Translate

sexta-feira, 30 de junho de 2017

OS SERTÕES de Euclides da Cunha

LIVRO 6

Depois de décadas ensaiando, consegui ler o grande livro de Euclides da Cunha. 

Gostei muito, mas tenho que reconhecer que certos momentos perdi um pouco o prazer da leitura ao me defrontar com aquele vocabulário rebuscadíssimo adotado pelo autor que, em momentos diversos, parece ao leitor comum, certas frases parecem ter um sentido indefinido.












Mas, a leitura do livro é persistência e entender que ele foi escrito nos últimos anos do século XIX. Ademais, não há que se desanimar com as longas descrições de acidentes geográficos que perdem o sentido até porque tudo pode ter se alterado depois de todos esses anos.

Para compreender essas descrições será necessário visitar as regiões, os locais e confrontá-los com os dias de hoje.


















Os Sertões" com 545 páginas é compostos dos títulos seguintes:

A Terra
O Homem
A Luta [A partir desse item tem início o relato da campanha de Canudos com outros títulos à medida que se agravam os combates e os conflitos graves].

A Terra

O livro foi escrito no final do século XIX. 

Então muitos acidentes geográficos contidos nesse capítulo e as pequenas vilas podem ter desaparecido ou se modificado.

A própria Canudos não está mais no local original. O que restara da cidade, foi inundado pelo Açude de Cocorobó constituído pelo Rio Vaza-Barris. A Canudos atual se refere à pequena cidade de Cocorobó que foi rebatizada para manter a tradição daquela Canudos histórica.  

Relata Euclides que caminhando nas proximidades de Canudos, se deparara com um cadáver de combatente mumificado resultado da "secura extrema da área".

As secas, às quais Euclides coloca prognósticos de suas causas, segundo levantamento que apresenta, as piores, de regra, variaram no séculos XVIII e XIX entre 9 a 12 anos entre uma e outra. 

As caatingas de solo seco, de "folhas urticantes", com espinhos, gravetos feito lanças agridem nesse ambiente de léguas e léguas.

Apesar desse aspecto desolador, destaca o Autor algumas plantas sobreviventes que podem ajudar o sertanejo sedento ou faminto.

A planta mais destacada é o umbuzeiro, "a árvore sagrada do sertão" que resiste àquele clima inóspito, produzindo um fruto de "sabor esquisito", comestível e que se presta a produzir doces em conserva.

O umbuzeiro é sadio naqueles campos secos, porque sua raiz é composta de batatas que armazenam água, suas reservas de sobrevivência mas que possibilita saciar a sede do sertanejo.

Nas chuvas, o sertão é um paraíso porque não só a flora como a fauna ressurgem.

Página preciosa, atual, se refere aos "fazedores de desertos", as queimadas irresponsáveis e criminosas, conforme trechos da obra:

"Esquecemo-nos, todavia, de um agente geológico notável – o homem. Este, de fato, não raro reage brutalmente sobre a terra e entre nós, nomeadamente assumiu, em todo o decorrer da história, o papel de um terrível fazedor de desertos. Começou isto por um desastroso legado indígena. Na agricultura primitiva dos silvícolas era instrumento fundamental – o fogo."

"Renovavam o mesmo processo na estação seguinte, até que, de todo exaurida, aquela mancha da terra fosse, imprestável, abandonada em caapuera — mato extinto — como o denuncia a etimologia tupi, jazendo dali por diante irremediavelmente estéril porque, por uma circunstância digna de nota, as famílias vegetais que surgiam subsecutivamente no terreno calcinado eram sempre de tipos arbustivos enfezados, de todo distintos dos da selva primitiva."

Depois, o aborígene "prosseguiu abrindo novas roças, novas derrubadas, novas queimadas, alargando o círculo de estragos em novas caapueras..."

"Veio depois o colonizador e copiou o mesmo procedimento...”

"Abriram-se desde o alvorecer do século XVII, nos sertões abusivamente sesmados (terras divididas), enormíssimos campos compáscuo (pastagem comum) sem divisas, estendendo-se pelas chapadas em fora."

"Abria-os, de idêntico modo, o fogo livremente aceso, sem aceiros, avassalando largos espaços, solto nas lufadas violentas do nordeste. Aliou-se-lhe ao mesmo tempo o sertanista ganancioso e bravo, em busca do silvícola e do ouro."

