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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

RONCADOR (Jornada da "Bandeira Piratininga") de Willy Aureli

 LIVRO 80


Willy Aurely é um sertanista esquecido.

Nascido em Santos, em 1898 e falecido em 1968.

Sua denominada "Bandeira Piratininga" cujo objetivo fora atingir a misteriosa e ausente dos mapas no Estado do Mato Grosso em 1937/1938, a Serra do Roncador. Sua expedição  é anterior às incursões dos irmãos Villas Boas naquela mesma região, que se deu a partir de 1943.

Esse livro de Aureli, "Roncador",  está esgotado, mas há livrarias "sebo" que ainda dispõem de exemplares.

O meu exemplar é de 1939 ainda na velha ortografia que seria alterada em1945. Assim: "novos soffrimentos"... 

Como cheguei a me interessar pela obra?

Herança de meu pai que era "fã de carteirinha" do jornalista/escritor.

Os livros do Autor que estão comigo, relaciono nas linhas finais destes comentários (*)

A  motivação da "Bandeira Piratininga" fora exatamente desvendar o mistério da existência da Serra do Roncador, no Mato Grosso. E de sua própria existência porque nos mapas, naqueles idos, a região era registrada "em branco". (**)

Aureli relata as diversões expedições anteriores havidas para aqueles lados, tendo seus membros desaparecidos ou trucidados pelos silvícolas, mas acentuando:

"Convém saber que a serra do Roncador fora o escopo de coronel (Percy) Fawcett, pois assegurara existir, nessa cordilheira, restos duma civilização pré-histórica. Mapas editados na Inglaterra marcavam, com certeza, a zona provável onde se encontraria, perdido, o sábio e seus companheiros. E essa zona provável era a serra do Roncador..."

Essa região da Serra do Roncador não acreditada, se dera

"Graças às afirmativas dessas notabilidades, ainda mais que um, sobrevoando a zona declarou nada ter visto além de pântanos e charnecas, passou, o Roncador, a ser riscado definitivamente das coisas existentes."

No caso do coronel Fawcett, em 1925, ao deixar sua caravana, nas proximidades do rio Culuene "se internou em companhia de seu primogênito e dum médico amigo, ninguém supôs que passados uns meses o mundo inteiro se debruçaria sobre cartas geográficas pra pesquisar, na ânsia incontida duma revelação, uma zona que surgia em primeira vez à luz do meridiano graças ao noticiário", porque
"O desaparecimento de coronel Fawcett se tornou, durante anos, uma verdadeira paixão pra muitos. Expedições foram organizadas. Umas seguiram e fracassaram, outras permaneceram unicamente na ideia e na boa-vontade".

A expedição da "Bandeira Piratininga"

A organização da expedição comandada pelo Autor fora impressionante e persistente.

Ela foi apoiada por Adhemar de Barros, então interventor de São Paulo e pelo próprio presidente Getúlio Vargas

Foram trazidos de São Paulo dois batelões de tamanho avantajado e uma lanche precária. Os batelões, espécie de barcaça que trafega pelos rios, ao chegar ao rio Araguaia foram carregadas com toneladas de alimentos, equipamentos inclusive de rádio e cinematográfico,  ferramentas de toda espécie até para presentear os silvículas que fossem encontrados no trajeto (o machado era a ferramenta preferida deles).

O grupo era composto por 30 membros, incluindo um médico e um radiotelegrafista.

Ao navegar sobre o rio das Mortes, curso com 1.200 quilômetros que deságua no Araguaia, a descrição fora que apresentava paisagem emocionante pela sua beleza.

"Chama-se rio das Mortes devido à horrível carnificina praticada por Antonio Pires de Campos nos anos de 1682 e 1683 (...) quando esse paulista desbravador", navegando pelo 
Araguaia chacinou centenas de índios carajás e araés. Outras tragédias houve nas bordas do rio das Mortes.

Aliás, no tocante aos índios carajás, o Autor dedica páginas em descrever seus costumes, modos de vida e, sobretudo, sua aproximação cm a tribo que sempre o recebera bem e à sua equipe. Um dos guias na expedição era um índio carajá (Arutana).

Mas, não quanto aos xavantes, eram temidos por atos violentos e de morte praticados contra os carajás .

Num encontro tumultuado entre membros da expedição e os xavantes, esta a descrição de um dos seus membros:

"Surge um verdadeiro gigante. Colossal! Seu peito parece escudo de gladiador! Deve medir uns dois metros e pico. Solta um urro que é uma ordem. (...) O gigantão, com ares de King Kong, dá outras ordens."

Os xavantes segundo relata o livro frequentemente faziam fogo queimando imensas extensões da floresta sem que houvesse explicação quanto a qualquer utilidade prática. Não se tratava de desmatamento para plantio.

Na excursão à Serra do Roncador, a ida e a volta foram descritas pela sede de seus membros exploradores. Naquele deserto do Cerrado desde o rio Kuruá (citado no livro) até o Roncador, caminhando debilitados pela sede insuportável encontraram um buriti.  "Onde há buritis há água". Cavaram uma cacimba e só obtiveram barro que foi "bebido" para enganar a sede.

E nesse estado de prostração, com quedas, perda dos sentidos, tanto na ida como na volta fora a sede o maior obstáculo e os tormentos físicos enfrentados. 

Mas, com todos esses percalços, "depois de acrobacias alpinísticas" alcançaram "o cume do Roncador pela face saliente da cordilheira que, vista de longe, assemelha-se à gigantesca Esphynge".

Então, procuraram "entre os arbustos um de maior consistência e tamanho a fim de nele hastearmos a bandeira nacional" e assim, "procedemos à cerimônia sinceramente emocionados". O ato tivera algo de religioso, porque "somos um punhado de homens esfarrapados, febris, perdidos nesta imensidão que aterra."

Foram os pioneiros na "conquista" da Serra do Roncador.

Quando já na volta, a sede delirante, "água, água, água". A tudo suportaram mas ao 
encontrarem o rio, beberam até arrebentar e depois um banho.

No tocante às queimadas, a própria expedição delas se valeu, porque neste trecho "mandei fazer uma queimada na margem esquerda a fim de facilitar uma próxima penetração. Queimamos os restos de um cerrado que o incêndio ateado pelos índios poupara". (***)

Há menção especial às piranhas, alguns exemplares de tamanho incomum, que era consumido pelos membros da expedição, havendo descrição de ataques ferozes desse peixe  a alguns mais descuidados produzindo graves ferimentos.

Um inimigo constante e "cruel": o ataque de nuvens de pernilongos "piuns"

A fauna era também numerosa e talvez por isso, matar animais não só para o consumo mas apenas por matar se constata: 

"Benedito Martins (...) residiu em Santa Isabel, durante longos anos, em poucos meses, sem se afastar muito de suas terras, matou 78 felinos de porte alentado".

Embora o Autor não possa ser considerado, um "predador", fica revelado no livro que sempre houve por aqui essa cultura de predação da fauna e flora e provocação de incêndios.

