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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

OS CARBONÁRIOS de Alfredo Sirkis

LIVRO 79 





SUBTÍTULO: MEMÓRIAS DA GUERRILHA PERDIDA

Este livro "Os Carbonários" (*), está comigo há muitos anos, sem que tivesse disposição de tomar a leitura. A motivação foi a notícia da morte do seu Autor, Alfredo Sirkis, de desastre de trânsito, em 10.07.2020 não completados 70 anos.

Então, acabei abrindo suas páginas e, diga-se, o livro me agradou.

O Autor é o personagem de um período real da história, o regime militar, ditadura - se assim quiserem definir -, que vai se envolvendo com aquilo que chamaria de guerrilha (urbana), perdida.

Da classe média alta, domínio de dois idiomas, o francês e o inglês, devagar vai se entrosando na política estudantil, antes do AI-5, lutando pelo grêmio estudantil livre, no caso dele, do Colégio de Aplicação (.CAp), de nível médio, da Faculdade Nacional de Filosofia  da UFRJ. 

Em momentos de puro romance, do ideal jovem,vai tomando gosto pelos movimentos de rua, passeatas, quebra-quebras nos quais surge o grito do "abaixo a ditadura".

E nesse envolvimento sem muita convicção começou a pichar muros.

Quebra-quebras? Aos bancos exploradores da economia popular "vítimas" preferidas.

Nos movimentos de rua, ele, Sarkis se liga ao UMES - entidade que congregava alunos do ensino médio numa coleção de siglas num processo de engajamento da esquerda contra a ditatura e grande parte, em defesa da ideologia socialista.

Mas, ele próprio reagiu desse modo ao discurso numa dessas manifestações no tocante à ditadura do proletariado:

"Alguns discursos eram tétricos. Um frangote com grandes óculos e voz fanhosa dizia que os problemas do país só se resolveriam no dia que fosse implantada do Iapoque ao Chuí a ditadura do proletariado!.

Comentário do Autor:

- Porra, tamos fartos desta ditadura aí e o babacuara vem propor outra para substituir.

Mas, ao pegar gosto pela coisa, sempre como secundarista, numa de sua manifestações a uns operários, disse que imitara gestos de Lenin que assistira num filme da época da Revolução Russa. E, então, passou a compulsar a cartilha marxista a ser recitada. Os cânones eram a derrubada da ditadura e, nessa conquista, a melhoria do povo brasileiro e dos trabalhadores num regime da... ditadura do proletariado (?).

Permite o Autor que se conclua, já ligado à VPR - Vanguarda Popular Revolucionária que sempre atuou à margem, nunca se expôs, não aparecia conduta que valeria, tempos depois, sua saída incólume do país.

O questionamento repetido, não havia povo e a clandestinidade era perversa: o ócio, o medo constante da quebra de aparelhos pelas forças da repressão, assim chamadas, que implicavam em prisão, mortes, desaparecimentos e torturas à loucura.

Carlos Lamarca era praticamente um prisioneiro de sua própria ideologia. No sequestro do embaixador da Suíça, quando descoberta sua identidade pelos outros revolucionários - se apresentara inicialmente com o nome de guerra, Paulista - era absolutamente esbranquiçado por falta de sol tanto tempo de confinamento a que se impusera porque era o assim qualificado, o terrorista mais procurado pelas forças repressivas. E assim outros.

Sirkis, nessa linha de pouca exposição embora membro ativo da VPR, esteve confinado quando do sequestro do embaixador alemão ocorrido em junho de 1970 - em pleno andamento da Copa do Mundo - servindo como intérprete no idioma inglês.

Nos diálogos entre Sarkis e o embaixador, o Autor se referia aos mal tratos a que eram submetidos os trabalhadores nas multinacionais, inclusive alemãs, que os exploravam, pagando baixos salários.

Disse o embaixador que tinha informações que os trabalhadores preferiam trabalhar na Volkswagen.
 
[Não posso confirmar hoje, mas minha impressão para quem trabalhava no ABC, na indústria automobilística naqueles tempos, que a preferência era a Ford. Se bem me lembro, a multinacional americana implementou uma carta de benefícios com salários acima do que praticava o mercado.]

Esse sequestro - que resultou no assassinato de segurança do embaixador -  perdurou por  cinco  dias e fora ele libertado depois que o governo Médici aceitou, em troca, libertar 40 prisioneiros adeptos dos movimentos da subversão, revolucionários que, pela Varig, foram desembarcados na Argélia.

No outro sequestro, o do embaixador suíço - que resultou na morte de segurança, por tiro que saiu da arma de Lamarca -, o pleito apresentado, fora a libertação de 70 presos políticos e mais algumas medidas de natureza social, como passagens gratuitas nos trens da Central, da Leopoldina.

Quanto à vitima pouco lamentada sua morte.

O governo brasileiro se recusou a tanto e rejeitou a libertação de diversos presos porque haviam praticado crimes comuns.

A partir dai, houve divergência entre os sequestradores sobre a substituição de presos rejeitados. As listas foram sendo atualizadas tudo resolvido de parte a parte, os 70 prisioneiros libertados desembarcados no Chile de Salvador Allende.

