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sexta-feira, 19 de agosto de 2022

A PAIXÃO SEGUNDO G. H. de Clarice Lispector

    LIVRO 97




Outro livro que li da Autora, "A Hora da Estrela" eu não gostei porque, embora consagrado e virou filme, da ironia sem concessões e o fim da personagem Macabéa, a datilógrafa alagoana. (*)

Este, menos ainda. E não gostar como NÃO GOSTEI, não afeta a legião de fãs que tem a Autora. Um deboche.

Pelo que vi há dissertação sobre essa obra.

Não me cabe no emaranhado de frases desencontradas, contraditórias e desconexas, encontrar um significado, o que quis dizer a Autora porque essas interpretações podem ir muito além da própria intenção dela. 

O livro é difícil de ler não pelo que ele contém, mas pela paciência em chegar até o fim dele.

Ela fala logo no começo de um terceira perna que nasce como capim... coisa sem sentido salvo pretendera a Autora fazer de sua personagem uma figura mentalmente afetada alucinada por imagens insanas.

Uma manhã ensolarada a personagem G. H. resolve limpar um cômodo de seu apartamento de luxo, onde vivera sua empregada Janair e o encontra praticamente limpo. Ja-na-ir?


No quarto arrumado ele encontra malas com suas iniciais G. H. e nada mais.

A partir daí elabora suposta sabedoria filosófica: estaria ela ao falar em "remorrer" lembrando de alguma outra vida? E para isso teria que "assassinar a minha (dela) alma humana?"

"Para que continue humana meu sacrifício será o de esquecer?"

E, então, no quarto ela encontra mal rabiscado na parede a figura de um homem, de uma mulher e de um cachorro.

Nas suas lucubrações paranoicas num dado momento G. H. se insere nessa figura feminina desenhada, mas fica meio sem significado a figura masculina, embora ela dissesse admirar afetuosamente os hábitos e jeitos masculinos. Mas, e o cão rabiscado, seria algum sinal de fidelidade? Se sim, a quem?

G. H. se considerava uma mulher bonita e atraente aos homens. 

E, então, abrindo o guarda-roupas, ela se depara com uma barata - a barata mais que G.H. passa a ser protagonista do livro.

G. H. lembra que a barata vive há milênios e sua sobrevivência se manteve superando todas as transformações e mudanças do planeta.

Ela incorpora a barata, pensa na boca do inseto, a prensa na porta, liberando de suas entranhas aquele composto branco que compõe o organismo do inseto.

Essa intimidade entre ela e a barata, naquele quarto onde batia o sol, me fez lembrar e muito o livro Metamorfose de Franz Kafka no qual o personagem Gregor Samsa acorda um dia transformado num inseto horroroso sem que houvesse qualquer explicação para o fenômeno.

"Já então eu talvez soubesse que não me referia ao que eu fizera à barata mas sim a que fizera eu a mim?"

E, então, G. H. afirma que sabia que teria que comer a massa branca da barata e esse gesto seria o antipecado, "porque assassino de mim mesma". 

E diz:

"O antipecado mas a que preço. Ao preço de atravessar uma sensação de morte."

E, ao colocar a massa branca da barata na boca G.H. se aproximaria do... divino?

E afirma: 

"Oh, Deus, eu me sentia batizada pelo mundo. Eu botara na boca a matéria  de uma barata, e enfim realizara o ato ínfimo."

"... não haveria diferença entre mim e a barata. Nem aos meus próprios olhos nem aos olhos do que é Deus."

"... a barata podia morrer esmagada, mas eu estava condenada a nunca morrer, pois se eu morresse uma só vez que fosse, eu morreria."

 Sobre Deus com algumas afirmações descabidas, no meu modo de considerar:

"Não é para nós que o leite da vaca brota, mas nós o bebemos. A flor não foi feita para ser olhada por nós nem para que sintamos o seu cheiro, e nós a olhamos e cheiramos. A Via-Láctea não existe para que saibamos da existência dela, mas nós sabemos. E nós sabemos Deus. E o que precisamos Dele, extraímos. (Não sei o que chamo de Deus, mas assim pode ser chamado.) Se só sabemos muito pouco de Deus, é porque precisamos pouco: só temos Dele o que fatalmente nos basta, só temos de Deus o que cabe em nós. (A nostalgia não é do Deus que nos falta, é a nostalgia de nós mesmos que não somos bastante; sentimos falta de nossa grandeza impossível - minha atualidade inalcançável é o meu paraíso perdido),


E a última frase do livro:

"Pois como poderia eu dizer sem que a palavra mentisse por mim? como poderia dizer senão timidamente assim: a vida se me é. A vida se me é, e eu não entendo o que digo. E então adoro."


► PAIXÃO: E qual a paixão de G. H.? Na sua loucura, uma barata da qual ingeriu aquela massa branca que dela verte quando amassada. Há outras paixões? Talvez, mas me recuso a ir em frente porque receio dizer o que a Autora no seu texto mesmo desencontrado não disse ou se disse... fica por isso mesmo.


FRASES:

"E solidão é não precisar. Não precisar deixa um homem muito só, todo só. Ah, precisar não isola a pessoa, a coisa precisa da coisa: basta ver o pinto andando para ver que seu destino será aquilo que a carência fizer dele, seu destino é juntar-se como gotas de mercúrio a outras gotas de mercúrio, mesmo que, como cada gota de mercúrio, ele tenha em si próprio uma existência toda completa e redonda."

"E o inferno não é a tortura da dor! é a tortura de uma alegria."

"O mistério do destino humano é que somos fatais (...) De nós depende realizarmos o nosso destino fatal."

"Também não se pode violentar Deus diretamente, através de um amor cheio de raiva."


Referência:

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