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domingo, 29 de maio de 2022

O FIO DA NAVALHA de W. Somerset Maugham

LIVRO 94



 

O escritor consagrado, inglês (1874-1965) é autor de vasta obra.

O livro é de 1944. "O fio da navalha" foi filmado em 1946.

A edição que está comigo tem 440 páginas.


Há muitos anos li esse livro porque me dissera que havia uma "discussão" afinal não resolvida sobre aquele velho tema que a todos intriga: o sentido da vida.


E a quem é revelado o essencial da vida, suas contradições, suas diferenças e suas exigências?


De regra, o livro pelo seu enredo, constitui-se leitura agradável embora, digamos, irrite um pouco os detalhes expostos sobre a vida fútil de um dos principais personagens (Elliott) - talvez uma estratégia do Autor - e também descrições de caracteres de todos eles, de modo exaustivo. De uma das personagens, foram tomadas duas páginas de descrição física destacando também sua beleza (Isabel).

A história se desenrola após o encerramento da 1º Grande Guerra (novembro de 1918) até se aproximar dos tempos em que já a 2ª guerra mostrava fortes sinais de eclosão.

Seus principais episódios se dão em Chicago, Paris e Londres. 


Pois bem, nesse romance, o próprio Autor se coloca como um dos personagens compartilhando com suas riquezas, angústias e fraquezas.

Então, pelos personagens tentarei transmitir a essência do que retive do livro.


Personagens



O próprio escritor Maugham


Começa informando que tivera projeção num romance que escrevera e, de passagem por Chicago, entrevistado, chamou a atenção de Elliott Templeton. A partir dele o Autor-personagem  se envolve na sociedade e conhece a família de Elliott, sua irmã Mrs. Bradley e sua sobrinha Isabel.


Também Larry personagem que teria papel fundamental no romance.



Elliott Templeton



A atividade básica de Elliott  era a de intermediar a venda de obras de arte.

É descrito como um personagem esnobe, superficial, afetado, afeito a patrocinar e aproveitar inumeráveis almoços e jantares da alta sociedade fosse americana, parisiense, londrina... 

Tudo para ele se referia à linguagem do dinheiro e à manutenção desse seu status perante a sociedade, preocupando-se com roupas esmeradas e às boas maneiras de modo exacerbado.

Escapou da quebra da bolsa de Nova York em 1929 porque se antecipou nos seus vencimentos e, a partir daí foi enriquecendo (!)

Seu nível elevado de riqueza permitiu que tivesse um apartamento em Paris e uma residência luxuosa que construíra na Riviera francesa.

Sua riqueza permitiu que sustentação sua sobrinha Isabel e seu marido Gray Maturin quando este e seu pai faliram como decorrência da quebra da bolsa de Nova York.


Então, fútil mas generoso.


Levando essa vida de ostentação, requintada, doente, sofrendo com a indiferença dos seus conviventes sociais, ao falecer, em seu testamento, exigiu que fosse sepultado com a fantasia inspirada no que fora a vestimenta de um ancestral. 

Era solteiro, não demonstrara interesse pelo sexo oposto. O Autor o leva a superar, parece, esse interesse pela vida "tola" que levava Elliott.


Mas, a ironia é que o Autor o seguindo tantas vezes nas suas manias, recepções, almoços e jantares participou frequentemente dessa vida tola...



Isabel



Sobrinha  de Elliot, filha de Louise Bradley, viúva que tinha cuidados especiais com a filha.

Isabel amava Larry, seu noivo que não queria trabalhar e, como diz o livro, apenas "vadiar". 

Então, havia uma pressão  para que seu noivo, afinal, trabalhasse para conquistarem um casamento rico.

Aliás, seu amigo Grey Maturin que trabalhava com seu pai Henry, milionário comandando um escritório de investimentos, o convidara a trabalhar no escritório com ele.

Grey morria de amores por Isabel.

Mas, Larry não aceitou o emprego e ficou meio à margem do conjunto social e da influência de Elliott que deseja um casamento faustoso para a sobrinha, pensando na repercussão social.

Larry um dia ofereceu o casamento a Isabel, mas levando uma vida simples, ambos vivendo com uma renda anual de 3 mil dólares que ele fazia jus. Uma vida sem ostentação, sem futilidades.

Não aceitando, Isabel se casou com Grey mas sempre amando Larry.

Foram pais de duas meninas.


Os Maturin faliram de modo irremediável com a quebra da bolsa de Nova York.