E, também, a crueldade contra os animais se tornara uma prática comum.

O livro também se refere à Ilha do Bananal, a maior "ilha fluvial do mundo" (entre os rios Araguaia e Javaés) sempre com  palavras de admiração. "cuja beleza e riqueza são irrivalizáveis".

Aqueles eram tempos de regiões inexploradas e virgens, como a Serra do Roncador cujo nome teria sido originado pelo ronco dos vento em suas reentrâncias mas esse fenômeno não foi confirmado. O que há é um ruído no interior de suas rochas, um possível curso d'água que as atravessa no seu interior.

Esse o pensamento em 1938. Como se vê é um livro de aventuras com um objetivo real definido. Vale a pena conhecer.


Referências no texto:

(*) Livros de Willy Aureli que disponho:
1940 – Bandeirantes d’oeste
1949 – Léguas sem fim
1952 – Terra sem sombra
1957 – O rio da solidão
1960 – Esplendor selvagem
1963 – Biu Marrandu: Os donos das chuvas

(**) Hoje, pode se considerar como descrição "aceita" sobre a Serra do Roncador, esta:
O Roncador é uma imensa cordilheira da era plutônica que se ergue como divisor de águas do Araguaia e do Xingu. Estende-se por cerca de 800 Km, aproximadamente, desde Barra do Garças até as proximidades da Serra do Cachimbo, no estado do Pará. A fauna e a flora exuberante convivem harmoniosamente com cachoeiras, fendas e cavernas, sítios paleontológicos e arqueológicos, trilhas e bosques nativos. O coronel britânico Percy H. Fawcett, que deu fama a Serra do Roncador como sendo um local místico e especial, revestido de profundos mistérios, organizou uma expedição à região em 1925, desaparecendo misteriosamente no local. 
ObsEra plutônica seria o período em que se deu o surgimento de rochas de origem vulcânica constituídas pelo magma.

(***) Queimadas das selvas se trata, infelizmente, de uma postura "cultural".
Denunciou-as, Euclides da Cunha em "Os Sertões. Acessar:  https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2017/06/6-os-sertoes-de-euclides-da-cunha.html
e também 
Franz Caspar no seu livro Tupari (entre os índios nas florestas brasileiras), Acessar: https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2019/10/tupari-de-franz-caspar-entre-os-indios.html

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

OS CARBONÁRIOS de Alfredo Sirkis

LIVRO 79 





SUBTÍTULO: MEMÓRIAS DA GUERRILHA PERDIDA

Este livro "Os Carbonários" (*), está comigo há muitos anos, sem que tivesse disposição de tomar a leitura. A motivação foi a notícia da morte do seu Autor, Alfredo Sirkis, de desastre de trânsito, em 10.07.2020 não completados 70 anos.

Então, acabei abrindo suas páginas e, diga-se, o livro me agradou.

O Autor é o personagem de um período real da história, o regime militar, ditadura - se assim quiserem definir -, que vai se envolvendo com aquilo que chamaria de guerrilha (urbana), perdida.

Da classe média alta, domínio de dois idiomas, o francês e o inglês, devagar vai se entrosando na política estudantil, antes do AI-5, lutando pelo grêmio estudantil livre, no caso dele, do Colégio de Aplicação (CAp), de nível médio, da Faculdade Nacional de Filosofia  da UFRJ. 

Em momentos de puro romance, do ideal jovem, vai tomando gosto pelos movimentos de rua, passeatas, quebra-quebras nos quais surge o grito do "abaixo a ditadura".

E nesse envolvimento sem muita convicção começou a pichar muros.

Quebra-quebras? Aos bancos exploradores da economia popular "vítimas" preferidas.

Nos movimentos de rua, ele, Sarkis se liga ao UMES - entidade que congregava alunos do ensino médio numa coleção de siglas num processo de engajamento da esquerda contra a ditatura e grande parte, em defesa da ideologia socialista.

Mas, ele próprio reagiu desse modo ao discurso numa dessas manifestações no tocante à ditadura do proletariado:

"Alguns discursos eram tétricos. Um frangote com grandes óculos e voz fanhosa dizia que os problemas do país só se resolveriam no dia que fosse implantada do Iapoque ao Chuí a ditadura do proletariado!.

Comentário do Autor:

- Porra, tamos fartos desta ditadura aí e o babacuara vem propor outra para substituir.

Mas, ao pegar gosto pela coisa, sempre como secundarista, numa de sua manifestações a uns operários, disse que imitara gestos de Lenin que assistira num filme da época da Revolução Russa. E, então, passou a compulsar a cartilha marxista a ser recitada. Os cânones eram a derrubada da ditadura e, nessa conquista, a melhoria do povo brasileiro e dos trabalhadores num regime da... ditadura do proletariado (?).

Permite o Autor que se conclua, já ligado à VPR - Vanguarda Popular Revolucionária que sempre atuou à margem, nunca se expôs, não aparecia conduta que valeria, tempos depois, sua saída incólume do país.

O questionamento repetido, não havia povo e a clandestinidade era perversa: o ócio, o medo constante da quebra de aparelhos pelas forças da repressão, assim chamadas, que implicavam em prisão, mortes, desaparecimentos e torturas à loucura.

Carlos Lamarca era praticamente um prisioneiro de sua própria ideologia. No sequestro do embaixador da Suíça, quando descoberta sua identidade pelos outros revolucionários - se apresentara inicialmente com o nome de guerra, Paulista - era absolutamente esbranquiçado por falta de sol tanto tempo de confinamento a que se impusera porque era o assim qualificado, o terrorista mais procurado pelas forças repressivas. E assim outros.

Sirkis, nessa linha de pouca exposição embora membro ativo da VPR, esteve confinado quando do sequestro do embaixador alemão ocorrido em junho de 1970 - em pleno andamento da Copa do Mundo - servindo como intérprete no idioma inglês.

Nos diálogos entre Sarkis e o embaixador, o Autor se referia aos mal tratos a que eram submetidos os trabalhadores nas multinacionais, inclusive alemãs, que os exploravam, pagando baixos salários.

Disse o embaixador que tinha informações que os trabalhadores preferiam trabalhar na Volkswagen.
 
[Não posso confirmar hoje, mas minha impressão para quem trabalhava no ABC, na indústria automobilística naqueles tempos, que a preferência era a Ford. Se bem me lembro, a multinacional americana implementou uma carta de benefícios com salários acima do que praticava o mercado.]

Esse sequestro - que resultou no assassinato de segurança do embaixador -  perdurou por  cinco  dias e fora ele libertado depois que o governo Médici aceitou, em troca, libertar 40 prisioneiros adeptos dos movimentos da subversão, revolucionários que, pela Varig, foram desembarcados na Argélia.

No outro sequestro, o do embaixador suíço - que resultou na morte de segurança, por tiro que saiu da arma de Lamarca -, o pleito apresentado, fora a libertação de 70 presos políticos e mais algumas medidas de natureza social, como passagens gratuitas nos trens da Central, da Leopoldina.

