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quarta-feira, 20 de abril de 2022

STÁLIN NOVA BIOGRAFIA DE UM DITADOR de Oleg V. Khlevniuk

LIVRO 91



EXPLICAÇÃO:

Com a invasão russa à Ucrânia com toda sua violência e crimes de guerra, apressei-me em ler o livro como um modo de achar alguma explicação ao desrespeito à vida que motiva Wladimir Putin e seus asseclas militares e políticos em promover essa guerra insana.

Com o livro "Stálin nova biografia de um ditador" encontrei a causa histórica da tragédia que se dá na Ucrânia - um país que decidira apenas ser europeu. Com efeito, a crise se apoia entre políticos e militares russos submissos ao ditador. Os russos que protestam ou são presos ou perseguidos. É forte a censura nos meios de comunicação.

Na biografia de Stálin encontrei infelizmente, o DNA dessa barbárie.


O livro, nas suas mais de 450 páginas é a descrição sem ressalvas do horror na União Soviética nos tempos de Stálin de 1927 a 1953. (*)

Stálin ao longo de cerca de 26 anos, ditador implacável causava medo até mesmo nos seus subordinados diretos que, dependendo do momento político ou erros os humilhava, os rebaixava publicamente e até mesmo os mandava fuzilar pela simples suspeita de traição e, em muitos casos, com falsas acusações.

Para se ter uma ideia: o livro traz uma série de fotos; em muitas delas fotografados ao  lado de Stálin estão aliados em número de 19. Dentre esses 6 foram fuzilado, um suicida e outro teve morte misteriosa.

Já no fim de seus dias, em 1953 foi vítima de um derrame, causa de sua morte. Seus guarda-costas estranharam que ele não os chamasse para nada. Tinham muito medo de aborrecer o chefe. Um guarda-costas, então, se aproximou das instalações de Stálin e o viu caído ao chão tendo vertido uma poça de urina.

Encorajou-se,  levantou Stálin e o acomodou numa poltrona. Foram, então, chamados seus principais assessores que não se encorajaram em obter ajuda médica com receio de explosões de ódio do chefe mais ainda pelo seu estado físico humilhante. E também porque havia perseguido médicos determinando que alguns deles fossem fuzilados.

Somente horas depois médicos foram chamados e atestaram sua morte.

Em vida fora ele uma tragédia humana. Até nas homenagens ao morto, tal a desorganização do local de seu corpo exposto, morreram na confusão mais de 100 cidadãos soviéticos que o tinham como salvador. 

Stálin foi o agente da morte.

Ao longo de sua ditadura e sob controle seu, absolutamente, foram fuzilados a seu mando, milhares de supostos antirrevolucionários, antissoviéticos, monarquistas, judeus...

Ele "decretou", no campo, a morte pela fome a milhões de camponeses ao converter a produção particular em fazendas comunitárias confiscando a maior parte da produção de grãos, deixando-os em estado de penúria, de abandono. E muitos que protestavam contra esse estado de escassez foram fuzilados.

"No final de 1939 , foi banida a venda de farinha e pão na área rural. Camponeses famintos correram às cidades (...) para comprar esses itens que também estavam escassos por ali."

Há referências até mesmo ao canibalismo para conter a fome.

Stálin, pela desejo de sua mãe, foi matriculado num Seminário para seguir o caminho da religião, tornando-se padre.

Mas, rebelde demais, nunca se adaptou aos estudos religiosos. 

Já jovem adulto, conheceu a obra de Marx e dela não mais se afastou.

Com a queda do tzar (imperador), já então ligado Stalin ao partido bolchevique (da maioria) aceitaria, juntamente com o partido menchevique (da minoria) apoiar um governo de transição liderado por Kerensky.

Mas, Lênin exilado chega à Rússia, defende não o apoio ao governo de transição mas a tomada do poder, implantando o socialismo no mundo todo.

Dá-se a Revolução de Outubro de 1918, os bolchevique vencem e assumem o poder e Lênin torna-se o mandatário máximo do novo governo.

"A maioria dos historiadores concorda que, sem Lênin, a Revolução de Outubro provavelmente não teria ocorrido".

Stalin se aproxima de Lênin e se torna dele um tipo de discípulo. Como diz o livro, Stalin vive à sombra de Lênin.

Stalin em Tsarítsin inicia um expurgo, promovendo milhares de fuzilamentos. Essas execuções eram do conhecimento do Alto Comando do governo, mesmo de Lênin que acabou por aceitar esses assassinatos de opositores e suspeitos.

Havia conflitos sérios no interior do poder, especialmente entre o grupo stalinista e o grupo de Trotsky.  

Com a morte de Lênin em janeiro de 1924 Stálin pela sua truculência vai assumindo poderes  e seu método de se firmar no governo, foram as execuções aos milhares, muitas com falsas acusações.

Trotsky superado pelo ditador, se exila no México onde seria assassinado em 1940 a mando de Stalin.

Nesse ano foram executados 21.857 supostos antissoviéticos pertencentes à elite polonesa.  

Temido, vai se tornando o ditador implacável. Embora houvesse órgãos governamentais, incluindo o Politburo, as ordens vinham de uma única "fonte": de Stalin.

O Autor, na fase de guerra iminente, chama esse período stalinista de "terror" tal as mortes que provocou do modo mais vil com falsas acusações.

Com os primeiros movimentos da 2ª Grande Guerra, Stalin mostrava-se inseguro e receoso da invasão alemã mas invocava, sempre, o tratado de não agressão que firmara com Hitler.

Ele somente acreditou na invasão alemã, quando ela começou e enquanto vacilava na defesa improvisada, os soldados russos iam sendo dizimados aos milhares.

A obra menciona em poucas linhas a adversidade climática enfrentada pelos alemães na Rússia que, por fim seriam derrotados pelos soviéticos, não se esquecendo que eles, os alemães, vinham sendo derrotados, em outras frentes, pelos aliados.

O êxito de Stálin foi reconhecido por Churchill (Reino Unido) e Roosevelt (Estados Unidos). 

Mas, houve apoio material pelos Estados Unidos. No final da guerra os soviéticos estavam dirigindo caminhões feitos nos Estados Unidos. De lá vieram, também, locomotivas, vagões e alimentos. Essa ajuda material foi reconhecida por Stálin: "Se não fosse pela Política de Empréstimo e Arrendamento, a vitória teria sido altamente prejudicada."

 No fim da guerra, houve alguma animosidade em dividir territórios conquistados. Stálin apressou-se em tomar a capital alemã reunindo para tanto 2 milhões de soldados. A batalha foi difícil perdendo o exército soviético 360 mil soldados.

Diz o Autor que a vitória sobre os nazistas teve como débito total,  27 milhões de vidas.

A partir de janeiro de 1953, o Gulag (espécie de campo de concentração) e colônias penais e prisões  mantinham 2,3 milhões de pessoas e em assentamentos especiais, em regiões remotas do país, 2,8 milhões, ou algo próximo de 3% da população soviética... 

A família de Stalin foi desagregada e problemática. Sua primeira esposa se suicidou em 1932. O Autor não explanou mas o gesto extremos seria divergências políticas com o marido. Seus filhos foram problemáticos e sua filha Svetlana, quando a oportunidade surgiu mudou-se para os Estados Unidos onde faleceu em 2011.

 

Referência

(*) Recomendo fortemente, sobre o mesmo tema, o livro "Rumo à Estação Finlândia" de Edmund Wilson cuja resenha pode ser conhecida, acessando: 

RUMO À ESTAÇÃO FINLÂNDIA

quinta-feira, 17 de março de 2022

MEMÓRIAS DE ADRIANO de Marguerite Yourcenar


LIVRO 90

 


A escritora:

A Autora, diz a contracapa, "só conheceu alguma repercussão maior no Brasil em 1980: no começo desse ano foi eleita para a Academia Francesa", Tornou-se a primeira mulher a entrar para aquela instituição.

A obra:

Explica a tradutora Martha Calderaro: "Descobri Marguerite Youcenar em Paris, em 1962 através deste livro monumental, elaborado, escrito e construído à maneira das antigas catedrais, durante anos de trabalho, de pesquisas, de aprimoramentos. Iniciado em 1924 e concluído cerca de vinte e sete anos depois..."

O livro seria o relato de cartas de Adriano, suas memórias, dirigidas a Marco que creio seja explicado no livro quem seja: "A cada regressio a Roma, nunca deixei de ir saudar meus velhos amigos, os Veros, espanhóis como eu, uma das familias mais liberais da alta magistratura. Conheci-te desde o berço, pequeno Anio Vero que por minha iniciativa, te chamas Marco Aurélio."

Quem foi o "divino" Adriano Augusto:

Imperador romano de 117 a 138, "filho" de Trajano a quem sucedeu. Não teve filhos, mas "adotara Lúcio Élio César" que seria seu sucessor mas faleceu antes e, então,  "adotara" Antonino, que foi seu sucessor. Era casado  com Sabina, um casamento "distante".

