Livro 15
"Jânio foi obrigado a renunciar pelos militares por ter agraciado Chê Guevara com a Ordem do Cruzeiro Nacional."
"Agora temos que conviver com Jango e Brizola."
A descrição desse ambiente cotidiano e político em Antares alcança metade do livro com todos os relatos históricos, políticos e suas consequências. E, certamente, em algumas opiniões dos personagens, a opinião do próprio autor.
No caso do incidente em Antares, eclodiu numa sexta-feira, 13, tendo como causa uma greve geral, inclusive dos coveiros, o que impediria o sepultamento dos mortos naqueles dias conflituosos.
Os insepultos, vítimas da greve eram de todas as classes sociais, "morto não tem classe":
"Hoje de manhã, quando voltei à minha casa, tive a maior desilusão da minha vida. Encontrei as minhas quatro filhas e meus quatro genros discutindo a partilha das minhas joias... das joias com as quais eu pedi que me sepultassem. Passaram a noite batendo boca. Não creio que tivessem tido a menor palavra de afeto ou saudade para comigo..."
Após resolvido o impasse e sepultados os corpos começaram as "autoridades" a se movimentar negando que houvera tal incidente sobrenatural, nunca jamais relatado na história.
"Incidente em Antares" é um livros instigante de Veríssimo, uma história tão
original pontos e pontos superiores em todos os sentidos aos “walking dead”, se cabível a comparação, essas séries americanas horrorosas, de
terror, sem qualquer sentido, nem filosófico nem nada.
Todo o enredo do livro
ocorre em Antares cidade imaginária à beira do Rio Uruguai, na divisa com a
Argentina.
A origem do nome da cidade fictícia, Antares, se refere à uma estrela maior que o sol: "Bonito nome para um povoado... melhor que Povinho da Caveira", pensou Francisco Vacariano, seu fundador. Mas, pensou ele, não acreditar "que essa estrela será mesmo maior que o Sol". Fora adotado esse nome anos antes da primeira metade do século XIX.
Pelos idos de 1860 se instalou em Antares um certo Anacleto Campolargo. Pela rejeição ao "intruso" pelos Vacarianos, teve início a rivalidade entre as famílias.
Os dois núcleos de poder, Vacariano e Campolargo passaram a se digladiar de modo violento e perverso dando-se o antagonismo também na política.
Nessa luta ensandecida, certa feita, um Campolargo foi torturado de modo atroz com a introdução em seu ânus, de óleo fervente - a dor e a morte sofrida ao extremo; a vingança dos Campolargo não se fez por menos: um dos Vacariano, amarrado de pernas abertas numa árvore foi violentado por um peão do inimigo.
Ele se atira num rio e desaparece porque "não se fazia aquilo com um macho."
Claro que é ficção, mas as famílias inimigas fora apaziguadas com a intervenção de Getúlio Vargas, já nos seus primeiros passos políticos.
A partir daí, as famílias Vacariano e Campolargo convivem bem.
Então o andar da história se dá entre Tibério Vacariano e Zózimo Campolargo que acompanham toda a história política do Brasil, do Estado Novo à deposição de Getúlio em 1945. A eleição de Gaspar Dutra, a volta de Getúlio e o suicídio, a vitória de JK e a construção de Brasília, a eleição tumultuada de JK, renúncia de Janio e a ascensão de João Goulart até à sua deposição com o golpe militar de 1964.
No tocante aos militares que tomam o poder, o livro não detalha, mas o personagem Martin Francisco Terra, que conhecera a cidade, coordenando um relatório sobre ela ("Anatomia de uma cidade gaúcha de fronteira") tivera seus direitos políticos cassados.
A opinião desses eventos todos, a preocupação com a ascensão comunista se dá com as manifestações de Tibério Vacariano ao logo do relato que, mais tarde, "enterra" seu amigo Campolargo (Zózimo) que morre de leucemia.
Até chegar em João Goulart captando-se estes conceitos entre muitos outros de natureza política:
"Jânio foi obrigado a renunciar pelos militares por ter agraciado Chê Guevara com a Ordem do Cruzeiro Nacional."
Mas, não, foi um golpe frustrado.
"Agora temos que conviver com Jango e Brizola."
Mas, na união entre as famílias, a esposa de Zózimo Campolargo, Quitéria se torna uma amiga muito crítica de Tibério Vacariano, mas sempre com muito respeito, a despeito dos comentários ácidos que a mulher fazia sobre seu amigo.