A desorganização da célula era tanta que não havia veículo seguro para libertar o suíço, pelo que houve atraso  na ação. Tudo muito precário, até porque a exposição dos sequestradores poderia ser fatal, tais as medidas de controle que eram praticadas no Rio de Janeiro pela polícia. 

O embaixador suíço esteve sequestrado por 40 dias (de 7.12 a 16.01.71).

O suíço, depois de toda essa convivência, embora crítico da desorganização assumiu certa "cumplicidade" com os sequestradores. 

Embora os revolucionários sempre falassem dos "proletas" (proletários), salvo esporadicamente, nunca tiveram presença no movimento da derrubada da ditadura e tomada do poder. 

Havia queixas entre eles sobre isso:

"A massa real, que só sabia de nós pela TV e pelos jornais de crime, muitas vezes nos confundia com bandidos e assaltantes. Vivíamos no mundo fechado dos aparelhos, sem nenhum contato social, nem com a classe média, que no passado fora a nossa base apoio."

Não havia apoio popular. Nesses tempos dos sequestros, o governo Médici se valia da propaganda do milagre brasileiro, do tricampeonato no México e do pleno emprego.

[No ABC, na indústria automobilística a busca por profissionais especializados era uma batalha. A Chrysler de São Bernardo era a menor delas e estava na frente da VW do outro lado da Via Anchieta. Um túnel possibilitava o acesso de lado a lado. No desespero por admitir funileiro de autos, a Chrysler elevou uma faixa salarial como modo de atrair esses profissionais. E os resultados começaram a aparecer. A gigante VW percebeu alguma mudança na política salarial do outro lado da Anchieta e quis saber oficialmente o que tinha a americana feito para atrais profissionais especializados para seus quadros. Em outras palavras, os profissionais metalúrgicos praticamente trabalhavam onde queriam.]

A VPR promoveu um  assalto de gêneros alimentícios num supermercado enchendo dois caminhões. Distribuíram numa favela paupérrima, mas nada que mudasse o quadro de indiferença.

Num dado momento, vendo que a guerrilha perdia terreno, membros de outras siglas com o mesmo objetivo, iam sendo mortos ou presos, Sarkis resolveu deixar a VPR, descrevendo seu constrangimento perante os demais companheiros revolucionário. Mas, segundo o Autor:

"Doze meses depois, estávamos ali, dizimados, reduzidos a menos de um quarto do que fora a organização. Um pensamento sombrio me assaltou. Será que chegava ao réveillon de 71?"

Como não se expunha, embora fosse membro ativo da VPR, conseguiu o passaporte, viajando para o Chile via Argentina. "Escapou ileso"  voltou em 1979 anistiado elegendo-se deputado federal sempre com uma proposta "verde".

E, com o tempo o sonho da revolução socialista se tornou a lembrança de um pesadelo àqueles que como ele, sobreviveram.

 O livro não diz, mas Carlos Lamarca seria morto nos sertões da Bahia (em 17.09.1971) pelas forças da repressão.

Execução

O Autor relata execução de membro ativo ligado à ALN, Marcio Toledo, porque embora conhecedor de todos as operações demonstrara desinteresse em permanecer na "luta" e demonstrou interesse em sair. 

O núcleo da ALN de São Paulo o executou na rua, receando que, deixando a célula, poderia denunciar os que ficaram:

" O estúpido crime criou uma certa comoção dentro da ALN. A maior parte dos militantes e mesmo dos quadros de direção sequer tinha sido consultados."

A guisa de conclusão, excertos extraídos do meu romance Joana d'Art:

Não foram muitos os que se decidiram por aquele espírito belicoso do "abaixo a ditadura". Não poucos dentre os que assumiram a "revolução proletária", rumaram meio às cegas. Muitos se deram mal.

Esse tipo de oposição fora instituída num momento de arrogância militar. Um erro, porém. Haveria que esperar o momento começando por discutir ideias mas dentro de princípios democráticos ainda que os argumentos fossem de contestação.

O regime militar haveria que se enfraquecer como resultado de sua fadiga. Cairia de velho.

E, afinal, não foi assim?

O medo de serem, esses clandestinos, descobertos nos seus esconderijos, fora a pior das torturas.

Muitos foram viver no Exterior e na volta, conseguiram “dar a volta por cima”, recuperaram a integridade enquanto outros mantiveram na sua interioridade, um sentido de ruína por todas as tensões quando descobertos e presos, pela violenta tortura física e moral a que foram submetidos, aqueles choques elétricos que revolvem o espírito para sempre.

Moral da história: esses revolucionários deram argumento para que a ditadura fosse postergada.


Referência no texto

(*) Ao usar 'Os Carbonários" para o título do livro, na contracapa há, entre outras explicações contidas na sua abertura, a seguinte definição  extraída de dicionário:

Carbonário [Do it. carbononaro, carvoeiro] 1. Membro de uma sociedade secreta e revolucionária que atuou na Itália, França e Espanha no princípio do século XIX. 2. Membro de qualquer sociedade secreta e revolucionária.


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