A
Terra
O
Homem
A
Luta [A partir desse item tem início o relato da campanha de
Canudos com outros títulos à medida que se agravam os combates e os
conflitos graves].
A
Terra
O
livro foi escrito no final do século XIX.
Então
muitos acidentes geográficos contidos nesse capítulo e as pequenas
vilas podem ter desaparecido ou se modificado.
A
própria Canudos não está mais no local original. O que restara da
cidade, foi inundado pelo Açude de Cocorobó constituído pelo Rio
Vaza-Barris. A Canudos atual se refere à pequena cidade de Cocorobó
que foi rebatizada para manter a tradição daquela Canudos
histórica.
Relata
Euclides que caminhando nas proximidades de Canudos, se deparara com
um cadáver de combatente mumificado resultado da "secura
extrema da área".
As
secas, às quais Euclides coloca prognósticos de suas causas,
segundo levantamento que apresenta, as piores, de regra, variaram no
séculos XVIII e XIX entre 9 a 12 anos entre uma e outra.
As
caatingas de solo seco, de "folhas urticantes", com
espinhos, gravetos feito lanças agridem nesse ambiente de léguas e
léguas.
Apesar
desse aspecto desolador, destaca o Autor algumas plantas
sobreviventes que podem ajudar o sertanejo sedento ou faminto.
A
planta mais destacada é o umbuzeiro, "a árvore sagrada do
sertão" que resiste àquele clima inóspito, produzindo um
fruto de "sabor esquisito", comestível e que se presta a
produzir doces em conserva.
O
umbuzeiro é sadio naqueles campos secos, porque sua raiz é composta
de batatas que armazenam água, suas reservas de sobrevivência mas
que possibilita saciar a sede do sertanejo.
Nas
chuvas, o sertão é um paraíso porque não só a flora como a fauna
ressurgem.
Página
preciosa, atual, se refere aos "fazedores de desertos", as
queimadas irresponsáveis e criminosas, conforme trechos da obra:
"Esquecemo-nos,
todavia, de um agente geológico notável – o homem. Este, de fato,
não raro reage brutalmente sobre a terra e entre nós, nomeadamente
assumiu, em todo o decorrer da história, o papel de um terrível
fazedor de desertos. Começou isto por um desastroso legado indígena.
Na agricultura primitiva dos silvícolas era instrumento fundamental
– o fogo."
"Renovavam
o mesmo processo na estação seguinte, até que, de todo exaurida,
aquela mancha da terra fosse, imprestável, abandonada em caapuera —
mato extinto — como o denuncia a etimologia tupi, jazendo dali por
diante irremediavelmente estéril porque, por uma circunstância
digna de nota, as famílias vegetais que surgiam subsecutivamente no
terreno calcinado eram sempre de tipos arbustivos enfezados, de todo
distintos dos da selva primitiva."
Depois,
o aborígene "prosseguiu abrindo novas roças, novas derrubadas,
novas queimadas, alargando o círculo de estragos em
novas caapueras..."
"Veio
depois o colonizador e copiou o mesmo procedimento...”
"Abriram-se
desde o alvorecer do século XVII, nos sertões abusivamente sesmados
(terras divididas), enormíssimos campos compáscuo (pastagem
comum) sem divisas, estendendo-se pelas chapadas em fora."
"Abria-os,
de idêntico modo, o fogo livremente aceso, sem aceiros, avassalando
largos espaços, solto nas lufadas violentas do nordeste.
Aliou-se-lhe ao mesmo tempo o sertanista ganancioso e bravo, em busca
do silvícola e do ouro."
Euclides
se refere à extinção dos desertos propondo a irrigação de
imensas áreas. Porém, nos dias atuais há experiências importantes
de recuperação de áreas desérticas que não se ampliam porque no
grosso dos que exploram as florestas e a derrubam para ampliação de
pastos há absoluta indiferença, trágica indiferença em relação
às graves consequências dessa degradação que afeta o clima de
modo amplo, incluindo a reserva de água potável.
O
Homem
Ao
tratar do tema "homem" Euclides envereda pelas origens,
principalmente, do nordestino.
Dá
destaque à mestiçagem, acentuando que a origem do mulato não se
deu nos primeiros anos após a descoberta do Brasil, mas em
Portugal, no cruzamento de portugueses e negros.