Euclides se refere à extinção dos desertos propondo a irrigação de imensas áreas. Porém, nos dias atuais há experiências importantes de recuperação de áreas desérticas que não se ampliam porque no grosso dos que exploram as florestas e a derrubam para ampliação de pastos há absoluta indiferença, trágica indiferença em relação às graves consequências dessa degradação que afeta o clima de modo amplo, incluindo a reserva de água potável.

O Homem

Ao tratar do tema "homem" Euclides envereda pelas origens, principalmente, do nordestino.

Dá destaque à mestiçagem, acentuando que a origem do mulato não se deu nos primeiros anos após a descoberta do Brasil,  mas em Portugal, no cruzamento de portugueses e negros.

Assim, diz Euclides, a gênesis do mulato teve uma sede fora do nosso país. A primeira mestiçagem com o africano operou-se na metrópole. Entre nós, naturalmente, cresceu. 

Mas, os índios aqui estavam e da mistura que passou a ocorrer entre brancos e índios (filhos mamelucos) e negros apreendidos na África e índios (os cafuzos).

Por isso que, linhas antes, afirma o Autor que

"Não temos unidade de raça,
Não a teremos, talvez, nunca."

Assim, reconhece que num futuro ainda que remoto estamos predestinados à formação de uma raça histórica:

"A nossa evolução biológica reclama a garantia da evolução social.
Estamos condenados à civilização.
Ou progredimos, ou desapareceremos.
A afirmação é segura."

Euclides dá destaque à influência do meio e ao analisar as condições do homem nos sertões nordestinos reconhece ali as dificuldades imensas de viver, pelo calor, pelo secas, pela caatinga agressiva, realidades que no sul não são encontradas.

Revela mais Euclides a influência paulista nos desbravamentos e conquistas naquelas terras no vale do (rio) São Francisco "que em contínuas migrações, procuraram aqueles rincões longínquos" povoando aquela região e também seus descendentes desde o século XVIII. Os jagunços seriam "os colaterais prováveis dos paulistas".

A frase célebre, sempre repetida: "
O sertanejo é antes de tudo um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênico  do litoral".

Mas, os qualificativos de Euclides ao sertanejo são "implacáveis". Diz ele:

"A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas".

Essa a linguagem do Autor. Mas, prosseguindo na descrição do sertanejo "forte":

"É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules - Quasímodo (*) reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. (...) E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo - cai é o termo - de cócoras, atravessando longo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes do pé, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridículo e adorável."

Mas, essa "preguiça invencível" dá lugar a transformações  completas, bastando "o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas". Transmutações completas...

[Página  muito estudada nos livros de literatura é a que descreve o "estouro da boiada" nas suas expressões fortes seguindo esse episódio que pode se originar de "incidente mais trivial - o súbito voo rasteiro uma araquã ou a corrida de um mocó esquivo" - mocó: roedor das caatingas de pequeno porte.]

Nessa mesma parte da descrição do "homem", insere Euclides uma visão biográfica de Antônio Conselheiro.

Descendente de família que no passado teve desavenças homicidas entre seus ascendente, os Macieis, homens bravos vivendo de vaqueirice e pequenas criações contra família rica, os Araújos:

"Foi um das lutas mais sangrentas dos sertões do Ceará..."

Todavia, revela o Autor que pouco se sabe do pai de Antônio Vicente Mendes Maciel (Conselheiro), salvo que era um homem irascível, mas de bom caráter, analfabeto, mas bom negociante e negociador.

O filho Antônio, até se casar vivera de modo muito correto. 

Com o casamento, levando vida modesta, fazendo serviços incertos, os atritos conjugais e um golpe terrível: sua mulher fora raptada por um policial.

Envergonhado, envereda para os sertões até chegar à Bahia, já com longas barbas, cabelos longos até os ombros, sem trato, olhos fundos, vestindo espécie de túnica azul longa "de brim americano".

E a partir daí foi arrumando seguidores ouvintes de seus sermões confusos até se aproximar da região de Canudos e ali iniciando com seus adeptos a construção precária de casebres umas ao lados das outras e, na área central um templo.

E lá, os jagunços armados.

Ao saber da proclamação da República em 1889 passou a criticá-la, num discurso que carecia de nexo. O triunfo do Anti-Cristo que oficializava o casamento civil.

Trecho de um verso "disparatado":

"Casamento vão fazendo
Só para o povo iludir
Vão casar o povo todo
No casamento civil."

