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quarta-feira, 12 de julho de 2017

"1984" de George Orwell

Livro 12

Escrito no fim da década de 40, ainda sob a influência dos horrores dos crimes nazistas e mesmo do stalinismo, engendrou George Orwell um mundo no qual o ser humano estaria controlado, manipulado e submisso aos desígnios do "Grande Irmão".





















Ele nos leva a mentalizar, a cada página, o cinza chumbo, pesado, opaco e amargo da vida.

Uma "vida" sem perspectiva, sem aquela ambição pessoal que leva ao progresso e à aptidão da mente e da própria existência.

O que seria a "teletela", um aparelho que controlava até os pensamentos das pessoas, senão uma sofisticação da Gestapo e de outras polícias especiais dos regimes totalitários? O que seria o absurdo controle da opinião, em que a própria "história" era modificada segundo os desígnios do Poder — o "Times" era reescrito tantas vezes fosse necessário para registrar os interesses renovados do Partido —, uma versão da imprensa unilateral a serviço do totalitarismo?

E quais as consequências? O sistema de "tratamento psiquiátrico" aos que se rebelavam e aos que caem "em desgraça"; a autocensura, uma voz insuportável que reprime a manifestação, já que são nebulosos os limites permissíveis da expressão do pensamento. 

O herói de "1984" não tremeu diante de um simples volume de folhas em branco e, em pânico, começou a escrever? Lá fora, enquanto isso, desincentivava-se o amor (em todas as suas nuanças) em meio a uma propaganda política permanente e maciça onde eram ressaltados os "grandes feitos" bélicos do Poder (a "Teletela" nunca era desligada).

As comunicações se davam em "novilíngua", uma linguagem imposta pelo Poder, de limitado vocabulário com tendência a ser cada vez mais restrito.


Apagara-se para sempre sua interioridade que, alimentada, alerta para uma existência transcendente. Esse espaço fora preenchido pela máxima presente sempre: "O Grande Irmão zela por ti".

A proliferação de seitas religiosas ditas comerciais também não contribui para esse aprisionamento mental de seus adeptos?

Orwell não dá esperanças: Winston, o herói "dissidente", como desejado, submetido a todas as torturas e sofrimentos, "espontaneamente", com convicção, se convence que "dois e dois são cinco". O seu axioma antes fora: "A liberdade é a liberdade de dizer que dois e dois são quatro; admitindo-se isto, tudo o mais decorre". 

No auge de sua "recuperação" passa a amar o "Grande Irmão".

Uma ténue esperança alimentada por Winston até ser recuperado" era a eventual revolta dos "proles", uma sociedade à margem do poder, desorganizada, mas também controlada por intensa espionagem e, quanto aos "divertimentos", um dos mais comuns era a proliferação de filmes pornográficos.

Os "proles", todavia, no percurso todo do livro, permaneceram alienados e impotentes.

Os abusos dos grandes irmãos atuais que fazem da política o meio da ambição e do acúmulo de riquezas pela corrupção sem a preocupação em melhorar a vida dos..."proles".

Embora o mundo não tenha mudado muito desde quando o livro foi escrito, é de se reconhecer a tendência à centralização do poder e o aperfeiçoamento inconteste dos recursos "formadores" da opinião, em especial a televisão.

É inequívoco que o quadro pintado por Orwell se assentara numa paisagem contemporânea que o inspiraria amargamente.

"1984" contém, então, uma advertência notória: a necessidade de estarmos atentos a qualquer forma de dominação, em qualquer nível que se manifeste, denunciando-a vigorosamente, até porque há, no planeta povos totalmente dominados pela vontade de um ditador e seus asseclas.


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sexta-feira, 7 de julho de 2017

FAHRENHEIT 451 de Ray Bradbury

Livro 11

Desde logo se informe que o grau do “fahrenheit 451” significa o calor suficiente para a queima de papeis.




Quando resenhei em outubro de 2010 os livros "1984" de George Orwell e "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley fizera a seguinte introdução:

“Estes tempos são empolgantes e não deixam de ser preocupantes. Submeto, então, a resenha dos dois livros para reflexão daqueles leitores que não os conhecem e mesmo àqueles que os conhecem.
Haverá pontos que tocam nos dias atuais: o cerceamento da informação em muitas regiões, o controle sobre os atos dos cidadãos, o consumo e a proliferação das drogas, pornografia, como forma de controlar a mente, a “alma”...”

