Livro 20
Tenho a impressão que os ensinamentos de Gurdijieff já tiveram estudos mais aprofundados no passado. Neste livro, o Autor, falecido em 1949, não se aprofunda nos seus ensinamentos, embora na convivência com os “homens notáveis”, muitas experiências ele relata até de modo jocoso. Esse livro teve uma versão cinematográfica. A sua capa provém de uma cena do filme.
Tenho a impressão que os ensinamentos de Gurdijieff já tiveram estudos mais aprofundados no passado. Neste livro, o Autor, falecido em 1949, não se aprofunda nos seus ensinamentos, embora na convivência com os “homens notáveis”, muitas experiências ele relata até de modo jocoso. Esse livro teve uma versão cinematográfica. A sua capa provém de uma cena do filme.
Nas páginas de
introdução, pelas palavras de um sábio que respeitava muito, Gurdijieff faz críticas
irônicas aos romances que nada trazem de útil e a própria imprensa é
desacreditada pelas distorções que pratica na divulgação de notícias. E critica, também, a gramática porque ela poderia tirar a
espontaneidade das explanações. Ele falava, pelo menos, uma dezena de idiomas.
Não esperem, porém,
que tudo de seus relatos, sejam experiências imaculadas. Não. Por vezes, para
sobreviver nas grandes viagens que empreendeu, obrigava-se a obter recursos de
modo não muito apropriados.
Por exemplo:
apreendera pardais, pintava-os de amarelo e os vendia a bom preço afirmando que
eram canários americanos raros.
Mas, não demoraria
muito a deixar a cidade porque os pardais poderiam desbotar a qualquer momento...
Além dessa outras
práticas foram relatadas que não se enquadram nos limites rigorosos da lisura.
Quando trabalhou na construção de uma linha férrea, sabendo do seu traçado e por quais cidades passaria, remetia a elas um um assessor sugerindo o pagamento de uma "compensação" de tal modo que poderia desviar o traçado, as beneficiando. Mas, a cidade já constava do traçado!
Como tinha talento especial para "consertar tudo", era comum cobrar preço exorbitante apenas para mudar uma alavanca, fixar uma mola solta, que o incauto desconhecia.
O começo do livro revela sua perplexidade com certos fenômenos que poderiam ser atribuídos a milagres, sem explicação nos conceitos comuns da vida como, por exemplo, um jovem paralítico que rastejando até o túmulo do santo, o beijou e desmaiou. Ao recobrar os sentidos, estava curado, contrariando todas as possibilidades.
Há o relato da manifestação de espécie de zumbi, um espírito brincalhão que se apossa de um cadáver mal sepultado e pratica ações de mau gosto, especialmente contra os inimigos do morto.
Essas manifestações desafiavam sua razão.
Daí, suas viagens pela
Ásia Central, incluindo o Tibete foram extensas, demoradas, fixando-se, com seus amigos
que pensavam igual a ele, em localidades remotas, em busca do
autoconhecimento.
Há descrições de grandes dificuldades que foram superadas nessas viagens que nem sempre revelavam essa busca interior. As viagens resultavam não tanto em revelações espirituais ao autor e seus seguidores, mas experiências de sobrevivência, contatos com tipos humanos que afinal, ajudaram na sua busca:
"Um dia fomos chamados ao recinto do terceiro pátio, em casa de um xeque do mosteiro, que falou-nos com a ajuda de um intérprete. Deu-nos como instrutor um dos monges dos mais antigos, um ancião que tinha o aspecto de um ícone e que, segundo os outros frades, tinha duzentos e setenta e cinco anos."
Experiências não se transferem, mas se relatam. Padre Giovani, italiano, a quem o autor conheceu em Citral (Paquistão), num dos diálogos disse:
"Por exemplo, se meu próprio irmão bem amado viesse, neste momento, até a mim e me suplicasse que lhe desse nem que fosse a décima parte de minha compreensão e de que modo o meu ser quisesse fazê-lo, não poderia sequer comunicar-lhe a milésima parte dessa compreensão, por mais ardente que fosse meu desejo, porque não existe nele, nem o saber que adquiri, nem as experiências pelas quais me foi dado passar a minha vida."