Uma missão católica foi ter com Antônio Conselheiro ouvindo a animadora saudação da paz: "Louvado seja Nosso Senhor Jesus-Cristo!"

E a resposta:

"Para sempre seja louvado tão bom Senhor!"

Mas, essa missão não deu certo. Divergências quanto ao reconhecimento do governo republicano que a Antônio Conselheiro fora dito que ele defendia uma "doutrina errada". A resposta fora de que a falsa doutrina não era de Antônio Conselheiro. 

Um evento curioso, ao se referir o Conselheiro ao jejum "como meio de mortificar a matéria e refrear as paixões".  Para não exigir "demoradas angústias, porque "podia-se jejuar muitas vezes comendo carne no jantar e tomando pela manhã uma chávena de café", recebeu do religioso católico o seguinte admirado questionamento:

"- Ora! isto não é jejum, é comer a fartar!"

Insistindo o capuchinho no tema político, a sua missão fracassou. Antônio Conselheiro manteve-se firme em suas crenças confusas, afirmou que não desarmaria "sua gente" mas que não estorvaria a santa missão.

Os visitantes religiosos foram postos fora de Canudos, "fazendo-lhe sentir que deles não careciam para a salvação eterna."

(*) Quasímodo, personagem do livro  "O Corcunda de Notre-Dame" de Victor Hugo.

A Luta

 Esse capítulo explana sobre o primeiro conflito bélico, digamos, entre os adeptos de Antônio Conselheiro e as autoridades constituídas da Bahia e da... República. 

Conta Euclides, que o "santo" se tornara figura lendária, mas que "vinha de uma peregrinação incomparável, de um quarto de século, por todos os recantos do sertão, onde deixara como enormes marcos, demarcando-lhe a passagem, as torres de dezenas de igrejas que construíra..."

Canudos incomodava as autoridades, porque Antônio Conselheiro ali se  instalara, fechando-se garantido por cerca de mil homens robustos e destemerosos "armados até os dentes", pelo que lhe permitia imperar sobre extensa zona de difícil acesso...

Surgira, porém, uma questão "comercial". Para construir a nova igreja de Canudos, Antônio Conselheiro adquirira em 1896 uma partida de madeiras em Juazeiro que não fora entregue no vencimento avençado.

Então, com base em boatos "mais ou menos fundados", de que Antônio Conselheiro invadiria a cidade para obter à força a madeira não entregue. P
or ordem do Governador do Estado, em 4.11.1896 foi constituída força de "cem praças da guarnição para ir bater os fanáticos".

Muitas as dificuldades de vencer num território inóspito.

No dia 19, cansadíssimos chegaram à localidade Uauá em condições precárias de víveres.

A população à noite fugira em massa do lugar, prenunciado que Canudos estava já informada dos soldados.

O ataque dos sertanejos de Canudos  foi precedido de vivas ao Bom Jesus e ao Conselheiro. Os soldados pegos de surpresas se abrigaram nas casas e começou aí o tiroteio alimentando-se o conflito.

Por fim, os jagunços foram se afastando, carregando de volta a bandeira do Divino, descrevendo Euclides, que sob sol inclemente contorciam-se os feridos e estendendo-se os mortos e, "entre esses, dezenas de sertanejos - cento e cinquenta - diz a parte oficial do combate, número desconforme ante os dez mortos" e dezesseis feridos entre os soldados.

Mas, confirma Euclides que o comandante desistiu da luta mesmo com setenta "homens válidos".

Com derrota ou não das forças oficiais, o caso é que o fim de Canudos começara mas isso depois de centenas de mortos.

A reação não demoraria.

Sob o comando de Febrônio de Brito, major do 9º batalhão de Infantaria, fora organizada força militar em princípio por 200 praças e 11 oficiais compreendendo soldados das forças do exército e da força estadual. Depois, com o apoio do governo federal, essas forças chegaram a 543 praças e 14 oficiais.

Seguiam nos rumos de Canudos aparelhados por 4 metralhadoras, 2 canhões Krupp.

Euclides descreve a imensa dificuldades desse "comboio", a travessia de Cambaio - "a serra de Cambaio é um desses monumentos rudes" -,  em vencer os obstáculos no caminho, chegando em 29 de dezembro em Monte-Santo.

