Muitos foram os livros lidos cujos conteúdos se perderam porque após a última página foram repostos numa estante e lá esquecidos. Passou o tempo e eu não mais me lembrava do que lera, salvo fragmentos. Para alimentar crônicas no blog "Temas Livres" num dado momento passei a resenhar e a comentar os livros que de algum modo me acrescentaram algo. Algumas dessas resenhas foram selecionadas neste blog dos livros lidos.
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quarta-feira, 17 de junho de 2020
SENHORA de José de Alencar
É o segundo livro que leio do Autor. O primeiro foi Til. (*)
"Senhora" foi publicado em 1875.
Resolvi "encará-lo" para sair daquilo que já chamei nestes comentários e resenhas, de livros "cabeça".
"Senhora" é um romance de "amor" cheio de voltas e o casamento dos apaixonados Seixas e Aurélia demora o livro todo para se consumar.
Fernando Seixas não era rico, mas frequentava a alta sociedade do Rio de Janeiro. Era honesto mas não se descuidava em levar alguma vantagem em operações pouco ortodoxas.
Ajudava a família, querido pela mãe e irmãs mas havia um distância entre a vida delas, muito humildes e ele assíduo frequentador dos salões de baile costume que exigia estampa, boas roupas e relacionamentos.
Uma frase bem atual ainda nesses tempos, referente a 12 contos de réis que sobrara à viúva encerrado o inventário de seu falecido marido:
"Partilhados os bens, D. Camila, a mãe de Seixas, por conselho de amigos, pôs o dinheiro a render na Caixa Econômica, donde ia tirando os juros semestrais com que acudia os gastos da casa, ajudada dos aluguéis de dois escravos e também de algumas costuras dela e das duas filhas."
Nesse romance pouco de comenta da escravidão: esse trecho acima foi um das poucos, esse dos dois escravos "alugados".
A escravidão notória naqueles tempos fora "escondida" pelo autor, realçando apenas a felicidade da classe alta nas suas festas e bailes.
Mas, e a Aurélia, quem era?
Uma menina lindíssima, filha de dona Emília, mulher pobre e doente, que fora casada com Pedro, um estudante que se apaixonara por ela.
Pedro, embora tivesse uma vida simples no Rio de Janeiro, era filho "natural" de fazendeiro rico.
Tiveram dois filhos, Emílio e Aurélia.
Pedro foi chamado pelo fazendeiro Lourenço, ao saber que seu filho se relacionava com uma "rapariga" no Rio de Janeiro, obrigando-o a que voltasse à fazenda do pai.
Ele deixa Emília e o filho mas promete voltar e todo o tempo remeteu meios para a manutenção da família.
Quando voltou por um tempo, nasceu Aurélia.
Ao retornar à fazenda por imposição do pai acabou falecendo por uma "febre cerebral".
Emília e seus filhos passaram muita privações.
Já crescidos, Emílio revelou-se um jovem frágil e de pouca inteligência e morreu logo. Aurélia, ajudava a mãe. Esta se preocupava muito com o futura da filha, tanto que queria vê-la casada.
E a incentiva a se por na janela e ser admirada pelos jovens em idade de casamento situação que Aurélia que a constrangia.
E aí aparece o Fernando Seixas que a pede em casamento mas não consuma o matrimônio porque se encantou com um dote de 30 contos que o pai de Adelaide lhe oferecera se se casasse com sua filha.
Aurélia sofreu muito com o rompimento de Seixas.
Nem com Adelaide Seixas se casou não muito explicado no livro.
Mas, então o sogro descobriu em documentos do filho que o casamento Emília-Pedro era de papel passado.
Vai, então conhecer a família de Pedro e se encanta com ela.
Passado um tempo, morre sua mãe e Aurélia fica órfã e vai morar com uma tia.
Morre o avô que lhe deixa uma fortuna em testamento. E Aurélia assume grande riqueza e passa a frequentar a sociedade do Rio de Janeiro.
Lindíssima, era cortejada por muitos "partidos", mas ela ironizava, não esquecia Seixas.
Obriga seu tio e tutor Lemos, a oferecer um dote a Seixas para que com ela se casasse, sem que noivo "comprado" soubesse quem seria a noiva.
Não muito explicado, porque Lemos já se encontrara com Seixas nos tempos do noivado quando Aurélia era pobre. Então não poderia haver nada muito secreto.
O acordo do dote é fechado em cem contos.
Dá-se o casamento mas ele só se consuma porque Aurélia passa a humilhar o marido "comprado".
Dá-se troca de farpas que se estende por páginas e páginas. Aurélia até oferece a liberdade a Seixas pelo divórcio mas ele se mantem firme porque havia um contrato a cumprir. Ele não assume a riqueza da mulher, continuando seu trabalho numa "repartição".
Cenas de ciúmes ocasional de parte a parte.
Mais para o final do romance Seixas obtém o valor de quinze contos de operação financeira que havia esquecido e com reserva de seu trabalho completa 20 contos - porque havia pedido adiantamento dessa quantia quando do acordo do dote para resolver pendência de sua própria família - não tendo apresentado o cheque de 80 contos (e Aurélia não se deu conta disso?), devolve os cem contos do dote e pede para recuperar sua liberdade livrando-se do casamento não consumado e da humilhação. E porque a riqueza de Aurélia seria um impedimento permanente para se obter uma relação conjugal aceitável, feliz.
Mas, então, Aurélia, que ansiava por sinais de que Seixas a amava, nesse momento de entendimento, ela revela de joelhos que o testamento que assinara designava o marido como seu herdeiro universal.
E ai entre beijos e declaração de amor, depois de 11 meses, "as cortinas cerraram-se, e as auras da noite, acariciando o seio das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal".
Até que enfim, após 11 meses nas suas 277 páginas.
Acessar: Til
segunda-feira, 25 de maio de 2020
RUMO À ESTAÇÃO FINLÂNDIA de Edmund Wilson
Para mim um livro importante. Eu já o lera há décadas e resolvi pela releitura, considerando a polêmica e o "medo" do comunismo que grassa em países do 3º mundo porque nas suas bases, permanecem os mesmos problemas do século XIX quando eclodiu o marxismo pela publicação em 1867 de "O Capital" de Karl Marx. Esses problemas são: a pobreza absoluta, trabalhos degradantes e mal remunerados, falta de saneamento, falta de assistência digna a esses marginalizados pela sociedade que a eles é indiferente.
