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sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

URUPÊS de Monteiro Lobato

LIVRO 53

A primeira edição do livro Urupês de Monteiro Lobato é de 1918. Então, há um século, era a obra publicada com diversas particularidades.

Então, mato minha curiosidade sobre o livro.

Ele é, digamos, "datado". 

Vou começar pelo fim falando do Jeca Tatu;





















O livro teve origem com uma carta mordaz do autor, remetida ao jornal “O Estado de São Paulo”, na qual fazia duras críticas ao CABOCLO, incendiário que degradava de modo devastador as matas da Serra da Mantiqueira.

Lobato desmonta os romances sertanejos e indianistas, referindo-se de modo pouco lisonjeiro à descrição de personagens bem constituídas mas que estariam muito distante da realidade

Em vez da beleza natural de Peri, personagem do romance “O Guarani” de José de Alencar explana Lobato:

Contrapôs-lhe a cruel etiologia dos sertanistas modernos um selvagem real, feio e brutesco, anguloso e desinteressante tão incapaz, muscularmente de arrancar uma palmeira, como incapaz, moralmente, de amar Ceci.” (*)

Toda essa adjetivação depreciativa tinha como origem a preguiça do sertanejo que nada produzia, sempre acocorado, sentado sobre os calcanhares, bebedor de cachaça, de pito na boca e afeito a produzir grandes incêndios, 

Com os incêndios que provocava abria “clareiras”, não atinando para a beleza das árvores que eram ceifadas.

Enquanto a mata arde, o caboclo regala-se.

- Êta fogo bonito!

(...)

"Entrando setembro, começo das "águas", o caboclo planta na terra em cinzas
um bocado de milho, feijão e arroz; mas o valor de sua produção é nenhum 
diante dos males que para preparar uma quarta de chão ele semeou."




O inconformismo de Lobato com essa prática danosa tem um pouco a ver com incêndios florestais também devastadores praticados por sertanistas e exploradores relatados por Euclides da Cunha em “Os Sertões” (“os fazedores de desertos”).

Já ouviram falar de Jeca Tatu?

Pois foi conhecendo esses tipos, que Lobato “idealizou” o personagem no livro Urupês.

Jeca Tatu” pode até ser humanizado, afinal, mas ele foi inspirado nesses caboclos “ cheios de preguiça:

Esse funesto parasita da terra é o CABOCLO, espécie de homem baldio, semi-nômade, inadaptável à civilização, mas que vive a beira dela na penumbra das zonas fronteiriças”.

Pois bem, com todas essas contrariedades, a carta referida remetida ao jornal foi publicada, teve repercussão e, como decorrência, Monteiro Lobato tornou-se o que ele chamou de “homem de letras”.

Hoje com tantas opções de comunicação não parece existam caboclos assim broncos, mas a queima florestal ainda é uma prática predadora.

Talvez, nos rincões escondidos do país, sobrevivam jecas tatus políticos.


Há outra particularidade no livro. Na edição em meu poder, talvez a 4ª, é registrado o desagrado de Lobato com os acentos ("acentismos") que complicariam a língua.

É questionado:

- Mas a acentuação já está imposta por lei.

- Não há lei humana que dirija uma língua é um fenômeno natural, como a
oferta e a procura, como o crescimento das crianças, como a senilidade, etc.

Então, concluiu a editora:

"Diante disso resolvemos respeitar nesta edição a ortografia de Monteiro
Lobato, realmente mais simples e comoda do que a aconselhada por nossa
academia."

Como se vê, a palavra "cômoda" não veio acentuada. O 'a' com crase na 
edição é grafado com acento agudo (á) e não grave (`). 

Raros circunflexos mas ocasionalmente a ortografia oficial aparece.  

Urupês que seria aquela espécie de cogumelo que pode ser encontrado em camadas, geralmente da cor vermelha que floresce em madeira em decomposição.
Urupês é também o nome de uma cidade do Estado de São Paulo a 54 quilômetros de São José do Rio Preto.

