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segunda-feira, 3 de julho de 2017

GRANDE SERTÃO: VEREDAS de Guimarães Rosa

LIVRO 9

A 1ª edição da obra de Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas" é de 1956. É das maiores da literatura brasileira pela sua linguagem (sertaneja) e originalidade absoluta.

Havia na TV Gazeta, há anos e anos, um programa dominical apresentado pelo professor Ignácio da Silva Telles no qual explanava temas filosóficos, de reflexão e atualidades.

Ouvi falar da obra, há algumas décadas, talvez umas três. Ou mais. Chega uma idade que não se sabe por onde anda o tempo vivido ou perdido. O passado fica meio sem referências no tempo.

Certa feita fez o professor referência ao “Grande Sertão: Veredas”, então não tão conhecido, não tão lido e não tão reverenciado como agora e há bom tempo se dá.

Já pelo título, se bem me lembro, o citado professor interpretava um significado a mais nele, algo transcendente. Assim: “Grande SER-TÃO: Veredas”.

Teria o professor destacado que o Ser, tão indecifrável como é o ser humano está sempre diante de suas veredas – sua senda, seus estreitos caminhos.

Houve momentos em que a linguagem sertaneja, rebuscada me levava à sonolência.

Era o ex-jagunço Riobaldo narrando sua historia. Mas, fui reagindo parando numa frase que me marcaria sempre:
“Viver é muito perigoso...Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar”.

Ademais, ao viver “a cada dia a gente aprende uma qualidade nova de medo”.

Numa dada página, a leitura deslancha e se torna empolgante.

Logo, surge a figura de Diadorim. Ora, o jagunço Riobaldo pelo que relata, vai tendo sentimentos amorosos por outro jagunço, o Diadorim?

Uma tendência assim estranha, comprometedora, em pleno sertão?

“Bem-querer de minha mulher foi o que me auxiliou, reza dela, graças. Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também – mas Diadorim é minha neblina...”

Aquele rosto delicado, jeitos delicados...

Enquanto a trama segue num crescendo desse amor, uma reflexão mística sobre Deus, segundo Riobaldo:

“... um outro doutor (...) discorreu me dizendo que a vida da gente encarna e reencarna, por progresso próprio, mas que Deus não há. Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra.”

E sobre a saudade?

Diz Riobaldo: “Relembro Diadorim. Minha mulher que não me ouça. Moço toda saudade é uma espécie de velhice.”

Não sei qual saudade será essa externada pelo autor, essa palavra tão saudada da língua portuguesa.

Talvez, Guimarães Rosa se refira à saudade nostálgica, saudade triste, aquela que traz um sentimento de distância do seu solo ou de episódios fundamentais da vida que se desvaneceu pelas veredas. Tanto que Riobaldo pergunta no fim da história: “O senhor acha que a vida é tristonha?”

A narração de Riobaldo vai revelando lances de amor entre ele e Diadorim. Num momento da história, ele relata a seguinte declaração a Diadorim:

“Três-tantos impossível, que eu descuidei e falei. - ... Meu bem, estivesse dia claro, e eu pudesse espiar a cor de seus olhos...” Diadorim, então, “se pôs para trás, só assustado – o senhor não fala sério.”

Mas, nas lutas com a jagunçada, Diadorim é morto a facadas mas também mata seu oponente o “judas” Hermógenes.

Então, “Que trouxessem o corpo daquele rapaz moço, vistoso, o dos olhos verdes...”

Seu corpo ia ser lavado já que embebido de sangue, mas quando despido, Diadorim “era o corpo de uma mulher, moça perfeita...”Estarreci”, lembra Riobaldo. “A dor não pode mais do que a surpresa. A coice d´arma, da coronha (...) Diadorim era a mulher como o sol não acende a água do rio Urucuia, como eu solucei meu desespero.”

O amor impossível enquanto se dera a relação entre cabras-machos.

Mas, não quanto a Diadorim, a mulher como o sol não acende a água do rio...

A obra não permitiu que Riobaldo descobrisse Diadorim em vida, seu corpo de mulher. Se sim, qual seria a surpresa? Qual a explosão do amor?

Mas, assim não se deu, nada de final feliz, sabem por quê?
Porque Diadorim, Maria Deodorina, “que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor."


E porque “o sertão é do tamanho do mundo”. O ser-tão na sua essência em que difere do mundo? Daí as veredas.

Gravura:

Extraída da edição de "Os Sertões" de 1953 - Livraria Francisco Alves. Autor: artista Ib Andersen


sábado, 1 de julho de 2017

O VELHO E O MAR de Ernest Hemingway

Livro 8















Ernest Hemingway, escritor americano é prêmio Nobel de literatura de 1954, autor além de “O velho e o mar”, de obras referenciais como “Por quem os sinos dobram” e “Adeus às armas”.

Vivia em Cuba nos seus últimos anos de vida.

No caso do livro “O velho e o mar”, ele começa assim o livro:

“Ele era um velho que pescava sozinho em seu barco, na Gulf Stream. [“Corrente do Golfo” que tem origem no Golfo do México]. Havia oitenta e quatro dias que ele não apanhava nenhum peixe.”