Sem emprego e sem recursos, o casal foi ajudado de modo generoso por Elliott que o fez mudar para um apartamento que tinha em Paris enquanto Grey procurava emprego.

 

Com a morte do tio, Isabel herdou razoável fortuna e o casal mudou-se para Dallas - Texas onde Grey iniciaria, um novo empreendimento, aplicando o dinheiro da esposa.

Quando Larry anunciou que se casaria com Sophie uma moça conhecida desde a infância de ambos, mas que se perdera frequentando os cafés e cabarés mal afamados de Paris, Isabel ficou transtornada e armou um ardil para que a moça se embriagasse no dia de escolher o vestido, fugisse do casamento e voltasse à vida anterior, bebendo, até ser assassinada.



Larry



Esse personagem é o contraponto de toda a futilidade da vida dos demais personagens.

Falsificando a idade, pelo Canadá, foi para a guerra, como aviador.

Nas missões, viu a morte de um amigo, também aviador, que morrera após o salvar.

Essa tragédia fê-lo mudar de atitude e pensara a partir desse trauma encontrar razões para a própria vida.

Dai o desejo de "vadiar". 

Permanecia horas estudando línguas, inclusive algumas orientais.

Saiu pelo mundo, trabalhou em mina de carvão, com todos os percalços de convivência com um companheiro polonês desbocado, mas culto, com mulheres de seu alojamento...


Mas, foi na Índia que teve experiências espirituais que mexeram com sua interioridade.

Num ritual que lá aprendera, curara a "terrível" enxaqueca que atormentava seu amigo Grey.

Em contato com Shri Ganecha (shri, termo de respeito ao praticante da espiritualidade, entre outros), vendo nele santidade, apreendeu sobre princípios da vida terrena, da maldade - porque existir esse jogo do bem e do mal promovido pelo Absoluto? -, da falta de respostas que a existência impõe, a questão da reencarnação cujo objetivo dessa sequência de vidas, muitas com sofrimento se perde no silêncio da alma...


Mas, o personagem descreve nesse clima místico, um êxtase de felicidade espiritual ao contemplar a beleza das montanhas e da floresta quando na Índia:


"Felicidade tão intensa que chegava a ser dolorosa, procurei libertar-me dela, pois sentia que se durasse mais um momento, eu morreria: e no entanto era um êxtase tão grande que seria preferível morrer  a ter que renunciar a ele." 


E onde estaria Larry, no final da história com seu desprendimento, pela renúncia à "glória" e à riqueza?

Talvez empregado numa oficina mecânica ou motorista de taxi em Nova York.



O livro não é só isso, isso é muito pouco. Como disse o livro beira a 450 páginas.





 




quinta-feira, 12 de maio de 2022

IRACEMA de José de Alencar

 LIVRO 93


Nos meus tempos de ginásio (ou antes), o encanto destas frases que dão início ao romance Iracema escrito em 1865:

Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;

Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;

Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.

Significados de palavras tupis-guaranis expostos pelo Autor em suas "Notas":

 ● Iracema em tupi-guarani significa lábios de mel

 ● Jandaia se refere a "periquito grasnador" que como explica o Autor, deu origem ao nome Ceará que "na língua indígena", segundo a tradição, "significa o canto da Jandaia.

Diz Machado de Assis, em sua crítica à obra Iracema que se trata de poesia em prosa, uma obra prima.

Na edição que tenho em mãos, há notas introdutórias da professora Angela Gutiérrez que ressalta o valor da obra, fazendo referência a nomes que são comuns hoje, personagens ou imagens do romance, como Iracema, Caubi, Irapuã... e nomes de entidades como TV Verdes Mares, Rádio Iracema...

Pois bem, a história muito leve ressalta a virgem Iracema pertencente à tribo dos tabajaras filha do Pajé Araquém que é surpreendida ao se deparar no meio da mata com um jovem branco, Martim. Numa reação de surpresa ela o fere com uma flecha e pergunta como pode ele falar sua língua. Esse incidente apenas aguça a paixão que nasce entre ambos.

  Martim, de origem latina, procedente de Marte - o que pode significar "guerreiro", como aliás a obra revela.

Embora ele fosse aliado dos pitiguaras, inimigos mortais dos tabajaras, tendo um amigo indígena daquela tribo, Poty, considerado seu "irmão", Martim se hospeda na cabana de Araquèm, Pajé, pai de Iracema e lá nasce aquele romance, aquele desejo contido que vai crescendo.