Mas, já em Monte-Santo havia os aliados de Antônio Conselheiro avaliando as forças que avançariam sobre Canudos

Dali os soldados seguiram para Canudos levando munições limitadas. Parte ficou em Monte-Santo. Mas, arrastados seguiam os canhões e as metralhadoras.

No dia 14.01.1897 a marcha foi "terrivelmente torturada" pela fome nos dias seguintes porque os dois últimos bois foram abatidos.

Os combates se iniciam. Com as armas dos soldados, os canhões e as metralhadoras, os jagunços chegaram a recuar, mas não abandonaram a luta.

Mas, em Canudos, houve pânico entre os fieis do Conselheiro, temendo que a força oficial chegasse até ali, mas tal não se deu. A tropa recuou, exausta, em farrapos, esfomeada até que salvos por um rebanho de cabras que invadiu o acampamento, algumas capturadas, que se tornaram um banquete para os soldados.

Euclides não é muito claro no número de vítimas. Eis o que disse na obra:

"Como na véspera, as perdas sofridas de um e outro lado estavam fora de qualquer paralelo. A tropa perdera apenas quatro homens, excluídos trinta e tantos feridos, ao passo que os contrários, desconhecido o número, foram dizimados.

Um dos médicos contou rapidamente mais de trezentos cadáveres. Tingira-se a água impura da Lagoa do Cipó (...) uma nódoa amplíssima, de sangue..." 

Expedição Moreira César

Diante desse novo insucesso, outra expedição (1897) fora organizada para exterminar de vez a resistência de Canudos. 

Moreira César, coronel do Exército fora designado para a missão.

De baixa estatura, famoso pelas suas vitórias, temido, implacável com os adversários ao ponte de ordenar fuzilamentos e, também,  segundo Euclides:

"Tinha o temperamento desigual e bizarro de um epiléptico provado, encobrindo a instabilidade nervosa de doente grave em placidez enganadora."

Essa doença influíra decisivamente no andamento das operações de ataque a Canudos as atrasando até que passasse a crise epiléptica. 

Moreira César subestimaria a determinação dos defensores de Canudos e do próprio Antônio Conselheiro que diariamente incentivava a fé e a crença no Bom Jesus contra os demônios a mando da República, o Anti-Cristo.

Sabedores da nova investida contra sua comunidade, os sertanejos se armavam. Euclides, relata esta particularidade:

"Não era suficiente a pólvora adquirida nas vilas próximas, fariam-na: tinham o carvão, tinham o salitre, apanhado à flor da terra mais para o norte, junto ao S. Francisco, e tinham desde muito, o enxofre. O explosivo surgia perfeito, de uma dosagem segura, rivalizando bem com os que adotavam nas caçadas."

As forças de Moreira César tinham no total 1.281 soldados cujas reservas chegavam a 60 mil tiros. Seguiam quatro canhões Krupp

Aquela dificuldade já mencionada do trajeto. Por força de invasão mudara-se o trajeto, mas nem por isso diminuiu a dificuldade em chegar até Canudos que crescia a cada dia em termos de sertanejos que iam chegando, mais famílias, mais homens, incluindo velhos e inválidos.

Imaginando que Canudos estivesse mal-armada, disse o comandante que a vitória se daria sem que qualquer tiro fosse disparado, apenas com o uso de baionetas:

Disse ele:

"- Vamos tomar o arraial sem disparar mais um tiro!... à baioneta!"

Confusos os soldados com os labirintos  e vielas daqueles casebres, invadiam as moradias avançando sobre os alimentos, sobre a água e nessa dispersão eram massacrados em ciladas.

Moreira César decide descer ao arraial para "dar brio àquela gente".

É alvejado na barriga gravemente.

Passou o comando ao coronel Tamarindo, um "homem simples, bom e jovial".

Mas seu comando já  não era o mesmo. Os combates se tornaram desordenados, uma "balburdia".

E depois, com a morte de Moreira César, considerado comandante invencível, os soldados que tinha as mesmas raízes dos jagunços e sertanejos de Canudos, foram assombrados por algo estranho, o terror sobrenatural.

Os mais crédulos falavam em lutadores-fantasmas quase invisíveis do lado de Canudos.

Pareciam alvejados mas se levantavam. 

Teve início a retirada humilhante. Armas foram deixadas pelos caminhos.

O coronel Tamarindo foi morto em combate.

"Um pormenor doloroso completou esta encenação cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco de angico, o corpo do coronel Tamarindo". 

