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domingo, 13 de dezembro de 2020

CRIME E CASTIGO de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski

 LIVRO 77



Quando um escritor assim se qualifica deve cuidar antes de conhecer um Dostoiévski para ponderar o que é escrever uma história

Já falei de outros dois livros dele (*), mas a sua obra-prima, escrita datado de 1865, além da história com forte cunho psicológico descreve todos os transtornos e medos que afetam constantemente o personagem principal, Raskólnikov que, pela pobreza, vive ocioso, e a falta de perspectiva ao abandonar a faculdade de direito por não poder pagá-la.

E é nessa dia a dia de pobreza, a convivência com personagens à margem da vida, sobrevivendo de migalhas e, em muitos casos, perdidos na bebida que transita Raskolnikov .

Relato impressionante é o do personagem Marmieládov, um alcoólatra inveterado que anula a família, deixa-a na miséria absoluta por conta da bebida. Sua filha Sônia,  prostitui-se para ajudar sua família (madrasta e filhos) e ele vive angustiado com o vinho que precisaria beber sem freio. E, para isso, subtrai valores ínfimos que serviram para a alimentação de seus filhos. Ao chegar à sua pobre moradia, sua penitência eram as surras que a mulher desesperada lhe impunha:

“– Isso me consola! Não creia que isso seja para mim um sofrimento, mas sim um prazer, senhor! – exclamou ele, enquanto Ekatierina Ivánovena lhe sacudia com força a cabeça, chegando mesmo a bater com ela no assoalho”.

Marmieládov teria um fim trágico: atropelado por uma diligência, foi pisoteado pelos cavalos, sofrendo graves ferimentos. Nos seus momentos finais, levado para casa, diante da família miserável em sua volta, porque o alcoolismo a destituía de tudo, não do amor mesmo da esposa e filhos, faleceria.

Raskólnikov dera toda a assistência à família do amigo, até mesmo deixando um soma em dinheiro que recebera da mãe para o seu próprio sustento.

Essa visão e esse modo de vida de tanta carência, numa noite, no seu quarto diminuto e pobre, Raskólnikov tem um pesadelo que se desdobra: o espancamento até a morte de uma eguazinha obrigada por seu dono a puxar pesado fardo, com bêbados sobre a carroça. Não conseguindo mas se esforçando, é espancada até a morte sob as gargalhadas daquele gente perdida pela bebida. E o menino muito penalizado, nada pode fazer para evitar o crime contra o animal indefeso.

No outro relato do sonho aterrador o grande autor russo descreve as imediações da taberna:
“Havia sempre ali uma turba que berrava, ria, se enfurecia e brigava, ou que cantava com voz rouca coisas de apavorar! Nos arredores da taberna sempre andavam bêbados de rostos horríveis!... (...) A passagem que conduz à taberna está sempre coberta de uma poeira negra”.


Esses os terrores psicológicos de sua vida de ócio, ex- estudante Raskólnikov alimentando-se precariamente mas contando com a  presença da serviçal da pousada (Nastássia) que sempre lhe servia alguma coisa, um resto de chá e de comida. 

O ambiente posto na obra, e de vida pobre, de fome e falta de perspectivas. 

Num certo dia  Raskolnikov estivera mais uma vez na casa da usuraria Aliona Ivanóvna para empenhar um pequeno anel, recebendo valor irrisório. O modo de agir de Aliona o fazia pensar nalguma "coisa grave" em relação à vida dela porque se valia do desespero dos pobres que chegavam até ela com algum objeto de valor recebendo quantia irrisória.

Numa taverna nesse mesmo dia ouve o diálogo entre dois homens que se referem a velha Aliona como uma figura desprezível para a sociedade e que se fosse morta o mundo nada perderia.

A partir desse momento Raskólnikov engendra o crime e o roubo justificando-o, mentalmente, como uma maneira de avançar na vida, livrando a sociedade de uma mulher perniciosa.