Nunca esquecera, então, a obra de Ray Bradbury, não tão divulgada como esses mencionados acima, embora inspirasse o filme de François Truffault, de 1966.
Tantos anos depois, li há pouco o livro que alguns tentam colocar ao lado das duas obras acima mencionadas, de Orwell e Huxley.

Não sei se cabível, embora tenha gostado do livro.

A história ocorre num tempo não definido no qual os bombeiros não apagavam incêndio, mas queimavam livros, as casas onde eram encontrados e os próprios moradores.

Afinal, havia um milhão de livros proibidos. E, ademais, para que serve a poesia, uma obra de Tolstoi?

Fora uma jovem, Clarisse McClellan que um dia se encontra com Montag, o personagem principal da história, que o deixou intranquilo desconfiando de sua vida sem sentido, porque ela revelara que conversava em casa, sempre falando do tio, dos jovens que se matavam. E que gostava de ir às florestas olhar os passarinhos.

E certamente não assistia àqueles programas sem conteúdo das televisões nas paredes em todas as casas.

O comandante de Montag, Beatty ao confirmar a morte da jovem pelas suas excentricidades, num dado momento afirma:

“Se não quer que uma pessoa seja politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para se preocupar. Dê-lhe um só. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Será melhor ela esquecer que existe uma coisa como a guerra. Se o governo for ineficiente, autoritário e perdulário, é melhor ser tudo isso sem que as pessoas se preocupem com essas coisas. Paz, Montag.”

E por aí vai o comandantes ensinando como desviar a atenção das pessoas. São princípios reais de uma ditadura até hoje identificada no mundo contemporâneo.
Montag esconde alguns livros em casa, é denunciado pela esposa. Os bombeiros para lá vão. Montag constata que é a sua própria casa. A esposa escapa e sua casa é incendiada.

Ele se rebela, escapa de implacável perseguição após atirar e atingir com um tiro o comandante Beatty e se une a outros segregados que preservavam obras na memória para reeditá-las nos tempos vindouros com a erradicação da ditadura da ignorância.



Gravura:
Cartaz do filme de 1966 de François Truffault com o mesmo título tendo como atores principais, Julie Christie e Oskar Werner.

terça-feira, 4 de julho de 2017

MISTÉRIOS E MAGIAS DO TIBETE de Chiang Sing

Livro 10













“Mistérios e Magias do Tibete” de Chiang Sing (pseudônimo) é um livro que descreve com detalhes fenômenos místicos muito estranhos que viu a Autora em sua longa viagem àquele país.

O livro descreve esses eventos "inacreditáveis" antes da invasão chinesa que se deu em 1950. Muitas vezes atônita pelo que via, afirma que o seu colega de viagem filmou um deles atestando que não houvera alucinação.

Sobre isso, durante o tempo em que esteve com as monjas do Templo da Calma Profunda diz, repetindo o que outro autor dissera que omitira o que presenciara com "temor de que nossos leitores se riem de nós e duvidem de nossa razão ou da nossa boa-fé..."

Mas, também:

"Muitas são as pessoas incrédulas que ainda hoje perguntam:
- Mas... Você viu mesmo tudo o que diz neste livro?
Minha resposta é sempre a mesma:
- É claro que vi! Somente não posso afirmar se foi com meus olhos físicos ou meus olhos espirituais."


















Chiang Sing é brasileira, falecida em 2002. O pseudônimo se refere a uma antiga princesa chinesa, que viveu há cerca de 4000 mil anos e de quem seria a Autora uma de suas encarnações. 

Ela registra em sua obra que fora a primeira brasileira "que viveu entre os místicos e magos do Tibete". A viagem durou 6 meses num trajeto atribulado a partir da Índia pelo pequeno estado de Sikkim, fazendo o trajeto a pé ou a cavalo enfrentando terrenos inóspitos, frio intenso, tendo como guia o Lama Kazi, tibetano. Além dessas dificuldades, seu pequeno grupo (o casal Vessantara e o arqueólogo francês Pierre Julien Lafoil) deparou-se, também, com hospedagem e condições de higiene precárias, mas sempre parando em locais e templos e mosteiros que inspiravam o grupo na busca espiritual e na compreensão da magia tibetana.