Mas, certo dia, sempre sozinho, o velho Santiago saiu para o mar e, com imenso esforço e sacrifício, conseguiu pescar um peixe de raro tamanho, pesando, talvez, uns 500 quilos ou mais.  Quanto ganharia se vendesse 2/3 dele? Sua luta fora extenuante para dominá-lo, trazer junto ao barco e o levar à terra em condições aproveitáveis.

Ao conseguir alojar o peixe junto ao barco num esforço redobrado, cansado, mãos feridas iniciou, então, a volta ao porto.

[Esses episódios consomem a maior parte do pequeno livro]

Mas, ele não contava com tubarões famintos e estes começaram a atacar o peixe tirando sem parar pedaços de sua carne reduzindo cada vez mais seu peso. Não adiantavam os arpões improvisados e remos para espantá-los. E o peixe foi sendo devorado pelos tubarões. Ao chegar ao porto, restava apenas a espinha.

No seu cansaço contou com o menino Manolin, seu amigo, que o consola e o convida a voltarem à pescaria, juntos.

Resumo de animação dublada em português (de Portugal), muito bom, acessar: https://www.youtube.com/watch?v=34x6URjrrfM

Imagem

Cartaz do filme "O velho e o mar", estrelado por Spencer Tracy lançado em 1958

JOANA D'ARC na "Encyclopedia pela imagem"

Livro 7

Tenho aqui comigo e vez por outra a consulto mais como curiosidade, quatro volumes da hoje rara “Encyclopedia pela Imagem”, herança do meu pai. (*)

Por não constar uma data sequer nas suas tantas páginas, creio que sua publicação, em fascículos, tenha se dado no final da década de 30 e início da década de 40 do século passado, até pela ortografia adotada que somente seria alterada em 1945.

É nessa linguagem rebuscada que entre muitos capítulos da Enciclopédia, se encontra o de Joana D’Arc, história relativamente conhecida até pelos filmes sobre suas façanhas e seu final trágico.

Sempre que me deparo com fenômenos incomuns, digamos, paranormais (milagres?) sou, de regra, remetido àqueles séculos de alto (e auto) fervor religioso, até por conta da perigosa inquisição patrocinada pela Igreja Católica.

Nos dias de hoje há tanto tumulto que esse fervor se perde ou se perdeu.

 

TRECHOS EM ITÁLICO NO TEXTO A SEGUIR FORAM EXTRAÍDOS DO LIVRO "JOANA D'ARC: MÉDIUM" DE LEON DENIS.

Leon Denis (1846-1927), em páginas e páginas  de sua obra sustenta que o Joana d'Arc fora médium. Era guiada por espíritos. Esses espíritos a conduziram na árdua tarefa de libertar a França. 






Nascida em Domremy, na França, em 6 de fevereiro de 1412, na guerra entre França e Inglaterra, há o seguinte trecho que dá conta de sua primeira visão:

Na Bassigny, os aldeões são proibidos de acender o lume, para não fornecerem ao inimigo o fogo com que eles queimem as choupanas. O que não impede os ingleses de invadirem o Barrois (junho de 1425) e incendiarem Revigny. Os bandidos devastam Domrémy e a aldeia de Creux.”

E a visão de Joana:

Nesses dias de verão, um domingo, à hora em que os sinos tocam a completa, Joana vê o arcanjo S. Miguel aparecer “junto com o coro de anjos do céu”. Ele diz-lhe a grande lástima em que o reino se encontra, fala-lhe do socorro que é necessário levar ao rei legítimo. Joana conta dezenove anos; fica perturbada. Sua mãe não a mandou aprender a ler e somente lhe ensinou as suas orações...”

Ela se referia, também, à "presença" de Santa Catarina e Santa Margarida.

Sobre São Miguel e a presença das santas, a dúvida explanada no livro de Leon Denis:

"As duas outras Entidades teriam sido designadas pelo próprio S. Miguel, sob os nomes de Santa Catarina e de Santa Margarida. Lembremos que as estátuas destas santas ornavam a igreja de Domremy onde Joana ia orar diariamente. 

Nas suas longas meditações e nos seus êxtases, tinha quase sempre diante de si as imagens de pedra daquelas duas virgens mártires. Ora, a existência destas duas personagens é mais do que duvidosa. O que sabemos de ambas consiste em lendas muito contestadas. 

Cerca do ano 1600, um censor da Universidade, Edmond Richer, que acreditava nos anjos, mas não em Santa Catarina, nem em Santa Margarida, aventa a ideia de que as aparições percebidas pela donzela se fizeram passar, a seus olhos, como sendo as santas que ela venerava desde a infância." 

Nessas mensagens e visões fora-lhe passada a missão: libertar a França do jugo inglês, que dominava quase todo o país e proclamando rei, Carlos VII, o verdadeiro monarca francês. 

Resistindo inicialmente à ideia porque uma menina ainda e ainda mais naqueles tempos, não sabendo como cumprir a missão, mas demonstrando muita força interior, acabou convencendo líderes militares franceses, a ponto de comandar exércitos e vencer batalhas impressionantes algumas consideradas milagrosas, como a que resultou na libertação de Orleans com a retirada dos ingleses, em 1429. 