Assim,
diz Euclides, a gênesis do mulato teve uma sede fora do nosso país.
A primeira mestiçagem com o africano operou-se na metrópole. Entre
nós, naturalmente, cresceu.
Mas,
os índios aqui estavam e da mistura que passou a ocorrer entre
brancos e índios (filhos mamelucos) e negros apreendidos na África
e índios (os cafuzos).
Por
isso que, linhas antes, afirma o Autor que
"Não
temos unidade de raça,
Não
a teremos, talvez, nunca."
Assim,
reconhece que num futuro ainda que remoto estamos predestinados à
formação de uma raça histórica:
"A
nossa evolução biológica reclama a garantia da evolução social.
Estamos
condenados à civilização.
Ou
progredimos, ou desapareceremos.
A
afirmação é segura."
Euclides
dá destaque à influência do meio e ao analisar as condições do
homem nos sertões nordestinos reconhece ali as dificuldades imensas
de viver, pelo calor, pelo secas, pela caatinga agressiva, realidades
que no sul não são encontradas.
Revela
mais Euclides a influência paulista nos desbravamentos e conquistas
naquelas terras no vale do (rio) São Francisco "que em
contínuas migrações, procuraram aqueles rincões longínquos"
povoando aquela região e também seus descendentes desde o século
XVIII. Os jagunços seriam "os colaterais prováveis dos
paulistas".
A
frase célebre, sempre repetida: "O
sertanejo é antes de tudo um forte. Não tem
o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênico do litoral".
Mas,
os qualificativos de Euclides ao sertanejo são "implacáveis".
Diz ele:
"A
sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o
contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a
estrutura corretíssima das organizações atléticas".
Essa
a linguagem do Autor. Mas, prosseguindo na descrição do sertanejo
"forte":
"É
desgracioso, desengonçado, torto. Hércules - Quasímodo (*) reflete
no aspecto a fealdade típica dos fracos. (...) E se na marcha estaca
pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro,
ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo - cai é o termo -
de cócoras, atravessando longo tempo numa posição de equilíbrio
instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes
do pé, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo
ridículo e adorável."
Mas,
essa "preguiça invencível" dá lugar a transformações
completas, bastando "o aparecimento de qualquer incidente
exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas".
Transmutações completas...
[Página
muito estudada nos livros de literatura é a que descreve o "estouro
da boiada" nas suas expressões fortes seguindo esse episódio
que pode se originar de "incidente mais trivial - o súbito voo
rasteiro uma araquã ou a corrida de um mocó esquivo" - mocó:
roedor das caatingas de pequeno porte.]
Nessa
mesma parte da descrição do "homem", insere Euclides uma
visão biográfica de Antônio Conselheiro.
Descendente
de família que no passado teve desavenças homicidas entre seus
ascendente, os Macieis, homens bravos vivendo de vaqueirice e
pequenas criações contra família rica, os Araújos:
"Foi
um das lutas mais sangrentas dos sertões do Ceará..."
Todavia,
revela o Autor que pouco se sabe do pai de Antônio Vicente Mendes
Maciel (Conselheiro), salvo que era um homem irascível, mas de bom
caráter, analfabeto, mas bom negociante e negociador.
O
filho Antônio, até se casar vivera de modo muito correto.
Com
o casamento, levando vida modesta, fazendo serviços incertos, os
atritos conjugais e um golpe terrível: sua mulher fora raptada por
um policial.
Envergonhado,
envereda para os sertões até chegar à Bahia, já com longas
barbas, cabelos longos até os ombros, sem trato, olhos fundos,
vestindo espécie de túnica azul longa "de brim americano".
E
a partir daí foi arrumando seguidores ouvintes de seus sermões
confusos até se aproximar da região de Canudos e ali iniciando com
seus adeptos a construção precária de casebres umas ao lados das
outras e, na área central um templo.
E
lá, os jagunços armados.
Ao
saber da proclamação da República em 1889 passou a criticá-la,
num discurso que carecia de nexo. O triunfo do Anti-Cristo que
oficializava o casamento civil.
Trecho
de um verso "disparatado":
"Casamento
vão fazendo
Só
para o povo iludir
Vão
casar o povo todo
No
casamento civil."