Quanto à vitima pouco lamentada sua morte.

O governo brasileiro se recusou a tanto e rejeitou a libertação de diversos presos porque haviam praticado crimes comuns.

A partir dai, houve divergência entre os sequestradores sobre a substituição de presos rejeitados. As listas foram sendo atualizadas tudo resolvido de parte a parte, os 70 prisioneiros libertados desembarcados no Chile de Salvador Allende.

A desorganização da célula era tanta que não havia veículo seguro para libertar o suíço, pelo que houve atraso  na ação. Tudo muito precário, até porque a exposição dos sequestradores poderia ser fatal, tais as medidas de controle que eram praticadas no Rio de Janeiro pela polícia. 

O embaixador suíço esteve sequestrado por 40 dias (de 7.12 a 16.01.71).

O suíço, depois de toda essa convivência, embora crítico da desorganização assumiu certa "cumplicidade" com os sequestradores. 

Embora os revolucionários sempre falassem dos "proletas" (proletários), salvo esporadicamente, nunca tiveram presença no movimento da derrubada da ditadura e tomada do poder. 

Havia queixas entre eles sobre isso:

"A massa real, que só sabia de nós pela TV e pelos jornais de crime, muitas vezes nos confundia com bandidos e assaltantes. Vivíamos no mundo fechado dos aparelhos, sem nenhum contato social, nem com a classe média, que no passado fora a nossa base apoio."

Não havia apoio popular. Nesses tempos dos sequestros, o governo Médici se valia da propaganda do milagre brasileiro, do tricampeonato no México e do pleno emprego.

[No ABC, na indústria automobilística a busca por profissionais especializados era uma batalha. A Chrysler de São Bernardo era a menor delas e estava na frente da VW do outro lado da Via Anchieta. Um túnel possibilitava o acesso de lado a lado. No desespero por admitir funileiro de autos, a Chrysler elevou uma faixa salarial como modo de atrair esses profissionais. E os resultados começaram a aparecer. A gigante VW percebeu alguma mudança na política salarial do outro lado da Anchieta e quis saber oficialmente o que tinha a americana feito para atrais profissionais especializados para seus quadros. Em outras palavras, os profissionais metalúrgicos praticamente trabalhavam onde queriam.]

A VPR promoveu um  assalto de gêneros alimentícios num supermercado enchendo dois caminhões. Distribuíram numa favela paupérrima, mas nada que mudasse o quadro de indiferença.

Num dado momento, vendo que a guerrilha perdia terreno, membros de outras siglas com o mesmo objetivo, iam sendo mortos ou presos, Sarkis resolveu deixar a VPR, descrevendo seu constrangimento perante os demais companheiros revolucionário. Mas, segundo o Autor:

"Doze meses depois, estávamos ali, dizimados, reduzidos a menos de um quarto do que fora a organização. Um pensamento sombrio me assaltou. Será que chegava ao réveillon de 71?"

Como não se expunha, embora fosse membro ativo da VPR, conseguiu o passaporte, viajando para o Chile via Argentina. "Escapou ileso"  voltou em 1979 anistiado elegendo-se deputado federal sempre com uma proposta "verde".

E, com o tempo o sonho da revolução socialista se tornou a lembrança de um pesadelo àqueles que como ele, sobreviveram.

 O livro não diz, mas Carlos Lamarca seria morto nos sertões da Bahia (em 17.09.1971) pelas forças da repressão.

Execução

O Autor relata execução de membro ativo ligado à ALN, Marcio Toledo, porque embora conhecedor de todos as operações demonstrara desinteresse em permanecer na "luta" e demonstrou interesse em sair. 

O núcleo da ALN de São Paulo o executou na rua, receando que, deixando a célula, poderia denunciar os que ficaram:

" O estúpido crime criou uma certa comoção dentro da ALN. A maior parte dos militantes e mesmo dos quadros de direção sequer tinha sido consultados."

A guisa de conclusão, excertos extraídos do meu romance Joana d'Art:

Não foram muitos os que se decidiram por aquele espírito belicoso do "abaixo a ditadura". Não poucos dentre os que assumiram a "revolução proletária", rumaram meio às cegas. Muitos se deram mal.

Esse tipo de oposição fora instituída num momento de arrogância militar. Um erro, porém. Haveria que esperar o momento começando por discutir ideias mas dentro de princípios democráticos ainda que os argumentos fossem de contestação.

O regime militar haveria que se enfraquecer como resultado de sua fadiga. Cairia de velho.

E, afinal, não foi assim?

O medo de serem, esses clandestinos, descobertos nos seus esconderijos, fora a pior das torturas.

Muitos foram viver no Exterior e na volta, conseguiram “dar a volta por cima”, recuperaram a integridade enquanto outros mantiveram na sua interioridade, um sentido de ruína por todas as tensões quando descobertos e presos, pela violenta tortura física e moral a que foram submetidos, aqueles choques elétricos que revolvem o espírito para sempre.

Moral da história: esses revolucionários deram argumento para que a ditadura fosse postergada.


Referência no texto

(*) Ao usar 'Os Carbonários" para o título do livro, na contracapa há, entre outras explicações contidas na sua abertura, a seguinte definição  extraída de dicionário:

Carbonário [Do it. carbononaro, carvoeiro] 1. Membro de uma sociedade secreta e revolucionária que atuou na Itália, França e Espanha no princípio do século XIX. 2. Membro de qualquer sociedade secreta e revolucionária.


sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

DOM CASMURRO de Machado de Assis

 LIVRO 78



 Quando comentei o livro "Memórias Póstumas de Braz Cubas" (*) de Machado de Assis, eu o classifiquei como dos piores que li nesta lista de 78 resenhas / comentários. Fui criticado por isso. Um comentário que me chamou a atenção dizia que eu não entendera a vida de um bon vivant no quarto final do século XIX. Não, um livro que não falou uma linha dos negros e dos escravos, não poderia ter, pelo menos de minha parte, qualquer consideração. Não vi realismo, mesmo o "fantástico". O que vi foi um livro apenas arrastado e sobretudo, preconceituoso.

Então, quando separei "Dom Casmurro", viera de um livro extraordinário, "Crime e Castigo" de Dostoiévski (**). Como lera Dom Casmurro há "séculos" (quem não leu a obra um dia?) já vim com reservas.

Até a metade do livro a narrativa foi amena, situando Bentinho, o personagem da história na suas tratativas de não ser padre, No meio, páginas esparsas, "crônicas" do autor que não diziam da história propriamente dita.

Mas, digamos, do meio para o fim o livro me agradou muito.

Direi os motivos linhas a frente.