"Nunca mais as forças britânicas tornariam a aparecer no Loire (Orleans). Um historiador inglês, quando escreveu que, ame algumas horas de luta, em Tourelles (fortaleza inglesa), Joana ganhou "uma das batalhas decisivas do mundo", quase que não exagerou."

Então, com essas vitórias que a consagraram como enviada de Deus e do Espirito Santo, diz a Enciclopédia:

"Reims (17 de julho de 1429). Na catedral do século XIII, de altas vidrarias começou às 9 horas da manhã a sagração de Carlos VII. (...) Quando Carlos prestou juramento, Reinaldi ungiu-o e coroou-o, sob as aclamações da multidão e ao toque das caramelas (instrumento musical feito de chifre). Em seguida, Alençon conferiu ao rei o sacramento da cavalaria."

E então, 

"O "mistério" estava terminado. Os que o presenciaram mostram a Pucella, chorando de alegria, de joelhos diante do soberano, dizendo: "Gentil rei, agora está satisfeita a  vontade de Deus que queria que eu fizesse levantar o cerco de Orleans e que vos trouxe à cidade  de Reims para receber a vossa digna sagração, mostrando que sois o verdadeiro rei e aquele a quem o reino de França deve pertencer."

Outras vitórias vieram, até ser capturada por aliados ingleses da região da Borgonha próxima de Paris. 

Preocupada com seus aliados com  o cerco à cidade de Compiègne porque o perigo dessa invasão seria quase idêntico ao de Orleans partem para sua defesa.

Mas, ela sucumbe numa "escaramuça obscura, a heroica rapariga que tinha treze meses de vitórias contínuas sucedendo a sete anos de constantes derrotas, restaurado a honra do rei da França."

Então, rodeada por ingleses e borgonheses seus aliados, um arqueiro a puxou fazendo-a cair do cavalo. Ela se rendeu e, "segundo o uso da guerra, a Pucela pertencia a Wandonne que a cedeu mediante uma "razoável" recompensa, a João de Luxemburgo, capitão a soldo da Inglaterra."  

Presa por "crime de guerra" começa, então, o processo conduzido por um letrado da Universidade de Paris, Pedro Cauchon e com ele, os grande sacrifícios, punições e privações numa prisão minúscula, posta a ferros e vigiada, sempre, por soldados.

Dá para imaginar seu sofrimento como mulher, sua privacidade e suas necessidades. Mas, ela continuava com sua fé inabalável e preservando sua virgindade - a pucela.

Durante o julgamento e a prisão perversa, o rei Carlos VII nada fez para libertá-la. Ele se dedicava às festas e à subserviência dos que o rodeavam.

O seu "calvário" explanado no livro de Leon Denis:

"Joana está nas mãos dos ingleses. Amordaçada, para que não possa falar às populações, conduzem-na bem escoltadas ao castelo do Ruão. Aí, lançaram-na num calabouço, encerrada numa gaiola de ferro: 

«Mandaram forjar para mim, diz-nos ela, uma espécie de gaiola em que me meteram e na qual fiquei extremamente comprimida; puseram-me ao pescoço umas grossas correntes, uma na cintura e outras nos pés e nas mãos. Teria sucumbido a tão horrível aflição, se Deus e meus Espíritos não me houvessem prodigalizado consolações."

Sobre a Igreja Católica e sua submissão a ela: Joana d'Arc responde invocando o comando de Deus nas vozes que ouvia:

O  bispo de Beauvais entra no cárcere, revestido dos paramentos sacerdotais e acompanhado de sete padres. Joana é prevenida de que será decisivo o interrogatório por que vai passar. Suas vozes, depois de lhe darem esse aviso, aconselham-lhe que resista com denodo, que defenda a verdade, que desafie a morte. 

Tanto basta. para que, ao defrontar os ministros da Igreja, o corpo extenuado se lhe enrije, o semblante se lhe ilumine e seu olhar brilhe com vivo e inigualável fulgor. 

Joana, diz o bispo, queres submeter-te à Igreja?

Terrível pergunta esta, na Idade Média, e da qual depende a sorte da heroína. 

Reporto-me a Deus em todas as coisas, responde ela, a Deus, que sempre me inspirou. Vim ao encontro do rei para salvação da França, guiada por Deus e por seus santos Espíritos. A essa Igreja, à de lá do Alto, me submeto, com relação a tudo o que tenho feito e dito! Reporto-me a Deus somente. Pelo que respeita às minhas visões, não aceito o julgamento de homem algum! 

Eis aqui o ponto capital do processo. Tratava-se de saber, acima de tudo, se Joana subordinaria a autoridade de suas revelações às vontades da Igreja. 

Por ocasião do processo de reabilitação, os juízes e as testemunhas tiveram como preocupação única demonstrar que a virgem hesitara e, por fim, aceitara a supremacia do papa e da Igreja. 

Ainda hoje, é o argumento dos que colocam a heroína no paraíso católico."

A vestimenta masculina que adotou, de soldado e na prisão, fez parte das acusações mas fora uma forma de inibir eventuais ataques de natureza sexual por soldados em sua volta e seus algozes nos tempos da prisão. 

Em 30 de maio de 1430 foi efetivada a punição: morreria na fogueira acusada de heresia, bruxaria, blasfema, falsa profetiza...

