Livro 31
Quem leu obras de
Saramago, sabe de seu estilo diferente de qualquer outro autor. Praticamente
não usa ponto ao final de frase, que é substituído por vírgulas dando o mesmo
efeito daquele e, principalmente, não usa travessão nos diálogos e nem ponto de
interrogação.
E o vocabulário é do
português de Portugal, páginas densas e às vezes difícil de acompanhar. Ao
nível da irritação.
Além de “Memorial do
Convento” eu li “Ensaio sobre a cegueira” que não gostei porque a violência
eclode mesmo entre nós todos que enxergamos, e também “O Evangelho segundo
Jesus Cristo”. Nesse livro talvez seja a primeira revelação literária de que
Maria Madalena fora esposa ou companheira de Jesus. Mas, como prostituta
redimida e não como esposa espiritual de Jesus que o acompanhou em sua pregação
razão do desprezo que recebeu da Igreja Católica.
Desses dois livros
embora lidos não tenho, pelo tempo decorrido, condições de os comentar por ora.
“Memorial do Convento” é um livro com
347 páginas “cheias” composto de várias fazes
A história se desenvolve no início
dos anos 1.700, em Portugal.
O rei Dom João V está angustiado
porque a sua esposa e rainha D. Maria Ana não engravida.
Mas, o frei Antônio de S. José disse
que ele teria os filhos que quisesse mas haveria que prometer construir um
convento franciscano em Mafra, distante uns 30 quilômetros de Lisboa.
E, feita a promessa, vieram os
filhos.
[“Em noites em que vem el-rei, os percevejos começam a se atormentar mais tarde por via de agitação dos colchões, são bichos que gostam de sossego e gente adormecida. Lá na cama do rei estão outros à espera do seu quinhão de sangue, que não acham nem pior nem melhor que o restante da cidade, azul ou natural”].
E a promessa foi cumprida, mas a
epopeia da construção constitui-se uma das partes do livro.
Na sequência ingressa na história o ex-soldado
Baltazar Mateus, o Sete-Sois, dispensado do exército porque um tiro em batalha
com os espanhóis perdera a mão esquerda e não servia mais para as armas.
Em substituição à mão, mais tarde,
seria adaptado um gancho.
Perambulou por Mafra, foi para Lisboa
– fétida, lamacenta e suja -, para sobreviver mendigou nessa vida sem esperança
até que conheceu Blimunda ao acaso quando ambos lado a lado assistiam atos
públicos do “santo ofício” que expunham todos os condenados pela inquisição.
Entre eles, estava a mãe de Blimunda,
Sebastiana Maria de Jesus, que dizia ouvir vozes do céu mas disse o tribunal
que a condenou que eram “efeitos demoníacos”. Fora condenada ao açoitamento e o
degredo por oito anos em Angola.
A mãe de Blimunda vê ao lado da filha
o padre Bartolomeu Lourenço e também um homem alto que a impressionara muito.
Passou a condenada por Blimunda que naquele instante quis saber quem era aquele
homem alto ao seu lado (algum tipo de transmissão telepática entre a mãe e a filha?).
Era Baltazar Sete-Sóis
Era Baltazar Sete-Sóis
Unem-se sem se casarem, um
sacrilégio.
Blimunda, em jejum, pela manhã, tem
poderes de ver as vontades das pessoas, não a alma, e também as coisas “por
dentro” (!).
Assim, para nunca ver as vontades das
pessoas, nem de Baltazar, comia pão de olhos fechados para suspender esse seu
dom.
A ligação de Baltazar com o padre
Bartolomeu Lourenço (de Gusmão) se deu após pedir ajuda a ele que indagasse os
desembargadores se seria possível concessão de pensão como forma de reconhecer
a perda de sua mão esquerda em batalha.
E nesses contatos, o padre, conhecido
como voador, porque fizera experiência na corte de João V com balões leves
(aeróstatos) que subiam impulsionados tenuemente por ar quente.
Fazem uma parceria incluindo Blimunda
– a quem “batizara” de Sete-Luas -, para construir a passarola, um aparelho que
voaria com velas e esferas de âmbar.
Aqui a ficção.
Pronta a passarola, bate o vento um
dia e ela alça voo, e flutua por muitos quilômetros. Os que na terra a viram no
alto, acreditavam tratar-se da aparição do espírito santo.
A outra parte do livro descreve a
epopeia para construir o convento e a igreja em Mafra, o grande sacrifício para
conseguir profissionais, obter o material, o seu transporte e até mesmo uma pedra
imensa, puxada por centenas de bois.
Sete-Sóis trabalhara nessas obras
fazendo transporte manual de materiais e deslocamentos de terra, mesmo com o
gancho que ostentava no braço esquerdo.
Em meio a essas obras, deu-se o
casamento da filha do rei João V com o príncipe Fernando da Espanha, tudo
relatado com detalhes por Saramago.
Sete-Sóis nunca esquecera a passarola
e frequentemente voltava onde ela estava escondida entre a mata para mantê-la e repará-la.
Num dos últimos episódios do livro
Baltazar Sete-Sóis volta à passarola e desaparece. Blimunda angustiada o
procura por nove anos, comete um crime, assassinando um monge que tentara
estuprá-la num noite de descanso numas ruinas de um convento.
Até que o encontra numa fogueira da
inquisição mas protegida por uma “nuvem fechada”: “Então Blimunda disse, Vem.
Desprendeu-se a vontade de Baltazar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas,
se à terra pertencia e a Blimunda”.
Realidades:
Bartolomeu Lourenço de Gusmão, o
padre “voador”
Nascido em Santos, em 1685 e
falecido em Toledo – Espanha em 1724, esquecido, doente, considerado inventor
talentoso conseguira resultados positivos em suas experiências na corte
portuguesa com os aeróstatos (balões).
Não seriam a origem dos balões atuais?
Não seriam a origem dos balões atuais?
Perseguido pela inquisição pela
suposta simpatia devotada aos “cristãos-novos” (judeus).
Seus restos mortais foram trazidos
para São Paulo em 2004 e sepultados na cripta da Catedral da Sé, localizada no
subsolo sob o altar-mor ao lados dos túmulos dos bispos e cardeais que
comandaram a arquidiocese da cidade.
A passarola
Um “projeto” controvertido, atribuído
a Bartolomeu de Gusmão, objeto de deboche que nunca voou porque não teria
condições para tanto.
Convento de Mafra
Uma das obras magníficas de Portugal:
foi iniciada em 1717 e sagrada em 22/10/1730, ainda não terminada, aniversário do rei João V que por isso exigiu sua
inauguração e por ser domingo, tem área de 40 mil m² possibilitando alojar 300
frades.