Mesmo quando revela que está grávida, o Autor em alguns episódios ainda a qualifica de "virgem", chamando-a de esposa.

Como se deu o "casamento"?

Iracema, feita por ela, oferece uma bebida a Martim, "o vinho de Tupã" - a bebida sagrada dos tabajaras feita com a jurema. Ao tomar a bebida, "todos sentem a felicidade tão viva e contínua, que no espaço da noite cuidam de viver muitas luas".

Foi nessas "espaço da noite" que Martim faz de Iracema sua esposa mas pelo efeito da bebida ao acordar pensou que vivera apenas um sonho...

"Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras".

 Jurema: árvore com folhagem espessa, que produz fruto amargo que com outros "segredos" era produzida uma bebida alucinógena com os efeitos do haxixe e, dai as alucinações agradáveis, sonhos "tão vivos"... 

Martim, mesmo aliado dos Pitiguaras, permaneceu vivendo na aldeia Tabajara, suscitando a revolta por ser ele aliado dos inimigos e o ciúme de Irapuã que desejava Iracema.

O Pajé para assustar Irapuã furioso de sua cabana e o afastar do ataque a Martim,  pratica um truque que nada tinha de sobrenatural. 

Irapuã: mel redondo.

Com os cuidados de seu irmão Caubi, Iracema e Martim fogem para a aldeia dos pitiguaras e lá ele se depara com guerras entre as duas tribos, vendo ela com amargura o sangue de muitos de seus irmãos tabajaras.

A morte de Iracema fora anunciada por ela: 

- Guerreiro branco, Iracema é filha  do Pajé e guarda o segredo da Jurema. O guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria.

Vi nessa frase o anúncio possível da morte de Martim se possuísse Iracema mas ele reage porque como guerreiro do seu sangue, "trazem a morte consigo".

Iracema sempre muito insegura, percebendo que Martim poderia estar saudoso de sua terra e de sua virgem loira.

Martim se afasta por "oito Luas"  (cerca de dois meses) em guerra com outras tribos, ao lado de Poty dos Pitiguaras.

Quanto volta trilhando os campos de Porangaba... "tem medo de chegar; e sente que sua alma vai sofrer quando os olhos tristes e magoados da esposa entrarem nele" 

Os latidos do cão Japi poderia ser de alegria.

Porangaba: entre outras origens, significa beleza;

● Japi: significa "nosso pé".

Ao se aproximar, encontra Iracema combalida, segurando o filho:

- Recebe o filho de teu sangue. Era tempo, meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe!

Iracema foi sepultada ao pé do coqueiro que ele amava.

Muitas vezes lá esteve Martim para "acalentar no peito a agra saudade".

Mas, o final profundamente real quanto inexorável:

"A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro: mas não repetia já o mavioso nome de Iracema".

"Tudo passa sobre a terra."

 ▬

O "poema em prosa" Iracema não é só isso. O pequeno livro tem muito mais do que essas linhas simples. Há todo um vocabulário dos termos indígenas.


Do mesmo Autor acessar:

SENHORA

TIL

domingo, 1 de maio de 2022

PROMETEU ACORRENTADO de Ésquilo

LIVRO 92

VER NO FINAL INFORMAÇÃO IMPORTANTE


  

Ésquilo nasceu por volta de 525 AC em  Elêusis, próximo de Atenas e faleceu em 456 na Sicília. 

PROMETEU ACORRENTDO, escrita em 470 AC é mais uma tragédia grega. 

Em Édipo Rei (*) e Prometeu, há a predominância do cumprimento inexorável do destino. 

Nesta obra de Ésquilo o destino tem a ver com o castigo de Zeus tal qual proclamam hoje correntes espirituais que falam na "lei do retorno", na "lei da causa e efeito."

Mas, há que se afirmar que Zeus é um deus pagão. 

Essa tragédia tem os personagens seguintes além de Prometeu:

Poder e Força: Sob cujas ordens é executada a punição a Prometeu;

Hefesto: designado para acorrentar Prometeu numa "rocha varrida", que lamenta muito cumprir a missão imposta mas a executa, deixando Prometeu numa situação "ultrajante".

Oceano: Aliado de Prometeu que dele se aproxima em seu local do castigo e demonstra o desejo de interceder perante Zeus para minorar seus sofrimentos. E chega a aconselhar: "E por inteligente que sejas, desejo dar-te o mais salutar conselho. Conhece-te a ti mesmo e adota modos novos, pois um novo senhor reina sobre os deuses". Prometeu, porém, rejeitou a ajuda porque receava que Zeus fizesse contra o Oceano, algum tipo de retaliação.