Num artigo defendera que homens extraordinários poderiam cometer assassinatos para um bem maior. E nessa linha de raciocínio se perguntava como reagiria Napoleão, precisando evoluir, se se deparasse com um "obstáculo" dessa natureza...

Ademais, o assassinato individual é um crime. O extermínio de cidades numa batalha passa a ser um fato histórico.

E nesse drama que vai assumindo, com suas fraquezas e suas febres e seus distúrbios físicos e psicológicos, prosseguindo nos planos, consegue na própria pousada obter correndo risco de chamar a atenção se visto,  um machado que esconde entre suas roupas.

Faz um embrulho pesado de um peça falsa de tal maneira que a usurária perdesse tempo em abri-lo e nesse momento ataca a mulher com  machadadas e a mata. Sai a procura do cofre, do dinheiro, mas num estado emocional incontrolado obtém um pequena bolsa e algumas joias.

Mas, enquanto nessa busca ouve que a irmã de Aliona, Lisaiveta chegara à casa e ao se deparar com a cena terrível da irmã morta, estanca sem reação. Raskólnikov decide naquele seu delírio e pânico, matá-la também com o machado.

Havia operários trabalhando num quarto ao lado, dificultando sua fuga. Mas, consegue sair do prédio sem ser visto.

Esconde o produto do roubo num terreno sob uma pedra e de nada se utiliza, mal sabendo exatamente o que obtivera com o roubo.

A partir dai, entre pesadelos, febre e delírios, sua vida se torna infernal. Nos seus delírios chega a mencionar joias num esconderijo mas não resultando em suspeitas.

Nos momentos de maior angústia, pensava em se entregar ou talvez se suicidar.

PERSONAGENS DA HISTÓRIA

Avidótia Romanovena  (Dúnia) / Pulkéria Alieksádrovna 

Irmã e mãe de Raskolnikov trazidos a São Petersburgo pelo noivo de Dúnia, Lújin, alojando-as em pousada precária. O irmão se opôs de modo veemente ao casamento revelando-se, depois, que Lújin era de má índole. Isto é, sem escrúpulos.

Ambas amavam Raskólnikov e tudo faziam por ele, mesmo na condição que o encontraram: empobrecido, ocioso e adoentado morando num pequeno cômodo.

Razumíkhin

Amigo dedicado de Raskólnikov muito o ajudara em sua doença e quando resolvera este deixar a família porque tinha consigo o grande segredo do duplo assassinato, a verdade prestes a eclodir e querendo poupá-la de tudo que adviria, foi Razumíkhin que dera todo o apoio à sua mãe e irmã. Mais tarde se casaria com Dúnia equilibrando a família de Raskólnikov. O casal planejava a criação de uma editora.

Porfiri Pietróvitch

Juiz de instrução que ao somar os indícios do crime contra as irmãs, o que deixara escapar Raskólnikov em contatos com ele e ao saber que voltara à cena do crime, meio combalido, perguntando aos operários que lá trabalhavam se havia limpado a mancha de sangue. 

Também as informações que lhe foram passadas pelo médico Zóssimov que cuidava de Raskólnikov quando de sua febre alta e o que balbuciou em seus delírios.

Há o ensaio de uma mudança de rumos, num momento crucial entre ambos: surge Mikolka, um operário que trabalhava numa moradia vizinha à da assassinada, declarando-se o verdadeiro assassino. Embora tumultuasse as investigações, foi revelado, depois, que Mikolka tinha lá suas crenças que incentivavam o sofrimento.

Porfiri o acusa formalmente de ser o assassino das mulheres. Ele nega.

Então, diante de uma situação insustentável, Raskólnikov vai se convencendo que o melhor seria confessar à policia que era ele o autor dos assassinatos.

Confessando, sua pena seria menor.

Ekatierina Ivánovena

A víuva de Marmieládov e madrasta de Sônia tem um fim trágico com a tuberculose agravada. 

Quando Sônia foi injustamente acusada pelo noivo de Dúnia, Lújin de ter roubado uma nota de cem rublos, Ekatierina demonstrou todo seu amor à enteada defendendo-o às lágrimas.