São personagens de Dom Casmurro:

Bentinho, um menino mimado, órfão de pai, prometido pela mãe em se tornar padre, se ele nascesse com vida porque em gestação anterior o bebe não vingara, nascera morto;

Dna. Gloria, mãe de Bentinho que o mimava muito, mas que prometera fazê-lo padre, mesmo com a rejeição do menino que vai se revelando no decorrer da narrativa;

José Dias, um "agregado" que aparecera um dia na propriedade dos pais de Bentinho, quando o pai era vivo, dizendo-se médico homeopata, curou dum resfriado um feitor e uma escrava, mas não tinha futuro. O pai de Bentinho, convidou-o a trabalhar na propriedade recebendo ordenado modesto. Ele aceitaria e, ao que me parece, o autor criou esse personagem como uma figura masculina que seria influente na vida de Bentinho e de sua mãe; 

Tio Cosme, irmão de dna. Glória, personagem de opinião na família mas que não teve influência no desfecho da história;

Prima Justina, de pouca influência no decorrer da história, salvo suas implicâncias;

Capitolina, a Capitu, a personagem principal da história juntamente com Bentinho. Eram vizinhos e já beirando a adolescência - o "menino" já tinha 15 anos - ficavam de "namorico" para lá e para cá, inocentemente (!). Ambos firmariam um namoro apaixonado de serem felizes. No primeiro beijo apaixonado que trocaram, Bentinho fez a proclamação: "sou homem".

Padre Cabral, professor de Bentinho, incentivador de sua "vocação" para o sacerdócio;

Ezequiel de Souza Escobar, seminarista, que se tornaria amigo íntimo de Bentinho. Seria um forte e influente aliado de Bentinho;

Sancha, amiga de infância de Capitu, que se casou com Escobar. Tiveram uma filha;

Com a promessa da mãe em fazê-lo padre, Bentinho começa um movimento para evitar que tal se consuma. Encontra um aliado no agregado José Dias que passou a emitir mensagens de que talvez não tivesse o menino, vocação religiosa. Capitu também o incentivava a não assumir o sacerdócio, inclusive pela promessa de amor para sempre.

No seminário, Bentinho conhece Escobar, tornando-se muito amigos. Este tinha até influência sobre aquele. Também Escobar não queria ser padre, pensando em trabalhar no comércio.

À proposta do agregado, quando a mãe já admitia que o filho não fosse padre, de irem a Roma e pedir ao papa que o livrasse da promessa, Escobar sugeriu que fosse encontrado um jovem carente que substituiria Bentinho na promessa da mãe.

Assim se deu.

Bentinho, o "lindo" se casa com Capitu. Escobar se casa com Sancha.

Logo, estes são pais de uma menina a quem batizaram com o nome de  Capituzinha.

Bentinho cheio de inveja porque seu filho não vinha.

Então, Capitu mais tarde daria a luz a um menino que foi batizado chamando-se Ezequiel, o mesmo de Escobar.

A amizade do casal era muito íntima.

O autor deixa claro a possibilidade do adultério porque descreve flerte de Sancha sobre Bentinho, deixando-o confuso em relação às intenções da amiga.

À medida que o menino Ezequiel vai crescendo, suas feições se aproximavam das feições de Escobar. A própria Capitu aponta os olhos parecidos de um e outro.

Escobar morre afogado.

Nas horas antes do enterro, Capitu encara o cadáver com decepção o que não deixa de ser notado por Bentinho. Bentinho faz o discurso em homenagem ao amigo morto nas exéquias.

Ezequiel, que amava o pai Bentinho, à medida que o tempo passa, parecia significar a ressurreição de Escobar.

Então, Bentinho um dia diz ao filho que "ele não era seu pai".

Capitu ouve esse comentário, começando aí a rompimento do casamento.

Bentinho pensa fortemente no suicídio misturando veneno ao café. Vacila. Quase dá o café envenenado ao filho.

Capitu se muda para a Suíça com o filho e lá falece.

Bentinho, guardando a amargura do adultério e do filho que não era seu, um dia o recebe em sua casa. Ezequiel falava com sotaque francês.

Bentinho lhe dá dinheiro para pesquisas arqueológicas na Grécia e Egito. Ezequiel morre de febre tifoide meses depois e é enterrado em Jerusalém. Os seus amigos de pesquisa remetem a Bentinho fotos do túmulo e o que sobrou do dinheiro que Ezequiel dispunha depois de pagas as despesas. 

O comentário amargo de Bentinho: "...pagaria o triplo para não tornar a vê-lo."

Dna. Glória falecida, no seu túmulo foi inserida a inscrição: "uma santa".

Final

O autor deixa claro que a intimidade dos casais comportaria o adultério. Pois Sancha não "assediou" Bentinho? Escobar não foi visto nos corredores da casa de Bentinho um dia? Para mim, o autor, por todos os elementos postos, e muito bem, conduzem à ideia do adultério de Capitu que "arrumou' um filho com Escobar. Não seria preciso exame de DNA. Ponto.

 ▬   

 E a origem do nome Dom Casmurro? Estava o narrador num trem da Central do Brasil meio sonolento obrigando-se a ouvir um poeta declamando suas poesias. Cochilou um pouco, o poeta se sentiu ofendido, chamou-o de nomes feios e o apelidou de Dom Casmurro. 

A palavra "casmurro" possui vários significados. Dois deles: teimoso, sorumbático.

Quanto ao livro, com capítulos curtos o que é uma virtude, gostei muito.


Referências:

(*) "Memórias póstumas  de Braz Cubas". Acessar: https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2019/02/54-memorias-postumas-de-bras-cubas-de.html

(**) "Crime e castigo". Acessar: https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2020/12/crime-e-castigo-de-fiodor-mikhailovitch.html

domingo, 13 de dezembro de 2020

CRIME E CASTIGO de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski

 LIVRO 77



Quando um escritor assim se qualifica deve cuidar antes de conhecer um Dostoiévski para ponderar o que é escrever uma história

Já falei de outros dois livros dele (*), mas a sua obra-prima, escrita datado de 1865, além da história com forte cunho psicológico descreve todos os transtornos e medos que afetam constantemente o personagem principal, Raskólnikov que, pela pobreza, vive ocioso, e a falta de perspectiva ao abandonar a faculdade de direito por não poder pagá-la.

E é nessa dia a dia de pobreza, a convivência com personagens à margem da vida, sobrevivendo de migalhas e, em muitos casos, perdidos na bebida que transita Raskolnikov .

Relato impressionante é o do personagem Marmieládov, um alcoólatra inveterado que anula a família, deixa-a na miséria absoluta por conta da bebida. Sua filha Sônia,  prostitui-se para ajudar sua família (madrasta e filhos) e ele vive angustiado com o vinho que precisaria beber sem freio. E, para isso, subtrai valores ínfimos que serviram para a alimentação de seus filhos. Ao chegar à sua pobre moradia, sua penitência eram as surras que a mulher desesperada lhe impunha:

“– Isso me consola! Não creia que isso seja para mim um sofrimento, mas sim um prazer, senhor! – exclamou ele, enquanto Ekatierina Ivánovena lhe sacudia com força a cabeça, chegando mesmo a bater com ela no assoalho”.

Marmieládov teria um fim trágico: atropelado por uma diligência, foi pisoteado pelos cavalos, sofrendo graves ferimentos. Nos seus momentos finais, levado para casa, diante da família miserável em sua volta, porque o alcoolismo a destituía de tudo, não do amor mesmo da esposa e filhos, faleceria.