Uma
missão católica foi ter com Antônio Conselheiro ouvindo a
animadora saudação da paz: "Louvado seja Nosso Senhor
Jesus-Cristo!"
E
a resposta:
"Para
sempre seja louvado tão bom Senhor!"
Mas,
essa missão não deu certo. Divergências quanto ao reconhecimento
do governo republicano que a Antônio Conselheiro fora dito que ele
defendia uma "doutrina errada". A resposta fora de que a
falsa doutrina não era de Antônio Conselheiro.
Um
evento curioso, ao se referir o Conselheiro ao jejum "como meio
de mortificar a matéria e refrear as paixões". Para não
exigir "demoradas angústias, porque "podia-se jejuar
muitas vezes comendo carne no jantar e tomando pela manhã uma
chávena de café", recebeu do religioso católico o seguinte
admirado questionamento:
"-
Ora! isto não é jejum, é comer a fartar!"
Insistindo
o capuchinho no tema político, a sua missão fracassou. Antônio
Conselheiro manteve-se firme em suas crenças confusas, afirmou que
não desarmaria "sua gente" mas que não estorvaria a santa
missão.
Os
visitantes religiosos foram postos fora de Canudos, "fazendo-lhe
sentir que deles não careciam para a salvação eterna."
(*) Quasímodo, personagem
do livro "O Corcunda de Notre-Dame" de
Victor Hugo.
A
Luta
Esse
capítulo explana sobre o primeiro conflito bélico, digamos, entre
os adeptos de Antônio Conselheiro e as autoridades constituídas da
Bahia e da... República.
Conta
Euclides, que o "santo" se tornara figura lendária, mas
que "vinha de uma peregrinação incomparável, de um quarto de
século, por todos os recantos do sertão, onde deixara como enormes
marcos, demarcando-lhe a passagem, as torres de dezenas de igrejas
que construíra..."
Canudos
incomodava as autoridades, porque Antônio Conselheiro ali se
instalara, fechando-se garantido por cerca de mil homens robustos e
destemerosos "armados até os dentes", pelo que lhe
permitia imperar sobre extensa zona de difícil acesso...
Surgira,
porém, uma questão "comercial". Para construir a nova
igreja de Canudos, Antônio Conselheiro adquirira em 1896 uma partida
de madeiras em Juazeiro que não fora entregue no vencimento
avençado.
Então,
com base em boatos "mais ou menos fundados", de que Antônio
Conselheiro invadiria a cidade para obter à força a madeira não
entregue. Por ordem do Governador do Estado, em 4.11.1896 foi constituída
força de "cem praças da guarnição para ir bater os
fanáticos".
Muitas
as dificuldades de vencer num território inóspito.
No
dia 19, cansadíssimos chegaram à localidade Uauá em condições
precárias de víveres.
A
população à noite fugira em massa do lugar, prenunciado que
Canudos estava já informada dos soldados.
O
ataque dos sertanejos de Canudos foi precedido de vivas ao Bom
Jesus e ao Conselheiro. Os soldados pegos de surpresas se abrigaram
nas casas e começou aí o tiroteio alimentando-se o conflito.
Por
fim, os jagunços foram se afastando, carregando de volta a bandeira
do Divino, descrevendo Euclides, que sob sol inclemente contorciam-se
os feridos e estendendo-se os mortos e, "entre esses, dezenas de
sertanejos - cento e cinquenta - diz a parte oficial do combate,
número desconforme ante os dez mortos" e dezesseis feridos
entre os soldados.
Mas,
confirma Euclides que o comandante desistiu da luta mesmo com setenta
"homens válidos".
Com
derrota ou não das forças oficiais, o caso é que o fim de Canudos
começara mas isso depois de centenas de mortos.
A
reação não demoraria.
Sob
o comando de Febrônio de Brito, major do 9º batalhão de Infantaria, fora organizada força militar em princípio por 200
praças e 11 oficiais compreendendo soldados das forças do exército
e da força estadual. Depois, com o apoio do governo federal, essas
forças chegaram a 543 praças e 14 oficiais.
Seguiam
nos rumos de Canudos aparelhados por 4 metralhadoras, 2 canhões
Krupp.
