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terça-feira, 27 de junho de 2017

“VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA” de Eduardo Galeano

Livro 1



















Desde logo informe-se que se trata de um livro "de esquerda" às vezes até um tanto raivoso contra o "imperialismo americano". O livro foi escrito quando o Autor tinha apenas 31 anos. Eduardo Galeano é de nacionalidade uruguaia nascido em 1940 e falecido em 2015. (*)

Embora muitas proposições possam ser contestadas, é um livro importante, especialmente pelo que ele contém de história, da crueza da dominação europeia e da busca do lucro, depois, com os americanos. 

Então, no “Veias abertas da América Latina” o Autor desenvolve análise implacável dos abusos dos conquistadores da América Latina e depois de seus exploradores.

Realmente a história da exploração espanhola na América latina é de arrepiar.

Em toda sua extensão, os crimes praticados contra os locais afetam até a menor sensibilidade tal o grotesco das descrições, como neste trecho;

"Pedro de Alvaredo e seus homens atiraram-se sobre a Guatemala e "eram tantos os índios que mataram, que se fez um rio de sangue, que vem a ser o Olintepeque", e também "o dia tornou-se vermelho pelo excesso de sangue que houve naquele dia".

O extermínio era a prática corrente durante a conquista espanhola.

Mas, atrás de toda essa tragédia humana praticada pelos conquistadores, havia o interesse pelas riquezas,  pelo ouro, pela prata.

E em matéria de jazida de prata, destacou-se a cidade boliviana de Potosi considerada a mais rica de todas, então. E do lado português, Vila Rica foi explorada à exaustão, porque, antes, "os bandeirantes da região de São Paulo atravessaram a vasta zona entre a Serra da Mantiqueira e a cabeceira do rio São Francisco e notaram que o leito e os bancos de vários rios e riachos que por ali corriam continham traços de ouro aluvional em pequenas quantidades visíveis."

E tudo desembocaria na cidade de Vila Rica do Ouro Preto que garantiu aos portugueses quantidade de ouro que superou todo o mesmo minério obtido pelos espanhóis na América Espanhola.

A exploração espanhola e portuguesa em obter tais riquezas de suas colônias chegou à exaustão com grande sacrifício humano.

Não é novidade para ninguém que, a par da truculência contra os locais a barbárie se dava, também, contra os escravos caçados na África como animais e transportados nas condições mais degradantes.
Não demoraria, a Inglaterra como potência marítima e econômica com forte influência sobre Espanha e Portugal, a se aproveitar dessas riquezas quase gratuitas (ouro, prata, diamantes, café, açúcar), até que chegassem, mais tarde, os Estados Unidos que se aproveitariam não só das riquezas fáceis, por imposição de seu poderio econômico que (quase) tudo compravam e nas instalações de suas empresas que por aqui se estabeleciam, além da mão-de-obra barata obtendo lucros enormes nesses empreendimentos.

Os lucros eram (como são) remetidos às matrizes americanas e de outras multinacionais mantendo um nível de pobreza de todos os países assim submetidos.

Os financiamentos  bancários às empresas americanas na América Latina, particularmente nas do Brasil, tinham por objetivo incentivar o comércio de seus próprios produtos e amealhar lucros, enriquecendo suas matrizes e, por extensão, os Estados Unidos.

O Autor usa muito a palavra "imperialismo" para qualificar os abusos que relata nessas relações comerciais desiguais entre dominador e dominados.

Diria que no começo da década de 60 e 70 a minha projeção é que de quatro porções de riqueza,  três pertenciam às multinacionais instaladas aqui no Brasil, quiça nos outros países, como Argentina e México.

E mesmo quando já havia sinais de mudança nessa proporção perversa, ainda assim, "raivosamente,  o Autor denunciava as práticas americanas de amealhar as riquezas, deixando para os locais, as migalhas, a pobreza. 

Um modo de amealhar vantagens, muito do maquinário transferido às filiais eram “inservíveis” (obsoletos) nas respectivas matrizes, pagas a preço de ouro por aquelas, uma forma “disfarçada” de transferir mais recursos às respectivas matrizes.

Inconformado com a desnacionalização das empresas locais, às vezes a preços vis o Autor aponta exemplos nas páginas exaustivas finais fixando-se em três países, que seria os mais espoliados pelo imperialismo: Brasil, Argentina e México.

Mas, no tocante a Cuba, que permaneceu com sua economia "intacta" com a vitória da revolução de Fidel Castro com a ajuda soviética porque se deu o bloqueio americano, o que poderia significar algum progresso, poucas palavras do Autor. Cuba, do ponto de vista industrial, demonstra que não saiu do final da década de 50. Uma única observação de relevo para (tentar) explicar a situação de uma Cuba precária, se lê no livro:

"Quando Fidel Castro se dirigiu ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, nos primeiros tempos da Revolução cubana, para reconstruir as reservas de divisas estrangeiras esgotada pela ditadura de Batista, ambos organismos lhe responderam que primeiro devia aceitar um programa de estabilização que implicava, como em todas as partes, o desmantelamento do Estado e a paralisia das reformas de estrutura". (?)