(*) Ceci (Cecilia) personagem de “O Guarani” romance de José de Alencar.

A "essência" do livro é essa acima, mas é ele completado por 12 contos alguns dos quais não posso elogiar.

CONTOS QUE FIZERAM O LIVRO

Esses contos explanam sobre tragédias, situações cotidianas e sobrenaturais. Como brinde o resumo do resumo desses contos situados naqueles recantos interioranas, caipiras:

OS FAROLEIROS

Num farol perdido, deu-se um crime passional.

Gerebita se casou com Maria Rita, "uma morena de truz ("distinta") perigosa como o demo". 

Maria Rita traia Gerebita com Gavriel.

Gavriel também foi abandonado por Maria Rita.

O mundo girou e os dois foram se encontrar no mesmo farol, "um modo de morrer p'r'o mundo."

Gerebita odiava Gavriel, causa de sua infelicidade e da infidelidade da esposa.

Gerebita assassina Gavriel e atira o corpo no mar. Dali o corpo nunca chegaria à praia. 

Lobato se refere a espécie de duelo havido com o pugilato até a morte de Gavriel e faz analogia com a ópera Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni cujo significado é "cavalheirismo rústico".

"Reclama" Lobato que "cavalleria" fora traduzido como "cavalaria" razão pela qual alterou o nome do conto de "Cavalleria Rusticana" para "Os faroleiros".

O ENGRAÇADO ARREPENDIDO


Francisco Teixeira de Souza Pontes era um sujeito "engraçado".

Quando mencionado seu nome, desde logo provocava risos.

Já passando dos 30 anos resolveu cuidar seriamente da vida.

Mas, não conseguia. Tantas fora suas piadas e sua graça que não era levado a sério.

E, por isso, até chorava.

Um dia surgiu a possibilidade de trabalhar na coletoria ocupando o lugar do major Bentes, já velho e doente.

De todos os meios que dispunha, Pontes de aproximou do velho, pensando em substitui-lo quando morresse. Contava com a ajuda de um parente do Rio para que fosse nomeado.

Mas, Bentes se mantinha firme.

Pontes, então, depois de estudar as preferências anedóticas de Bentes, um dia lhe conta uma refinada anedota que surte efeitos: o velho explode numa sonora gargalhada dando-se o "estouro de uma artéria".

O velho Bentes morre.

Pontes assustado com a tragédia provocada pela piada esconde-se por um tempo, não avisando seu parente no Rio a tempo, perdendo a vaga.

O tom de tragicomédia se deu pelo suicídio de Pontes.

Ele se enforcou tendo como "instrumento" uma ceroula.

A COLCHA DE RETALHOS


A velhinha com seus 70 anos cozia uma colcha de retalhos e explicou:

- Esta colcha é o meu presente de noivado. O último retalho há de ser do vestido de casamento, não é Pingo? (A neta era assim chamada: "Pingo d'Água").

Mas, a neta um dia fugiu para não mais voltar. A colcha não foi concluída e a peça seria sua mortalha como pedira a velhinha.

Logo depois ela morreu, mas a sua última vontade não foi cumprida porque a mortalha não cobriu seu corpo.

"Que importa ao mundo a vontade última de uma pobre velhinha da roça?"

A VINGANÇA DA PEROBA


Nunes era um caipira afeito à cachaça. Meio que um"jeca tatu".

Sua propriedade fazia divisa com o sensato Pedro Porunga, de família numerosa.

Um dia Nunes se sente desafiado a um comentário que soubera, de Pedro Porunga.

E resolve construir um monjolo, aquele equipamento rústico triturador de grãos, movido pela queda de água corrente.

Para isso derruba uma perobeira que exatamente fazia divisa entre a sua e a propriedade de Porunga.

Houve estranheza deste, porque a peroba era o marco divisório.

Monjolo construído, um dia em meio à cachaça, convida seu filho pequeno a também beber. O menino fica tonto e vacilante desaparece dali.