Euclides
descreve a imensa dificuldades desse "comboio", a travessia
de Cambaio - "a serra de Cambaio é um desses monumentos rudes"
-, em vencer os obstáculos no caminho, chegando em 29 de
dezembro em Monte-Santo.
Mas,
já em Monte-Santo havia os aliados de Antônio Conselheiro avaliando
as forças que avançariam sobre Canudos
Dali
os soldados seguiram para Canudos levando munições limitadas. Parte
ficou em Monte-Santo. Mas, arrastados seguiam os canhões e as
metralhadoras.
No
dia 14.01.1897 a marcha foi "terrivelmente torturada" pela
fome nos dias seguintes porque os dois últimos bois foram abatidos.
Os
combates se iniciam. Com as armas dos soldados, os canhões e as
metralhadoras, os jagunços chegaram a recuar, mas não abandonaram a
luta.
Mas,
em Canudos, houve pânico entre os fieis do Conselheiro, temendo que
a força oficial chegasse até ali, mas tal não se deu. A tropa
recuou, exausta, em farrapos, esfomeada até que salvos por um
rebanho de cabras que invadiu o acampamento, algumas capturadas, que
se tornaram um banquete para os soldados.
Euclides
não é muito claro no número de vítimas. Eis o que disse na obra:
"Como
na véspera, as perdas sofridas de um e outro lado estavam fora de
qualquer paralelo. A tropa perdera apenas quatro homens, excluídos
trinta e tantos feridos, ao passo que os contrários, desconhecido o
número, foram dizimados.
Um
dos médicos contou rapidamente mais de trezentos cadáveres.
Tingira-se a água impura da Lagoa do Cipó (...) uma nódoa
amplíssima, de sangue..."
Expedição
Moreira César
Diante
desse novo insucesso, outra expedição (1897) fora organizada para
exterminar de vez a resistência de Canudos.
Moreira
César, coronel do Exército fora designado para a missão.
De
baixa estatura, famoso pelas suas vitórias, temido, implacável com
os adversários ao ponte de ordenar fuzilamentos e, também,
segundo Euclides:
"Tinha
o temperamento desigual e bizarro de um epiléptico provado,
encobrindo a instabilidade nervosa de doente grave em placidez
enganadora."
Essa
doença influíra decisivamente no andamento das operações de
ataque a Canudos as atrasando até que passasse a crise epiléptica.
Moreira
César subestimaria a determinação dos defensores de Canudos e do
próprio Antônio Conselheiro que diariamente incentivava a fé e a
crença no Bom Jesus contra os demônios a mando da República, o
Anti-Cristo.
Sabedores
da nova investida contra sua comunidade, os sertanejos se armavam.
Euclides, relata esta particularidade:
"Não
era suficiente a pólvora adquirida nas vilas próximas, fariam-na:
tinham o carvão, tinham o salitre, apanhado à flor da terra mais
para o norte, junto ao S. Francisco, e tinham desde muito, o enxofre.
O explosivo surgia perfeito, de uma dosagem segura, rivalizando bem
com os que adotavam nas caçadas."
As
forças de Moreira César tinham no total 1.281 soldados cujas
reservas chegavam a 60 mil tiros. Seguiam quatro canhões Krupp
Aquela
dificuldade já mencionada do trajeto. Por força de invasão mudara-se o
trajeto, mas nem por isso diminuiu a dificuldade em chegar até
Canudos que crescia a cada dia em termos de sertanejos que iam chegando, mais famílias, mais homens,
incluindo velhos e inválidos.
Imaginando
que Canudos estivesse mal-armada, disse o comandante que a vitória
se daria sem que qualquer tiro fosse disparado, apenas com o uso de
baionetas:
Disse
ele:
"-
Vamos tomar o arraial sem disparar mais um tiro!... à baioneta!"
Confusos
os soldados com os labirintos e vielas daqueles casebres,
invadiam as moradias avançando sobre os alimentos, sobre a água e
nessa dispersão eram massacrados em ciladas.
Moreira
César decide descer ao arraial para "dar brio àquela gente".
É
alvejado na barriga gravemente.
Passou
o comando ao coronel Tamarindo, um "homem simples, bom e
jovial".