Ai de mim! gemeu ela. Tratar-me-ão assim horrível e cruelmente, sendo preciso que todo o meu corpo, que jamais foi corrompido seja hoje consumido e reduzido a cinzas! Protesto diante de Deus, o grande juiz, contra as injustiças e agravos que me fazem...”

E, então, 

"As chamas subindo, envolviam-na. Em frente da morte, afirmou ainda que as vozes a não tinham enganado e que essas vozes eram de Deus, por ordem de quem agira. Invocou São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida. A sua derradeira  palavra foi esta: "Jesus".

 ● ● ●


Depois de um processo de reabilitação que teve início em 1456, a Igreja Católica que a havia condenado a beatificaria séculos depois, em 1909. Em 1920 é declarada santa pelo Papa Bento XV.

É a santa Joana. É a heroína da França.


Referências:

Imagem / Foto: abertura do verbete de Joana D’Ar na Encyclopedia. 

(*) Livraria Chardron – Lello e Irmãos, Ltda – Editores – Porto - Portugal. Essa enciclopédia é muito rara e difícil de ser encontrada.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

OS SERTÕES de Euclides da Cunha

LIVRO 6

Depois de décadas ensaiando, consegui ler o grande livro de Euclides da Cunha. 

Gostei muito, mas tenho que reconhecer que certos momentos perdi um pouco o prazer da leitura ao me defrontar com aquele vocabulário rebuscadíssimo adotado pelo autor que, em momentos diversos, parece ao leitor comum, certas frases parecem ter um sentido indefinido.












Mas, a leitura do livro é persistência e entender que ele foi escrito nos últimos anos do século XIX. Ademais, não há que se desanimar com as longas descrições de acidentes geográficos que perdem o sentido até porque tudo pode ter se alterado depois de todos esses anos.

Para compreender essas descrições será necessário visitar as regiões, os locais e confrontá-los com os dias de hoje.


















Os Sertões" com 545 páginas é compostos dos títulos seguintes:

A Terra
O Homem
A Luta [A partir desse item tem início o relato da campanha de Canudos com outros títulos à medida que se agravam os combates e os conflitos graves].

A Terra

O livro foi escrito no final do século XIX. 

Então muitos acidentes geográficos contidos nesse capítulo e as pequenas vilas podem ter desaparecido ou se modificado.

A própria Canudos não está mais no local original. O que restara da cidade, foi inundado pelo Açude de Cocorobó constituído pelo Rio Vaza-Barris. A Canudos atual se refere à pequena cidade de Cocorobó que foi rebatizada para manter a tradição daquela Canudos histórica.  

Relata Euclides que caminhando nas proximidades de Canudos, se deparara com um cadáver de combatente mumificado resultado da "secura extrema da área".

As secas, às quais Euclides coloca prognósticos de suas causas, segundo levantamento que apresenta, as piores, de regra, variaram no séculos XVIII e XIX entre 9 a 12 anos entre uma e outra. 

As caatingas de solo seco, de "folhas urticantes", com espinhos, gravetos feito lanças agridem nesse ambiente de léguas e léguas.

Apesar desse aspecto desolador, destaca o Autor algumas plantas sobreviventes que podem ajudar o sertanejo sedento ou faminto.

A planta mais destacada é o umbuzeiro, "a árvore sagrada do sertão" que resiste àquele clima inóspito, produzindo um fruto de "sabor esquisito", comestível e que se presta a produzir doces em conserva.

O umbuzeiro é sadio naqueles campos secos, porque sua raiz é composta de batatas que armazenam água, suas reservas de sobrevivência mas que possibilita saciar a sede do sertanejo.

Nas chuvas, o sertão é um paraíso porque não só a flora como a fauna ressurgem.

Página preciosa, atual, se refere aos "fazedores de desertos", as queimadas irresponsáveis e criminosas, conforme trechos da obra:

"Esquecemo-nos, todavia, de um agente geológico notável – o homem. Este, de fato, não raro reage brutalmente sobre a terra e entre nós, nomeadamente assumiu, em todo o decorrer da história, o papel de um terrível fazedor de desertos. Começou isto por um desastroso legado indígena. Na agricultura primitiva dos silvícolas era instrumento fundamental – o fogo."

"Renovavam o mesmo processo na estação seguinte, até que, de todo exaurida, aquela mancha da terra fosse, imprestável, abandonada em caapuera — mato extinto — como o denuncia a etimologia tupi, jazendo dali por diante irremediavelmente estéril porque, por uma circunstância digna de nota, as famílias vegetais que surgiam subsecutivamente no terreno calcinado eram sempre de tipos arbustivos enfezados, de todo distintos dos da selva primitiva."

Depois, o aborígene "prosseguiu abrindo novas roças, novas derrubadas, novas queimadas, alargando o círculo de estragos em novas caapueras..."

"Veio depois o colonizador e copiou o mesmo procedimento...”

"Abriram-se desde o alvorecer do século XVII, nos sertões abusivamente sesmados (terras divididas), enormíssimos campos compáscuo (pastagem comum) sem divisas, estendendo-se pelas chapadas em fora."