Desertores?

A expedição fora composta por 1281 soldados. Muitas vítimas?

Euclides faz uma revelação surpreendente, de modo irônico:

Revela que os "trezentos e tantos mortos" ressurgiram. Logo depois, já se achava em Queimadas, a 240 quilômetros de Canudos grande parte da expedição. Uma semana depois, verificou-se a existência de 74 oficiais. E, "duas semanas mais tarde, no dia 19 de março, lá estavam - salvos - 1081 combatentes"

Então diz o Autor: "Vimos quantos entraram em ação. Não subtraiamos".

As perdas teriam sido de apenas 80 soldados (?!).


Esse revés e a crença de que a República estava em risco, "a multidão interveio".

No Rio de Janeiro houve a invasão nas redações e tipografias de três jornais monarquistas, que foram destruídos.

Quarta expedição

O capítulo da "Quarta expedição" e as expedições seguintes tomam 1/3 de "Os Sertões".

Surpreendente fora a resistência e a organização dos jagunços na defesa do arraial enfrentando todas as expedições. 

Esses jagunços e sertanejos convertidos pelo "santo" conheciam toda a região, para eles a vantagem de se esconderem na caatinga, a ponto de um só homem escondido em local estratégico, "invisível" fuzilar dezenas de soldados praticamente indefesos por não poderem reagir ou não saberem como reagir

A baixas foram enormes.

Além das dificuldades em vencer o terreno acidentado, encaminhar as rezes, puxar armamento pesado, a fome e a sede debilitavam os soldados.

Os feridos tinham a assistência precária gerando muito sofrimento caminhando com dificuldades por aqueles caminhos mal formados, sem proteção, enfrentando em condições piores, a sede e a fome.

Euclides dá destaque à "Coluna Salvaget" que no decorrer das descrições da campanha e dos múltiplos enfrentamentos essas tropas foram duramente derrotadas.

O próprio general Salvaget fora alvejado e permanecera fora de combate.

E nas escaramuças, o Autor vai relatando as baixas havidas nas tropas numa sucessão de relatórios "estupendos" (um adjetivo muito usado por Euclides) em que os números vão crescendo de modo impressionante:

"No entanto, a expedição atravessara violentíssima crise. Tivera cerca de mil homens, 947, entre mortos e feridos, e estes, com os caídos nos recontros anteriores, reduziam-na consideravelmente". 

Ao retornaram esses feridos esfarrapados e soldados sobreviventes que a tudo suportaram, foram recebidos comovidamente em Salvador.

E, então, romarias se faziam "ao quartel de Palmas, onde estava ferido o comandante Carlos Teles; à Jequitaia, onde convalescia o general Salvaget, e quando este último pôde arriscar alguns passos nas ruas, paralisou-se a atividade comercial e fora ele ovacionado.

Com tantas derrotas, tanta resistência de Canudos, aumentava o ódio da população nacional a Antônio Conselheiro e aos seus seguidores.

Nas campanhas seguintes, com novos reforços, as ações não mudaram muito do ponto de vista das dificuldades até Canudos.

Mas, a presença do ministro da Guerra, Carlos Machado de Bittencourt na área do conflito fez a diferença, ao constatar que os soldados necessitavam de apoio e de organização da campanha e, principalmente, não passarem fome, como se dera nas outras investidas.

Os resultados começaram a aparecer. 

Os ataques às igrejas principalmente a nova e suas torres foram derribadas por peças de artilharia de canhões.

Aos jagunços não havia compaixão. Eram degolados sumariamente num ritual rotineiro. E a resistência deles se reduzia pela diferença de forças, porque nessa última expedição foram reunidos cerca de 5 mil soldados bem nutridos.

Quanto aos prisioneiros Euclides
 relata que após tantos meses de guerra eles apareciam. Mulheres e crianças "em andrajos, camisas entre cujas tiras esfiapadas se repastavam olhares insaciáveis, entraram pelo largo, mal conduzindo pelos braço os filhos pequeninos, arrastados".

"Eram como animais raros num divertimento de feira".

"As mulheres era, na maioria, repugnantes. Fisionomias ríspidas. de viragos (
jeito masculino), de olhos zanagas (vesgos) e maus".

Aumentaria esse contingentes de prisioneiras à medida que Canudos ia sendo destruída revelando  a miséria, o abatimento e a magreza das prisioneiras, desta vez cerca de 600.