Então, diz o Autor sarcástico: "Cada vez que o imperialismo exalta suas próprias virtudes, convém revistar os bolsos".

Num certo ponto da obra, o autor uruguaio faz comparações e projeções entre o Brasil e a Argentina com base nos elementos em 1975. O texto transcrito é longo mas vale a pena:

“Não faz muito tempo, a Argentina produzia mais automóveis e caminhões do que o Brasil. No ritmo atual, em 1975, a indústria automobilística brasileira é três vezes maior do que a argentina. A frota marítima, que em 1966 era igual à argentina, equivale a toda a América Latina reunida. O Brasil oferece à inversão estrangeira a magnitude de seu mercado potencial, suas fabulosas riquezas naturais, o grande valor estratégico de seu território, que limita com todos os países sulamericanos menos com o Equador e o Chile, e todas as condições para as empresas norte-americanas radicadas em seu solo avancem com botas de sete léguas: o Brasil dispõe de braços mais baratos e mais abundantes do que seu rival (...). Este é o país que constitui o eixo da libertação ou servidão de toda a América Latina. Quem sabe o senador norte-americano Fulbright não tenha tido consciência completa ao alcance de suas palavras quando, em 1956, atribuiu ao Brasil, em declarações públicas, a missão de dirigir o mercado comum da América Latina.”

E a dizer que a Argentina fora considerada uma “ilha” da Europa na América Latina.


O Estado de São Paulo foi muito beneficiado pela industrialização, multinacional ou nacional. O Autor reconhece o progresso de São Paulo.

A pobreza que se verifica no Norte e Nordeste do país tem muito com a desonestidade administrativa, com a corrupção política, e pouco ou nada com a "ação imperialista".

Enquanto lia a livro, para ficar apenas num exemplo, me transportava para a estrutura da Estação da Luz, em São Paulo, construída pelos ingleses, majestosa, a torre inspirada na de Westminster de Londres e quanto utilizei dos seus trens da velha “Santos a Jundiaí” para alcançar São Paulo de São Caetano normalmente confortáveis e pontuais.

O que eles levaram em troca da linha férrea? Hoje pode até ser um dado irrelevante. Mas a estrada está lá até hoje.

Quando medito na raiva do Autor com a desnacionalização da indústria local, rejeitando todos os atos não nacionais como predadores da economia nacional, lembro que naqueles tempos de meados da década de 70 era uma aspiração de muitos jovens iniciantes trabalhar na Ford que pagava salários muito superiores aos pagos no mercado, concorrendo com outras multinacionais e nacionais que sobreviviam, sim, num mercado em ascensão.

Como estaria o Brasil sem as multinacionais. Algo impensável ... uma estampa cubana?

O autor encerra seu livro em 1978, esfacela essas e outras iniciativas "imperialistas" pelo pouco que representaram para a melhoria dos trabalhadores locais.

Mas, a partir de 1978, começaria o rompimento do regime fechado dos militares, com as primeiras greves no ABC, até se chegar à  democracia em 1985. (**)

Hoje o Brasil avança por suas próprias pernas – as multinacionais estão mais enquadradas, pagam seus impostos, dão empregos, esmeraram-se nas medidas de segurança e na modernização, nas novas tecnologias – e a economia do país tem avançado, a despeito dos imensos bolsões de pobreza, de corrupção.

"Esquerda tradicional é chatíssima"


Mais de 40 anos depois, em entrevista publicado por "El Pais" em 4 de maio de 2014, Galeano revelou que não leria novamente seu livro de maior sucesso. "Eu não seria capaz de ler de novo. Cairia desmaiado", disse, durante a 2ª Bienal do Livro de Brasília, realizada entre 11 e 21 de abril na Capital Federal. "Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é chatíssima. Meu físico não aguentaria. Seria internado no pronto-socorro", disse o escritor, de 73 anos, durante uma coletiva de imprensa.

Principalmente nas páginas finais do livro, indigestas, repletas de informações e proposições que se perderam, redundâncias, me perguntava, afinal, o que o Autor defendia com efetividade. Porque a década de 70, com "imperialismo" ou não apresentava, já, mudanças significativas no modo de vida de Brasil, Argentina e México. Havia a evolução do seu parque industrial.

Bom, pobreza havia e há, mas seria melhor ou pior se predominasse a rejeição do autor ao avanço multinacional nesses países?

Será que a chatice a que se referiu o próprio autor, fosse reconhecer pouco ou nada dessa evolução que se dava naqueles anos? 


Legenda:

(*) “Paz e Terra” – 5ª edição / 1978. A Editora L & PM lançou nova edição do livro com prefácio do autor em 2010

(**) Página das greves de 1978 no ABC, acessar: 
https://martinsmilton.blogspot.com/p/sabado-12-de-maio-de-2018-40-anos-da.html

Também:
https://martinsmilton.blogspot.com/p/sabado-12-de-maio-de-2018-40-anos-da.html








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