"Abria-os, de idêntico modo, o fogo livremente aceso, sem aceiros, avassalando largos espaços, solto nas lufadas violentas do nordeste. Aliou-se-lhe ao mesmo tempo o sertanista ganancioso e bravo, em busca do silvícola e do ouro."

Euclides se refere à extinção dos desertos propondo a irrigação de imensas áreas. Porém, nos dias atuais há experiências importantes de recuperação de áreas desérticas que não se ampliam porque no grosso dos que exploram as florestas e a derrubam para ampliação de pastos há absoluta indiferença, trágica indiferença em relação às graves consequências dessa degradação que afeta o clima de modo amplo, incluindo a reserva de água potável.

O Homem

Ao tratar do tema "homem" Euclides envereda pelas origens, principalmente, do nordestino.

Dá destaque à mestiçagem, acentuando que a origem do mulato não se deu nos primeiros anos após a descoberta do Brasil,  mas em Portugal, no cruzamento de portugueses e negros.

Assim, diz Euclides, a gênesis do mulato teve uma sede fora do nosso país. A primeira mestiçagem com o africano operou-se na metrópole. Entre nós, naturalmente, cresceu. 

Mas, os índios aqui estavam e da mistura que passou a ocorrer entre brancos e índios (filhos mamelucos) e negros apreendidos na África e índios (os cafuzos).

Por isso que, linhas antes, afirma o Autor que

"Não temos unidade de raça,
Não a teremos, talvez, nunca."

Assim, reconhece que num futuro ainda que remoto estamos predestinados à formação de uma raça histórica:

"A nossa evolução biológica reclama a garantia da evolução social.
Estamos condenados à civilização.
Ou progredimos, ou desapareceremos.
A afirmação é segura."

Euclides dá destaque à influência do meio e ao analisar as condições do homem nos sertões nordestinos reconhece ali as dificuldades imensas de viver, pelo calor, pelo secas, pela caatinga agressiva, realidades que no sul não são encontradas.

Revela mais Euclides a influência paulista nos desbravamentos e conquistas naquelas terras no vale do (rio) São Francisco "que em contínuas migrações, procuraram aqueles rincões longínquos" povoando aquela região e também seus descendentes desde o século XVIII. Os jagunços seriam "os colaterais prováveis dos paulistas".

A frase célebre, sempre repetida: "
O sertanejo é antes de tudo um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênico  do litoral".

Mas, os qualificativos de Euclides ao sertanejo são "implacáveis". Diz ele:

"A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas".

Essa a linguagem do Autor. Mas, prosseguindo na descrição do sertanejo "forte":

"É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules - Quasímodo (*) reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. (...) E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo - cai é o termo - de cócoras, atravessando longo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes do pé, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridículo e adorável."

Mas, essa "preguiça invencível" dá lugar a transformações  completas, bastando "o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas". Transmutações completas...

[Página  muito estudada nos livros de literatura é a que descreve o "estouro da boiada" nas suas expressões fortes seguindo esse episódio que pode se originar de "incidente mais trivial - o súbito voo rasteiro uma araquã ou a corrida de um mocó esquivo" - mocó: roedor das caatingas de pequeno porte.]

Nessa mesma parte da descrição do "homem", insere Euclides uma visão biográfica de Antônio Conselheiro.

Descendente de família que no passado teve desavenças homicidas entre seus ascendente, os Macieis, homens bravos vivendo de vaqueirice e pequenas criações contra família rica, os Araújos:

"Foi um das lutas mais sangrentas dos sertões do Ceará..."

Todavia, revela o Autor que pouco se sabe do pai de Antônio Vicente Mendes Maciel (Conselheiro), salvo que era um homem irascível, mas de bom caráter, analfabeto, mas bom negociante e negociador.

O filho Antônio, até se casar vivera de modo muito correto. 

Com o casamento, levando vida modesta, fazendo serviços incertos, os atritos conjugais e um golpe terrível: sua mulher fora raptada por um policial.

Envergonhado, envereda para os sertões até chegar à Bahia, já com longas barbas, cabelos longos até os ombros, sem trato, olhos fundos, vestindo espécie de túnica azul longa "de brim americano".

E a partir daí foi arrumando seguidores ouvintes de seus sermões confusos até se aproximar da região de Canudos e ali iniciando com seus adeptos a construção precária de casebres umas ao lados das outras e, na área central um templo.

E lá, os jagunços armados.

Ao saber da proclamação da República em 1889 passou a criticá-la, num discurso que carecia de nexo. O triunfo do Anti-Cristo que oficializava o casamento civil.

Trecho de um verso "disparatado":

"Casamento vão fazendo
Só para o povo iludir
Vão casar o povo todo
No casamento civil."

Uma missão católica foi ter com Antônio Conselheiro ouvindo a animadora saudação da paz: "Louvado seja Nosso Senhor Jesus-Cristo!"

E a resposta:

"Para sempre seja louvado tão bom Senhor!"

Mas, essa missão não deu certo. Divergências quanto ao reconhecimento do governo republicano que a Antônio Conselheiro fora dito que ele defendia uma "doutrina errada". A resposta fora de que a falsa doutrina não era de Antônio Conselheiro. 