No desespero pela fome dela e dos filhos, fantasia-os com andrajos e saem pelas ruas promovendo cantares tristes porque as crianças choravam e sofriam muito, a troco de alguns copeques ou rublos como um homem lhe deu,  mas revelara sua loucura e a humilhação de uma "mulher nobre" na miséria.

Sua morte se dera num clima de emoção. 

Svidrigáilov, um personagem contraditório, que herdara valores de sua esposa falecida - fora acusado de a ter assassinado - faz um depósito em rublos para garantir um bom orfanato para os órfãos. Também premia Sônia com quantia importante porque ela não poderia continuar na "mesma vida".

Sônia

Raskolnikov a conhecera nos eventos que resultaram na morte de Marmieládov.

Começa a se relacionar com ela, a atormenta com falta de perspectivas da vida de ambos, convida-a a fugirem para longe de tudo. E, então, confessa o duplo assassinato.

Sônia, atônita, entra em desespero e sugere que ele se entregue à polícia para pagar pelos crimes.

Depois do incidente na moradia de Svidrigáilov fora Sônia quem informara a Dúnia os assassinatos praticados por Raskólnikov.

Svidrigáilov

Viera para São Petersburgo  onde tinha uma jovem noiva.

Morando num cômodo contiguo ao de Sônia, ouviu toda a confissão de Raskólnikov.

Dúnia no passado fora professora na casa de Marfa Pietrovena com quem Svidrigáilov era casado. 

Então, apaixonado por Dúnia, ele a convida por carta para um encontro em sua moradia quando lhe revelaria um assunto muito grave sobre o irmão.

Ela vai e ele apaixonado, destacando quão linda era, tenta violentá-la. O suspense da ameaça é angustiante ao leitor. Ela saca um revolver que fora de Marfa no passado que ela obtivera  e diante do iminente ataque ela atira atingindo Svidrigáilov de raspão na cabeça.

Dúnia o acusa de ter assassinado a esposa Marfa.

Svidrigáilov deixa Dúnia sair, limpa o sangue que escorreu de sua cabeça ferida, toma o revolver que ficara no chão e sai.

Sob chuva intensa, vai tarde da noite à casa dos país de sua noiva, deixa um valor significativo em dinheiro retira-se suicidando-se com um tiro na fonte direita.

CONDENAÇÃO

Por ter confessado os assassinatos perante as autoridades policiais, sua condenação fora de oito anos com trabalhos forçados, numa prisão na Sibéria.

Sônia muda-se para lá e dá todo o apoio possível a Raskolnikov fora da prisão.

A mãe morre sem saber ao certo porque Raskolnikov não a visitara mais embora nos último dias de vida desconfiasse que o filho enfrentava graves dificuldades.

Dúnia e Razumíkhin planejam mudar-se para a Sibéria no futuro.

Faltando sete anos, ainda, para o cumprimento da pena, Raskolnikov e Sônia constatam que estavam apaixonados.

CONCLUSÕES

O livro é extraordinário. O relato dos distúrbios psicológicos pela culpa que atormenta Raskolnikov, a febre e o delírio tornam o livro uma novela de suspensa "interminável". Há momentos angustiantes. Os momentos que antecedem o tiro dado por Dúnia ameaçada de violação por Svidrigáilov é um deles.

Não sei, mas vejo alguma relação entre os "homens extraordinários" do tema do artigo de Raskolnikov, acima do bem e do mal, alguma coisa parecida com os "homens superiores" de Nietzsche sem compaixão e sem religião. Nietzsche era leitor de Dostoiévski.

Em termos de "herói assassino" pode ser lembrado, Stalin.

É um livro que o amante da leitura não pode deixar de ler ou reler.

Excepcional em suas mais de 550 páginas.


Referências 


(*) Do mesmo Autor:

“Recordações da Casa dos Mortos”, acessar: https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2018/01/34-recordacao-da-casa-dos-mortos-de.html

“O Jogador”, acessar:

https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2018/07/47-o-jogador-de-fiodor-mikhailovitch.html







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