Marx e seu parceiro Friedrich Engels amadureceram o marxismo tendo por princípio essas aberrações sociais, No seu tempo, além de um salário de escravidão, os operários passavam fome com sua famílias e crianças na tenra idade trabalhavam em fábricas até à exaustão.
Bom que se diga que no livro e de um modo geral, as palavras "comunismo" e "socialismo" são empregadas como sinônimas, mas no seu conceito há diferenças: o socialismo pode existir ao lado de atividades capitalistas e num processo que pode ser mais lento, os trabalhadores vão se assenhorando dos meios de produção e do poder que pode se dar num processo democrático.
O comunismo por sua vez insere no seu bojo, a revolução do proletariado pela tomada do poder extinguindo por esse meio, as fórmulas capitalistas de produção, a extinção da propriedade e a implantação da "ditadura do proletariado" na qual se sobressaem a igualdade e a a plenitude das relações de trabalho. Trabalhadores irmanados no "bem comum".
E de onde pode se encontrar de modo expressivo a origem da palavra "comuna".
Um exemplo significativo pode ser a "Comuna de Paris", de 1871. Essa Comuna fora constituída por trabalhadores que se opuseram ao armistício entre a Franca e a Prússia, cujos soldados cercavam Paris. A Comuna, apoiada pela Guarda Nacional se destacara por um governo operário, de igualdade entre eles, até que massacrada pelas forças ditas oficiais - da burguesia expulsa da cidade pela comunidade que assumira o poder, vitimando mortalmente milhares de seus defensores e presos outros tantos. Não chamados de comunistas, mas de comunardos. Mas, "comuna" de comum, comunidade. A Comuna de Paris teria sido elogiada por Mark-Engel como uma experiência de sociedade comunista ainda que durasse pouco.
O subtítulo do livro "Rumo à Estação Finlândia" é este: "Escritores e Atores da História".
Então, o autor antes de chegar a Marx-Engels, fez uma explanação sobre os escritores Michelet, Renan, Taine e Anatole France e suas ligações contra e pró-socialismo.
Michelet: um autor brilhante, contemporâneo de Marx, rejeitara o socialismo, porque "a propriedade na França já foi demasiadamente subdividida, e o sentimento de propriedade do francês é muito forte."
Renan: não encontrei laços fortes nas obras analisadas por Wilson no tocante ao socialismo, sim ou não, observando-se que "o objetivo de Renan é nos levar a percorrer os textos religiosos e filosóficos da antiguidade - muito embora, graças ao encantamento da imaginação que ele induz à medida que lemos, a atmosfera da época em que tais textos foram escritos seja recriada. Há a menção ao livro de Renan, "As origens de cristianismo".
Taine: na sua mente, as multidões da grande Revolução e o governo revolucionário de Paris identificaram-se com a revolução socialista da Comuna cujos membros, é bom que se ressalte, foram massacrados. Todavia, "Taine defende a lei e a ordem da burguesia assim que sente ameaçadas pela espécie errada de homem superior". Homem superior é aquele que mais integralmente representa o povo.
Anatole France: ele politicamente era socialista, mas em suas últimas obras "têm como único objetivo mostrar que as revoluções terminam gerando tiranias pelo menos tão opressoras quando aquelas que visaram derrotar".
No tocante aos nomes que o autor já qualifica como socialistas, dois se destacam, Graco Babeuf e Saint-Simon.
Babeuf, no leito de morte, seu pai o fez jurar sobre sua espada que defenderia até a morte os interesses do povo.
Saint-Simon que tentara o suicídio, nos seus escritos, invocara Deus aos "príncipes, que ouçam a Sua voz e se tornem bons cristãos (...) e que o cristianismo obriga aos poderosos a tarefa de melhorar o mais depressa possível a situação dos miseráveis!"
"Toda a minha vida pode ser resumida numa única ideia: garantir a todos os homens o livre desenvolvimento de suas faculdades."
Morreu com a mão à cabeça que fora baleada na sua tentativa de suicídio.
O livro de Edmund Wilson explana, também, na linha das origens do socialismo, as comunidades de Fourier e Owen.
Ambos pensaram numa nova fórmula de convivência, após assistirem o sofrimento impostos aos trabalhadores. Fourier vira a população de Lion "ser reduzida à mais abjeta degradação com o desenvolvimento da indústria têxtil e viu, num quadro de população esfomeada, carregamento de arroz ser inutilizado pelos patrões para que o preço aumentasse.
De se notar que o pensamento socialista sempre esteve ligado ao sofrimento da massa trabalhadora.
Fourier imaginou uma sociedade não de igualdade absoluta, mas premiando aqueles trabalhadores mais talentosos com algumas vantagens a mais. Os trabalhos desagradáveis teriam melhor compensação como também os trabalhos necessários. Mas, essa comunidade de capital privado - os investidores receberiam porcentagem sobre a renda auferida - não foi avante. Não houve interesse capitalista nos seu projeto.
Owen pensava na igualdade absoluta e enquanto administrador de um cotonifício na Escócia, converteu trabalhadores miseráveis, em profissionais bem remunerados, que trabalhavam menos horas, pelo que era adorado.
Owen em declarações públicas passou a atacar a religião, a propriedade e a família. "Uma força idealista subversiva". Então viajou aos Estados Unidos em 1824 na esperança de instituir por lá sua comunidade. Foi enganado por interessados e sócio desonestos e a despeito de seu idealismo as coisas não andaram bem. Comunidades owenistas surgiram. Mas, voltou em 1838 e morreu pobre em País de Gales.
O livro relata outros comunidades semelhantes nos Estados Unidos destacando-se a Comunidade de Oneida, havida no estado de Nova York que durou 30 anos (1847-1879), fundada por Humphrey Noyes gerida por princípios coletivistas-socialistas. Do ponto de vista da procriação na comunidade, um grupo de administradores escolhia os casais que não poderiam se unir, para conseguir sempre crianças melhores. A comunidade foi se extinguindo à medida que Noyes foi envelhecendo, enfrentando críticas quanto aos métodos adotados e porque não havia um líder que o substituísse.
Karl Marx era judeu, alemão, nascido em 1818 de uma família tradicionalista e religiosa. Ele escapou dessa influência, enveredou para a literatura desde jovem e estudou direito.
Karl Marx aos 25 anos se casou com a linda Jenny von Westphalen, quatro anos mais velha que ele de quem era apaixonado. Jenny ao lado dele e dos filhos, passaram as maiores privações, humilhações porque o marido não tinha aptidão para um trabalho regular, ganhava valores esporádicos com os artigos que escrevia.