É encontrado com a cabeça dilacerada no pilão pelo sobe e desce do monjolo, para horror da mãe e irmãs.

E o "cachaceiro do inferno" desmontando a pancadas o monjolo, ainda apalpava o fundo do pilão, "em procura da cabecinha que falava".

A tragédia poderia ser a vingança da peroba, sua praga.

MEU CONTO DE MAUPASSANT

Diálogo no trem entre dois "sujeitos". Um deles enaltece Guy de Maupassant se referindo ao seu pensamento sobre o amor e a morte.

Então, na visão de uma velha árvore saguaragi disse um dos interlocutores que fora ela "comparsa no meu conto de Maupassant".

Dissera que conhecera um italiano, mau encarado e beberrão que poderia ter assassinado uma velhinha com uma foice.

Mas, nada foi apurado. Tempos depois o italiano foi localizado em mau estado físico e moral, frequentador do xadrez até que no trem, ao passar por aquela árvores, atirou-se da janela para a morte.

Quem matou a velhinha a peso de foice fora o próprio filho (!)

"POLLICE VERSO"

(Tradução: "Polegar voltado para baixo")

Nico (Inacinho) 
era um caçula de dezesseis filhos do coronel Inácio da Gama. 

O pai descobrira a vocação do caçula ao vê-lo dissecando um sanhaço vivo: "médico".

Ele era cruel com os animais.

Durante o curso de medicina tinha lá sua turma e era apaixonado por Yvonne.

Mesmo médico de má fama, foi chamado para tratar o major Mendanha, capitalista aposentado.

Fez lá um diagnóstico "genérico" embora ninguém soubesse ao certo qual era a doença do major milionário de Itaoca.

Prolongando o tratamento poderia obter uma boa soma e ir para Paris para estar com Yvonne.

Mas, a despeito do "tratamento" Mendanha faleceu. O médico fez os cálculos das visitas e das injeções, apresentando aos herdeiros a soma vultosa de 35 contos de réis.

Ganhou na Justiça o valor que cobrara do inventário.

Embolsou a dinheirama e viajou para Paris falando que tinha lições na Sorbonne, mas passou a viver com Yvonne num apartamento em Montmartre e frequentadores de cabarés.

Quem sabe quando acabasse o dinheiro, o pai pudesse ajudá-lo a manter o "aperfeiçoamento de estudos".

O pai, já viúvo, que se orgulhava do filho médico, de sua presença na Sorbonne, relacionado a celebridades médicas daquela universidade.

BUCÓLICA

É a historia da menina "entrevada" e a mãe, "má como a irara": "Pestinha, porque não morre?"

Um dia a Inácia a negra que cuidava dela esteve fora e não pode voltar a tempo por causa de uma chuvarada.

A menina morreu de sede após se arrastar até perto do pote mas não o alcançando.

"Morreu de sede, o anjo!"

Enxugando as lágrimas na manga e indo embora e se o Libório não a quiser "sou bem capaz de me pinchar nesse rio. Este mundo, não paga a pena",

"Sol a pino. Desânimo, lassidão infinita..."


O MATA-PAU

Mata-pau é uma árvore parasita que com o tempo consome a árvore à qual se "uniu, isto é, mata a mãe que sem perceber ia sendo consumida.

Elesbão se casa com Rosinha.

Não tinham filhos, o que os tornava tristes.

Um dia no seu sítio, ouvem o choro de uma criança e acabam a adotando como filho.  

À medida que ia crescendo revelava suas perversidades: "É ruim inteirado". Era alcunhado de Ruço.

Rosa ia se desenvolvendo, ficando bonita, atraente. A relação mãe-filho degenerou para amantes.

Elesbão de nada desconfiava, até ser alertado pelo pai moribundo.

Um tempo e Elesbão foi assassinado a golpes de foice. Desconfiaram de Ruço, mas não havia provas para incriminá-lo.

Viúva Rosinha, Ruço a chantageou a vender tudo e se assim não agisse, ele a abandonaria.