Raskólnikov dera toda a assistência à família do amigo, até mesmo deixando um soma em dinheiro que recebera da mãe para o seu próprio sustento.

Essa visão e esse modo de vida de tanta carência, numa noite, no seu quarto diminuto e pobre, Raskólnikov tem um pesadelo que se desdobra: o espancamento até a morte de uma eguazinha obrigada por seu dono a puxar pesado fardo, com bêbados sobre a carroça. Não conseguindo mas se esforçando, é espancada até a morte sob as gargalhadas daquele gente perdida pela bebida. E o menino muito penalizado, nada pode fazer para evitar o crime contra o animal indefeso.

No outro relato do sonho aterrador o grande autor russo descreve as imediações da taberna:
“Havia sempre ali uma turba que berrava, ria, se enfurecia e brigava, ou que cantava com voz rouca coisas de apavorar! Nos arredores da taberna sempre andavam bêbados de rostos horríveis!... (...) A passagem que conduz à taberna está sempre coberta de uma poeira negra”.


Esses os terrores psicológicos de sua vida de ócio, ex- estudante Raskólnikov alimentando-se precariamente mas contando com a  presença da serviçal da pousada (Nastássia) que sempre lhe servia alguma coisa, um resto de chá e de comida. 

O ambiente posto na obra, e de vida pobre, de fome e falta de perspectivas. 

Num certo dia  Raskolnikov estivera mais uma vez na casa da usuraria Aliona Ivanóvna para empenhar um pequeno anel, recebendo valor irrisório. O modo de agir de Aliona o fazia pensar nalguma "coisa grave" em relação à vida dela porque se valia do desespero dos pobres que chegavam até ela com algum objeto de valor recebendo quantia irrisória.

Numa taverna nesse mesmo dia ouve o diálogo entre dois homens que se referem a velha Aliona como uma figura desprezível para a sociedade e que se fosse morta o mundo nada perderia.

A partir desse momento Raskólnikov engendra o crime e o roubo justificando-o, mentalmente, como uma maneira de avançar na vida, livrando a sociedade de uma mulher perniciosa.

Num artigo defendera que homens extraordinários poderiam cometer assassinatos para um bem maior. E nessa linha de raciocínio se perguntava como reagiria Napoleão, precisando evoluir, se se deparasse com um "obstáculo" dessa natureza...

Ademais, o assassinato individual é um crime. O extermínio de cidades numa batalha passa a ser um fato histórico.

E nesse drama que vai assumindo, com suas fraquezas e suas febres e seus distúrbios físicos e psicológicos, prosseguindo nos planos, consegue na própria pousada obter correndo risco de chamar a atenção se visto,  um machado que esconde entre suas roupas.

Faz um embrulho pesado de um peça falsa de tal maneira que a usurária perdesse tempo em abri-lo e nesse momento ataca a mulher com  machadadas e a mata. Sai a procura do cofre, do dinheiro, mas num estado emocional incontrolado obtém um pequena bolsa e algumas joias.

Mas, enquanto nessa busca ouve que a irmã de Aliona, Lisaiveta chegara à casa e ao se deparar com a cena terrível da irmã morta, estanca sem reação. Raskólnikov decide naquele seu delírio e pânico, matá-la também com o machado.

Havia operários trabalhando num quarto ao lado, dificultando sua fuga. Mas, consegue sair do prédio sem ser visto.

Esconde o produto do roubo num terreno sob uma pedra e de nada se utiliza, mal sabendo exatamente o que obtivera com o roubo.

A partir dai, entre pesadelos, febre e delírios, sua vida se torna infernal. Nos seus delírios chega a mencionar joias num esconderijo mas não resultando em suspeitas.

Nos momentos de maior angústia, pensava em se entregar ou talvez se suicidar.

PERSONAGENS DA HISTÓRIA

Avidótia Romanovena  (Dúnia) / Pulkéria Alieksádrovna 

Irmã e mãe de Raskolnikov trazidos a São Petersburgo pelo noivo de Dúnia, Lújin, alojando-as em pousada precária. O irmão se opôs de modo veemente ao casamento revelando-se, depois, que Lújin era de má índole. Isto é, sem escrúpulos.

Ambas amavam Raskólnikov e tudo faziam por ele, mesmo na condição que o encontraram: empobrecido, ocioso e adoentado morando num pequeno cômodo.

Razumíkhin

Amigo dedicado de Raskólnikov muito o ajudara em sua doença e quando resolvera este deixar a família porque tinha consigo o grande segredo do duplo assassinato, a verdade prestes a eclodir e querendo poupá-la de tudo que adviria, foi Razumíkhin que dera todo o apoio à sua mãe e irmã. Mais tarde se casaria com Dúnia equilibrando a família de Raskólnikov. O casal planejava a criação de uma editora.

Porfiri Pietróvitch

Juiz de instrução que ao somar os indícios do crime contra as irmãs, o que deixara escapar Raskólnikov em contatos com ele e ao saber que voltara à cena do crime, meio combalido, perguntando aos operários que lá trabalhavam se havia limpado a mancha de sangue. 

Também as informações que lhe foram passadas pelo médico Zóssimov que cuidava de Raskólnikov quando de sua febre alta e o que balbuciou em seus delírios.

Há o ensaio de uma mudança de rumos, num momento crucial entre ambos: surge Mikolka, um operário que trabalhava numa moradia vizinha à da assassinada, declarando-se o verdadeiro assassino. Embora tumultuasse as investigações, foi revelado, depois, que Mikolka tinha lá suas crenças que incentivavam o sofrimento.

Porfiri o acusa formalmente de ser o assassino das mulheres. Ele nega.

Então, diante de uma situação insustentável, Raskólnikov vai se convencendo que o melhor seria confessar à policia que era ele o autor dos assassinatos.

Confessando, sua pena seria menor.

Ekatierina Ivánovena

A víuva de Marmieládov e madrasta de Sônia tem um fim trágico com a tuberculose agravada. 

Quando Sônia foi injustamente acusada pelo noivo de Dúnia, Lújin de ter roubado uma nota de cem rublos, Ekatierina demonstrou todo seu amor à enteada defendendo-o às lágrimas.

No desespero pela fome dela e dos filhos, fantasia-os com andrajos e saem pelas ruas promovendo cantares tristes porque as crianças choravam e sofriam muito, a troco de alguns copeques ou rublos como um homem lhe deu,  mas revelara sua loucura e a humilhação de uma "mulher nobre" na miséria.

Sua morte se dera num clima de emoção. 

Svidrigáilov, um personagem contraditório, que herdara valores de sua esposa falecida - fora acusado de a ter assassinado - faz um depósito em rublos para garantir um bom orfanato para os órfãos. Também premia Sônia com quantia importante porque ela não poderia continuar na "mesma vida".

Sônia

Raskolnikov a conhecera nos eventos que resultaram na morte de Marmieládov.