Em 22 de setembro falecera Antônio Conselheiro de disenteria e agravamento de ferimento antigo provocado por estilhaço de granada.

Ele, então, não veria o fim do arraial.

Antônio Beato, o Beatinho, fiel servidor do "santo", entregou-se e em negociação com o comandante retornou aos rebeldes para comunicar que se todos se entregassem teriam a vida poupada. 

Mas, Beatinho retornou conduzindo, o que não se esperava, um grupo de cerca de 300 mulheres, crianças e velhos nas mesmas condições das prisioneiras de antes.

Até que, 

"Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5200, cuidadosamente contadas".

Outubro de 1897. Último ato de um teatro de horrores.



Mas, "Canudos não se rendeu”.

Antônio Conselheiro

No dia 6 de outubro o corpo de Antônio Conselheiro foi exumado após indicação de um prisioneiro onde sepultado no chão de um casebre.

"Estava hediondo".

Pensou-se em sepultá-lo de novo, mas por fim sua cabeça foi decepada. Cena de horror.

Delírio da multidão. O crânio foi, então, encaminhado a exame científico. Nada de diferente. (*)


FINAIS
Na nota preliminar da 22ª edição diz Euclides que,

"Aquela campanha lembra um refluxo para o passado.
E, foi, na significação integral da palavra um crime.
Denunciemo-lo."

Quanto aos mortos, as informações revelam até 20 mil, sendo 5 mil soldados.

Os prisioneiros sertanejos eram degolados, mas houve aqueles preservados pelo que se constata na obra.

Um prognóstico: o que teria ocorrido com Canudos não fosse o ataque insistente das forças oficiais? 
O arraial não se esvaziaria após a morte de Antônio Conselheiro, tal a precariedade da vida naqueles 5 mil casebres?

A República corria algum risco naquela comunidade bruta?

Nas duas linhas finais da obra dizia Euclides:

"É que ainda não existe um Mausdsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades..." (**)

Referências:


(*) Eis que, depois de 120 anos passados, o presidente Jair Bolsonaro, promulgou a Lei n° 13829 de 15.05.2019 que “inscreve o nome de Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel) no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.
Mais que uma curiosidade, uma surpresa. Coisas do tempo, das redenções e até da compreensão de incidentes históricos lamentáveis como foi a destruição de Canudos e dos seus moradores miseráveis.

(* *) 
Henry Maudsley (1835–1918) foi um pioneiro da psiquiatria inglesa, com importantes contribuições à noção de responsabilidade penal e conceito de sociopatia (distúrbio mental pelo qual o indivíduo apresenta conduta antissocial), aliás, defendia exatamente a noção de irresponsabilidade, insensibilidade ou imbecilidade moral, sem nenhuma outra alteração das faculdades mentais observadas em alguns infratores o conduziu à noção de "determinação genética" denominada por ele como tirania de organização. (tyranny of organisation) (Wikipédia).

Gravuras:


Extraídas da 22ª edição de "Os Sertões" (1953) - Livraria Francisco Alves. Autor: artista Ib Andersen)



quinta-feira, 29 de junho de 2017

SÃO FRANCISCO DE ASSIS pelos Autores Johannes Joergensen e Jacques Le Goff

LIVRO 5




Crônica inspirada nos livros “São Francisco de Assis” do historiador francês Jacques Le Goff e “Francisco de Assis” do escritor dinamarquês Johannes Joergensen.

Os princípios que adotei foram desvendar aspectos históricos da vida do santo, modo de agir e sua relação com os animais. O homem, o santo histórico.

Entre uma fonte e outra há a confirmação de indícios de veracidade:

i.) A opção pela pobreza radical do santo, vivendo de esmolas e da caridade; sua aparência era de um “homem de aspecto muito desprezível e pequeno no tamanho”, passando por um “vil pobrezinho para quem não o conhecia”;

ii.) Amigo de todas as criaturas, homens e animais, irradiando aquele sentido fraternal, de amor e paz. Seguidor de Jesus Cristo. Na sua famosa poesia “Cântico ao irmão Sol”, lá está: “Louvado sejas, Senhor, com todas as tuas criaturas especialmente meu senhor irmão Sol...”