O livro foi escrito em 1971. A historia se passa se situa nos primeiros anos da década de 60. Então, uma pergunta: havia computador em 1963 na Universidade de São Paulo? O livro indica que sim, porque no relatório "Anatomia de uma cidade gaúcha de fronteira", esse relatório foi consolidado por esse computador da USP.
A descrição desse ambiente cotidiano e político em Antares alcança metade do livro com todos os relatos históricos, políticos e suas consequências. E, certamente, em algumas opiniões dos personagens, a opinião do próprio autor.
No caso do incidente em Antares, eclodiu numa sexta-feira, 13, tendo como causa uma greve geral, inclusive dos coveiros, o que impediria o sepultamento dos mortos naqueles dias conflituosos.
Os insepultos, vítimas da greve eram de todas as classes sociais, "morto não tem classe":
Dona Quitéria Campolargo - a respeitada dama da cidade e muito rica, morrera vitimada por uma ataque cardíaco;
Cícero Branco, advogado que por aquelas horas morrera também por um ataque cardíaco fulminante;
José Ruiz, o Barcelona, sapateiro, vitimado por um aneurisma, dito comunista mas que se apresentava como anarco-sindicalista;
Prof. Menandro Olinda, músico, suicida que poderia ter problemas de homossexualidade;
João Paz, idealista que se opusera à invasão americana em Cuba, morreu torturado na delegacia de Antares, para que revelasse cúmplices comunistas que não existia. Sua esposa grávida, Ritinha também foi torturada mas ajudada pelo padre Pedro-Paulo, a pedido do marido morto a fuge de Antares;
Erotildes, prostituta que fora sempre muito requisitada quando jovem, inclusive pelo coronel Tibério Vacariano e
Pudim de Cachaça, envenenado pela esposa que não suportava mais suas bebedeiras,
Insepultos, abandonam os respectivos esquifes e descem ao centro da cidade, instalando-se no coreto da praça da República.
Representados pelo advogado Cícero Branco, exigem o sepultamento imediato.
Com a demora, começa a putrefação dos corpos que começam a exalar os odores próprios atraindo enxames de moscas enquanto urubus se aproximam famintos.
Então, o advogado discursou denunciando toda a corrupção na cidade da qual participou, apontando como corruptos, o prefeito Vivaldino Brazão com a cumplicidade de Tibério Vacariano.
Barcelona, o sapateiro, denuncia todos os adultérios que sabia, criando uma comunidade de cornos e adúlteras.
Desabafo da defunta Quitéria:
"Hoje de manhã, quando voltei à minha casa, tive a maior desilusão da minha vida. Encontrei as minhas quatro filhas e meus quatro genros discutindo a partilha das minhas joias... das joias com as quais eu pedi que me sepultassem. Passaram a noite batendo boca. Não creio que tivessem tido a menor palavra de afeto ou saudade para comigo..."
Após resolvido o impasse e sepultados os corpos começaram as "autoridades" a se movimentar negando que houvera tal incidente sobrenatural, nunca jamais relatado na história.
Ora fora uma alucinação coletiva, ora a divulgação de uma história fantástica engendrada para "colocar a cidade no mapa".
O jornal de Lucas Faia, "A Verdade" é proibido de relatar o incidente - censurado.
Há muitos outros personagens interessantes.
Com o tempo, e nada como o tempo, todos os denunciados que haviam se separado voltaram à vida conjugal esquecendo ou perdoando tudo.
Os denunciados por práticas ilegais, incluindo o delegado torturador Inocêncio Pigarço - que seria promovido mais tarde - e mais os traídos, os cornos, todos são homenageados num grande banquete e o incidente negado e esquecido.
MORAL DA HISTÓRIA
O que pretendeu efetivamente transmitir Érico Veríssimo com sua obra "Incidente em Antares"?
Uma mera obra de ficção, imaginativa sem qualquer alcance filosófico? Ou ao contrário, o nada que resta com a morte, a putrefação inevitável dos corpos sem vida, porque "morto não tem classe? Os bens materiais que ficam em poder das famílias, como no caso de Quitéria Campolargo, e se desentendem na sua divisão? A hipocrisia das elites na corrupção e no adultério? Revelar a impassividade "profissional" do delegado com a tortura praticada contra João da Paz para que revelasse seus supostos companheiros subversivos? O amor após a morte aos que ficam como no caso da esposa grávida do mesmo João da Paz, a Ritinha, que também fora torturada? Ou a ternura de mãos dadas entre Erotildes, a prostituta, e o alcoólatra Pudim de Cachaça? Ou tudo e nada?
O livro contém 461 páginas.
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