Um evento curioso, ao se referir o Conselheiro ao jejum "como meio de mortificar a matéria e refrear as paixões".  Para não exigir "demoradas angústias, porque "podia-se jejuar muitas vezes comendo carne no jantar e tomando pela manhã uma chávena de café", recebeu do religioso católico o seguinte admirado questionamento:

"- Ora! isto não é jejum, é comer a fartar!"

Insistindo o capuchinho no tema político, a sua missão fracassou. Antônio Conselheiro manteve-se firme em suas crenças confusas, afirmou que não desarmaria "sua gente" mas que não estorvaria a santa missão.

Os visitantes religiosos foram postos fora de Canudos, "fazendo-lhe sentir que deles não careciam para a salvação eterna."

(*) Quasímodo, personagem do livro  "O Corcunda de Notre-Dame" de Victor Hugo.

A Luta

 Esse capítulo explana sobre o primeiro conflito bélico, digamos, entre os adeptos de Antônio Conselheiro e as autoridades constituídas da Bahia e da... República. 

Conta Euclides, que o "santo" se tornara figura lendária, mas que "vinha de uma peregrinação incomparável, de um quarto de século, por todos os recantos do sertão, onde deixara como enormes marcos, demarcando-lhe a passagem, as torres de dezenas de igrejas que construíra..."

Canudos incomodava as autoridades, porque Antônio Conselheiro ali se  instalara, fechando-se garantido por cerca de mil homens robustos e destemerosos "armados até os dentes", pelo que lhe permitia imperar sobre extensa zona de difícil acesso...

Surgira, porém, uma questão "comercial". Para construir a nova igreja de Canudos, Antônio Conselheiro adquirira em 1896 uma partida de madeiras em Juazeiro que não fora entregue no vencimento avençado.

Então, com base em boatos "mais ou menos fundados", de que Antônio Conselheiro invadiria a cidade para obter à força a madeira não entregue. P
or ordem do Governador do Estado, em 4.11.1896 foi constituída força de "cem praças da guarnição para ir bater os fanáticos".

Muitas as dificuldades de vencer num território inóspito.

No dia 19, cansadíssimos chegaram à localidade Uauá em condições precárias de víveres.

A população à noite fugira em massa do lugar, prenunciado que Canudos estava já informada dos soldados.

O ataque dos sertanejos de Canudos  foi precedido de vivas ao Bom Jesus e ao Conselheiro. Os soldados pegos de surpresas se abrigaram nas casas e começou aí o tiroteio alimentando-se o conflito.

Por fim, os jagunços foram se afastando, carregando de volta a bandeira do Divino, descrevendo Euclides, que sob sol inclemente contorciam-se os feridos e estendendo-se os mortos e, "entre esses, dezenas de sertanejos - cento e cinquenta - diz a parte oficial do combate, número desconforme ante os dez mortos" e dezesseis feridos entre os soldados.

Mas, confirma Euclides que o comandante desistiu da luta mesmo com setenta "homens válidos".

Com derrota ou não das forças oficiais, o caso é que o fim de Canudos começara mas isso depois de centenas de mortos.

A reação não demoraria.

Sob o comando de Febrônio de Brito, major do 9º batalhão de Infantaria, fora organizada força militar em princípio por 200 praças e 11 oficiais compreendendo soldados das forças do exército e da força estadual. Depois, com o apoio do governo federal, essas forças chegaram a 543 praças e 14 oficiais.

Seguiam nos rumos de Canudos aparelhados por 4 metralhadoras, 2 canhões Krupp.

Euclides descreve a imensa dificuldades desse "comboio", a travessia de Cambaio - "a serra de Cambaio é um desses monumentos rudes" -,  em vencer os obstáculos no caminho, chegando em 29 de dezembro em Monte-Santo.

Mas, já em Monte-Santo havia os aliados de Antônio Conselheiro avaliando as forças que avançariam sobre Canudos

Dali os soldados seguiram para Canudos levando munições limitadas. Parte ficou em Monte-Santo. Mas, arrastados seguiam os canhões e as metralhadoras.

No dia 14.01.1897 a marcha foi "terrivelmente torturada" pela fome nos dias seguintes porque os dois últimos bois foram abatidos.

Os combates se iniciam. Com as armas dos soldados, os canhões e as metralhadoras, os jagunços chegaram a recuar, mas não abandonaram a luta.

Mas, em Canudos, houve pânico entre os fieis do Conselheiro, temendo que a força oficial chegasse até ali, mas tal não se deu. A tropa recuou, exausta, em farrapos, esfomeada até que salvos por um rebanho de cabras que invadiu o acampamento, algumas capturadas, que se tornaram um banquete para os soldados.

Euclides não é muito claro no número de vítimas. Eis o que disse na obra:

"Como na véspera, as perdas sofridas de um e outro lado estavam fora de qualquer paralelo. A tropa perdera apenas quatro homens, excluídos trinta e tantos feridos, ao passo que os contrários, desconhecido o número, foram dizimados.

Um dos médicos contou rapidamente mais de trezentos cadáveres. Tingira-se a água impura da Lagoa do Cipó (...) uma nódoa amplíssima, de sangue..." 