Passou a estudar filosofia, principalmente o pensamento de Hegel além de se aprofundar nas teses socialistas desenvolveu conceitos que se projetariam no futuro. E nesse objetivo, com seus estudos e artigos e então sob a influência do amigo Engels conhecendo a miséria das classes trabalhadoras pensou uma revolução que desse a eles sua importância real, derrubando os capitalistas e a burguesia que dominavam os meios de produção e os oprimia com total indiferença.
O seu amigo e parceiro inseparável fora,
Friedrich Engels, alemão, nascido em 1820, filho de industrial da indústria têxtil era entusiasmado pela literatura e a música, mas se deparara com a miséria absoluta dos trabalhadores explorados nas fábricas e que, na sua infelicidade, enveredavam para o alcoolismo. Não tinham, afinal, o direito à felicidade como proclamara Saint-Simon, com o desenvolvimento de suas faculdades?
Engels começara um romance com Mary Burns, uma operária da fábrica Ermen & Engels que fora promovida a manejar uma nova máquina automática de fiar. Ela recusou a oferta de Engels em sustentá-la para não mais trabalhar mas aceitou que ele a instalasse com a irmã numa casinha suburbana modesta.
Marx se aproximou de Engels após receber dele um artigo para publicação num jornal alemão no qual era este colaborador. Marx gostou do artigo.
A partir dai as ideias e os ideais de ambos se uniram num trabalho intenso pensando numa revolução que mudasse a vida dos trabalhadores.
Mas, Marx não era dado a trabalho fixo. Claro que ocasionalmente recebia compensações pelo que escrevia. Esse ócio profissional que não fosse a atividade intelectual, levou sua família e seus filhos em épocas frequentes à miséria absoluta, a ponto de serem penhoradas até roupas de Jenny e filhas.
Então, sem se preocupar muito como Engels poderia obter renda e ajudá-lo Marx o cobrava de modo constante que lhe enviasse recursos para sobrevivência dele próprio e de sua família.
Em artigos a serem escritos em inglês, idioma que Marx não dominava bem, quem os escreveu foi Engels, mas a remuneração foi recebida por seu amigo.
Nessa parceria sobretudo intelectual escreveram o "Manifesto comunista" divulgado em 1848 um documento que deu uma direção ao pensamento de Marx-Engels, com os seguintes princípios básicos da proposta, a "derrubada à força de toda a ordem social vigente":
1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda da terra em proveito do Estado;
2. Imposto de renda fortemente progressivo;
3. Abolição do direito de herança;
4. Confisco da propriedade de todos os emigrados e sediciosos;
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, por meio de um banco nacional com capital do Estado e monopólio exclusivo;
6. Centralização dos meios de transporte nas mãos do Estado;
7. Multiplicação das fábricas e meios de produção nas mãos do Estado, aproveitamento das terras incultas e melhoramento de terras cultivadas, segundo um plano geral;
8. Trabalho obrigatório para todos; organização de exércitos industriais, particularmente na agricultura;
9. Combinação de trabalho agrícola e industrial, de modo a fazer desaparecer gradualmente a distinção entre cidade e campo;
10. Educação pública gratuita para todas as crianças, abolição de trabalho de menores e na indústria tal como é praticado atualmente. Combinação da educação com a produção material.
Ate chegar ao "O Capital" de Marx, os parceiros do comunismo abriram debates em relação ao pensamento do filósofo Georg W. F. Hegel (alemão, nascido em 1818 e falecido em 1883) especialmente a dialética que significa o estabelecimento de fases de mudança do mundo. Em três fases: a tese - um processo de unificação; a antítese - um processo de negação da tese e a síntese - a conciliação da tese com a antítese.
Para a dupla Mark-Engels, então, a tese era a sociedade burguesa que mantinha uma mentalidade feudal desagregadora, a antítese, o proletariado que nascera com o desenvolvimento industrial aviltado por esse sistema e a síntese a sociedade comunista que resultaria do conflito entre a classe proprietária e patronais e os operários mas o controle passaria a ser da classe operária, harmonizando os interesses de toda a humanidade.
Enquanto isso, e
não pode ser deixado de lado um evento interessante patrocinado pelo famoso
escritor Leo Tolstoi nessa época de ideias novas que eclodiam: o autor da obra
"Guerra e Paz" tentara em 1880 se desapossar de suas propriedades e
estabelecer uma forma de vida cristã, pela ausência de posses, não resistência,
abstinência sexual e trabalho braçal.
Com a explosão dessas ideias na Europa, reafirmadas em inúmeros congressos operários, como uma resposta ao comunismo proposto por Mark e Engels, em 15 de maio de 1891, o papa Leão XIII, difundiu a Carta Encíclica “Rerum Novarum”(Condição dos Operários).
Nesse documento, o papa refutava com veemência as teses comunistas, além de explanar com clareza todas as questões que então preocupavam: a propriedade privada, a questão social, as condições subumanas de trabalho, a longa jornada diária, a greve, os salários, o conflito entre o capital e o trabalho, etc.
Como se constata nestes trechos:
"A teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer para todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular”.
O papa Leão XIII preconizava por uma jornada de trabalho compatível com a dignidade do homem, pois “não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso de fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo”.
Recomendava ainda jornada mais curta para os que trabalhavam na extração de pedra, ferro, chumbo e “outros materiais escondidos debaixo da terra”.
O salário deveria ser suficiente “para acorrer com o desafogo às suas necessidades e às necessidades da sua família” e, “se for avisado, seguirá o conselho que parece dar-lhe a própria natureza: aplicar-se-á a ser parcimonioso e obrará de forma que com prudentes economias, vá juntando um pequeno pecúlio, que lhe permita chegar um dia a adquirir modesto patrimônio”. Pois, “a terra produzirá tudo em maior abundância pois o homem é assim feito: o pensamento de que trabalha em terreno que é seu redobra o seu ardor e sua aplicação”.
Incentivo ao entendimento entre operários e patrões:
“Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem inclusivamente a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado”.
As associações operárias deveriam ser livre e prudentemente organizadas ponderando: “se, pois, como é certo, os cidadãos são livres para se associarem, devem sê-lo igualmente para se dotarem com os estatutos e regulamentos que lhes pareçam mais apropriados ao fim que visam”. E mais adiante: “É necessário ainda prover de modo especial a que em nenhum tempo falte trabalho ao operário; e que haja um fundo de reserva destinado a fazer face, não somente aos acidentes súbitos e fortuitos inseparáveis do trabalho industrial mas ainda à doença, à velhice e aos reveses da fortuna”.