Adriano, antes de se tornar Imperador, participara de campanhas militares, fora cônsul sempre com êxito.

Há indicações de que Trajano não pretendia "adotar" Adriano como seu sucessor. A digna esposa do Imperador, Plotina, porém, demonstrava muito afeto por Adriano - se conheciam havia muitos anos - pelo que teria forjado o édito de adoção permitindo que ele se tornasse, por sua vez, o sucessor de seu marido moribundo.

Adriano, na velhice, teria tendências suicidas.

Relendo o livro:

A obra já foi bestseller na década 80 salvo severo engano meu. Eu o li por aqueles anos, num processo de dificuldades soníferas: o livro é denso, páginas fechadas muitas sem parágrafos, os pensamentos e relatos se alteram e por aí vai.

Mais atento agora, "descobri" que o livro não é, digamos, a biografia de Adriano. Não. A obra é de ficção, um romance, com diversos eventos históricos que foram possíveis apurar do Imperador.

Notas no final do livro revelam essa realidade explanando sobre as dificuldades em encontrar fontes seguras sobre Adriano.

José Saramago, na sua obra "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", também imagina fatos e pensamentos sobre a vida de Jesus. Nesse caso e por causa disso, qualifiquei seu livro como "OEvangelho segundo Saramago" (*) 

Então, os pensamentos íntimos de Adriano, são pensamentos da Autora que muitas vezes tenta os aproximar do imperador, valendo-se de fragmentos dalgum documento encontrado, não necessariamente convalidado. Incertezas da originalidade, da autenticidade.  

O que há de certeza é que Adriano fora considerado um pacifista. Viajava por todo o império romano, ficava pouco em Roma, tinha paixão por Atenas, seus monumentos, seus filósofos e sua arte.

"Roma já não cabe mais em Roma: a partir de agora deve decair ou igualar-se à metade do mundo."  


É verdadeiro também, pelo conjunto da obra, que o Imperador não era muito próximo de mulheres, mesmo de sua esposa. Mas, há relatos de seu envolvimento com amantes, uma delas a amou "deliciosamente".

Sua paixão incontrolado fora o jovem Antinoo com seus 17, 18 anos que ele venerava, numa relação homoafetiva.

Quando o jovem faleceu com seus 19 anos, afogado, nada muito explicado, Adriano  sofrera muito. Mas, fatos que confirmam essa paixão exacerbada foram os monumentos que erigiu em homenagem a Antinoo e as moedas que mandou cunhar com sua efígie.

Curioso que, para tecer uma identidade dessa paixão Adriano - Antinoo, a Autora algumas vezes na obra lembra a paixão entre o mítico Aquiles e seu fiel parceiro Pátroclo. Ao ser morto Pátroclo por Heitor na guerra de Troia, profundamente amargurado Achiles homenageia seu parceiro em lágrimas e lamentações. Ao "relatar" os episódios principais da Ilíada de Homero destaquei este trecho, quando Zeus, vendo que Heitor fora morto por Aquiles remete a deusa Tétis - mãe de Aquiles - com a ordem de que teria ele que devolver o cadáver do inimigo aos troianos:

Assim se deu, observando Tétis que Aquiles já chorara demais pela morte de Pátroclo:

- Meu filho, por quanto tempo consumirás teu coração chorando e sofrendo, sem pensar no alimento e no leito? Coisa agradável é deitar-se com uma mulher para o amor. (**).

Então eu me pergunto até que ponto há relevâncias fundamentais na obra densa da escritora francesa? Não sei como responder. 

Algumas "reflexões" de Adriano (?):

 ● Os escrúpulos religiosos dos gimnosofistas e sua repugnância pelas carnes sangrentas ter-me-iam impressionado, se não perguntasse a mim mesmo em que o sofrimento da erva que se corta diferia essencialmente do sofrimento dos carneiros que se degolam. E refletia se nosso horror ante os animais assassinados não estaria condicionado ao fato de nossa sensibilidade pertencer ao mesmo reino;

● De todas as venturas que lentamente me abandonam, o sono é uma das mais preciosas, embora seja das mais comuns também. Um homem que dorme pouco e mal, apoiado sobre dezenas de almofadas, medita com vagar sobre essa volúpia diferente. Concordo em que o sono mais perfeito é necessariamente um complemento do amor: repouso tranquilo, refletido sobre dois corpos. Mas o que me interessa aqui é o mistério específico do sono saboreado por si mesmo, o incontrolável e arriscado mergulho a que se aventura todas as noites o homem nu, só e desarmado, num oceano onde tudo é novo: cores, densidades, o próprio ritmo da respiração, e onde reencontramos os mortos;

● O homem mais tenebroso tem seus momentos iluminados: tal assassino toca corretamente a flauta; tal feitor, que dilacera a chicotadas o dorso dos escravos, é talvez um bom filho; tal idiota partilharia comigo seu último pedaço de pão. Existem poucos a quem não se possa ensinar convenientemente alguma coisa;

● Confessei-lhe meus temores: não me sentia inteiramente isento de crueldade nem de outras taras humanas: acreditava no lugar-comum que prescreve que o crime atrai o crime, e na imagem do animal que já provou o gosto do sangue;

Considero a maior objeção a todo e qualquer esforço para melhorar a condição humana o fato de os homens serem, talvez, indignos dele;

● Ser deus obriga, em suma, a possuir mais virtudes do que as de um imperador;

● E quem diz morte diz também mundo misterioso ao qual talvez tenhamos acesso através dela. Depois de tantas reflexões e experiências por vezes condenáveis, ignoro ainda o que se passa do outro lado dessa cortina negra. Mas a noite síria representa minha parte consciente de imortalidade;

● Passei toda uma noite (com Quadrato, bispo dos cristãos – que eram protegidos pelas leis romanas) a discutir com ele a injunção que consiste em amar ao próximo como a si mesmo; é demasiado contrária à natureza humana para ser sinceramente obedecida pelo homem comum, que sempre amará a si mesmo, e não convém de modo algum ao sábio, que nunca ama particularmente a si próprio.   


Referências:

(*) Acessar:"O Evangelho Segundo Jesus Cristo" 

(**) Acessar: "A Ilíada"


sábado, 29 de janeiro de 2022

MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS de Manuel Antônio de Almeida

LIVRO 89




Como foi difícil para mim, (re) ler esse livro! Quando pela primeira  vez li a obra, era adolescente. Nem sei dizer se naqueles idos o livro me agradou. O livro foi publicado em meados do século XIX. Esta edição que está comigo, publicação de um curso preparatório de vestibulares (edição de 1999) são de 180 páginas que não evoluíam. Salvo um ou outro costume daqueles tempos, nada me acrescentou. 

Seria o livro um clássico pelos seus 170 anos?

E a história de dois Leonardo (s), pai e filho. O pai era português, meirinho, que atuava na praça do Rio de Janeiro. Na viagem de Portugal, Leonardo se relacionara com Maria e quando desembarcaram no Rio de Janeiro ela sentia alguns enjoos. 

E nasceu o filho. 

Não demora muito e Maria trai Leonardo-Pataca, assim chamado na história.

Uma explosão de ciúmes e agressões que avançou até mesmo na barbearia do compadre.

E nesse dia, o filho Leonardo foi ignorado pelo pai, 

Foi, então, "adotado" pelo barbeiro e criado por ele. À medida que ia crescendo o menino Leonardo demonstrava um "gênio" terrível.

Mas, o barbeiro o amava e fazia tudo por ele. Queria fazê-lo padre, mas tão travesso que era que essa aspiração não poderia dar certo. Havia as vizinhas "cortadeiras" que debochavam das travessuras do garoto.

Também a Comadre do barbeiro também muito o jovem Leonardo.

Numa visita de seu padrinho a d. Maria idosa abastada,  Leonardo se encantou pela sobrinha órfã da mulher com que vivia. Tímida e feinha o que se deu fora paixão à primeira vista.

Houve algum enlace entre ambos, mas passou a frequentar a casa de d. Maria, um certo aproveitador José Manuel contador de vantagens que mesmo com as intrigas da comadre  atribuindo-lhe falso crime. Tudo desmentido. Assim, acabou se casando de modo arranjado com a Luisinha. Melhor: convenceu d. Maria que era um bom partido.

Essa sofreu muito com o malandro que a aprisionava em casa até que deu-se sua morte repentina e Luisinha voltou a ter liberdade...

Com a morte do padrinho barbeiro, Leonardo volta ao convívio do pai que vivia com Chiquinha.

Os atritos entre Leonardo (filho) e a madrasta resultou na sua expulsão da casa do pai.

Sem ter onde ficar, "agregou-se" na casa dos Thomaz da Sé por injunção de um amigo, na qual havia duas irmãs solteironas e a jovem Vidinha, moça corajosa, cantora.