Neste trecho do livro de Johannes Joergensen é destacado o amor de São Francisco "por todas as criaturas", pelo animais, pelas flores, pelos pássaros. Para ele a cotovia era um pássaro especial como veremos mas a frente:

“Todas as criaturas eram para ele palavras vivas de Deus. Como todos os homens piedosos dava muito valor a todas as coisas e respeitava-as como se se tratasse de autênticas preciosidades. A criatura fazia-lhe compreender o Criador. Quando sentia a solidez inabalável e a força das rochas, imediatamente sentia também e reconhecia a força de Deus e o apoio que ele é para nós. A beleza de uma flor na frescura da manhã, ou os biquinhos abertos com ingênua confiança num ninho de aves, tudo isso lhe revelava a pureza e a beleza cândida de Deus, e a ternura do coração divino de onde tudo brotava.”

iii.) São Francisco rejeitava o trabalho intelectual, posição que chegou a lhe criar dificuldades perante parte dos seus seguidores que não concordavam com ela. Le Goff dá as seguintes razões:

1. a ciência como tesouro que desvia da privação que adotara e do estudo e prática dos evangelhos;

2. necessidade de livros que eram caros, luxo, contrapondo-se contra o voto de pobreza e 

3. o saber como fonte de orgulho e de dominação, “que contraria a vocação da humildade”.

iv.) No que se refere à abstinência à carne como alimento pelo santo, relata o autor Le Goff:

“No domínio do ascetismo alimentar, Francisco, que disso não encontra traço no Evangelho, defendia uma posição moderada. É lembrar-se da historinha de Giordano di Giano: Francisco come carne com Pietro Cattani, quando chega um frade com as novas constituições da Ordem, que proíbem comer carne. Reação de São Francisco: “Comemos, como ensina o Evangelho, aquilo que põem diante de nós...”  (V. Lucas 10.8) 

O autor Johannes Joergensen não só confirma esse relato como deixa entrever que São Francisco podia se alimentar de carne embora se repreendesse com muita veemência.

Muito doente, sofrendo muito com as chagas de Cristo que orara para delas sofrer, quase cego pela "doença dos olhos" que adquirira em viagem ao Oriente, tendo como causa o clima egípcio, com dificuldades para engolir teria dito: "Se tivesse um bocado de peixe, acho que seria capaz de o comer."

Mas há, também este tipo de auto-recriminação por ter comido galinha quando doente em outra ocasião:

“Francisco censurava-se a si próprio por muitas infidelidades que cometia contra Deus e não tentava escondê-las aos outros. Foi assim que, tendo adoecido, consentiu em comer carne de galinha durante a doença. Mas, mal se achou restabelecido, ouviram um frade que por ordem sua o arrastava, nu e com uma corda ao pescoço, gritar à multidão: “Venham ver este glutão, um miserável que comeu carne de galinha sem ninguém saber!” E como o povo louvava ainda mais entusiasticamente a sua humildade, ordenou a outro frade que o insultasse constantemente, para que, pelo menos desse lado, pudesse ouvir a verdade a respeito. E eis que o frade, bem contra vontade, começou a a chamar-lhe rústico, grosseiro, vadio inútil, e Francisco depois de o ter ouvido com um sorriso deliciado, respondeu-lhe: “Que Deus te abençoe, meu querido irmão, por essas palavras! Sim, é isso que precisa ouvir o filho de Pietro Bernardone!”

O seu cuidado com a manutenção estrita da pobreza fazia com que, nas refeições saborosas, as misturasse com cinzas para neutralizar o seu sabor, mantendo sua renúncia a qualquer ostentação ou orgulho mesmo com os alimentos cuja base era o pão.

A partir de certo período de vida, fazia milagres mas se afastava do enaltecimento por essas manifestações divinas que dele emanavam.

Do livro de Johannes Joergensen:

"No entanto, Deus quis que se ouvisse uma última saudação ao seu jogral divino, mesmo por cima da casa e por toda parte ali ao pé. Pois, mal se tinha extinguido para sempre a voz do santo, sentiu-se de repente no ar um frêmito sonoro: eram os fiéis amigos de São Francisco, as cotovias, que vinham dizer-lhe o seu último adeus." 

Viveu de 1182 a 1226 falecendo em Assis, Itália.



No "Cântico do Sol": 
Louvado sejas tu meu Senhor por nossa irmã a Morte corporal, porque nenhum homem vivo dela pode escapar...

Há ainda muito a conhecer sobre a vida do santo.