Quanto à greve, o papa Leão XIII a entendia danosa aos interesses comuns, propondo ao Estado, como remédio mais eficaz e salutar “para prevenir o mal”,(...) “a autoridade das leis (...), removendo a tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os conflitos entre os operários e patrões”.
Propunha o papa para aqueles “embebidos de máximas falsas e desejosos de novidades”, que “procuram a todo custo excitar e impelir os outros à violência”, devem ser refreados pelo Estado que, “reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e os legítimos patrões de serem despojados do que é seu.”
MORAL DA HISTÓRIA
1. O surgimento do socialismo nasceu da tragédia operária nos séculos XVIII ao XX. Trabalhadores explorados, vivendo miseravelmente, sem assistência, sem condições mínimas de higiene.
Todos os apontamentos nos rumos do socialismo culminando com o comunismo de Marx-Engels tem esse fio condutor, qual seja a de dar à época, o poder e a dignidade ao operário, com ideais de igualdade;
2. O comunismo / socialismo é até hoje invocado e preocupa porque há legiões de esfomeados, vivendo em condições precárias, inimagináveis, sem saneamento mínimo, sem vida digna. Os "sem vida" não têm nada a perder dai a aceitação do discurso próprio dessas ideologias à esquerda ou radicais;
3. Para mim, todavia, o comunismo como praticado, foi um fracasso. Com efeito, na União Soviética um ditador assassino, para manter-se no poder executou milhões de opositores ou apenas suspeitos. A Rússia hoje é um misto de república mas ainda com a cultura da manutenção no poder de presidente "eleito" mas que, pelos meios legais oficiais, vai se mantendo no comando, talvez, até o fim da vida, como se deu com Stalin. Putin está no poder desde 1999.
4. A China nos primeiros anos da década de 80, anunciou que se abriria para o mundo...capitalista. Hoje é uma potência econômica, faz sombra aos Estados Unidos, tornou-se uma referência tecnológica, mas parece que aqueles nichos de população perdidos no seu imenso território tem uma vida meio bárbara, pelo fome que passaram nos tempos de Mao Tse-Tung pelos alimentos que consomem. No que se transformará a China seguindo nessa marcha semi-capitalista? Não otimista, pode ser uma ameaça imperialista no futuro não tão distante. E, então, como se comportará?
5. A Coreia do Norte tem um povo infeliz que é obrigado a rir ou a chorar segundo o ânimo do seu ditador. Uma ditadura fechada que assim se mantém até pelo apoio e proteção chinesa.
Cuba perdeu aquele influxo comunista. Os cubanos fugitivos em Miami não pensam em voltar à pátria. Os poder cubano continua culpando o embargo americano para de certa maneira justificar sua decadência material;
6. Urge, principalmente no Brasil, resolver as tantas dificuldades de milhares de cidadãos que sobrevivem sem um minimo de recursos que lhe deem dignidade, negando a felicidade de viver. Ao propor tais medidas, não significa que se envereda pelos princípios do comunismo, mas de Humanidade.
7. Filosofando, espiritualmente ou não, não vejo muito possibilidade para a vida igualitária neste planeta, porque é o planeta das desigualdades e das penitências que tende a entra em crises profundas com o aumento maior da população e com a devastação ambiental. Não é aqui que atingiremos a Civilização mas temos ainda que por caridade menor o sofrimento de quem sofre.
Referências (*)
(*) No Brasil governado pelo Partido dos Trabalhadores, os políticos desse partido, ao se referirem aos adversários, diziam "eles", algo assim "nós" e "eles" separados no mesmo território. O modo de separar as ideologias, como se vê, vem de longe.
(**) Um filme de 1972, "O assassinato de Trotsky" dirigido por Joseph Losey, com Richard Burton ("Trotski"), Alain Delon (Ramon Mercader, espanhol, assassino de Trostski) e Romy Scheneider (amante do assassino), na sua introdução, informa que o enredo tenta mostrar a verdade dos fatos ocorridos no tempo em que o líder comunista estava exilado no México com sua companheira Aleksandra Lvonvna. O assassinato se deu em 21 de agosto de 1940.
O assassino foi apresentado claramente com distúrbios de personalidade, com timbres de homossexualidade e histérico. Quando é interrogado "quem era ele" apenas disse: "eu matei Trotski". A arma utilizada foi uma picareta de alpinista, um golpe na cabeça. Trotski resistiu ao grave ferimento, foi hospitalizado, mas faleceu.
Historiadores informam que a ordem de assassinato partir de Stalin. O assassino seria um espião de ditador russo, espanhol, mas o filme deixa no ar se a ordem partiu mesmo de Stalin. Bom filme.
Acessar: https://youtu.be/OLK6C6ekS-8
sexta-feira, 17 de abril de 2020
CRIANÇAS DE GROZNI de Åsne Seierstad
LIVRO 70
Grozni é a capital da Chechênia.
Sim da Chechênia um estado que faz parte da Federação Russa. Ora, um região tão distante. Qual o interesse?
Mas, o livro de Åsne Seierstad embora possa ter alguns páginas além do necessário (são mais de 400 páginas), houve momentos bastante interessante porque, sobretudo, revela costumes muçulmanos moderados da Chechênia e dos próprios russos que se expostos durante conflitos sangrentos.
A Autora muito jovem, nascida no ano de 1970 com poucos mais de 20 anos, se embrenhou naquela região de conflitos, tragédias e ódios como jornalista, correspondente de guerra
Ela é autora da obra "O Livreiro de Cabul" livro que se tornou um best-seller até porque o indigitado livreiro contestou seu relato. (*)
O povo da Chechênia durante a 2ª Guerra mundial, em 1944 foi acusado de estar aliado aos nazistas (chamados de fascistas no livro). Por essa desconfiança, 1/3 de sua população, por ordem de Stalin, coordenado pelo "carrasco" Beria foi deportado para a Sibéria em condições degradantes.
Somente em 1956, com a ascensão de Nikita Kruschev é que os sobreviventes puderam retornar à "pátria".
A Rússia em 1994 decidiu invadir a Chechênia que declarara sua independência 3 anos antes.
A invasão no geral foi um desastre, uma fragorosa derrota do exército russo surpreendido pelas forças chechenas muito além do esperado, que usaram granadas atiradas do alto dos prédios, incendiando os tanques russos. À fuga os soldados russos foram massacrados.