Io: filha de Ínaco: que Zeus amava, mas pelo ciúmes de Hera (esposa de Zeus) foi expulsa pelo pai de casa e deixada à própria sorte no deserto, por terras estranhas, habitantes perigosos. Ela chega até Prometeu mas segundo as profecias dele, Io finalmente, pelo "capricho do Destino, uma grande colônia será fundada por ti Io e pelos teus filhos". 

Hermes: filho de Zeus que vai até Prometeu para saber de suas previsões sobre a perda do trono pelo pai, após um casamento...

Coro das Oceânidas: Aliado de Prometeu que sofre com ele o castigo que lhe impôs Zeus. 

Prometeu fora duramente castigado por Zeus por ter dado aos mortais, aos homens, ensinamentos e segredos conforme explana já acorrentado nas rochas. Ele se refere ao que ensinou e inventou em benefício dos mortais:

 ● A construir moradias  com tijolos e madeira para que saíssem os mortais das cavernas escuras;

 ● A distinguir as estações de inverno e a das flores , dos frutos e da colheita;

 ● Inventou o sistema de números e o alfabeto;

 ● A subjugar os animais para fazerem os trabalhos mais pesados;

 ● Os navios para os marinheiros correrem os mares;

 ● A utilização do fogo...

"Vede como está preso em correntes o miserável  deus que sou, o inimigo de Zeus, que incorreu no ódio de todos os que frequentam a corte de Zeus porque amou demasiado os homens."

Mas, Prometeu exalando o ódio contra Zeus, declara que ele perderá o trono depois de um casamento do qual se arrependerá, porque a esposa lhe dará um filho mais forte que ele.

Então, a tais presságios se apresenta Hermes a mando de seu pai Zeus para saber "que casamento é esse que fazes tanto barulho".

Prometeu, ao ser acusado por Hermes de que delira e está doente, ele responde:

"Se estar doente e odiar os inimigos, então, sim, estou doente."

Então, Hermes, agrava o castigo de Prometeu informando que o "cão alado" de Zeus, o "abutre sanguinário", devorará "com voracidade grandes pedaços do seu corpo (...) que virá todo o dia fazer seu repasto e o dia inteiro vai mastigar a negra iguaria que é o teu fígado". 

No dia seguinte, o fígado recuperado era novamente devorado.

E Hermes não lhe dá esperança de breve reparo ao castigo, mas lhe diz:

"Então olha ao teu redor, reflete, e não acredites que a teimosia valha mais que uma sábia deliberação."

E o Coro aliado de Prometeu, no final, sob ameaça de Hermes a possíveis retaliações de Zeus contra ele, Coro, diz:

"Usa de outra linguagem e dá-me conselhos que eu possa escutar. Acaba de dizer frases intoleráveis. Como podes ordenar que eu cometa uma covardia? O que ele deve sofrer, quero sofrer com ele. Aprendi a odiar os traidores. De nenhum outro vício tenho mais horror."

E a frase final de Prometeu:

"Ó minha venerável mãe e tu, Éter, que fazes rodar ao redor do mundo a luz comum a todos, vede o tratamento ultrajante que me infligem?"


FINAL DA HISTÓRIA

Em Prometeu Acorrentado, o destino dele está ligado aos desígnios de Zeus que o castiga pela ajuda aos mortais e mesmo ao ódio externado ao deus.

Há excessos? 

Depois dessas obras (Prometeu, Édipo Rei) filósofos gregos tentaram mudar os rumos adotando a liberdade de pensar se afastando dos desígnios do destino.

Porém, depois de 2500 anos, até hoje, com tanto "progresso" sabemos ou controlamos o essencial da vida? Como explicar tantas diferenças entre os semelhantes, as dores físicas, morais. Seriam castigos? Se sim, por quê? Por quem?

O essencial da vida não entendemos ou não nos é dada a compreensão.

 

 (*) Acessar:

ÉDIPO REI de Sófocles


ESSA RESENHA PODE SER COMPARADA COM AS OBRAS: ÉDIPO REI de Sófocles e MEDÉIA de Eurípedes. bastando acessar EDIÇÃO ESPECIAL DAS TRÊS TRAGÉDIAS:

TRÊS TRAGÉDIAS GREGAS