se encontrem pontos em comum nalgumas das obras de ambos —há até uma paródia em Dostoiévski sobre o denominado "eterno retorno" talvez inspirando Nietzsche — elas se distanciam pela aceitação de Divindades pelo russo.
O super-homem que não deu certo
Como super-homem Nietzsche não deu certo. Ele deixou obras que encantam muitos estudiosos hoje, mas não encontrou o amor, delirou nas suas descrenças, sofreu muito fisicamente e no seu vazio espiritual, enlouqueceu.
Quantos são os filósofos que se perdem na areia da praia a procura de conchas e não olham para a transcendência do mar, mas ele distorceu ao afirmar ao se referir ao mar: — Nossa força nos impele a procurar o mar de onde tem submergido até agora todos os sóis, tomamos conhecimento de um novo mundo.
O Livro, com nem 140 páginas é muito bom. A edição é de 1974.
Obras de Nietzsche resenhadas, acessar:
NOTA DE DIVULGAÇÃO
Niestzsche há muito tem sido para mim o filósofo que me desafia.
Dele sabia que era um filósofo que rejeitava divindades, Deus, a despeito de levar uma vida difícil, cheia de desventuras, doente, frágil, sem amores que imaginou o super-homem que viveria plenamente, sem as amarras, se que as há, de uma crença que tolha seus impulsos.
A sua obra mais conhecida é "Assim falou Zaratustra" na qual nasce esse super-homem. Nos delírios mentais de Nietzsche na fase de pré-demência ele se imaginou substituto por milênios de Jesus Cristo. Um super-homem que não deu certo: nos últimos dez anos de sua vida foi de demência acentuada, cuidado pela mãe e, depois, por sua irmã.
Eu acho, conhecendo mais seu perfil, digamos, que ele é dos filósofos que cavoucam a areia da praia buscando conchinhas e não olham para o mar onde está a transcendência da existência irrespondível.
Essa obra biográfica, que mal resenhei, revela sua face sem rodeios. E foi bom para mim para melhor o compreender.