A cada dia passando por pequena cidade ou vila, ia ascendendo às alturas das grandes montanhas do Himalaia tendo como objetivo final chegar a Lhassa a capital do Tibete, a 3700 metros de altura e lá conhecer os vários mosteiros especialmente o palácio Potala  construído em 1648 que até 1950 fora a residência oficial de todos os Dalais (Dalai Lama = Oceano de sabedoria).

No início do trajeto, no estado de Sikkim, hospedados no palácio do Rajá Dorge, após a "festa das Flautas Pastoris", um velho pastor desenhou com um pó branco uma grande cruz suástica.

À perplexidade que daí surgiu, estabeleceu-se a partir esclarecimentos sobre a origem  da suástica nazista.

Essa cruz é um dos mais antigos símbolos do Oriente.

Há duas formas, a positiva e a negativa. As duas seriam sagradas, a primeira usada na magia branca e a segunda na magia negra.

Sendo Hitler um mago negro, ele se valeu da suástica positiva e a inclinou 45 graus, tornando-a um símbolo maléfico. 





A suástica da esquerda, positiva. Da direita, negativa e a em vermelho do nazismo.

À medida que avançam no roteiro, vão aprendendo a doutrina espiritual tibetana, surpreendendo-se com os monges que por não se alimentarem se tornam múmias vivas. "Somente a respiração, fraquíssima, continuará, mas por pouco tempo".

Um conceito aceito: "Os homens são agentes do Carma (lei da causa e efeito), e nós como agentes dos Mestres Ascensionados não podemos anular as dívidas que os homens e as nações contraíra por seus atos" segundo o Buda Vivo de Sikkim. (*)

Materializações em solenidades místicas como se deu com o Buda Maitreya, o Buda do futuro precedido de luminosidade intensa. Ele flutuava acima do altar, sentado na posição de lótus, vestindo uma túnica amarelo-dourado: "A mão direita apontava para o céu e a esquerda para a terra". 

[A flor de lótus "é o emblema da difusão da vida e da fertilidade da terra". Quando o sol nasce o lótus se abre por sobre as águas. Quando o sol se põe, o lótus se fecha"].

O milagre da levitação, a ponto de sentar-se o monge sobre o talo de uma flor, sem dobrá-la. Autora, lembra que a Igreja Católica aceita a levitação, lembrando os casos de Santa Teresa d'Ávila e o próprio Jesus.

Uma experiência mística pessoal, segundo o relato da Autora, o Lama de Latchen a  conduziu à  regressão de vidas passadas, retornando há milhares de anos: "Porque não reencarnaste após seres a princesa chinesa e isto foi há 4 mil anos. Traíste teus votos de castidade e foste amaldiçoada. Agora vais ver como nós te libertamos dessa terrível maldição." 

Entre esses inúmeros fenômenos místicos e as várias materializações que descreve, estes foram filmados, segundo relato que fez:

“Os tambores tocaram com mais força, à medida que iam se materializando os Yadans (elementais que vivem nos quatro elementos: terra, água, fogo e água). "Vimos gigantes, gnomos, lindas mulheres pequeninas de asinhas transparentes, delicadas colunatas de fogo de onde saiam salamandras, duendes e ondinas. Nossa emoção era tanta que mal podíamos respirar. O filme de Vessantara provou-nos que não tínhamos sido hipnotizados. Sem dúvida, nada é mais fantástico que a própria realidade.”

A Autora relata ter assistido à distância e em local discreto a materialização de entidades demoníacas. Um ser monstruoso peludo de elevada estatura, quatro cabeças e quatro braços se materializa, relacionado-se com mulheres dando-se um ritual orgíaco de tão dramática degradação que ela resolveu não descrever o que vira.