Expedição Moreira César

Diante desse novo insucesso, outra expedição (1897) fora organizada para exterminar de vez a resistência de Canudos. 

Moreira César, coronel do Exército fora designado para a missão.

De baixa estatura, famoso pelas suas vitórias, temido, implacável com os adversários ao ponte de ordenar fuzilamentos e, também,  segundo Euclides:

"Tinha o temperamento desigual e bizarro de um epiléptico provado, encobrindo a instabilidade nervosa de doente grave em placidez enganadora."

Essa doença influíra decisivamente no andamento das operações de ataque a Canudos as atrasando até que passasse a crise epiléptica. 

Moreira César subestimaria a determinação dos defensores de Canudos e do próprio Antônio Conselheiro que diariamente incentivava a fé e a crença no Bom Jesus contra os demônios a mando da República, o Anti-Cristo.

Sabedores da nova investida contra sua comunidade, os sertanejos se armavam. Euclides, relata esta particularidade:

"Não era suficiente a pólvora adquirida nas vilas próximas, fariam-na: tinham o carvão, tinham o salitre, apanhado à flor da terra mais para o norte, junto ao S. Francisco, e tinham desde muito, o enxofre. O explosivo surgia perfeito, de uma dosagem segura, rivalizando bem com os que adotavam nas caçadas."

As forças de Moreira César tinham no total 1.281 soldados cujas reservas chegavam a 60 mil tiros. Seguiam quatro canhões Krupp

Aquela dificuldade já mencionada do trajeto. Por força de invasão mudara-se o trajeto, mas nem por isso diminuiu a dificuldade em chegar até Canudos que crescia a cada dia em termos de sertanejos que iam chegando, mais famílias, mais homens, incluindo velhos e inválidos.

Imaginando que Canudos estivesse mal-armada, disse o comandante que a vitória se daria sem que qualquer tiro fosse disparado, apenas com o uso de baionetas:

Disse ele:

"- Vamos tomar o arraial sem disparar mais um tiro!... à baioneta!"

Confusos os soldados com os labirintos  e vielas daqueles casebres, invadiam as moradias avançando sobre os alimentos, sobre a água e nessa dispersão eram massacrados em ciladas.

Moreira César decide descer ao arraial para "dar brio àquela gente".

É alvejado na barriga gravemente.

Passou o comando ao coronel Tamarindo, um "homem simples, bom e jovial".

Mas seu comando já  não era o mesmo. Os combates se tornaram desordenados, uma "balburdia".

E depois, com a morte de Moreira César, considerado comandante invencível, os soldados que tinha as mesmas raízes dos jagunços e sertanejos de Canudos, foram assombrados por algo estranho, o terror sobrenatural.

Os mais crédulos falavam em lutadores-fantasmas quase invisíveis do lado de Canudos.

Pareciam alvejados mas se levantavam. 

Teve início a retirada humilhante. Armas foram deixadas pelos caminhos.

O coronel Tamarindo foi morto em combate.

"Um pormenor doloroso completou esta encenação cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco de angico, o corpo do coronel Tamarindo". 

Desertores?

A expedição fora composta por 1281 soldados. Muitas vítimas?

Euclides faz uma revelação surpreendente, de modo irônico:

Revela que os "trezentos e tantos mortos" ressurgiram. Logo depois, já se achava em Queimadas, a 240 quilômetros de Canudos grande parte da expedição. Uma semana depois, verificou-se a existência de 74 oficiais. E, "duas semanas mais tarde, no dia 19 de março, lá estavam - salvos - 1081 combatentes"

Então diz o Autor: "Vimos quantos entraram em ação. Não subtraiamos".

As perdas teriam sido de apenas 80 soldados (?!).


Esse revés e a crença de que a República estava em risco, "a multidão interveio".

No Rio de Janeiro houve a invasão nas redações e tipografias de três jornais monarquistas, que foram destruídos.

Quarta expedição

O capítulo da "Quarta expedição" e as expedições seguintes tomam 1/3 de "Os Sertões".

Surpreendente fora a resistência e a organização dos jagunços na defesa do arraial enfrentando todas as expedições. 

Esses jagunços e sertanejos convertidos pelo "santo" conheciam toda a região, para eles a vantagem de se esconderem na caatinga, a ponto de um só homem escondido em local estratégico, "invisível" fuzilar dezenas de soldados praticamente indefesos por não poderem reagir ou não saberem como reagir

A baixas foram enormes.

Além das dificuldades em vencer o terreno acidentado, encaminhar as rezes, puxar armamento pesado, a fome e a sede debilitavam os soldados.

Os feridos tinham a assistência precária gerando muito sofrimento caminhando com dificuldades por aqueles caminhos mal formados, sem proteção, enfrentando em condições piores, a sede e a fome.

Euclides dá destaque à "Coluna Salvaget" que no decorrer das descrições da campanha e dos múltiplos enfrentamentos essas tropas foram duramente derrotadas.

O próprio general Salvaget fora alvejado e permanecera fora de combate.

E nas escaramuças, o Autor vai relatando as baixas havidas nas tropas numa sucessão de relatórios "estupendos" (um adjetivo muito usado por Euclides) em que os números vão crescendo de modo impressionante:

"No entanto, a expedição atravessara violentíssima crise. Tivera cerca de mil homens, 947, entre mortos e feridos, e estes, com os caídos nos recontros anteriores, reduziam-na consideravelmente". 