O terror dos desocupados era o major Vidigal e seus carabineiros que chegaram a prender o Leonardo -Pataca por participar de uma festa de ciganos. 

Leonardo, filho, foi detido também,  mas por desocupação. A corajosa Vidinha saiu em sua defesa. Ele, porém desaparece por um tempo.

Quando volta, surpreende a todos: volta como carabineiro sob o comendo do... major Vidigal (!).

Mas, entre peripécias próprias do seu temperamento, por dó, ele facilita a fuga de Teotônio, um tipo de comediante, fazedor de caretas que o major Vidigal aguardava o momento propício para levá-lo a "Casa da Guarda" porque o artista não tinha o que se chamaria hoje de "emprego fixo". Vivia dessas apresentações.

Descoberta a ajuda de Leonardo na fuga de Teotônio, é ele preso de novo desta vez sob grave acusação a ponto de ser mesmo açoitado.

Então,  em desespero, a comadre vai até d. Maria e ambas resolvem visitar Maria Regalada que sabidamente recebia atenções especiais do major Vidigal.

As três vão à casa dele.

Ele rejeita os apelos, dizendo que a falta praticada por Leonardo fora muito grave.

Mas, Maria Regalada chega aos ouvidos do major, cochicha por uns instantes. 

Não demora, dá-se a liberdade de Leonardo.

O major Vidigal passa a frequentar a casa de Maria Regalada. Os cochichos deram certo...

Libertado, Leonardo se apresenta perante todos com a farda de um sargento, sargento de milícias.

Seu pai o chama para receber os bens deixado por seu padrinho barbeiro falecido.

E nesse quadro de redenção Leonardo se casa com seu amor a viúva Luisinha.

Morria depois d. Maria e seu pai Leonardo-Pataca.  O livro não diz mas e possível que a vida do casal tenha melhorado muito em termos patrimoniais pelas possíveis heranças.


O livro não é somente isso. Mas, para mim foi muito difícil concluir as 180 páginas. Nem sei dizer se o livro é do agrado dos jovens pré-universitários. 



  


sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO de José Saramago


LIVRO 88



 

Li três livros de José Saramago, este, também "Memorial do Convento" (resenhado *) que não gostei da ficção referente ao voo da "passarola" suposta engenhoca do brasileiro Bartolomeu de Gusmão, conhecido nas cortes portuguesas nos tempos de João V com experiências de balões leves que subiam impulsionados por ar quente e também "Ensaio sobre a cegueira" (não resenhado) que também não gostei.

A despeito de ser Saramago "Prêmio Nobel" (1998), achei o título desse livro uma elevada presunção, quando muito deveria ser identificado, sim, como "O Evangelho segundo Saramago".

O livro é um ROMANCE e como tal as proposições do Autor são livres. 

"Os Evangelhos" de Saramago:

● A concepção de Jesus, no casamento de Maria e José foi natural, não divina. Mas, nas páginas finais maçantes do livro, Deus informa que à semente de José ele misturou a sua;

● Maria na fase de gestação recebeu a visita de um mendigo a quem ela alimentou. Mas, esse personagem se transformava em "anjo". Mas, não, era o demônio. Ele deixou com ela uma tigela com terra que brilhava, sendo enterrada pelos sacerdotes da sinagoga a pedido de José (!)

Já aqui o Autor deixa uma linha muito tênue que separa o bem e o mal e, aliás, sustenta "... que não há diferença entre um  e outro, ou, se diferença há, não é essa, pois o Bem e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro".

Maria e José moravam em Nazaré, mas rumam para Belém para cumprir exigências do recenseamento imposto pelos romanos. Não houve os Reis Magos seguindo a estrela até chegar na manjedoura.  Herodes soube que havia nascido o rei dos judeus por um sacerdote que lera para ele revelações de Miqueias:

"Mas, tu Belém tão pequena entre as famílias de Judá, é de ti que me há-de sair aquele que governará em Israel."

Herodes, então, resolveu assassinar crianças com até dois anos. 

● Herodes, assassino cruel da própria família, os seus últimos foram terríveis. Ele fora atacado por vermes apodrecendo em vida, sofrendo fortes dores. Cheirava mal e assim morreu.

● Não houve um sonho divino, o anjo que informara a José que deveria fugir de Belém com seu filho e Maria porque haveria essa matança. Ele ouvira soldados romanos comentando essa matança encomendada por Herodes e resolveu se esconder numa caverna sendo seu filho Jesus, poupado;

● Mas, ele tem forte dor de consciência por não ter avisado as outras famílias para esconderam seus filhos nessa tenra idade que poderiam ser salvos;

● José é preso injustamente pelas forças romanas porque resolvera procurar por seu vizinho Ananias  que se aliara as forças rebeldes comandadas por Judas, o Galileu, combatendo o exército romano. Embora inocente, mas sem gritar por sua inocência, foi condenado à crucificação e morreu. O Autor abreviara a vida de José para dar andamento ao seu romance...;

● Essa morte afetou a família, Maria já dera a luz a outros filhos e Jesus passaria a ser o chefe da família porque era o mais velho. Mas, ele sofrera o impacto da morte prematura do pai e sutilmente sentira a culpa dele pela omissão em não avisar famílias sobre o massacre de crianças por ordem de Herodes. Só Jesus fora salvo das armas dos soldados de Herodes. A escrava-parteira Zelomi que trouxera Jesus ao mundo confirmara esses eventos;

 ● Mas, resolvera Jesus abandonar a família embora pré-adolescente, 13 anos, e caminhou de cidade em cidade, sem destino, desocupado, um carpinteiro aprendiz sem muito talento, vivendo de caridade. Então, ele não foi instruído pelos essênios ampliando sua espiritualidade, como muitos autores e estudiosos sustentam (**).

● Tornou-se pastor num rebanho de muitas ovelhas,  ao ser aceito por alguém que ele chamava de Pastor que, na verdade, era o demônio. Essa constatação se dera quando Pastor insinuou que Jesus poderia abusar das ovelhas; 

O primeiro contato com Deus: Jesus salvara do sacrifício no Templo uma ovelhinha que ganhara de um samaritano. Então, de modo pouco claro, uma imagem acobertada por uma névoa, se apresentou a Jesus como sendo a Deus que sugeriu que ele sacrificasse o animal. Isso feito, e "Deus" se regozijara pelo sacrifício. Ao saber do sacrifício, Pastor dissera que Jesus nada entendera...

O Autor discute a ausência de Deus perante os homens: "Quando chegará, Senhor, o dia em que virás a nós para reconheceres os teus erros perante os homens."

É que nunca se compreendeu as tragédias, suas causas, que vitimam os homens... os homens seriam "joguetes" na mão do Senhor;

Um dia pensando em voltar para casa, um ferimento no pé que o impedia de bem caminhar, parou numa casinha bem cuidada. Foi atendido por uma mulher prostituta, Maria de Magdala, que fez os curativos e se impressionou de tal modo por Jesus, que não só abandonara aquele modo de sobrevivência como passou a ser sua companheira em todos os seus passos. Não há unanimidade de que Maria Madalena fosse prostituta (***).

Os primeiros milagres de Jesus se deram na pescaria no barco dos irmãos Simão e André. Os pescadores nada pescavam ate que Jesus orientou-os a jogar a rede para um determinado lado. A rede voltou cheia. Um prodígio. A partir dai ele passara a ser bem-vindo entre os pescadores e outros milagres se sucederam com cura de doentes e aleijões;

Jesus soube que poderia ser o filho de Deus ao se aproximar de um homem endemoninhado. O demônio que dominava o espírito do homem disse que mesmo sendo Jesus filho de Deus, deveria deixá-lo "em paz"; 

Seu contato direto com Deus se deu nos águas do mar, com a presença de Pastor, o demônio acobertado por uma bruma espessa que inclusive impediu a pesca. Ao revelar Deus que Jesus era seu filho, o informou que seu modo de vida e sacrifício tinha por objetivo levar as "boas novas", o Evangelho a todos os rincões da Terra, de modo indelével, "...espalhar uma crença e afervorar uma fé". Talvez o Autor tivesse se inspirado no versículo 5.36 do Evangelho de João: "Mas eu tenho maior testemunho que o do João, porque as obras que o Pai me deu para realizar, as mesmas obras que eu faço, testificam de mim que o Pai me enviou";

Pelos seus milagres, pela multidão que o seguia, os sacerdotes judeus estavam tentando assassinar Jesus, até que Judas de Iscariotes, com uma posição ambígua de Jesus sobre a traição, o denúncia. Judas se enforca. Em seus bolsos não havia moedas;

Perante Pilatos, Jesus se apresentara como rei dos Judeus. Pouco se defendeu sendo condenado à crucificação.

O livro naquela linguagem densa do Autor não é só isso. A edição "de bolso" que li contém 370 páginas. 


