Livro 7
Tenho
aqui comigo e vez por outra a consulto mais como curiosidade, quatro volumes da
hoje rara “Encyclopedia pela Imagem”, herança do meu pai. (*)
Por
não constar uma data sequer nas suas tantas páginas, creio que sua publicação,
em fascículos, tenha se dado no final da década de 30 e início da década de 40 do século passado, até pela ortografia
adotada que somente seria alterada em 1945.
É nessa linguagem rebuscada que entre
muitos capítulos da Enciclopédia, se encontra o de Joana D’Arc, história
relativamente conhecida até pelos filmes sobre suas façanhas e seu final trágico.
Sempre que me deparo com fenômenos
incomuns, digamos, paranormais (milagres?) sou, de regra, remetido àqueles
séculos de alto (e auto) fervor religioso, até por conta da perigosa inquisição
patrocinada pela Igreja Católica.
Nos dias de hoje há tanto tumulto que
esse fervor se perde ou se perdeu.
TRECHOS EM ITÁLICO NO TEXTO A SEGUIR FORAM
EXTRAÍDOS DO LIVRO "JOANA D'ARC: MÉDIUM" DE LEON DENIS.
Leon Denis (1846-1927), em páginas e páginas de sua obra sustenta que o Joana d'Arc fora médium. Era guiada por espíritos. Esses espíritos a conduziram na árdua tarefa de libertar a França.
Nascida em Domremy,
na França, em 6 de fevereiro de 1412, na guerra entre França e Inglaterra, há o
seguinte trecho que dá conta de sua primeira visão:
“Na Bassigny, os aldeões são proibidos de acender o lume, para não
fornecerem ao inimigo o fogo com que eles queimem as choupanas. O que não
impede os ingleses de invadirem o Barrois (junho de 1425) e incendiarem
Revigny. Os bandidos devastam Domrémy e a aldeia de Creux.”
E a visão de Joana:
“Nesses dias de verão, um domingo, à hora em que os sinos tocam a completa,
Joana vê o arcanjo S. Miguel aparecer “junto com o coro de anjos do céu”. Ele
diz-lhe a grande lástima em que o reino se encontra, fala-lhe do socorro que é
necessário levar ao rei legítimo. Joana conta dezenove anos; fica perturbada.
Sua mãe não a mandou aprender a ler e somente lhe ensinou as suas orações...”
Ela se referia,
também, à "presença" de Santa Catarina e Santa Margarida.
Sobre São Miguel e a
presença das santas, a dúvida explanada no livro de Leon Denis:
"As duas outras
Entidades teriam sido designadas pelo próprio S. Miguel, sob os nomes de Santa
Catarina e de Santa Margarida. Lembremos que as estátuas destas santas
ornavam a igreja de Domremy onde Joana ia orar diariamente.
Nas suas longas
meditações e nos seus êxtases, tinha quase sempre diante de si as imagens de
pedra daquelas duas virgens mártires. Ora, a existência destas duas personagens
é mais do que duvidosa. O que sabemos de ambas consiste em lendas muito
contestadas.
Cerca do ano 1600, um censor da Universidade, Edmond Richer, que
acreditava nos anjos, mas não em Santa Catarina, nem em Santa Margarida, aventa
a ideia de que as aparições percebidas pela donzela se fizeram passar, a seus
olhos, como sendo as santas que ela venerava desde a infância."
Nessas mensagens e visões fora-lhe passada a missão: libertar a França do
jugo inglês, que dominava quase todo o país e proclamando rei, Carlos VII, o
verdadeiro monarca francês.
Resistindo inicialmente à ideia porque uma menina ainda e ainda mais naqueles
tempos, não sabendo como cumprir a missão, mas demonstrando muita força
interior, acabou convencendo líderes militares franceses, a ponto de comandar
exércitos e vencer batalhas impressionantes algumas
consideradas milagrosas, como a que resultou na libertação de Orleans com a
retirada dos ingleses, em 1429.
"Nunca mais as forças britânicas tornariam a aparecer no Loire (Orleans). Um historiador inglês, quando escreveu que, ame algumas horas de luta, em Tourelles (fortaleza inglesa), Joana ganhou "uma das batalhas decisivas do mundo", quase que não exagerou."
Então, com essas vitórias que a consagraram como enviada de Deus e do Espirito Santo, diz a Enciclopédia:
"Reims (17 de julho de 1429). Na catedral do século XIII, de altas vidrarias começou às 9 horas da manhã a sagração de Carlos VII. (...) Quando Carlos prestou juramento, Reinaldi ungiu-o e coroou-o, sob as aclamações da multidão e ao toque das caramelas (instrumento musical feito de chifre). Em seguida, Alençon conferiu ao rei o sacramento da cavalaria."
E então,
"O "mistério" estava terminado. Os que o presenciaram mostram a Pucella, chorando de alegria, de joelhos diante do soberano, dizendo: "Gentil rei, agora está satisfeita a vontade de Deus que queria que eu fizesse levantar o cerco de Orleans e que vos trouxe à cidade de Reims para receber a vossa digna sagração, mostrando que sois o verdadeiro rei e aquele a quem o reino de França deve pertencer."