O golpe final de Ruço contra sua "mãe-amante" foi incendiar a casa para se livrar da mulher e ficar com tudo o que amealhado na venda dos equipamentos do sítio.

Rosa se salvou das queimaduras, mas nunca mais do juízo

E, então,se disse filosoficamente que 

- Não é só no mato que há mata-paus !...

BOCATORTA

Bocatorta era um negro disforme que habitava  um casebre na fazenda, meio escondido.

Seria feio como Quasímodo? (*)

A ele se atribuíam sumiços de animais e malefícios.

Eduardo, noivo de Cristina quis conhecê-lo e um dia saíram a passeio, Don'Ana, o major - pai da moça - e mais Eduardo.

Cristina temia muito encontrar Bocatorta pelo que dele se contava, até mesmo  a violação de uma sepultura de uma jovem.

Foram até onde vivia Bocatorta mas Cristina se escondeu o rosto nos ombros da mãe.

Era a "hediondez personificada" com seu cachorro "atôa, todo ossos, peloe e bernes, rosnava contra os importunos."

Cristina amanheceu febril e faleceu depois de oito dias.

À noite Bocatorta desenterrara o corpo da jovem e fora visto pelo pai e o feitor a abraçando.

Uma cena de horror. Bocatorta foi contido e arrastado para um pântano cuja profundidade era desconhecida.

Houve o esquecimento da tragédia noturna, Bocatorta desaparecido no logo e Cristina em seu túmulo não sem antes o único beijo que recebera em sua vida.  

Que se dera com a violação de sua sepultura.

(*) Quasímodo, personagem do romance "O corcunda de Notre Dame" de Victor Hugo.

O COMPRADOR DE FAZENDAS 


Não havia pior fazenda que a do Espigão, arrematada por um Davi Moreira de Souza que esperara fosse um bom negócio.

Resolveu vendê-la e recebera carta de seu agente de negócios que informara haver um pretendente à compra.

Antes da chegada do comprador, toda a fazenda fora "maquiada" de tal modo que bem impressionasse o comprador a caminho.

Era o Pedro Troncoso, um jovem bem apessoado que contou grandes vantagens.

E ali foi ficando, aproveitando-se da hospitalidade ao exagero do vendedores.

Troncoso flerta com Zilda, a filha solteira de Moreira.

E à medida que o comprador elogiava o estado da fazenda, Moreira aumentava o preço.

Troncoso parte fazendo promessas vagas da compra e nada de fechar o negócio.

O tempo passa.

Quando volta com a decisão de finalmente comprar a fazenda foi recebido a chicotes pelos Moreiras e ouvindo desaforos:

- Comedor de bolinhos! Papa-manteiga! Toma! Em outra  não hás de cair, ladrão de ovos e cará!...

Zilda assistia a tudo aquilo com os "olhos pisados do muito chorar".

E Moreira perdeu o grande negócio de sua vida: o duplo descarte - da filha e da Espiga...

O ESTIGMA

Fausto casara "rico". Sua fazenda viera de seu casamento. Sua esposa de feições duras, positivamente feia e "provavelmente má".

Via na fazenda a jovem e linda Laura, órfã de pai e mãe, prima de Fausto que na verdade fazia os trabalhos domésticos. Dele, ela era "um raio de sol matutino que folga e ri na face noruega da minha vida..."

Com o tempo, a beleza de Laura provoca ciúmes na esposa de Fausto que exige seja ela expulsa da casa.

Um dia Laura aparece mora, com um tiro no peito segurando o revolver da própria casa como se fora um suicídio. Como poderia ela ter acesso à arma?

Mistério.

O tempo passa e a esposa de Fausto dá a luz a um menino.

O menino nascera com uma estranha marca no peito, "uma cobrinha coral de cabeça preta".

"Denunciada" pela estranha marca, a esposa morre logo depois do parto por causa de suposta "febre puerperal".

O agora moço com sua marca no peito "ignorava o crime de que fora ele próprio o eloquente delator." 

















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