 

Indicações no texto


(*) Acessar: MEMORIAL DO CONVENTO


quinta-feira, 21 de outubro de 2021

ZANONI de Edward Bulwer-Lytton

 LIVRO 87


INTRODUÇÃO E IMPRESSÕES

I
O livro foi publicado, a primeira vez, em 1842.

A edição recente aqui publicada contem 480 páginas.

Diz a contracapa que se trata de um obra de "ocultismo fantástico".

E, como explicitado nas primeiras páginas do livro, o Autor interessado nos ensinamentos rosacruzes, recebe um manuscrito com linguagem cifrada. Decifrada a linguagem, lê o relato de uma história de dois personagens misteriosos que obtiveram a imortalidade.

A história se encerra na queda do sanguinário Robespierre, na França, que tinha como cumprimento de julgamentos contra seus opositores, a guilhotina.

No tocante ao mencionado "ocultitsmo fantástico", com efeito, não se pode dizer que assim não seja.

Li alhures, aliás, que aqueles que se envolvem com o ocultismo dele não mais se livram. Ficaria um resíduo qualquer, uma lembrança que poderá aflorar num momento especial que pode nem significar muito mas lembra sutilmente sua origem pelo menos na visão daqueles que acreditam nessas influências.

II

Nas paginas finais do livro, há uma nota que tenta explicar a posição do autor sobre o seu romance. Talvez uma defesa às críticas que podem ter se dado ao longo de quase dois séculos do livro para mim um texto sem sentido.

Ora, o livro teve sua mensagem, um propósito que pode ou não ser aceito.
Digo que gostei do "Zanoni", mais nesta segunda leitura. 


O LIVRO "ZANONI"

Zanoni é um homem, descrito no livro, de rara beleza que vive em Nápoles, que dizia-se, muito rico sem registro de sua origem e, muitos acreditavam vivia já há séculos, uma figura imortal que desvendara os segredos insondáveis da existência, iniciado nos mistérios mais elevados do espírito humano.

Além dele, sempre presente quando chamado por Zanoni, Mejnour distante das contradições humanas, indiferente a elas. Mas, com idade imprecisa, dominando os mistérios da existência, com seus poderes a serem invocados sempre que as situações  exigissem.   

Como obtiveram esses poderes e a imortalidade?

Há referências ao Rosacrucianismo, mas há quantos séculos se dava a iniciação nessa Ordem? Fica por conta do leitor, até porque uma delas informa que sua origem remonta ao Egito Antigo.

E assim, 

"Não é do conhecimento das coisas exteriores, mas no aperfeiçoamento da alma interior que está o império do homem que aspira ser mais que homem."

Pois bem, Zanoni, a despeito de sua existência excepcional, era humano. Esse sentimento é despertado quando se depara com Viola, uma jovem com pureza de alma, aquele ideal feminino que certamente predominava mais intensamente nos tempos em que o livro fora escrito.

Ela se tornara cantora de opera e estava nervosa na sua primeira apresentação como tal e exatamente na obra de seu pai, Caetano Pisani, que passara a ser reconhecido.
 
Zanoni por um olhar a tranquiliza e sua estreia se torna um sucesso.

Ele se apaixona por ela e se mantinha sempre por perto, a salvando de muitos transtorno, inclusive de rapto de um pretendente violento.

Sendo um homem acima dos padrões humanos, ele percebe que sua paixão não poderia ser alimentada, Então, Zanoni tenta convencer o inglês Glyndon a se casar com Viola, mas ele gostava muito dela mas não para casar...

Então, Zanini depois de muitos enfrentamentos com rivais se casa com Viola e passam a viver numa ilha paradisíaca. 

Nessa ilha, Zanoni que gostava de caminhar sozinho a noite quando a lua estivesse clara, colhia "ervas e flores que ele acumulava com cuidado zeloso".

Nasce um filho.

E, então, Zanoni, percebe que como homem comum começa a perder seus poderes. 

Apela para Mejnour mas sabe que já não seria o mesmo, um imortal com poderes premonitórios e outros (ele não fazia mágicas, mas seus atos eram praticados com as possibilidades materiais que dispunha - tal qual se dá na vida cotidiana de cada com os eventos que ocorrem, graves ou não).

Adonai em todo o seu esplendor divino, não podia mais ajudar Zanoni.

Mesmo com a interpretação que o próprio livro contém dos personagens, parece que o Autor quis dizer que a vida humana, comum, com amor, com a paternidade e a maternidade, vale a pena ser vivida, mesmo que se vislumbre a mortalidade nalgum dia.

Mejnour, na sua vida mística, imortal é apresentada como personagem indiferente aos homens. Na interpretação nas páginas finais do próprio livro ele é qualificado como a "ciência", o que não me parece adequado. Afinal, a ciência não trata os homens indiferentemente. Compreende-se que não tão contemporâneos, mas que existiam, havia os filósofos e alquimistas que se encerravam em seus laboratórios em busca de fórmulas superiores pelos experimentos repetidos na matéria e mesmo nos vegetais. (*)

O próprio Majnour tinha o seu local secreto de experiências.

Com a perda gradativa de poderes, Zanoni vai até Mejnour em busca de algum apoio,  deixando Viola e filho sozinhos, em Nápoles.

Glyndon a visita e ainda sob o assombro daquela figura horrenda que o perseguia, desde que tentara desvendar os segredos de Mejnour e a convence a se "libertar" de Zanoni, um homem dotado de poderes malignos tanto que ele era atormentado pelas sombras horrendas.  

Zanoni, mesmo para ela era um homem estranho e convencida por Glyndon, foge para Paris numa época de terror político, na qual a punição de culpados ou inocentes desde que contrários ao governo, era a guilhotina inapelável sob as ordens de Robespierre. 

Já em Paris, Glyndon e Viola são traídos por Nicot, um pintor tanto quando Glyndon, com deformações físicas, vingativo, rancoroso que pretendera se casar com Viola, mas rejeitado.

Ambos são denunciados por Nicot como conspiradores a Robespierre sendo incluídos na lista de execuções que se daria dois dias depois.

Viola e os prisioneiros não seriam executados porque Zanoni previra que o governo do terror de Robespierre cairia antes. Mas, o tirano, antecipa em um dia essas execuções.

Glyndon é salvo por Zanoni antes da prisão. E ele exorcizado por Zanoni livrando-o da figura demoníaca que o atormentava mas antes, ao enfrentá-la e a repudiá-la já vinha amenizando sua influência negativa.

No tocante â Viola por uma série de manobras Zanoni chega à cela da esposa que a questiona por tê-lo abandonado.

O amor entre ambos renasce. Fica, porém,  a dúvida do amor de Viola porque ela acreditara na versão de Glyndon e seguiu com ele para Paris, abandonando o marido.

Zanoni a substitui na lista dos condenados e é executado juntamente com outros 79 "condenados" para salvar Viola. Mas, esta falece na prisão certamente que por desgosto. Seu filho é acolhido por uma mulher que chegara à prisão com a queda de Robespierre poucas horas depois.


Esse é o livro, mas não é só isso. Estas linhas são um esboço. Como disse, são quase 500 páginas, e o desenvolvimento da história apresenta momentos empolgantes, sem faltar reflexões filosóficas.

Há uma sutil mensagem que as forças do mal atuam com os descuidos daqueles que enveredam por essa senda mística.

Valem a pena as quase 500 páginas. 


Referências 

(*) "Imagens de magia e de ciência" obra de Maria Helena Roxo Beltran (Educ - Fapesp): "Também costuma-se extrair quintessência dos diferentes materiais considerados medicinais, Para isso o material era diretamente destilado ou, então, poderia ser primeiramente putrificado (fermentado) e, em seguida, destilado várias vezes" (quintessência).




segunda-feira, 20 de setembro de 2021

SÃO BERNARDO de Graciliano Ramos

LIVRO 86



Essa obra de Graciliano Ramos (alagoano de Quebrangulo nascido em 1892 e falecido no Rio de Janeiro em 1953) foi bastante prestigiada, a ponto de ser adaptada, em 1972, para o cinema, filme dirigido por Leon Hirszman.

Trata-se, sobretudo, da história de um homem rude, Paulo Honório que o Autor assim se "qualifica", já no fim do romance:

"Madalena  entrou aqui cheia de bons sentimentos e bons propósitos. Os sentimentos  e os propósitos esbarraram com a brutalidade e o meu egoísmo." 

Paulo Honório havia decidido escrever um livro sobre sua vida. estava com 50 anos e pesava 89 quilos. Mãos rudes que não eram próprias ao carinho, dizia.

Quanto ao seu livro, tentou dividir a tarefa com seus companheiros de sempre, padre Silvestre, João Nogueira, letrado e Lúcio Gondin, jornalista, diretor do jornal "Cruzeiro".