É que segundo revelado por altas fontes militares, o comandante russo Gratchov (Boris Ieltsin estava internado) teria resolvido atacar Grosni, a capital, por um capricho, após uma bebedeira.
Esse desastre humilhante foi transmitido pela televisão russa.
Em 1996 foi assinada a paz entre a Rússia e a Chechênia. Do ponto de vista político, a Chechênia tornara-se independente.
Mas, a paz fora relativa, porque ataques russos desde 1999 em solo checheno, revidavam escaramuças chechenas. O governo não conseguia controlar seus radicais. Mas, a Autora não diz isso.
Na sequência, violências extremas se deram por atos terroristas radicais chechenos, geralmente muçulmanos.
Em 2002, na invasão terrorista de um teatro nas imediações de Moscou, resultou em 200 vítimas. Um outro, mais grave, em 2004, ao invadir uma escola em Beslan com 1000 alunos (crianças), os terroristas executaram 314 pessoas a maioria crianças e ferindo cerca de 700 outras.
Já sob o poder de Vladmir Putin, nomeado que fora por Ieltsin, o conflito assumiu grandes proporções com milhares de vítimas de lado a lado e a capital Grozni destruída pelos russos e, nos seus escombros, as tragédias e o ódio mútuo entre os contendores.
O livro de Seierstad foi escrito em 2007. Ela revela que por ordem de Putin dera-se a reconstrução da Grozni e da Chechênia, a ponto de membros ligados à cúpula do governo checheno ou meros servidores o terem em boa conta, porque além das melhorias que patrocinava, houvera a paz relativa com governo nomeado e subordinado a Moscou. Desde então, 2007 até agora, a Chechênia e governada por Ramzan Kadyrov que a Autora entrevistou cujo teor da entrevista consta do livro.
Não vou a detalhes da obra com transcrições porque as advertências na edição, as impedem expressamente.
A Autora esteve pelos idos da primeira guerra Rússia-Chechênia em 1994/1996 viajando pelos dois países. Voltou depois em 2006 quando colheu mais informações e relatos das pessoas diretamente influenciadas pelos conflitos, convivendo com elas por algum tempo.
Esse o "caldo de cultura" da obra da Autora norueguesa.
Para viajar à Rússia e à Chechênia, muitas vezes a Autora, clandestinamente, alojou-se em modestas casas de ex-insurgentes, daquelas vítimas irrecuperáveis física e moralmente, ou que perderam membros da família, sofreram prisões ilegais e sem causa vivendo com elas todas as angústias do ódio e da reparação impossível. Essas experiências humanas colhidas tinham por objetivo constituir um quadro para o livro.
Mas, e as crianças de Grozni?
Um relato emocionado dos atos de caridade incondicional do casal Hadizat e Malik que atenderam a pedido da nova "administração de paz" da cidade, receberam algumas crianças que dormiam nas ruas porque perderam os pais, os parentes e não tinham onde ficar. Com o tempo, com a ajuda das autoridades locais, ganhando dois apartamentos para tanto, cuidavam de 50 crianças incondicionalmente.
Hadizat e Malik foram apelidados de os anjos de Grozni!
Mas, é relatada a tragédia dos irmãos Timur e Liana que perderam os pais durante a guerra que a Autora parece estabelecer como uma média dos efeitos danosos sobre muitas dessas crianças.
Timur e Liana foram viver com um tio, um sujeito alcoólatra que chicoteava a ambos para que obtivessem algum dinheiro, diariamente. Liana fora violentada sem parar por esse tio.
Timur antes de chegar à casa de Hadizat era malvado, matava cachorros a pedradas e Liana por todos os traumas pouco conseguia aprender na escola. Ela roubava tudo o que podia da casa, trazendo muitos transtornos e desgostos a Hadizat que não a punira nunca severamente.
Liana dizia que não conseguia parar de roubar. Timur, seu irmão, que prometia, um dia, matar o tio violento, deixara de a considerar sua irmã por causa desses roubos constantes.
Mas, Liana entregando a Autora um bilhete, pediu desculpas emocionadas à mamãe Hadizat que muito fazia por ela.
MORAL DA HISTÓRIA
Pelo que eu saiba aquele ódio pós guerras, depois de mais de um década pode ter arrefecido.
Mas, é justo perguntar: como estarão todas aquelas crianças que se assustavam, não dormiam ao ouvir os motores de um avião, de uma explosão, de se deparar com soldados fardados? Que faziam xixi na cama de medo?
Como estarão hoje? Sobreviveram a esses traumas?
Nas guerras, as crianças são sempre as maiores vítimas. Uma frase padrão para essas tragédias.
Ah, sim, no geral gostei do livro.
(*) Acessar: O Livreiro de Cabul
sexta-feira, 20 de março de 2020
AUTOBIOGRAFIA DE UM IOGUE de Paramahansa Yogananda
É no livro de Yoganada que todos os conceitos da meditação profunda, de manifestações místicas e milagres se sobressaem.(*)
Bom que se diga que, a despeito de suas próprias escrituras, principalmente o Bhagavad Gita, não poucas vezes Jesus foi citado por Yogananda, os evangelhos estudados, ora para afirmar seus ensinamentos, ora para comparar com as figuras crísticas de monges iogues, um deles seu guru.
Nesse livro, Yogananda não se refere Jesus como instruído nos ensinamentos indus, embora haja elementos para informar que a prática iogue poderia existir há mais de 2000 anos.
Os milagres praticados por esse iogues eram resultado da estreita intimidade com Deus, mercê da meditação profunda, da vida celibatária - embora um dos principais monges fora casado e trabalhara em serviços burocráticos antes - mas sobretudo pela fé inabalável na Divindade e na sua busca.