Mas
seu comando já não era o mesmo. Os combates se tornaram
desordenados, uma "balburdia".
E
depois, com a morte de Moreira César, considerado comandante
invencível, os soldados que tinha as mesmas raízes dos
jagunços e sertanejos de Canudos, foram assombrados por algo
estranho, o terror sobrenatural.
Os
mais crédulos falavam em lutadores-fantasmas quase invisíveis do
lado de Canudos.
Pareciam
alvejados mas se levantavam.
Teve
início a retirada humilhante. Armas foram deixadas pelos caminhos.
O
coronel Tamarindo foi morto em combate.
"Um
pormenor doloroso completou esta encenação cruel: a uma banda
avultava, empalado, erguido num galho seco de angico, o corpo do
coronel Tamarindo".
Desertores?
A
expedição fora composta por 1281 soldados. Muitas vítimas?
Euclides
faz uma revelação surpreendente, de modo irônico:
Revela
que os "trezentos e tantos mortos" ressurgiram. Logo
depois, já se achava em Queimadas, a 240 quilômetros de Canudos
grande parte da expedição. Uma semana depois, verificou-se a
existência de 74 oficiais. E, "duas semanas mais tarde, no dia
19 de março, lá estavam - salvos - 1081 combatentes"
Então
diz o Autor: "Vimos quantos entraram em ação. Não
subtraiamos".
As
perdas teriam sido de apenas 80 soldados (?!).
Esse revés e a crença de que a República estava em risco, "a multidão interveio".
No Rio de Janeiro houve a invasão nas redações e tipografias de três jornais monarquistas, que foram destruídos.
Quarta
expedição
O
capítulo da "Quarta expedição" e as expedições
seguintes tomam 1/3 de "Os Sertões".
Surpreendente
fora a resistência e a organização dos jagunços na defesa do
arraial enfrentando todas as expedições.
Esses
jagunços e sertanejos convertidos pelo "santo" conheciam
toda a região, para eles a vantagem de se esconderem na caatinga, a
ponto de um só homem escondido em local estratégico, "invisível"
fuzilar dezenas de soldados praticamente indefesos por não poderem
reagir ou não saberem como reagir
A
baixas foram enormes.
Além
das dificuldades em vencer o terreno acidentado, encaminhar as rezes,
puxar armamento pesado, a fome e a sede debilitavam os soldados.
Os
feridos tinham a assistência precária gerando muito sofrimento
caminhando com dificuldades por aqueles caminhos mal formados, sem
proteção, enfrentando em condições piores, a sede e a fome.
Euclides
dá destaque à "Coluna Salvaget" que no decorrer das
descrições da campanha e dos múltiplos enfrentamentos essas tropas
foram duramente derrotadas.
O
próprio general Salvaget fora alvejado e permanecera fora de
combate.
E
nas escaramuças, o Autor vai relatando as baixas havidas nas tropas
numa sucessão de relatórios "estupendos" (um adjetivo
muito usado por Euclides) em que os números vão crescendo de modo
impressionante:
"No
entanto, a expedição atravessara violentíssima crise. Tivera cerca
de mil homens, 947, entre mortos e feridos, e estes, com os caídos
nos recontros anteriores, reduziam-na consideravelmente".
Ao
retornaram esses feridos esfarrapados e soldados sobreviventes que a
tudo suportaram, foram recebidos comovidamente em Salvador.
E,
então, romarias se faziam "ao quartel de Palmas, onde estava
ferido o comandante Carlos Teles; à Jequitaia, onde convalescia o
general Salvaget, e quando este último pôde arriscar alguns passos
nas ruas, paralisou-se a atividade comercial e fora ele ovacionado.
Com
tantas derrotas, tanta resistência de Canudos, aumentava o ódio da
população nacional a Antônio Conselheiro e aos seus seguidores.
Nas
campanhas seguintes, com novos reforços, as ações não mudaram
muito do ponto de vista das dificuldades até Canudos.
Mas, a presença do ministro da Guerra, Carlos Machado de Bittencourt na área do conflito fez a diferença, ao constatar que os soldados necessitavam de apoio e de organização da campanha e, principalmente, não passarem fome, como se dera nas outras investidas.
Os resultados começaram a aparecer.