Essa parceria não deu certo.

Então o livro foi escrito por ele, curtindo a solidão de sua viuvez. Madalena, sua esposa teria se suicidado, mas não há detalhes sofre a morte da mulher.

Não há notícias de seus pais. Sem muita clareza, é revelado que ele fora criado pela velha Margarida que morava tranquilamente na sua fazenda São Bernardo.

Paulo assassinara um certo João Fagundes a facadas por um caso envolvendo a mulher Germana. Esteve preso por quase 4 anos.

Como adquiriu a fazenda São Bernardo? Estava abandonada  e o herdeiro Luiz Padilha dela não cuidava, tinha vida desregrada, recebeu empréstimo de Paulo que por sua vez obtivera do agiota Pereira 100 mil reis. Não podendo Luiz Padilha pagar, com um pagamento complementar irrisório, Paulo Honório tornou-se proprietário da fazenda.

A partir daí, entra no grupo de "companheiros" o próprio Luiz Padilha que, de modo submisso, passou a trabalhar para Paulo Honório que o desprezava.

Então, a uma visita do governador na fazenda, este observara que não havia escola para o ensino básico.

Então, o mestre-escola designado por Paulo foi o próprio Luiz Padilha (!)

Havia uma pendência de divisas entre as terras do engenho de Mendonça e São Bernardo. A cerca na visão de Paulo Honório havia invadido áreas de sua propriedade. Depois de tratativas sem êxito, Mendonça foi assassinado a tiros. 

Mas, havia comentários surdos de que a morte de Mendonça fora obra de Paulo Honório. Com a morte do vizinho desde logo reinstalou a cerca  beneficiando sua propriedade. 

Numa "seção livre" no jornal "A Gazeta", Paulo Honório foi chamado de assassino. Por isso, mesmo explicando que se tratava de matéria paga, Paulo Honório agrediu o jornalista Costa Brito dono do jornal.

Paulo desmentia o envolvimento com esse assassinato.

Há o relato de um arremedo de revolução da qual a ela aderem o padre Silvestre e ninguém menos que Luiz Padilha. Sobre esse tema "meio fora de esquadro" disse o Autor sobre São Paulo (o livro é de 1934, escrito após a Revolução Constitucionalista de 1932):

"São Paulo havia de se erguer, intrépidos, em São Paulo ardia o fogo sagrado, de São Paulo, terra de bandeirantes, sairiam novas bandeiras para a conquista da liberdade postergada."

O juiz dr. Magalhães, o único da comarca (Viçosa - Alagoas) tinha lá suas manias e o história deixa transparecer que ele não produzia muitas decisões.

Pois foi na casa do juiz que Paulo Honório se encantou pela loira Madalena, bonita, professora, culta, escrevia bem. Conhecera, também, a tia da jovem, dona Glória ledora de romances.

Não muito tempo depois, Paulo Honório e Madalena se casam.

Dá-se, então, aquele confronto próprio das diferenças de formação educacional,

Madalena criticava o marido pelo modo bruto como tratava os empregado até deixando-os à míngua.

Sendo educada e interessada em assuntos fora dos rigores da fazenda, passou a ajudar o guarda-livros Ribeiro na sua administração e, com o tempo passou a criar amizades na fazenda, mas nada além de amizade.

Na sua rudeza, Paulo Honório passou a sentir um ciúme doentio.

A página de um longo texto que Madalena escrevera escapou pela janela. Paulo leu, entendeu pouco e achou que estava ali a prova do adultério.

Mas, assim não era. Tratava-se de uma longa carta de despedida a ele à sua morte iminente. 

O casal teve um filho. Paulo Honório não morria de amores por ele e o livro não dá um destino ao menino do ponto de vista da escolha da vida futura.

Dona Glória, tia de Madalena, já sem a sobrinha, um dia avisa que vai embora e vai.

A solidão bate forte e até mesmo a produção da fazenda, algodão, deixara de ter a comercialização de antes.

E com tudo isso o livro vai sendo escrito por Paulo Honório em meio ao chirriar arrepiante das corujas. Ele manda exterminá-las ao que parece mais por superstição. Não tenho por hábito interpretar passagens escritas pelo Autor, porque há o risco de pensar o que o ele não pensou.

É isso em 156 páginas, mas, claro que há mais do que essas linhas. Estas notas são um incentivo à leitura.

Se gostei do livro? Não.




sexta-feira, 3 de setembro de 2021

A CONSPIRAÇÃO FRANCISCANA de Jonh Sack


LIVRO 85


 


O livro é bem editado, a editora é boa, são 446 páginas mas o enredo do livro é patético. O livro não é bom.

Depois de ler livros com maior complexidade, resolvi por esse livro porque estava disponível. E uma pausa na busca de um passatempo. 

A história se desenvolve nos idos do quarto final dos anos 1200 e pouco mais. 

Tudo começa com uma conspiração inverossímil: os restos mortais  de São Francisco são, digamos, sequestrados escondidos em local secreto por uma ala de sua própria Ordem. Seriam as chagas de Cristo que marcaram seu corpo, uma fraude? O santo teria já sintomas da lepra?

Então, o monge Conrad, da ala espiritual da Ordem (1) que à risca seguia os ensinamentos de Francisco entre pobreza absoluta e meditação, recebe em seu retiro a visita de um jovem, Fabiano, que levara para ela uma pergaminho com mensagem cifrada de seu instrutor Leo.

Mas, com o teor do pergaminho indecifrável, Conrad acompanhado do jovem Fabiano resolve ir para Assis lá, consultando a biblioteca do Sacro Convento tentaria decifrar a mensagem.

Nesse meio tempo, descobre que Fabiano, na verdade era uma menina, Amata. Ele teme as tentações próprias de uma mulher, ainda que jovem, no seu convívio e durante toda sua viagem.

O livro não revela como conviveram nas horas de aperto quando os sexos tem modos diferentes de atender às pressões físicas naturais.

No caminho, numa parada num lugarejo encontram Japone delirante que acaba por se unir a eles e mais o noviço Enrico designado com aspirante do Sacro Convento, devendo cumprir os rigores dos sacrifícios no templo...

Então, os três  e a jovem Amata partem para Assis.

Amata quando mais jovem fora violentada por um tio, um bispo evento que a torna revoltada mas ao mesmo tempo revela um apelo erótico. Tira o jovem Enrico de seu repouso e permite ele a toque nos seios.

Mas, nesse mesmo instante, na noite fechada, são eles atacados de modo violento por religiosos que visavam, principalmente Conrad -saberiam os mandantes que ele dispunha da mensagem cifrada de Leo?

Nesse embate, Amata que sempre tinha em sua manga uma faca, esfaqueia um dos atacantes que morre, mas mortalmente ferido o jovem Enrico que logo depois morreria. 

Amata sofre muito com a morte do jovem. Se não o tivesse tentado  seduzir, ele estaria vivo? Seria surpreendido pelo ataque?

Seu corpo é levado por meio de esteira improvisada de galhos por Conrad e Jacopone, entregando o corpo no Sacro Convento para o qual seria um noviço a serviço da congregação.

Nesse fase, desaparecem Amata e Jacopone, mas eles são primos.  

Amata reaparecerá depois de estar abrigada com as Damas Pobres,  como herdeira da viúva Donna Giacoma que sai em defesa da jovem, num verdadeiro discurso feminista quando Conrad tenta depreciá-la pelo que se dera com Enrico. Ela fora violada e passara por muitas dificuldades:

- Mulheres precisam de amor - continuou  Dona Giacoma - Precisamos ser amparadas e tocadas e ouvir que somos especiais entre todas as outras mulheres.

Mas, uma situação real para religiosos se refere ao teor de versículos do Eclesiastes:

"Não contemple a beleza de todo o corpo e não se deixe ficar junto às mulheres. Pois das roupas sai a graça e da mulher a iniquidade do homem. Mais como uma rede, e suas mãos são algemas. Quem agrada a Deus livra-se dela; o pecador, porém, será preso por ela."

Chegando a Assis Conrad passa a frequentar  biblioteca do Sacro Convento a procura de indícios para resolver o pergaminho de Leo, pesquisa que contraria o poderoso e soberbo frei Bonaventura. 

O Frei o adverte que suas pesquisas na biblioteca do Sacro Convento não seriam toleradas. E se reiterasse seria castigado severamente

Conrad fica sabendo que a viúva Donna Giacoma ajudara Léo em escrever o pergaminho com a mensagem cifrada, mas nada indaga à mulher que informação tinha ela sobre a mensagem (?)

Pois ela, a viúva, presenciara até mesmo o sequestro dos restos mortais de São Francisco. Ela também verificara no santo, as chagas e ferimentos que vitimram Jesus Cristo na crucificação. 