Para melhor entendimento dessa fé, dos milagres realizados por esses monges, de cura, de "dupla materialização" de seus corpos físicos se apresentando em locais distintos ao mesmo tempo, ressurreição como se se manifestou Sri Yukteswuar guru de Yogananda, e tantos outros, transcrevo a passagem do Evangelho de Mateus um "exemplo" significativo tanto no que se refere ao milagre da fé, como nas consequências de sua desconfiança (14:22):
22. E logo ordenou Jesus que os seus discípulos entrassem no barco e fossem adiante para a outra banda, enquanto despedia a multidão,
23. E, despedida a multidão, subiu ao monte para orar à parte. E, chegada já a tarde estava ali só.
24, E o barco estava já no meio do mar açoitado pelas ondas, porque o vento era contrário;
25. Mas, à quarta vigília da noite, dirigiu-se Jesus para eles, caminhando por cima do mar.
26. E os discípulos. vendo-o caminhar sobre o mar, assustaram-se, dizendo. É um fantasma. E gritaram com medo.
27. Jesus, porém, lhes falou logo dizendo. Tende bom ânimo, sou eu, não temais.
28. E respondeu-lhe Pedro e disse: Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas.
29. E ele disse: Vem. E Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas para ir ter com Jesus.
30. Mas, sentindo o vento forte, teve medo; e,começando a ir para o fundo, chamou, dizendo: Senhor, salva-me,
31. E logo Jesus, estendendo a mão , segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?
32. E, quando subiram para o barco, acalmou o vento.
Nessa passagem, então, se constata o milagre e a pouca ou nenhuma fé de Pedro. O trecho diz tudo.
Pois o livro de Yogananda é tudo de fé, convivência com seres humanos santos, milagres, pureza extrema e vida simples. Yogananda no seu dia a dia, nas suas aspirações nunca duvidava do que desejava. E obtinha as graças pensadas.
Quem são os principais gurus que influenciaram sua vida e sua ida mais tarde da Índia para os Estados Unidos?
São eles: o grande iogue e mestre Babaji, monge que vivia havia séculos (imortal), habitava algum ponto do Himalaia, que foi guru de Lahiri Mahasaya a quem Babaji ressaltou o fato de ter sido ele casado e pai de família, mas que não seria impedimento em buscar a intimidade com Deus. Lahiri Mahasaya fora guru de Sri Yukteswuar e este guru de Yogananda,
E é a partir desses personagens reais, mas não só, que se desenvolve a autobiografia, um livro de mais de 600 páginas admirável, sincero e, mais, sem medo de revelar realizações espirituais (milagres) por seus gurus e outros que considerava santos, sem qualquer reserva.
Diria que para o ateu esse livro pode significar um impacto a essa negação às divindades porque suas páginas são de inspiração mística, de eloquência na simplicidade.
Por escolha do guru Babaji, fora Yogananda designado para mudar-se para os Estados Unidos para levar os ensinamentos orientais àquele pais sem perder a oportunidade do próprio aprendizado convivendo com os americanos.
Na Índia ele se tornou educador fundando escolas nas quais a yoga sempre esteve presente. Nos Estados Unidos e mesmo em seu país proferiu dezenas de conferências, palestras e aulas.
Tornou-se importante nos dois países. Pelo amor dedicado aos americanos que aos milhares se aproximaram de sua filosofia e na Índia por revelar sua cultura milenar aos ocidentais.
Sempre que chegava ao seu conhecimento Yogananda procurava conhecer aqueles pessoas que tinham atributos santificados. Então visitou Tereza Neumann, a estigmatizada católica, que atacada pelos ferimentos de Cristo crucificado e surgiam as feridas na cabeça e nos membros aos quais houvera a agressão da crucificação. Yogananda informa que pôde ver o que se passava com ela, transferindo ao seu corpo todo o sofrimento de Cristo na cruz.
Também já na Índia visitou a "Mãe impregnada de alegria" (Ananda Moyi Ma) que na sua espontaneidade de criança teria profunda ligação com Deus.
E visitou, também a mulher Iogue que não se alimentava desde os 12 anos, condição obtida com muita oração ao ser desprezada por sua sogra por comer muito quando jovem. Gira Bala se alimentaria, apenas do éter, do sol e do ar.
Essa entidade é a editora do próprio livro de Yogananda.
Todo o relato inspirador do Autor se dá entre a década de 20 até o início da década de 50.
Seu nascimento deu-se em 05.01.1893. Morreu jovem, aos 59 anos de idade em 7.03.1952, logo após discursar num banquete em homenagem ao embaixador da Índia nos Estados Unidos.
Hoje, não busquei informações da aparição de santos iogues da envergadura daqueles que Yogananda conheceu e amou.
Mas, muita coisa mudou na Índia. População de mais de 1 bilhão de habitantes. Graves problemas de saneamento. O rio Ganges, sagrado, é um dos mais poluídos do mundo.
Por onde andarão aqueles seus luminares?
Se me for permitido comparar os santos crísticos iogues gurus de Yogananda com Jesus Cristo, parece que este foi muito mais atuante, no meio de povo que o seguia admirado pelos seus inumeráveis milagres de cura, em criticar abertamente os fariseus e, por fim, seu sacrifício em deixar uma mensagem do antes Dele e depois Dele. Não parece que os pecados de todos foram salvos na cruz, salvo a dos seus apóstolos a quem receberam poderes divinos, mas exposta uma nova fórmula de vida especialmente do perdão e da caridade, até hoje tão carente. Os pecados, as guerras e as agressões aí estão vistos a "olho nu", pequenos e grandes pecados.
Pelo seu poder de meditação, relata Yogananda sua disposições em bem interpretar e entender os Evangelhos do Novo Testamento, em oração silenciosa pediu a Jesus que o permitisse entender passagens de difícil compreensão nos relatos dos evangelistas.
Num dado momento sua sala de meditação se ilumina e Jesus chega até ele num "azul opalescente" e todo o esplendor de seu rosto jovem, seu olhar glorioso, diz Yogananda, "senti o poder que sustenta miríades de mundos".
Yoganada, na sua trajetória conviveu com inúmeras personalidades.
Os editores da obra parecem não aceitar muito transcrições de trechos do livro. Mas, Yogananda visitou Mahatma (Grande Alma) Gandhi, um politico-místico que a Índia deve tanto e que venceu pregando a não-violência vivendo na absoluta simplicidade contribuiu decisivamente para a obtenção da independência de seu país em 1947, convencendo os dominadores ingleses, por vezes truculentos. Foi assassinado em 30 de janeiro de 1948 por um "desvairado".
Fiquei emocionado com o que disse Gandhi sobre uma simples vaca:
- Para mim a vaca representa todo o mundo infra-humano: ela amplia a solidariedade do homem para além de sua própria espécie. Por meio da vaca, o homem é impelido a perceber sua identidade com tudo o que vive. (,,,) A vaca na Índia era a melhor comparação: ela é que trazia a abundância. Não só dava leite mas possibilitava a agricultura. A vaca é um poema de compaixão; lê-se piedade neste manso animal. Ela é a segunda mãe de milhões de seres humanos. Proteger a vaca significa proteger toda a muda criação de Deus." (***)
Yogananda visitava frequentemente o americano Luther Burbank, "um santo entre as rosas" a quem qualificava de horticultor, um cientista que fazia experiências positivas com plantas e até conversava com elas: "Além do conhecimento científico, o segredo para melhorar o cultivo das plantas é o amor".