Nessas viagens tão
duradouras, longínquas, não havia, pelo que relatado no livro, o elemento feminino, a prática
sexual, mas entre seus companheiros de aventuras, a amizade integral, que
provinha do “amor profundo”, de irmãos. (*)
Uma sua aliada, Vitvitskais, que viajou muito no grupo e o ajudou nos ateliês de "conserta tudo"`:
"A companheira que acabava de reencontrar era a inimitável e intrépida Vitstiskaia, que andava sempre vestida de homem. Participara de todas as nossas expedições perigosas nos confins da Ásia, África, Austrália e ilhas vizinhas."
Nessas expedições, nessas aventuras, há momentos de crueldade. Para improvisarem uma jangada e aproveitarem o fluxo de um rio, resolveram abater todas as cabras que haviam servido tanto para carregar as bagagens como para a subsistência com a sua carne. Eram consideradas até então, aliadas.
Gurdijieff assim relata:
“No dia seguinte, começamos a matar as cabras, que ainda na véspera considerávamos, sinceramente, como nossas amigas e associadas em nossos esforços para superar as dificuldades da viagem.”
E ironiza esse ato bárbaro, se referindo a uma “bela manifestação cristã-muçulmana...”.
Os homens notáveis
relacionados no livro são nove, incluindo o pai do Autor.
Quanto a este houve entre outros conceitos estes:
1º - Amar seus pais;
2º - Guardar sua
pureza sexual;
3º - Demonstrar cortesia
com todos, ricos ou pobres, amigos ou inimigos, detentores do poder ou
escravos, qualquer que seja religião...
4º - Amar o trabalho
pelo trabalho e não pelo ganho.
“Uma verdadeira miséria sobre a terra são as implicâncias das mulheres.”
O padre Borsh, um dos
notáveis, dissera que o homem e a mulher para atingirem um grau de convivência
devem ter o tipo correspondente para que se completem. Em assim não sendo perdem
quase todas as manifestações essenciais de sua individualidade.
E completava:
“Eis porque é absolutamente
necessário que todo homem tenha perto dele, no processo de sua vida
responsável, um ser do sexo contrário, de tipo correspondente, para que se
completem mutuamente sob todos os aspectos.”
Então os notáveis que eu tenha apreendido, não transmitiram sempre algo revelador que não fosse a bondade, a espiritualidade e a amizade.
E um detalhe: embora a cada capítulo, um dos notáveis é destacado, no texto respectivo nem sempre se fala muito dele. O autor aproveita em cada capítulo para relatar suas experiências, suas aventuras e atitudes nem sempre... exemplares.
Num velho livro publicado no início da década de 60, “Mente ou Alma” do médico psiquiatra Alberto Lyra, que estudou a psicologia de Gurdijieff, revela que sua personalidade, para os que o conheceram, irradiava força fora de toda comparação, liberdade interior além de ser trabalhador incansável.
Extraído do livro de
Lyra, escrevera Peter Ouspensky, seu principal discípulo, sobre sua psicologia:
“A psicologia de Gurdijieff
é extremamente prática e racional, porque ela mostra de maneira lógica como é o
homem, quais são as suas enormes limitações, mas aponta, também, os meios para
superá-las. Sob esse ponto de vista leigo e desprovido de qualquer sentimento
religioso, mostra que, afinal de contas, o caminho que o homem tem de trilhar é
o mesmo que lhe tem sido indicado pelos diversos instrutores religiosos de
todos os tempos.”
Um aforismo dele: “Quanto
piores as condições de vida, melhores serão os resultados do
trabalho - contanto que nos lembremos continuamente do trabalho.”
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