Conrad reitera a pesquisa, é pego por asseclas de Frei Bonaventura sendo encarcerado e lá e cegado de um olho com ferro em brasa, enfrentando dor excruciante. Na prisão, situada nos porões de templo encontra outra vítima da crueldade de Bonaventura, Giovanni de Parma, universalmente  reverenciado o deposto ministro geral que lá estava preso havia 16 anos.

Nessas masmorras Conrad, tal a sua fé e renúncia, tem uma experiência espiritual. Revestido por luzes ele sente toda a felicidade interior.

Essa experiência transcendente, assistida pelo carcereiro Zefferino, porque as luzes que envolveram Conrad iluminaram os corredores turvos da prisão, passa a respeitá-lo.

Conrad, depois de dois anos encarcerado e Giovanni são libertados pelo papa Tebaldo depois que Bonaventura é desmascarado num concílio da Igreja quando denunciado de suas crueldades e inclusive em manter em prisão seus desafetos religiosos. As denúncias são de tal gravidade que ele morre em pleno concílio.

Mas, houve, também, os pedidos de Orfeo ao papa de quem fora um servidor em suas viagens.

Nesse meio tempo Amata, já proprietária da rica moradia da víúva Donna Giacoma que antes de falecer transferira a ela sua riqueza, fora aconselhada a se casar.

Um pretendente truculento tentou raptá-la, usando da violência anunciando que com ele Amata se casaria imediatamente,

O modo como ela fora conduzida para fora de seu palácio chamou a atenção de pessoas por perto entre eles de novo Jacopone e um certo Orfeo.

Ambos a salvam.

Ela se apaixona logo por Orfeo mas sabia que ele era filho de uma família que assassinara seus pais.

Mas ela descobre que ele era rejeitado pelo pai e, portanto, inocente. E se casam com muita paixão.

Jacopone, por sua vez, é pai de um menina, Terezina, que ele abandonou com o falecimento da esposa. Ela vivia com o tio Guido. No final do livro revelaria sua veia poética, competindo com Dante Alighieri (!?)

Conrad liberto da prisão, alquebrado, envelhecido, com dificuldades de visão, com as marcas dos grilhões, vai cumprir missão que achava própria para se aproximar da santidade de São Francisco e, sem duvida, as páginas descrevendo o ambiente e o sofrimento do doentes e a vida terrível que levavam, são bastante expressivas.

No leprosário, Conrad chegara à conclusão que São Francisco, por lesões no corpo, perda de visão e crostas maculares nos pés e mãos que ele poderia estar doente com lepra.

Mas, honrado pelo papa num encontro previamente acertado, ele proíbe Conrad de divulgar essa sua crença, isto é, de que Francisco havia adquirido a doença, mesmo que ainda no seu início.

Como foi resolvida a a decifração que não houve do pergaminho de Leo? Ora, não foi resolvida porque o pergaminho fora destruído por um incêndio nas instalações da mansão da Amata. Revelaria o pergaminho onde estavam escondidos os restos morais de Francisco? As cinzas nada mais inspirariam, Saída engenhosa do Autor...

Mas, o Autor não deixou essa dúvida quanto ao paradeiro dos restos mortais de Francisco. Não, essas "relíquias" seriam descobertas em 1818 por acaso numa escavação nos baixos da própria Igreja de São Francisco. (*)

O livro tem pesquisa e a realidade se confunde demais com a ficção. Na orelha da capa, há um comentário afirmando que o livro teria a força narrativa de "O Nome da Rosa" de Umberto Eco. Para mim, nem de longe. É um livro atraente que não vai além de agradável passatempo. Atraente e ruim.


Referências

1- O grupo dos Espirituais mantinham-se fieis às regras de São Francisco, seguindo Jesus Cristo, "despido da cruz; o grupo dos Conventuais, "carregam todas as bagagens deste mundo",

(*) Sobre São Francisco de Assis,  acessar: https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2017/06/5-sao-francisco-de-assis.html




  


segunda-feira, 28 de junho de 2021

A ILÍADA de Homero

 Livro 84

(V. obs. no final)

Quando foram escritas "A Iliáda" e a "Odisseia", por Homero? No século X antes de Cristo? ou no 7º século? 

Estudiosos chegam a admitir que Homero nunca existiu e que essas obras foram escritas por vários autores ou, por outra, elas são constituídas de textos de poemas diversos compilados.

No andamento da leitura, em determinadas narrativas parece haver alguma desconexão, mas isso não tira o interesse por ambas as obras.

O volume que li da "A Ilíada", não é em verso, mas em prosa numa tradução esmerada.

A obra para quem a ler integralmente, pode se surpreender. 

Desfilam em suas páginas os deuses que influenciam diretamente os acontecimentos da guerra, atuam protegendo ou os gregos ou os troianos, saido dessas posições até mesmo contatos ríspidos no Olimpo:

Zeus, o deus pai dos tem interferência direta nos combates, outros deuses, protegendo os troianos na figura de Heitor enquanto que do lado dos gregos, Heras, "a dos olhos bovinos",  irmã e esposa do próprio Zeus, "o ajuntador de nuvens" e Poseidon - "o abalador da terra". Mas, não só, outros participam influenciado no desfecho de lutas e batalhas.

[Três mil anos das obras escritas por Homero, e ele descreve desavenças sérias entre Hera e Zeus, irmãos e cônjuges. Coisas do tipo: "traiçoeiro", acusa Hera,  Em outro trecho, agora o qualificativo de Zeus: "Louca, és sempre desconfiada, nem eu escapo de ti". E as divergência do casal não param aí].  

Os deuses, então, menos que paz, incitam a guerra porque entre eles há no apoio aos guerreadores adversários.

Heróis da narrativa, que se destacam: 

Ulisses, "de muitos ardis" sempre citado pelo protagonismo na construção do "cavalo de Troia", que como presente "de grego" foi introduzido livremente na cidade inimiga  levando em seu "corpo", soldados gregos que dele saíram propiciando o ataque e a destruição da também denominada Ílion,

O que surpreende em "A Ilíada", porém, é que nas suas 421 páginas, Ulisses aparece como um personagem de pouca expressão ou participação nos combates. Não há referências ao "cavalo de Tróia" na obra. Disso falarei a frente. 

Aquiles "dos pés ligeiros", sim, é o protagonista, mas nada em relação ao seu calcanhar vulnerável. É um herói sanguinário que não faz concessão aos inimigos que derruba: ou a morte pela lança, ou a morte quando fisicamente dominados.

A obra revela outros heróis, como Agamenon - "rei dos homens" -, Diomedes, os dois Ajax, Pátroclo e mesmo Menelau entre os gregos, chamados na obra também como aqueus e entre os troianos, principalmente Heitor, "semelhante aos deuses" e Enéias. 

Enéas poderia ter sido morto por Diomedes, mas foi protegido pelo deus Apolo.

De certa maneira, Menelau foi aconselhado por Agamenon, seu irmão, a não se expor muito nas batalhas.

Menelau é lembrado por causa da Helena, sua mulher vítima de sequestro consentido (?) e Páris, também chamado no obra de Alexandre, o raptor. Helena se fixou bem em Tróia mas arrependida como veremos.

No bom texto da dobra da capa, lê-se que

"Estamos diante de Troia. A guerra já dura nove anos. Páris ou Alexandre, príncipe de Tróia havia sequestrado durante sua visita, a mulher de Menelau, rei de Esparta, Helena, a mais bela das mulheres. Menelau recorre  aos outros líderes gregos  e vai atacar a famosa cidade."

Há, aqui, no meu modo de ver, imprecisões de datas que afetará até a ausência de Ulisses de sua pátria, Ítaca, em vez de 10 anos - lapso sempre citado, mas beirando 20 anos.

Mas, vou explicar essas contradições de datas linhas a frente

A narrativa começa com um desentendimento severo entre Aquiles e Agamenon, rei dos homens, que o obriga a lhe entregar um "troféu" de guerra, uma linda mulher, Briseis, virginal,  

Aquiles obedece, os deuses intervém e não se dá a violência entre eles, mas Aquiles guarda um ódio mortal contra Agamenon a ponto de não participar das batalhas ao lado dos aqueus (gregos), Aquiles chora muito esse evento, sendo consolado por sua mãe, a deusa Témis que chegara mesmo a Zeus, pedindo a proteção ao filho ultrajado, "cujo destino é bem curto".

De um modo ou outro, Aquiles seria decisivo na guerra. Ele só entrará nos combates, com sua poderosa lança e armadura de bronze muito forte, quando seu companheiro e amigo muito estimado, Pátroclo fora morto por Heitor.

Zeus dissera que Heitor seria morto por Aquiles e tal se confirmaria após muitas rusgas entre eles com deuses interferindo protegendo um ou outro.

Boa parte do livro se refere a descrição de batalhas sangrentas porque as vítimas caiam a poder de lanças de bronze ou de espadas.