[Nestes tempos de devastação ambiental, é sempre bom lembrar que, no simbolismo do Gênesis, o "verde" foi criado antes dos animais e do homem. Gesto de amor do Criador].
Há muito a aprender na "Autobriografia", mas vou, ainda, me referir ao karma que significa o cumprimento da lei da causa e efeito. O karma é uma espécie de grilhão que impede o ser humano de atingir a divindade, se não reencarnando muitas e muitas vezes pelos séculos até atingir um grau de santificação e possa habitar outros reinos, superiores.
A Terra é um planeta de diferenças e penitências. Por vezes os castigos são tão cruéis, tragédias coletivas tão difíceis de aceitar considerando que há Deus cuidando do Universo e de todos.
Mas, essas são as penitências que advertem severamente que o mundo das divindades não é este. Mas, há que se reconhecer que convivam lado a lado almas de elevado nível espiritual e de baixo vigor mental.
Além das penitência, este é o planeta do trabalho, das aspirações realizadas ou não. As não realizadas ficariam pendentes nesta passagem pela vida tanto quanto e os pecados praticados. As aspirações pendentes seriam realizadas em futuras reencarnações como os pecados não purgados na vida presente.
Este planeta de lutas "de causa e efeito" me parece, pode ser confirmado num dos livros de Yogananda, "A lei do sucesso" - que não li - mas ele trata do tema das aspirações com esta explicação resumida:
"Este livro explica os princípios dinâmicos para que a pessoa alcance as metas que tenha na vida e esboça as leis universais que produzem as realizações e o êxito, em termos pessoais, profissionais e espirituais."
Afinal de contas, nisso tudo não é criado o karma bom, nesses desejos e lutas realizados e não realizados?
Essas indagações são minhas mas claro que pelo que li no livro de Yoganada, admirável.
Tenho a impressão que um exemplo de remissão do karma (ou carma) se dá nos Evangelhos de Marcos 02.05.11.12. O karma é a lei da causa e efeito, tudo volta seja o que de bem seja o que de mal tenhamos praticado:
5. E Jesus, vendo a fé deles, disse ao paralítico. Filho, perdoados estão os teus pecados.
(...)
11. A ti te digo. Levanta-te, toma o teu leito, e vai para casa.
12. E levantou-se, e, tomando logo o leito, saiu em presença de todos, de sorte que todos se admiraram e glorificaram a Deus, dizendo: Nunca tal vimos.
O perdão do pecado por Jesus, resultou, então, na remissão do carma, mas essa lei continua vigente constituindo-se um dos mistérios irrespondíveis
´
"Os mistérios últimos de Deus não se acham "abertos ao debate". A decifração de Seu código secreto é uma arte que o homem não pode comunicar a outro homem; aqui, só o Senhor é o Mestre".
O riso sereno de Yogananda momentos antes de sua morte.
REFERÊNCIAS
(*) Livros que podem ter relação filosófica com o Livro "Autobiografia de um Iogue":
"Mistérios e Magias do Tibete" de Chiang Sing. Acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2017/07/misterios-e-magias-do-tibete-de-chiang.html
"A Vida Mística de Jesus" de H. Spencer Lewis. Acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2019/04/a-vida-mistica-de-jesus-de-h-spencer.html
(**) Crônica "A vaca e o bezerro sedentos"
Acessar:
https://martinsmilton.blogspot.com/2009/03/renuncia-carne-animais-brutalizados.html
domingo, 26 de janeiro de 2020
ENEIDA de Públio Virgílio Maro
(V. obs. no final)
A ENEIDA é um poema épico que conta a história de Enéias, troiano que escapou da guerra de Troia, como herói mesmo sendo seus exércitos derrotados pelos gregos que conseguiram entrar na cidade com o famoso cavalo de madeira ("o presente de gregos").
Nesse cavalo de madeira, de proporções, se escondiam militares gregos que praticamente destruíram Troia.
O exemplar que tenho de Eneida é em prosa, não em verso, como se constitui a obra de Virgílio, edição dos primeiros anos da década de 1940.
A obra de Virgílio foi publicada há mais de 2000 anos, pouco tempo antes do surgimento do cristianismo.
Concluí como mero ledor, não estudioso das obras gregas, que de Homero há dois livros fundamentais, Pela ordem os interessados deveriam começar pela Ilíada (*), obra densa, com cerca de 500 páginas, depois a Odisseia (**) e, por fim, o obra Eneida.
Isso porque pelo que constato, na Ilíada se encontra o relato da guerra de Troia, sua origem e mesmo a tragédia dos embates.
Na Odisseia a obra relata os dissabores de Ulisses após a vencida a guerra de Troia até conseguir voltar ao lar depois de 20 anos ausente.
E na Eneida, a figura de Enéias, guerreiro heroico de Troia e suas lutas para se instalar no Lácio, Itália.
Também ele vence obstáculos de toda natureza, o ódio e as ciladas da deusa Juno.
Mas, o livro tem cenas de amor, de suicídio por amor e muitas lutas violentas, a poder de lanças e flechas. Essas lutas ou guerras tinham por objetivo, além de conseguir extensões da Itália para fundarem os troianos comandados por Enéias uma nova cidade também, por elas a conquista de Lavínia noiva que lhe fora prometida pelo rei Latino mas que seria depois seu inimigo na guerra por injunção de Turno.
Na obra Eneida há também, como na Odisseia de Homero, monstros. Destaco as harpias que voando dos montes, batendo suas asas com "horripilante ruído", roubam as iguarias "sujam tudo com seu imundo contato" e exalam mau cheiro e seus gritos selváticos.
A heroína: Camila, de peitos nus, luta bravamente ao lado de Turno, mas é morta em combate.
Virgílio na "Divina Comédia" de Dante Alighieri, foi seu guia
Enéias com a ajuda de sua mãe, a deusa Vênus, escapa de Troia devastada pela gregos. No trajeto da fuga, na qual o acompanha seu filho Ascânio, desaparece sua esposa Creusa por ordem dos deuses do Olimpo.
Mas, qual a causa central dessa guerra? O rapto pelo troiano Páris, da linda espartana Helena, esposa de Menelau. Teria sido rapto ou fora uma decisão dela em fugir com o amado? São perguntas que os estudiosos fazem até hoje.