Ao retornaram esses feridos esfarrapados e soldados sobreviventes que a tudo suportaram, foram recebidos comovidamente em Salvador.

E, então, romarias se faziam "ao quartel de Palmas, onde estava ferido o comandante Carlos Teles; à Jequitaia, onde convalescia o general Salvaget, e quando este último pôde arriscar alguns passos nas ruas, paralisou-se a atividade comercial e fora ele ovacionado.

Com tantas derrotas, tanta resistência de Canudos, aumentava o ódio da população nacional a Antônio Conselheiro e aos seus seguidores.

Nas campanhas seguintes, com novos reforços, as ações não mudaram muito do ponto de vista das dificuldades até Canudos.

Mas, a presença do ministro da Guerra, Carlos Machado de Bittencourt na área do conflito fez a diferença, ao constatar que os soldados necessitavam de apoio e de organização da campanha e, principalmente, não passarem fome, como se dera nas outras investidas.

Os resultados começaram a aparecer. 

Os ataques às igrejas principalmente a nova e suas torres foram derribadas por peças de artilharia de canhões.

Aos jagunços não havia compaixão. Eram degolados sumariamente num ritual rotineiro. E a resistência deles se reduzia pela diferença de forças, porque nessa última expedição foram reunidos cerca de 5 mil soldados bem nutridos.

Quanto aos prisioneiros Euclides
 relata que após tantos meses de guerra eles apareciam. Mulheres e crianças "em andrajos, camisas entre cujas tiras esfiapadas se repastavam olhares insaciáveis, entraram pelo largo, mal conduzindo pelos braço os filhos pequeninos, arrastados".

"Eram como animais raros num divertimento de feira".

"As mulheres era, na maioria, repugnantes. Fisionomias ríspidas. de viragos (
jeito masculino), de olhos zanagas (vesgos) e maus".

Aumentaria esse contingentes de prisioneiras à medida que Canudos ia sendo destruída revelando  a miséria, o abatimento e a magreza das prisioneiras, desta vez cerca de 600.

Em 22 de setembro falecera Antônio Conselheiro de disenteria e agravamento de ferimento antigo provocado por estilhaço de granada.

Ele, então, não veria o fim do arraial.

Antônio Beato, o Beatinho, fiel servidor do "santo", entregou-se e em negociação com o comandante retornou aos rebeldes para comunicar que se todos se entregassem teriam a vida poupada. 

Mas, Beatinho retornou conduzindo, o que não se esperava, um grupo de cerca de 300 mulheres, crianças e velhos nas mesmas condições das prisioneiras de antes.

Até que, 

"Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5200, cuidadosamente contadas".

Outubro de 1897. Último ato de um teatro de horrores.



Mas, "Canudos não se rendeu”.

Antônio Conselheiro

No dia 6 de outubro o corpo de Antônio Conselheiro foi exumado após indicação de um prisioneiro onde sepultado no chão de um casebre.

"Estava hediondo".

Pensou-se em sepultá-lo de novo, mas por fim sua cabeça foi decepada. Cena de horror.

Delírio da multidão. O crânio foi, então, encaminhado a exame científico. Nada de diferente. (*)


FINAIS
Na nota preliminar da 22ª edição diz Euclides que,

"Aquela campanha lembra um refluxo para o passado.
E, foi, na significação integral da palavra um crime.
Denunciemo-lo."

Quanto aos mortos, as informações revelam até 20 mil, sendo 5 mil soldados.

Os prisioneiros sertanejos eram degolados, mas houve aqueles preservados pelo que se constata na obra.

Um prognóstico: o que teria ocorrido com Canudos não fosse o ataque insistente das forças oficiais? 
O arraial não se esvaziaria após a morte de Antônio Conselheiro, tal a precariedade da vida naqueles 5 mil casebres?

A República corria algum risco naquela comunidade bruta?

Nas duas linhas finais da obra dizia Euclides:

"É que ainda não existe um Mausdsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades..." (**)

Referências:


(*) Eis que, depois de 120 anos passados, o presidente Jair Bolsonaro, promulgou a Lei n° 13829 de 15.05.2019 que “inscreve o nome de Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel) no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.
Mais que uma curiosidade, uma surpresa. Coisas do tempo, das redenções e até da compreensão de incidentes históricos lamentáveis como foi a destruição de Canudos e dos seus moradores miseráveis.

(* *) 
Henry Maudsley (1835–1918) foi um pioneiro da psiquiatria inglesa, com importantes contribuições à noção de responsabilidade penal e conceito de sociopatia (distúrbio mental pelo qual o indivíduo apresenta conduta antissocial), aliás, defendia exatamente a noção de irresponsabilidade, insensibilidade ou imbecilidade moral, sem nenhuma outra alteração das faculdades mentais observadas em alguns infratores o conduziu à noção de "determinação genética" denominada por ele como tirania de organização. (tyranny of organisation) (Wikipédia).

Gravuras:


Extraídas da 22ª edição de "Os Sertões" (1953) - Livraria Francisco Alves. Autor: artista Ib Andersen)