Não havia compaixão de parte a parte, ninguém era perdoado na hora do confronto. A glória era abater o inimigo e mais a glória seria exaltada se a vítima tivesse  fama de lutador invencível. E a obtenção da armadura do morto era o troféu.

Algumas descrições às vítimas de lança certeira:

● A lança atingiu o nariz da vítima, junto dos olhos e passou pelos dentes, cortando a língua sob a raíz e a ponta apareceu sobre a mandíbula...

Ou então,

● ...atirou uma seta de sete pontas, quando ele se retirava, atingindo á nádega direito do inimigo. A seta penetrou na bexiga, embaixo do osso. Ele caiu e o sangue ensopou a terra... 

E mais,

● A pontiaguda lança atingiu a testa do combatente e os miolos se "dispersaram do lado de dentro" e ele morreu. 

Com Ulisses, Agamenon e Diomedes feridos, com a ajuda dos deuses e com Heitor protegido por alguns deles, inclusive por Zeus, os troianos se aproximam ameaçadoramente dos redutos gregos inclusive incendiando seus "côncavos" navios.

Então, Pátroclo, aliado e companheiro de Aquiles, chega até ele implorando que entre na guerra para vencer os troianos.

Aquiles não se emociona, mantém ainda o rancor pelo ato de Agamenon em retirar dele, a bela Briseis, "troféu" de conquista de batalha, a tal ponto em recusar até valiosos presentes dele na tentativa de reparar a humilhação que lhe impusera.

Então, incentiva Pátroclo a partir para a batalha e para isso cede-lhe sua armadura e armas.

Pátroclo assim age e vai matando muitos troianos, até ser morto por Heitor, "o matador de homens."

Há, então, uma disputa  pelo corpo de Pátroclo: os troianos o querem como troféu e os aqueus o querem para a devida cerimônia fúnebre.

Conseguido o corpo, os aqueus informam da morte do amigo a Aquiles. Este porque chorão como era, se emociona e chora copiosamente e prepara as cerimônias fúnebres.

Decide partir para a guerra, sabendo que era temido pelos inimigos. O deus Hefestos fabrica nova armadura e armas para Aquiles a pedido de sua mãe Tétis.

Ao saberem da entrada de Aquiles, os pais de Heitor (Príamo e Andrômaca) , que já choravam a perda de filhos na guerra, imploraram: 

- Heitor, querido filho, não enfrentes sozinho aquele homem. longe dos outros, para que não encontres sem demora o teu destino, abatido pelo filho de Peleu, eis que aquele homem cruel é muito mais forte. 

Não demoraria, e Heitor, enfrentando Aquiles seria morto por um golpe de lança que atravessaria facilmente seu "macio pescoço". Heitor ainda teve tempo de pedir a Aquiles, em nome dos seus pais, que não o deixasse como alimento dos cães gregos.

Mas, Aquiles, com desprezo e rancor:

- Cão, não me supliques pelos meus joelhos e por meus país.

Morto Heitor, uma grande consternação em Troia, o desespero de seus país, tudo agravado pela modo como agiu o algoz, arrastando o corpo do morto em volta do túmulo de Pátroclo.

Zeus e outros imortais, apiedan-se daquele modo de agir de Aquiles. Então, Zeus chamou a deusa Tétis para que levasse uma mensagem ao filho, determinando que ele entregasse o corpo de Heitor aos seus pais.

Assim se deu, observando Tétis que Aquiles já chorara demais pela morte de Pátroclo:

- Meu filho, por quanto tempo consumirás teu coração chorando e sofrendo, sem pensar no alimento e no leito? Coisa agradável é deitar-se com uma mulher para o amor.

Príamo por mensageira de Zeus foi informado que deveria ir aos redutos gregos com ricos presentes a título de resgate e levasse para Troia o corpo de Heitor. 

Vacilando muito, o velho Príamo, assim fez. Tratado com frieza mas com respeito, acabou por levar o corpo do filho à sua cidade, dando-se, então, a cerimônia fúnebre.

O livro "A Ilíada" assim se encerra no relato dessa cerimônia, sem narrar o desfecho da guerra...

E O CAVALO DE TROIA, O FAMOSO "PRESENTE DE GREGO"?

Não há menção sobre essa lenda na "A Ilíada".

Mas, retornemos à "Odisseia" do mesmo Homero. Comentário de Menelau às lembranças de Helena de volta ao lar grego sobre Ulisses e o "cavalo de Troia":

"(...) Conheci por experiência os pensamentos e a bravura de muitos heróis, percorri o vasto mundo nunca, porém, meus olhos viram quem possuísse um coração como o do paciente Ulisses. Atentai no que ousou e empreendeu este homem enérgico, dentro do cavalo de madeira, onde os mais valentes dos Argivos (gregos) estávamos emboscados, para levar extermínio e morte aos troianos." (*)

E na "Eneida" de Virgílio que narra a fuga de Eneias da Troia destruída:

"Já fatigados da guerra e repelido pelos fados (destinos), no correr de tantos anos, os chefes gregos, por inspiração de Minerva, constroem um cavalo, tão grande como um monte, tecendo-lhe os costados de pranchas de abeto, e fazem divulgar ser aquilo um voto pelo seu feliz regresso. Dentro, no bojo escuro lhe metem escondidos guerreiros e de armada soldadesca enchem-lhe o ventre e todas as cavidades." (**)

HELENA

A guerra de Troia está muita acima do ousado sequestro da linda Helena, esposa de Menelau, por Páris (Alexandre).

Claro que na obra de Homero, há referências a essa ato ousado (e consentido) de Páris, pensado pelo seu próprio irmão, Heitor. Diz ele:

"E se eu pusesse no chão meu escudo e o pesado elmo e fosse ao encontro do admirável Aquiles e prometesse entregar Helena aos filhos de Atreu (Agamenon e Menelau), para que a levassem e, com ela, todos os bens que Alexandre trouxe nos côncavos navios para Troia que foi o começo de toda a guerra..."

Escreveu Virgílio na sua "Eneida":

"Não lances a culpa à formosa e odiada Helena nem a Páris tampouco; foi a inclemência dos deuses que destruiu a poderosa Troia."

Em todas as linhas de "A Ilíada", Helena era qualificada como a esposa de Páris (ou Alexandre), mas quando chamada carinhosa por seu sogro Príamo para ver em batalha seus  irmãos e conhecidos gregos, inclusive Agamenon, seu cunhado, ela mostra arrependimento por estar em Troia, mas não fora forçada a seguir o troiano, seu marido:

- Oh! oxalá a negra morte tivesse me tomado quando segui teu filho até aqui, deixando meus aposentos, meus irmãos, meu filhinho e o grupo alegre de minhas companheiras. Já, porém, que tal não se deu, eu me consumo com o pranto."  

Na solenidade fúnebre de Heitor - e aqui uma questão de datas - Helena agradece o falecido pelo modo carinhoso como fora sempre tratada por ele, reafirma que melhor tivesse perecido em seguir o marido Páris, dizendo:

"Eis que faz vinte anos que aqui estou e deixei minha pátria.

Vinte anos! Esse tempo posterga muitos eventos situados na obra de Homero!

Referindo aos feitos de Ulisses, relatados na "Odisseia" explica Helena:

"E após ter massacrado muitos troianos com o bronze de afiada ponta, voltou a reunir-se aos Argivos (gregos) de posse de muitas informações. Então as outras mulheres troianas soltavam lancinantes lamentações, mas eu exultava de alegria, porque meu coração já era outro. Ansiava por voltar para casa e lamentava a cegueira com que Afrodite me ferira ao conduzir-me para lá, longe da pátria. deixando atrás de mim a filha (n' "A Iliada" ela se refere a filhinho), o tálamo (leito nupcial) e o esposo, que a ninguém é inferior em espírito e beleza".

Não parece muito claro a fidelidade de Helena a Menelau. Tome-se o exemplo de Penélope, a esposa de Ulisses.

Mas, tudo isso é literatura rica e fantástica.


Referências:

(*) Para acessar: Odisséia de Homero

(**) Para acessar: Eneida de Virgílio

Observação: Esta resenha / comentários está melhor desenvolvida no reunião das três obras, Ilíada e Odisseia de Homero e Eneida de Virgílio. Os textos foram revisados e ampliados.

Acessar: ILÍADA, ODISSEIA E ENEIDA

 



sábado, 17 de abril de 2021

ASSIM FALOU ZARATUSTRA de Friedrich Nietzsche

 LIVRO 83


Esse livro está comigo há bom tempo. Vinha adiando sua leitura por achar que perderia tempo em lê-lo e obrigar-me a "interpretar" o pensamento do autor, muito considerado - até demais - por palestrantes e conferencistas que têm por princípio mencionar em suas explanações, filósofos que se destacaram em suas vidas, refletindo com profundidade sobre questões metafísicas.