Na obra Eneida, se lê:
"Não lances a culpa à formosa e odiada Helena nem a Páris tampouco; foi a inclemência dos deuses que destruiu a poderosa Troia."
Quando conseguiu, com seus navios se afastar da região de Troia devastada, por má influência da deusa Juno, os ventos soprados pelo deus Eólio fazendo o mar revolto, os troianos aportam sem o saber nas terras Líbias, na cidade de Cartago na qual a bela Dido, a rainha, vinha construindo.
Enéias e seu grupo são bem recebidos em Cartago. Enéias relata a Dido todas as suas aventuras, as batalhas em Troia destruída e incendiada, evitado o reino de Ítaca, berço do cruel Ulisses, a morte brutal do velho Priamo, rei troiano...
Por obra de Citereia (Vênus), atacada por Cupido disfarçado, Dido se apaixona por Eneias e pensa em retê-lo para com ele viver. Se entrega a ele, mas Júpiter ordena que seja Enéias, avisado pelo mensageiro Mercúrico que não seria Cartago o seu destino e o obriga a viajar nos rumos do seus destino (fados) a Itália.
Eneias se emociona em deixar Dido. Esta, perdida de amor e pela fuga de seu amante, envergonhada, se suicida.
Chegando à Sicília, em homenagem a seu pai, Anquises, promove jogos fúnebres mas as mulheres troiana, cansadas das viagens e por sugestão de Juno, incendeiam navios. Então Eneias, funda a cidade de Acesta, deixando lá as mulheres e os inválidos, seguindo seu destino.
Aporta então Cumas e lá se encontra com Sibila, aquela que "inspira o furor divino e revela o futuro". Com ela desce aos infernos para ver a sombra" do pai, Anquises. Nesse ambiente sombrio constata todo o sofrimento daqueles que em vida pecaram gravemente, as desgraças que afetam os mortais, horríveis monstros...
Chegam na caminhada num ambiente mais sereno, nos "Campos Fortunados" onde se reúnem aqueles heróis, "dos que em peleja morreram pela pátria, os sacerdotes puros durante a vida, os vates piedosos, que disseram coisas dignas de Apolo, os que inventaram artes para melhorar a vida..."
Eneias encontrou a sombra do pai. Tenta abraçá-lo mas sendo uma sombra escapa pelos seus braços.
Anquises então explica ao filho o modo de renascer na terra, muita semelhança com os que pensam em reencarnação. São "almas depuradas" as que voltam à vida, "para que deslembrados do passado, tornem a ver a face da terra e queiram voltar aos novos corpos".
Prosseguindo na viagem chega à foz do Rio Tibre.
O rei Latino percebe a presença de estrangeiros e que pretendiam se apossar de extensões da Itália.
Nessa perspectiva estava Lavínia acendendo as chamas dos altares dos deuses ao lado do seu pai quando um prodígio se realizou ampliando-se o fogo por todo o recinto e queimando parte dos longos cabelos dela.
Foi considerado um presságio.
Então Latino consultou um oráculo. Este confirmou que um estrangeiro ilustre chegaria e deveria desposar sua filha Lavínia.
Latino recebeu Enéias e sua comitiva muito bem. Ofereceu área para que construísse uma cidade e ofereceu sua filha em casamento.
Eis que Juno, esposa de Júpiter que odiava os troianos, interveio para, por uma divindade do mal, "envenenar" Amata que cuidava do casamento de Lavínia com Turno.
Ela não convence Latino a romper com o prometido a Enéias e então o ódio e transferido a Turno que declara guerra os troianos, buscando somar ao exército italiano outros facções de reinos vizinhas.
Enéias, por sua vez, ao saber da guerra declarada também busca outros aliados. Orientado pelo deus Tiberino busca Arcade e pede o apoio do rei Evandro.
Evandro aceita ajudar destacando seu filho Palante para comandar o seu exército em apoio a Enéias.
Os combates violentos são descritos por Virgílio de modo realista, como neste trecho:
"Ouvem-se os gemidos dos moribundos, na sangueira rolam armas, cadáveres e cavalos a morrer acende-se áspera batalha".
Latino se arrepende muito de não ter mantido a promessa feita a Enéias, aceitando a guerra proclamada por Turno também pretendente de sua filha Lavínia.
Turno é auxiliado por sua irmã Juturna que pode ter ferido Enéias com uma flecha (a obra não revela isso) mas ele se recupera logo com a ajuda de Vênus.
Enéias e Turno eram exímios lutadores e praticamente venciam todos os adversários a frente.
Na luta final entre Enéias e Turno, havia a sensação de que este seria ele morto pelo adversário.
Turno permanece indeciso, medroso e a distância. Enéias, então, atira de longe a lança que trespassa a coxa de Turno que se ajoelha indo ao chão aquele corpo avantajado (v. a imagem da capa do livro).
Ao se aproximar do adversário caído, Enéias até vacilava em matá-lo, ouve dele que Lavínia lhe pertence, que ele vencera a guerra, mas vê nos ombros despojos do jovem Palante - filho de seu aliado Evandro - morto por Turno e, então, cheio de ira, "impetuoso embebe a espada no peito do inimigo".
MORAL DA HISTÓRIA
Não se subestime a fé dos mortais nesses poemas épicos aos seus deuses pagãos, porque as orações nos momentos difíceis eram as mesmas de hoje nas quais os crentes rezam para Deus ou suas Divindades: as orações dos mortais gregos e troianos pediam aos deuses, a vitória, a preservação da vida nas batalhas e nas intempéries, realização de desejos...
Então, nem se estranhe a presença permanentes dos deuses do Olimpo muitas vezes se relacionando com os mortais, porque tantos são os que creem que Deus e as Divindades de hoje também agem respondendo orações piedosas.
Há inclusive o cumprimento dos fados (do destino) que Júpiter reluta em mudar ao pedido que ajudasse Enéias nas batalhas.
Referências
(**) Odisseia de Homero.
Acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2019/09/odisseia-de-homero.html
(***) Divina Comédia de Dante Alighieri
Inferno
Acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2018/07/46-divina-comedia-paraiso-de-dante.html
Purgatório
Acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2018/03/41-divina-comedia-purgatorio-de-dante.html
Paraíso
Acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2018/07/46-divina-comedia-paraiso-de-dante.html
Acessar: ILÍADA, ODISSEIA E ENEIDA