Começa a se relacionar com ela, a atormenta com falta de perspectivas da vida de ambos, convida-a a fugirem para longe de tudo. E, então, confessa o duplo assassinato.

Sônia, atônita, entra em desespero e sugere que ele se entregue à polícia para pagar pelos crimes.

Depois do incidente na moradia de Svidrigáilov fora Sônia quem informara a Dúnia os assassinatos praticados por Raskólnikov.

Svidrigáilov

Viera para São Petersburgo  onde tinha uma jovem noiva.

Morando num cômodo contiguo ao de Sônia, ouviu toda a confissão de Raskólnikov.

Dúnia no passado fora professora na casa de Marfa Pietrovena com quem Svidrigáilov era casado. 

Então, apaixonado por Dúnia, ele a convida por carta para um encontro em sua moradia quando lhe revelaria um assunto muito grave sobre o irmão.

Ela vai e ele apaixonado, destacando quão linda era, tenta violentá-la. O suspense da ameaça é angustiante ao leitor. Ela saca um revolver que fora de Marfa no passado que ela obtivera  e diante do iminente ataque ela atira atingindo Svidrigáilov de raspão na cabeça.

Dúnia o acusa de ter assassinado a esposa Marfa.

Svidrigáilov deixa Dúnia sair, limpa o sangue que escorreu de sua cabeça ferida, toma o revolver que ficara no chão e sai.

Sob chuva intensa, vai tarde da noite à casa dos país de sua noiva, deixa um valor significativo em dinheiro retira-se suicidando-se com um tiro na fonte direita.

CONDENAÇÃO

Por ter confessado os assassinatos perante as autoridades policiais, sua condenação fora de oito anos com trabalhos forçados, numa prisão na Sibéria.

Sônia muda-se para lá e dá todo o apoio possível a Raskolnikov fora da prisão.

A mãe morre sem saber ao certo porque Raskolnikov não a visitara mais embora nos último dias de vida desconfiasse que o filho enfrentava graves dificuldades.

Dúnia e Razumíkhin planejam mudar-se para a Sibéria no futuro.

Faltando sete anos, ainda, para o cumprimento da pena, Raskolnikov e Sônia constatam que estavam apaixonados.

CONCLUSÕES

O livro é extraordinário. O relato dos distúrbios psicológicos pela culpa que atormenta Raskolnikov, a febre e o delírio tornam o livro uma novela de suspensa "interminável". Há momentos angustiantes. Os momentos que antecedem o tiro dado por Dúnia ameaçada de violação por Svidrigáilov é um deles.

Não sei, mas vejo alguma relação entre os "homens extraordinários" do tema do artigo de Raskolnikov, acima do bem e do mal, alguma coisa parecida com os "homens superiores" de Nietzsche sem compaixão e sem religião. Nietzsche era leitor de Dostoiévski.

Em termos de "herói assassino" pode ser lembrado, Stalin.

É um livro que o amante da leitura não pode deixar de ler ou reler.

Excepcional em suas mais de 550 páginas.


Referências 


(*) Do mesmo Autor:

“Recordações da Casa dos Mortos”, acessar: https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2018/01/34-recordacao-da-casa-dos-mortos-de.html

“O Jogador”, acessar:

https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2018/07/47-o-jogador-de-fiodor-mikhailovitch.html







domingo, 27 de setembro de 2020

O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO de Jerome David Salinger

  LIVRO 76

Há alguns anos li esse livro porque me caiu em mãos num período de relativo isolamento e, então, me pus a lê-lo sem interesse.

Qual o impacto de suas páginas? Um jovem pelos seus 16 anos perdido porque fora expulso do Internato Pencey por reprovação, fumante inveterado - naqueles tempos nos quais a ligação de uma cena a outra nos filmes americanos se dava pelo acender do cigarro - o consumo desesperado da bebida e o uso constante da gírias como "o cinema é uma droga", "o bar é uma porcaria".

Naquele oportunidade, levei o livro ao seu final meio forçado.

Agora quando o releio fico sabendo que na década de 50-60 vendeu cerca de 65 milhões de exemplares, "num ritmo de 250 mil por ano", na verdade, um fenômeno literário inegável.

E sua influência fora forte entre os jovens por uma série de dúvidas, angústias e principalmente insegurança, sentimento típico daqueles tempos que enfrentava um jovem que "perdera o chão" ao ser jubilado da escola porque fora reprovado em todas as matérias menos no inglês.

O Autor Jerome David Salinger, de Nova York (1919-2010) especialmente depois desse livro (escreveu outros) viveu recluso desde 1951 e de sua biografia, se diz que ele era violento e autoritário e, adepto da cintologia, por causa disso ou não, bebia sua própria urina (!)

Naqueles tempos das décadas de 50-60, nos colégios públicos brasileiros - era uma regra, pelo menos no Estado de São Paulo - qual aluno teve a experiência do jubilamento por duas reprovações na mesma série? A "perda do chão", o vexame perante os pais e colegas que ficaram e seguiram para a série seguinte, a ironia, a busca de outra escola, que poderia estar distante e ouvir pela terceira vez tudo o que ouvira naquela da qual fora expulso.

Embora a década de 60 fosse mágica, aquela consciência fictícia da imortalidade, havia essa insegurança entre o jovens. Vivendo naqueles dias, identifiquei muitos pontos do livro que diziam da realidade jovem daquela época.

Holden Caulfield está nos último dias de hospedagem no Pencey diante da expulsão. Seu companheiro de quarto, entre tolerância e ódio era Stradler que se dava muito bem com as garotas, inclusive com sua possível namorada, a Jane. Sem motivo Holden atacou Strader, talvez enciumado pela Jane. Num quarto ao lado, Robert Ackley que não escovava os dentes, cheio de espinhas no rosto.

Holden implicava com ambos mas, no dia a dia de sua angústia, precisava deles. E a saudade de ambos ele revelaria no final de sua aventura de perdido em Nova York vez por outra usando seu chapéu de caça vermelho, baixando as abas para proteger as orelhas do frio.

Sempre pensava em seu irmão D.B. escritor que estava em Hollywood e estaria escrevendo um roteiro para um filme. Esse trabalho do irmão ele não gostava, até porque o cinema "é uma droga".

Além da angústia de que haveria que enfrentar ao voltar para casa como aluno expulso batia-lhe o fato de ser "virgem" sexualmente. Seu relacionamento com a garotas embora fosse constante ele não avançava para aquela fase da consumação da experiência sexual assim que qualquer delas dissesse que ele não avançasse.

E seus assuntos nem sempre eram agradáveis, românticos.

Sentiu-se indisposto diante da prostituta que contratara. Foi lesado, agredido pelo cáften na discussão do preço que fora dobrado e, pagou e, claro, não "aproveitou" os serviços da apressada profissional.

Quando não tinha onde ficar, porque não se encorajara a assumir perante os pais a expulsão do Pencey, depois de uma noite de bebedeiras e de modo sorrateiro, vai ao apartamento dos país - que estavam ausentes - para conversar com sua irmã de dez anos,  Phoebe. Ela desconfiou que seu irmão fora expulso e diz:

- Papai vai te matar.