Os ataques às igrejas principalmente a nova
e suas torres foram derribadas por peças de artilharia de canhões.
Aos
jagunços não havia compaixão. Eram degolados sumariamente num
ritual rotineiro. E a resistência deles se reduzia pela diferença de forças, porque nessa
última expedição foram reunidos cerca de 5 mil soldados bem
nutridos.
Quanto
aos prisioneiros Euclides relata que após tantos meses de guerra eles apareciam. Mulheres e crianças "em andrajos, camisas entre
cujas tiras esfiapadas se repastavam olhares insaciáveis, entraram
pelo largo, mal conduzindo pelos braço os filhos pequeninos,
arrastados".
"Eram
como animais raros num divertimento de feira".
"As
mulheres era, na maioria, repugnantes. Fisionomias ríspidas. de
viragos (jeito masculino), de olhos zanagas
(vesgos) e maus".
Aumentaria
esse contingentes de prisioneiras à medida que Canudos ia sendo
destruída revelando a miséria, o abatimento e a magreza das
prisioneiras, desta vez cerca de 600.
Em
22 de setembro falecera Antônio Conselheiro de disenteria e
agravamento de ferimento antigo provocado por estilhaço de granada.
Ele,
então, não veria o fim do arraial.
Antônio
Beato, o Beatinho, fiel servidor do "santo", entregou-se e
em negociação com o comandante retornou aos rebeldes para comunicar
que se todos se entregassem teriam a vida poupada.
Mas,
Beatinho retornou conduzindo, o que não se esperava, um grupo de
cerca de 300 mulheres, crianças e velhos nas mesmas condições das
prisioneiras de antes.
Até
que,
"Caiu
o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as
casas, 5200, cuidadosamente contadas".
Outubro
de 1897. Último ato de um teatro de horrores.
Mas,
"Canudos não se rendeu”.
Antônio
Conselheiro
No
dia 6 de outubro o corpo de Antônio Conselheiro foi exumado após
indicação de um prisioneiro onde sepultado no chão
de um casebre.
"Estava
hediondo".
Pensou-se
em sepultá-lo de novo, mas por fim sua cabeça foi decepada. Cena de
horror.
Delírio
da multidão. O crânio foi, então, encaminhado a exame científico. Nada de diferente. (*)
FINAIS
Na
nota preliminar da 22ª edição diz Euclides que,
"Aquela
campanha lembra um refluxo para o passado.
E,
foi, na significação integral da palavra um crime.
Denunciemo-lo."
Quanto aos mortos, as informações revelam até 20 mil, sendo 5 mil
soldados.
Os
prisioneiros sertanejos eram degolados, mas houve aqueles preservados pelo que se constata na obra.
Um
prognóstico: o que teria ocorrido com Canudos não fosse o ataque
insistente das forças oficiais? O
arraial não se esvaziaria após a morte de Antônio Conselheiro, tal
a precariedade da vida naqueles 5 mil casebres?
A
República corria algum risco naquela comunidade bruta?
Nas
duas linhas finais da obra dizia Euclides:
"É
que ainda não existe um Mausdsley para as loucuras e os crimes das
nacionalidades..." (**)
Referências:
(*) Eis que, depois de 120 anos passados, o presidente Jair Bolsonaro, promulgou a Lei n° 13829 de 15.05.2019 que “inscreve o nome de Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel) no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.
Mais que uma curiosidade, uma surpresa. Coisas do tempo, das redenções e até da compreensão de incidentes históricos lamentáveis como foi a destruição de Canudos e dos seus moradores miseráveis.
(* *) Henry
Maudsley (1835–1918) foi um pioneiro da psiquiatria inglesa, com
importantes contribuições à noção de responsabilidade penal e
conceito de sociopatia (distúrbio mental pelo qual o indivíduo
apresenta conduta antissocial), aliás, defendia exatamente a noção
de irresponsabilidade, insensibilidade ou imbecilidade moral, sem
nenhuma outra alteração das faculdades mentais observadas em alguns
infratores o conduziu à noção de "determinação genética"
denominada por ele como tirania de organização. (tyranny of
organisation) (Wikipédia).
Gravuras:
Extraídas
da 22ª edição de "Os Sertões" (1953) - Livraria
Francisco Alves. Autor: artista Ib Andersen)