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segunda-feira, 3 de julho de 2017

GRANDE SERTÃO: VEREDAS de Guimarães Rosa

LIVRO 9

A 1ª edição da obra de Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas" é de 1956. É das maiores da literatura brasileira pela sua linguagem (sertaneja) e originalidade absoluta.

Havia na TV Gazeta, há anos e anos, um programa dominical apresentado pelo professor Ignácio da Silva Telles no qual explanava temas filosóficos, de reflexão e atualidades.

Ouvi falar da obra, há algumas décadas, talvez umas três. Ou mais. Chega uma idade que não se sabe por onde anda o tempo vivido ou perdido. O passado fica meio sem referências no tempo.

Certa feita fez o professor referência ao “Grande Sertão: Veredas”, então não tão conhecido, não tão lido e não tão reverenciado como agora e há bom tempo se dá.

Já pelo título, se bem me lembro, o citado professor interpretava um significado a mais nele, algo transcendente. Assim: “Grande SER-TÃO: Veredas”.

Teria o professor destacado que o Ser, tão indecifrável como é o ser humano está sempre diante de suas veredas – sua senda, seus estreitos caminhos.

Houve momentos em que a linguagem sertaneja, rebuscada me levava à sonolência.

Era o ex-jagunço Riobaldo narrando sua historia. Mas, fui reagindo parando numa frase que me marcaria sempre:
“Viver é muito perigoso...Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar”.

Ademais, ao viver “a cada dia a gente aprende uma qualidade nova de medo”.

Numa dada página, a leitura deslancha e se torna empolgante.

Logo, surge a figura de Diadorim. Ora, o jagunço Riobaldo pelo que relata, vai tendo sentimentos amorosos por outro jagunço, o Diadorim?

Uma tendência assim estranha, comprometedora, em pleno sertão?

“Bem-querer de minha mulher foi o que me auxiliou, reza dela, graças. Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também – mas Diadorim é minha neblina...”

Aquele rosto delicado, jeitos delicados...

Enquanto a trama segue num crescendo desse amor, uma reflexão mística sobre Deus, segundo Riobaldo:

“... um outro doutor (...) discorreu me dizendo que a vida da gente encarna e reencarna, por progresso próprio, mas que Deus não há. Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra.”

E sobre a saudade?

Diz Riobaldo: “Relembro Diadorim. Minha mulher que não me ouça. Moço toda saudade é uma espécie de velhice.”

Não sei qual saudade será essa externada pelo autor, essa palavra tão saudada da língua portuguesa.

Talvez, Guimarães Rosa se refira à saudade nostálgica, saudade triste, aquela que traz um sentimento de distância do seu solo ou de episódios fundamentais da vida que se desvaneceu pelas veredas. Tanto que Riobaldo pergunta no fim da história: “O senhor acha que a vida é tristonha?”

A narração de Riobaldo vai revelando lances de amor entre ele e Diadorim. Num momento da história, ele relata a seguinte declaração a Diadorim:

“Três-tantos impossível, que eu descuidei e falei. - ... Meu bem, estivesse dia claro, e eu pudesse espiar a cor de seus olhos...” Diadorim, então, “se pôs para trás, só assustado – o senhor não fala sério.”

Mas, nas lutas com a jagunçada, Diadorim é morto a facadas mas também mata seu oponente o “judas” Hermógenes.

Então, “Que trouxessem o corpo daquele rapaz moço, vistoso, o dos olhos verdes...”

Seu corpo ia ser lavado já que embebido de sangue, mas quando despido, Diadorim “era o corpo de uma mulher, moça perfeita...”Estarreci”, lembra Riobaldo. “A dor não pode mais do que a surpresa. A coice d´arma, da coronha (...) Diadorim era a mulher como o sol não acende a água do rio Urucuia, como eu solucei meu desespero.”

O amor impossível enquanto se dera a relação entre cabras-machos.

Mas, não quanto a Diadorim, a mulher como o sol não acende a água do rio...

A obra não permitiu que Riobaldo descobrisse Diadorim em vida, seu corpo de mulher. Se sim, qual seria a surpresa? Qual a explosão do amor?

Mas, assim não se deu, nada de final feliz, sabem por quê?
Porque Diadorim, Maria Deodorina, “que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor."


E porque “o sertão é do tamanho do mundo”. O ser-tão na sua essência em que difere do mundo? Daí as veredas.

Gravura:

Extraída da edição de "Os Sertões" de 1953 - Livraria Francisco Alves. Autor: artista Ib Andersen


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