Falando em abandonar tudo, morar numa casinha próxima de matas, não tendo para onde ir,  então num momento de  inconveniência, liga para o professor Antolini que o acolhe em seu apartamento. 

Dá-lhe conselhos como neste trecho:

- Por incrível que pareça, isso não foi escrito por um poeta. Foi escrito por um psicanalista  chamado Wilhelm Stekel (...) Aqui está o que ele disse: " A característica do homem imaturo é aspirar a morrer nobremente por uma causa, enquanto que a característica do homem maduro é querer viver humildemente por uma causa".

O homossexualismo era uma realidade, a "veadagem", mas enrustida naqueles tempos contidos. 

Então, Holden Caulfield cansado e já melhor da bebedeira que diminuíra com o café, adormece profundamente no sofá curto para ele, mas é acordado por carícias do professor Antolini em seus cabelos,

Assustado, rapidamente deixa o apartamento desconfiado das intenções do professor e revela o assédio dessa natureza desde criança.

Antes de buscar suas malas guardadas na estação, remete um bilhete para sua irmã Phoebe na escola, informando que vai "sumir" dali, procurar um emprego e viver isolado. E informa a ela que a espera na porta do museu.

Enquanto na escola da irmã incomodou-se com a inscrição na parede com as palavras: "foda-se". Preocupado com o que poderiam questionar as crianças sobre o seu significado, tenta apagá-las.

Então, ele a vê com uma velha mala e ao saber do que se trata, sua irmã lhe diz que queria "fugir" com ele - o livro não explica como ela arrumou a mala saindo de casa sem ser vista porque simplesmente não sabia que o irmão fugiria. [liberdade poética?].

Outro ponto controverso: como um jovem de 16 anos nos Estados Unidos, embora de estatura 1,85 m., pôde frequentar casas noturnas, beber sendo raramente questionado sobre a idade, se hospedar em hotéis, mesmo que baratos?

Mas, no seu desequilíbrio chega a dizer que, "se um dia eu morrer e me enfiarem num cemitério, com uma lápide e tudo, vai ter a inscrição "Holden Caulfield", mais o ano em que eu nasci e o ano em que morri e, logo abaixo, alguém vai escrever "Foda-se". Tenho certeza absoluta."

As linhas finais do livro revelam que Holden Caulfield voltou para a casa dos pais mas revela que não explicaria como.

O TÍTULO DO LIVRO TEM ESTA EXPLICAÇÃO:

Diálogo entre Holden e sua irmã Phoebe: "Você conhece aquela cantiga: "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio"? Eu queria... - A cantiga é "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio"! - ela disse. É dum poema do Robert Burns. - Eu sei que é dum poema do Robert Burns. 

Mas ela tinha razão. É mesmo "Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio". Mas eu não sabia direito(...)direito."

MORAL DA HISTÓRIA

O livro vendeu tanto porque muitos foram jovens no final da década de 50 e 60 do século passado que se identificaram com alguma passagem ou várias delas explanadas no livro, no tocante às dúvidas sobre o futuro, sobre os desafios do dia a dia naquela idade juvenil e até a consumação da experiência sexual.

O estudante jubilado, quem teve essa experiência, enfrentara um momento terrível, especialmente quando mau aluno, sabe que tem que continuar estudando em qualquer escola que seja, em qualquer localidade que seja. 

E aí, o "castigo".





domingo, 6 de setembro de 2020

COMO VIVER NESTE MUNDO de Jiddu Krishnamurti

LIVRO 75


Quem foi Krishnamurti?

Ele nasceu em Madras, Índia, em 11 de maio de 1895.

Ele e seu irmão Nytiananda eram inseparáveis até na fome. Mãe falecida na infância e pai com dificuldades de sustentar a família.

Morando em Adyar aproximaram-se os irmãos sem qualquer interesse da denominada Casa dos Sábios na qual  Annie Besant, Charles W. Leadbeater e outros se dedicavam aos estudos esotéricos.

Bem recebidos, estreitaram a a amizade com esses estudiosos.

Autorizado pelo pai, os irmãos foram introduzidos, em 1909 na Sociedade Teosófica onde receberam educação e ensinamentos. Annie Besant, eleita presidente internacional da Sociedade Teosófica - uma mulher lutadora com inteligência superior que teria forte influência na sua comunidade pelo domínio espiritual que lhe era atribuído -, dizia ter contato com os mestres espirituais de altas hierarquias e por eles fora informada que Krishnamurti seria o veiculo de um grande espírito. Ele incorporaria um ente espiritual de elevada espiritualidade. Seria o "Instrutor" do mundo.

Em 1925, quando Krishnamurti estava fora do círculo, na Califórnia, cuidando de seu irmão muito doente, que viria a falecer, os teosofistas e adeptos fanáticos se reuniam em Ommen, cidade da Holanda o proclamaram esse avatar "esperado", por injunção de Besant considerando as instruções que recebera dos Mestres.

Mas, para surpresa geral, Krishnamurti não aceitou essas designações e renunciou a tudo isso rompendo filosoficamente com a Sociedade Teosófica e com a Ordem da Estrela do Oriente a qual presidia, proclamando que passaria a ter a partir de então, a liberdade de pensar e transmitir ensinamentos ou mensagens para melhorar esse mundo cheio de violências, de guerras, de ódios e do caos. Proclamara-se um homem livre sem ouvir autoridades ou religiões.

A Fundação que leva o seu nome é garantida por doações havidas na Holanda e na Califórnia na década de 20.

Muitas da informações que vou expressando nesta resenha, foram obtidas do livro "Krishnamurti" uma biografia escrita pelo médico brasileiro Francisco Ayres.


"COMO VIVER NESTE MUNDO"  

Como chegou esse livro de 127 paginas até mim há muito tempo, não posso precisar. 

O que posso dizer é que na década de 60, Krishnamurti era muito lembrado, até porque ele criticava de modo veemente a guerra no Vietnam, a violência neste mundo caótico, falava das drogas que poderiam aumentar o grau de consciência de modo artificial, dos jovens viciados, a explosão sexual, além de não professar qualquer religião...

Bom, com essas lembranças me pus a ler os dois livros, o de Krishnamurti e também o livro biográfico do filósofo, de autoria de Francisco Ayres,

Confesso que no tocante ao livro de Krishnamurti, não posso deixar de expressar a minha decepção. Ele foi constituído de 10 palestras realizadas em 1967 na cidade de Saanem, Suiça cujos temas posso enumerar: "Escutar e aprender", "A dependência psicológica", "Os conflitos humanos", "O prazer", "A natureza da Liberdade", "O problema do medo", "O que é aprender?" "Sobre o tempo e o pensamento", "O que é a mente?" e "A verdade".

Talvez um pouco pelas transcrições das palestras, quem sabe tradução da tradução, encontrei um texto confuso, contraditório e por vezes incompreensível. No geral, muito dessas imprecisões se identificaram nos conceitos explanados por  Krishnamurti.