Então, no caso de Nietzsche é comum esses conferencistas, para fundamentar seu próprio pensamento se referirem a "Nietzsche disse isso", "Nietzsche se baseou nisso" e por aí vai. 

Nunca ouvi referências a explanações contidas nas páginas do livro. "Assim falou Zaratustra" é mencionado apenas no tocante às críticas "consagradas" aos valores tradicionais e especialmente ao cristianismo e aos sacerdotes. Dá-se, nessa linha, a repetição de chavões que ressalta essa posição exacerbada do autor:

"Quebrai, quebrai as antigas tábuas vós que aspirais ao conhecimento".

No diálogo havido com um santo ancião que respondera na sua morada no bosque louvar a Deus e fazer cânticos, ao se separarem, rindo como duas crianças, Zaratustra, ao ficar sozinho, "falou assim ao seu coração":

"Será possível que este santo ancião ainda não tenha ouvido no seu bosque que Deus já morreu?"

Afirmação descabida porque afinal de contas o ancião era um santo homem que acreditava em Deus e chega Zaratrusta que reconhecera a santidade para dizer que Deus morrera. São inúmeras as contradições num livro contraditório e às vezes desprovido de senso.

E aos pregadores da religião:

"Isso porque, "conheço demasiado esses homens semelhantes a Deus. Querem que se acredite neles e que a dúvida seja pecado. Também sei de sobra no que eles creem mais."

Há referência velada a Jesus a quem chama de hebreu que morreu cedo demais porque só conhecia  as lágrimas e as tristeza do hebreu, "juntamente com o ódio dos bons e dos justos; por isso o acometeu o desejo da morte."

E pergunta:

"Por que não ficou ele no deserto, longe dos bons e dos justos? Talvez houvesse aprendido a viver e amar a terra e também o riso!" Se não morresse retratar-se-ia de sua doutrina com mais idade. "Era bastante nobre para se retratar!" (?)

Por isso, proclama que "Deus está morto", um conceito que tantos mencionam, mesmo que no conjunto da obra, haja um sentido de religiosidade sutil porque sem a divindade sobram exatamente quais valores? Não é por menos que seus hóspedes, "homens superiores" num dado momento, em sua caverna, claro que uma imagem distorcida, passam a adorar um burro. Mas, Zaratustra, repudia essa "solenidade".

E nessa direção, proclama o "sentido da terra" e o surgimento do Super-homem uma figura que, afinal de contas, vaga pelos seus textos confusos dai serem considerados "difíceis"... não me acusem de não os "interpretar", porque se trata de múltiplas páginas desconexas. Vai melhorar na quarta parte do livro em crônicas que possuem mais sentido. Mas, há contradições. A confirmação do delírio.

O homem superior como chamado na outra obra do autor "O Anticristo" é um personagem que despreza a compaixão e neste de Zaratustra, há ambiguidades no tocante "aos bons sentimentos" a serem devotados entre os homens, embora fale ele em amor pelos homens e na parte final da obra ele demonstre "amor" pelos seus hóspedes, estes que exatamente  chama de "homens superiores".

À pergunta indesejada: "Como se conserva o homem?"

Zaratustra ao responder pergunta: 

"Como será o homem superado? O Super-homem é o que me preocupa; para mim ele é o primeiro e o único, e não o homem; não o próximo, o mais pobre, nem o mais aflito; nem o melhor. Meus irmãos o que eu posso amar no homem é ele ser uma transição e um ocaso. E em vós também há muitas que me fazem amar e esperar."

Um homem a ser esperado, seu Super-homem que ao olhar para a as eventualidades da vida, seria não menos frágil. É é um "ser" a ser adorado?

 Nietzsche foi um frágil.

O que resta do seu Super-homem? Quem é ele?

Mas, mesmo assim, "quero ensinar aos homens o sentido da sua existência, que é o Super-homem, o relâmpago que brota da sombria nuvem homem."

E também, "não vos basta reconciliar-vos com aquele que matais. Seja a vossa tristeza amor ao Super-homem; assim justificais a vossa sobrevivência!"

Nietzsche em seu Zaratustra proclama que a alma, a qual ele menciona constantemente no livro todo, é apenas alguma coisa que habita o corpo mortal.

Ao acrobata nos seus últimos momentos de vida após a queda do equilíbrio ele diz:

"Amigo", respondeu Zaratustra, "palavra de honra que tudo isso de que falas não existe, não há demônio nem inferno. A tua alma ainda há de morrer mais depressa do que o teu corpo; nada temas".

Mas, como o homem "carrega" uma alma, ele diz:

"A cada alma pertence um mundo diferente; para cada alma, toda outra alma é um além-mundo." (?)

E também, "a interpretar":

"Tudo se destrói, tudo se reconstrói, eternamente se edifica a própria casa da existência. Tudo se separa, tudo, tudo se saúda outra vez, o anel da existência conserva-se eternamente as estações da existência."

Seus animais com ele confabulam dizendo que bem sabem quem é  Zaratustra e o que deverá ser: "tu és o mestre do eterno retorno, é este agora o seu destino"

E a grande revelação no tocante às vidas múltiplas: "que todas  as coisas voltam eternamente a nós com elas; que nós temos já existido uma infinidade de vezes, e todas as coisas conosco."

Esses trechos fariam sentido mesmo numa obra kardecista.

O personagem Zaratustra  exalta o Sol, seu brilho inspirador,  a noite calma e ele em sua agradável solidão, o céu, as montanhas onde fica sua caverna, seu animais de estimação e "conselheiros", a águia e a cobra,  mas ele não ousa adentrar no "inexplicável" Universo e suas decorrência. Como se explicam esses fenômenos?

Com Zaratustra, nada com a metafísica.

Na obra há uma página bonita sobre as mulheres, mas não deixa de acentuar:

"Tema o homem a mulher, quando a mulher odeia: porque no fundo, o homem é simplesmente mau, mas a mulher é perversa."

Mas, também,

"A felicidade persegue-me. Deve-se isto a eu não correr atrás das mulheres. Que felicidade é a mulher".

"E algumas invenções são tão boas que, como o seio da mulher, são úteis e agradáveis ao mesmo tempo."

O nome do livro:

O escritor Janko Lavrin (**) explica o porquê do "Zaratustra" na obra de Nietzsche:

"O profeta Zaratustra (ou Zoroastro) fundou outrora uma religião na qual a moralidade era um fenômeno metafísico e um fim em si mesmo. Mas Nietzsche, que rejeitava a ideia de qualquer moral metafísica, restaurou Zaratustra com o objetivo de fazê-lo corrigir o erro cometido por Zoroastro ao fundar a religião do Zandavesta."


Quando o livro escrito entre 1883 a 1885  Nietzsche já vinha sofrendo fortes distúrbios mentais, provenientes do possível avanço da sífilis que teria adquirido na juventude. Sua visão começou a ser afetada e seu estado mental dificultava ele próprio redigir páginas de suas obras, obrigando-se a ditá-las para amigos que o apoiavam.

Há alguma influência desses distúrbios no "Assim falou Zaratustra?

Por cerca de 11 anos, de 1890 até sua morte em 1900 seus distúrbios mentais chegaram a extremos e o fizeram "vegetar" cuidado pela mãe dedicada e depois pela irmã quando da morte daquela. (Ver relato na resenha do livro "O Anticristo) (*),

O autor Janko Lavrin, a par de qualificar "Assim falou Zaratustra" como obra-prima de  Nietzsche acentua que fora "ele honesto ao tratar da bancarrota dos valores tradicionais no mundo de hoje, naquele mundo que nos foi legado pelo cristianismo e pelo humanismo" (**).

Humanismo? Pela conceituação tradicional de "humanismo" não me parece adequado ter a obra combatido esse legado do passado. 

Notas finais

Não se sintam pouco a vontade, meus amigos, ao ouvirem de seus palestrantes preferidos aquelas afirmações enfáticas de que "Nietzsche defendeu isso ou aquilo, desautorizou Sócrates". 

Na minha visão modesta "Assim falou Zaratustra"  é uma obra confusa e contraditória que o leitor médio dela não precisa. Há muita coisa melhor a se pôr a ler do que esse delírio do autor.

O autor Janko Lavrin se refere à bancarrota dos valores tradicionais tratados por  Nietzsche. Nada mudou nos dias de hoje e com o avanço dos "evangélicos comerciantes" há por eles a dominação às pessoas humildes que se apegam a valores dessas "religiões" que as dominam e as exploram. Devem ser denunciados.

Do livro de  Nietzsche para mim sobrou pouco. Me parece que há certo pedantismo intelectual em mencionar constantemente seu nome para fundamentar conceitos em palestras e conferências. Conceitos retóricos que nada produzem que não seja demonstrar um tipo de cultura dispensável.


Referências:

(*) Acessar: "O Anticristo" de Nietzsche

(**) Janko Lavrin,  "Nietzsche, uma introdução biográfica" (Edições Bloch - )