Outras vitórias vieram, até ser capturada por aliados ingleses da região da Borgonha
próxima de Paris.
Preocupada com seus aliados com o cerco à cidade de Compiègne porque o perigo dessa invasão seria quase idêntico ao de Orleans partem para sua defesa.
Mas, ela sucumbe numa "escaramuça obscura, a heroica rapariga que tinha treze meses de vitórias contínuas sucedendo a sete anos de constantes derrotas, restaurado a honra do rei da França."
Então, rodeada por ingleses e borgonheses seus aliados, um arqueiro a puxou fazendo-a cair do cavalo. Ela se rendeu e, "segundo o uso da guerra, a Pucela pertencia a Wandonne que a cedeu mediante uma "razoável" recompensa, a João de Luxemburgo, capitão a soldo da Inglaterra."
Presa por "crime de guerra" começa, então, o processo conduzido por um letrado da Universidade de Paris, Pedro Cauchon e com ele, os grande sacrifícios, punições e privações numa prisão minúscula, posta a ferros e vigiada, sempre, por soldados.
Dá para imaginar seu sofrimento como mulher, sua privacidade e suas necessidades. Mas, ela continuava com sua fé inabalável e preservando sua virgindade - a pucela.
Durante o julgamento e a prisão perversa, o rei Carlos VII nada fez para libertá-la. Ele se dedicava às festas e à subserviência dos que o rodeavam.
O seu
"calvário" explanado no livro de Leon Denis:
"Joana está nas
mãos dos ingleses. Amordaçada, para que não possa falar às populações,
conduzem-na bem escoltadas ao castelo do Ruão. Aí, lançaram-na num calabouço,
encerrada numa gaiola de ferro:
«Mandaram forjar para mim, diz-nos ela, uma
espécie de gaiola em que me meteram e na qual fiquei extremamente comprimida;
puseram-me ao pescoço umas grossas correntes, uma na cintura e outras nos pés e
nas mãos. Teria sucumbido a tão horrível aflição, se Deus e meus Espíritos não
me houvessem prodigalizado consolações."
Sobre a Igreja Católica e sua submissão a ela: Joana d'Arc responde invocando o comando de Deus nas vozes que ouvia:
O bispo de
Beauvais entra no cárcere, revestido dos paramentos sacerdotais e acompanhado
de sete padres. Joana é prevenida de que será decisivo o interrogatório por que
vai passar. Suas vozes, depois de lhe darem esse aviso, aconselham-lhe que
resista com denodo, que defenda a verdade, que desafie a morte.
Tanto basta.
para que, ao defrontar os ministros da Igreja, o corpo extenuado se lhe enrije,
o semblante se lhe ilumine e seu olhar brilhe com vivo e inigualável
fulgor.
Joana, diz o bispo,
queres submeter-te à Igreja?
Terrível pergunta
esta, na Idade Média, e da qual depende a sorte da heroína.
Reporto-me a Deus em
todas as coisas, responde ela, a Deus, que sempre me inspirou. Vim ao encontro
do rei para salvação da França, guiada por Deus e por seus santos Espíritos. A
essa Igreja, à de lá do Alto, me submeto, com relação a tudo o que tenho feito
e dito! Reporto-me a Deus somente. Pelo que respeita às minhas visões, não
aceito o julgamento de homem algum!
Eis aqui o ponto
capital do processo. Tratava-se de saber, acima de tudo, se Joana subordinaria
a autoridade de suas revelações às vontades da Igreja.
Por ocasião do
processo de reabilitação, os juízes e as testemunhas tiveram como preocupação
única demonstrar que a virgem hesitara e, por fim, aceitara a supremacia do
papa e da Igreja.
Ainda hoje, é o
argumento dos que colocam a heroína no paraíso católico."
A vestimenta
masculina que adotou, de soldado e na prisão, fez parte das acusações mas fora
uma forma de inibir eventuais ataques de natureza sexual por soldados em sua
volta e seus algozes nos tempos da prisão.
Em 30 de maio de 1430
foi efetivada a punição: morreria na fogueira acusada de heresia, bruxaria, blasfema,
falsa profetiza...
“Ai de mim! gemeu ela. Tratar-me-ão assim horrível e cruelmente, sendo
preciso que todo o meu corpo, que jamais foi corrompido seja hoje consumido e
reduzido a cinzas! Protesto diante de Deus, o grande juiz, contra as injustiças
e agravos que me fazem...”
E, então,
"As chamas subindo, envolviam-na. Em frente da morte, afirmou ainda que as vozes a não tinham enganado e que essas vozes eram de Deus, por ordem de quem agira. Invocou São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida. A sua derradeira palavra foi esta: "Jesus".
Depois de um processo
de reabilitação que teve início em 1456, a Igreja Católica que a havia
condenado a beatificaria séculos depois, em 1909. Em 1920 é declarada santa pelo
Papa Bento XV.
É a santa Joana. É a heroína da França.
Referências:
Imagem / Foto: abertura do verbete de Joana D’Ar na Encyclopedia.
(*) Livraria Chardron – Lello e Irmãos, Ltda – Editores – Porto - Portugal. Essa enciclopédia é muito rara e difícil de ser encontrada.