Então, para não fazer juízo de valor - porque a crítica é sempre muito fácil de ser feita - ouvi vídeos de entrevistas e, no meu modo de pensar, ele que tanto critica a mente fragmentária, seus conhecimentos externados são, em boa medida, fragmentários. 

Parece que quando de sua educação e a de seu irmão conduzida por Annie Besant na Sociedade Teosófica conduzida de modo maternal por ela absorvera ele princípios teosóficos elementares dando-se  aquilo que sempre digo, parou numa barreira de compreensão relativa, num muro que não conseguiria ultrapassar. E se ultrapassasse, um outro mais elevado se lhe oporia como a todos acontece aos que buscam compreender esses enigmas da vida e do Universo.

Mas, mesmo assim, ministrou ensinamentos e palestras por muitos anos. Ele faleceu em fevereiro de 1986.

Nesse livro, quando indagado por ouvintes da plateia, não apreendi nenhuma resposta dele que tivesse significado efetivo com as perguntas.

E não se diga que suas conclusões eram de nível superiores ao meu entendimento.

Krishnamurti, na busca da verdade despreza ideais religiosos provindos do Salvador (Jesus Cristo), de Buda, dos sacerdotes, das religiões, dos místicos, dos pseudo-religiosos, dos filósofos, de Freud e de quem mais possa influenciar a outrem, até porque são ideias e  ideais que "ficaram no passado". A verdade haverá que ser obtida pelo próprio indivíduo, se conseguindo sua mente livre embora não seja Krishnamurti muito claro nesse caminho, porque nem ele desejava influenciar seus "simpatizantes". 

Ele é tão rigoroso em evitar essas influências que troca "meditação" - uma prática de busca interior consagrada no oriente e ocidente -, por "atenção" e não há que se falar em "concentração" porque a mente se torna fragmentária... 

Algumas frases e ideais de Krishnamurti no livro:

Só quando isso acontecer, quando vos sentirdes inteiramente responsável por esta monstruosa sociedade, com suas guerras, suas divisões e tantas outras coisas horríveis - brutalidades, ambições, etc; só quando cada um de nós perceber bem isso, poderemos agir.

Ora, a grande maioria sente isso. O que não parece ter  percebido o filósofo é que este  planeta é a terra das desigualdades, das penitências. Tanto que aqui neste planeta infeliz convivem iluminados espirituais de imensa grandeza, ao lado de párias mentais. Estes pouco ou nada sentem porque vivem num mundo de sobrevivência e podem se manifestam pela violência extrema e pela desonestidade. Nem sempre as carências explicam esse atos danosos.

Mas, claro que esses fatos, o das diferenças e sofrimentos no planeta, não podem ser aceitos passivamente. Tudo haverá que ser feito para que essas diferenças diminuam com o apoio aos desfavorecidos dentro daqueles princípios da solidariedade e da caridade.

 ● "Porque vivo em conflito?" - Porque quando já não buscamos uma autoridade para ensinar-nos, quando estamos livres da autoridade de outrem, já estamos na claridade, nossa mente já tem penetração para olhar.

Nesse trecho ele exclui a influência de qualquer autoridade comandando a vida do buscador da verdade.

 ● Está visto, pois, que onde está o prazer está também a dor, a qual leva inevitavelmente ao medo - medo não só das coisas grandes, como a morte, a solidão profunda, o não existir, mas também medo das coisas superficiais: o que pensa de vós o vosso vizinho, o vosso patrão; medo do marido, da esposa, medo de não poder viver conforme as imagens que cada um cria a respeito de si mesmo.

Essa relação entre prazer, dor e medo não me parece tenha qualquer conexão. Ora, o prazer tende a afastar a dor e o medo, claro, que por tempo limitado. É como dizer tenha medo mas não tenha medo do medo. Pode pensar sem pensar. Como se diz hoje, a vida deve seguir... sem prejuízo da busca da verdade...

Vejamos a coisa mais de perto, Quando vós, o observador, olhais para vossa esposa, vosso amigo, estais a observar com a memória de ontem, estais cônscios de que o passado está contaminando o presente, ou estais observando como se não existisse nenhum ontem? O passado está sempre a projetar sua sombra no presente...

Todas as ideias estão sempre no passado e, por conseguinte,  quando funciono em conformidade com ideias, dogmas, crenças, conclusões estou vivendo no passado e, consequentemente, estou morto.

Afinal de contas, o que é a verdade? O percebimento da verdade, o sentimento do que é a verdade, com sua beleza, seu amor - como se pode alcançá-la? Só se pode ver a verdade quando a mente não está fragmentada quando se vê a totalidade. Quando vedes a totalidade de "vós mesmos", não apenas tais e tais fragmentos, porém a totalidade do vosso ser - vedes a verdade e compreendereis todo o complexo conjunto. 

● Krishnamurti demonstrou desdém pela a arte de um modo geral, a pintura e a música. "Mas, diz ele, se soubéssemos olhar para o rosto do passante, para a flor a beira da estrada, para a nuvem, numa certa tarde, olhar com atenção completa e, por conseguinte, com alegria e amor - então, todas aquelas outras coisas teriam muito pouco significado".

Mas, qual o significado dessa arte exposta no ambiente natural? Quem foi o artista? Ele nada disse e também ninguém o perguntou.


 Francisco Ayres, nas páginas finais do seu livro sobre o filósofo chega a escrever que

"Ouvindo Krishnamurti sentimos que ele foge de respostas positivas a perguntas como: - "Existe Deus? Há reencarnação? Qual o caminho para a verdade? Como morrer psicologicamente todos os dias e renascer todos os dias? É certo dizer que foi, como dizem, noutra encarnação Alcyone?" (*)

E o Autor também se refere a perguntas que Krishnamurti "sai pela tangente": Repetidamente ele nos diz que a autocompreensão surge espontaneamente e a luz se faz imediatamente e não num futuro distante".

Mas esse Autor muito "ajuda" ao explanar e condescender sobre ideias de Krishnamurti.

Desenvolve mesmo um forte apelo ecológico em algumas páginas do seu livro. Os encantos de um riacho, das flores, das árvores. 

Numa entrevista, por sua vez, Krishnamurti se refere de modo penalizado sobre a coragem de homens abaterem filhote de foca a pauladas.

Ayres também não esconde suas dúvidas em como conseguir essa autocompreensão, a "descoberta" da verdade.


(*) Um suposto espirito que reencarnou por 48 vidas desde tempos remotos da humanidade. Krishnamurti seria a encarnação desse espírito no século XX.


MORAL DA HISTÓRIA

Com suas mensagens tão confusas, tão impraticáveis, contradições, rejeitando a tudo e a todos não há informações divulgadas se Krishnamurti mesmo encontrou a verdade pela autocompreensão, de olhar uma ideia excluindo-a do passado, sem pensar, pensando,  do modo como sempre explanou em sua longa existência.

PS: Estarei sempre pronto a ouvir críticas e ensinamentos sobre o filósofo.