O 'canto' da cotovia 

A cotovia fora um pássaro contemplado por São Francisco -  a irmã cotovia. Seu pipilar suave descansa a mente.












quarta-feira, 28 de junho de 2017

ANA KARENINA de Leon Tolstoi

LIVRO 4



O livro de Leon Tolstoi foi publicado na íntegra em 1877.

Ana Karenina era uma mulher lindíssima. Casada, levando vida tranquila com seu marido brilhante, mas sem brilho, frequentava a sociedade irradiando encantos.

Conhece um aristocrata de seu núcleo social (Vronski) e por ele se apaixona perdidamente. Não esconde o seu amor.

Pensara ela num momento de corrida de cavalos da qual estava presente, sua paixão:

“Sou uma mulher má, uma mulher perdida”, pensou, “mas não gosto de mentira, não suporto a mentira, e ele (o marido) alimenta-se da mentira. Sabe tudo, vê tudo, e no entanto é capaz de falar com toda esta tranquilidade.”

O relacionamento de Ana e Vronski amadurece. Ana Karenina renuncia a tudo, ao marido, ao filho decidindo-se a se unir ao homem que ama perdidamente. E que é correspondida talvez não com a mesma intensidade.

Seu marido sofre muito com a decisão da mulher, sente-se humilhado no meio social onde gozava de prestígio.

Os amantes por isso tudo, ficam algum tempo longe da sociedade, viajam pela Europa. A mulher está feliz com sua nova vida ao lado de seu amor.

Com o tempo, não obtendo o divórcio, recusado pelo marido, começa a perceber que a rejeição à sua conduta cresce na sociedade conservadora. Evita as reuniões sociais.

Mais a frente, entra num processo de desespero, receio de que Vronski a abandone tantas são as dificuldades em ver aceita a sua relação, torna-se irascível e ciumenta.

E nesse quadro de autodestruição, não mais suportando aquela situação que afronta a sociedade, infeliz, põe fim à vida de um modo violento atirando-se na frente de um trem em movimento.

Seu gesto em alimentar a paixão não poderia ser compreendido perante aquela sociedade conservadora e hipócrita, afinal fora ela quem abandonara seu lar, seu marido honesto, seu filho.

Ora, tudo por amor. O que isso significa?

No romance de Tolstoi transcorre, paralelamente, a história de outro personagem, Lievin, proprietário de propriedade, que se fixara no campo, amigo dos tempos de escola com Oblonski, membro da sociedade moscovita e cunhado de Kitty, linda mulher. Lievin se apaixonara por ela e voltara para Moscou com o objetivo de a ela se declarar, mas sua timidez era um obstáculo. Mas, por fim, Lievin e Kitty se casam e vivem felizes.  As linhas finais do livro revelam isso. 

Interessante romance, embora secundário que não desvia as atenções da narrativa sobre Ana Karenina e sua tragédia.

'MORAL DA HISTÓRIA":

Para mim, por tudo o que contém a obra de Tolstoi, publicada vinte anos depois, é superior à Madame Bovary de Gustave Flaubert. 


A personagem Ana Karenina pela sua coragem renuncia a uma vida estável, de luxo, a respeitabilidade que adquirira na sociedade por uma amor praticamente impossível que a consumiu até o suicídio.

Ema Bovery partiu para a licenciosidade em situação medíocre de vida e adultério.



                                                                                                                           
Dom Casmurro













Entre nós, a obra "Dom Casmurro" de Machado de Assis, está sempre em evidência naquela pergunta clássica e já beirando o século, se Capitu traiu Bentinho com Escobar. 

Afinal o filho do casal, Ezequiel, era parecido com Escobar.

[Saibam que me deparei com um caso de investigação de paternidade, de mãe loira e pai quase mulato. O filho loiro de olhos azuis, pela aparência, não poderia ser filho do varão mulato até porque a mãe já se relacionara com um noivo loiro, com todas as características do menino. Pois, o exame de DNA não deixou dúvidas: o pai era o quase mulato...]

Diante disso, perdoem minha proposição herética: nomeie-se um escritor famoso para fazer um epílogo na obra "Dom Casmurro", informando qual foi o resultado, finalmente, do exame de DNA tardio, dando a certeza de quem é o pai verdadeiro de Ezequiel.

Com isso fica salvaguardada a honra de Bentinho e Capitu. Ou não?

Acessar: DOM CASMURRO