Em Lhassa a Autora e seu grupo foram recebidos pelo Dalai Lama  no Palácio Potala. (**)


A interpretação é minha porque a dominação chinesa pôs um fim nesse mistério, nessa magia toda descrita pela Autora: qual, afinal o sentido de todo esse poder espiritual se considerarmos que Jesus Cristo saiu pela mundo a expor seus ensinamentos falando de novos tempos, fazendo conversões e milagres à luz do dia? Sem a reclusão da meditação praticada pelos monges nos templos? O sentido da mumificação em vida? 

[Neste livro, porém, há referência de que fora Jesus instruído no Tibete antes do registro nos Evangelhos]. (***) 

Relatado por Chiang Sing sobre os poderes individuais, sem aproveitamento para a humanidade:

“Durante suas andanças pela Índia, Sidarta Gautama, o Buda, encontrou um eremita muito cansado, sentado à porta de sua cabana, no final de um bosque:
- Há quanto tempo vives aqui? – perguntou Buda.
- Vinte e cinco anos.
- E qual o resultado desses anos de meditação?
O eremita respondeu orgulhoso:
- Sou capaz de atravessar um rio, andando sobre as águas!
- Pobre amigo – disse Buda -, pouparia muito mais o tempo, se pagasses um barqueiro para atravessar o rio num barco...”

Esse é, pois, o caldo de cultura da “magia e mistérios” do Tibete.

O Tibete era pobre, muito atrasado e com sérios problemas de higiene e saneamento.

Relata a Autora sobre a cidade de Phari Dzong, a 4450 metros que "o povo tem cheiro muito desagradável, mistura de manteiga rançosa com alho. Os tibetanos geralmente não tomam banho, nem mudam roupa com frequência."

E também, 

"Em Lhassa, como em todo o Tibete, não há instalações sanitárias nem esgoto. (...) Mas, o povo costuma jogar os detritos nos terrenos baldios. Há uma falta de higiene muito grande e  cheiro das ruas de Lhassa é bastante desagradável,"

A invasão chinesa truculenta se deu em 1950, uma espécie de terra arrasada por um grande tratos. Essa invasão resultou em centenas de templos budistas destruídos.


Hoje Lhassa é um centro urbano com praças, shoppings, e altos edifícios ligada ao resto da China por linha férrea de alta velocidade. Mas, com o predomínio chinês, o tibetano é excluído do progresso e a extinção de sua cultura é visível. No Tibete a educação é em mandarim e não em tibetano.



Palácio Potala, um dos mais imponentes do mundo


Longe do Tibete desde 1959, vivendo na Índia, após um levante frustrado contra a invasão chinesa dissera o Dalai Lama que seria ele o último Dalai tornando mais remota a resistência tibetana e a volta ao seu país.
















14º Dalai-Lama e Barack Obama

Com o fim do lamanismo tibetano, relata a Autora que houve a profecia de que todo aquela cultura espiritual, aquela magia seriam "transferidas" para a América do Sul, especificamente para o Brasil.

Setenta anos depois (2020), essa profecia não se realizou e pelo mundo caótico nestes tempos, não parece que se realizará.

Aqui também, pergunto; onde estão esses luminares?

E o Tibete vai se tornando uma lembrança de coisas miraculosas que lá ocorriam, um passado que não se renovará. Apenas um estado autônomo da China.


Referências:

(*) Sobre o Carma (lei da causa e efeito), acessar "Autobiografia de um iogue" de Paramahansa Yogananda, acessar:
AUTOBIOGRAFIA DE UM IOGUE

(**) Palácio Potala em Lhassa monumento declarado patrimônio da humanidade em 1994, pela UNESCO. Sede do governo, residência do Dalai- Lama nos tempos do Tibete livre.

(***) Tema tratado de modo mais amplo, "A vida mística de Jesus". Acessar:

segunda-feira, 3 de julho de 2017

GRANDE SERTÃO: VEREDAS de Guimarães Rosa

LIVRO 9

A 1ª edição da obra de Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas" é de 1956. É das maiores da literatura brasileira pela sua linguagem (sertaneja) e originalidade absoluta.

Havia na TV Gazeta, há anos e anos, um programa dominical apresentado pelo professor Ignácio da Silva Telles no qual explanava temas filosóficos, de reflexão e atualidades.

Ouvi falar da obra, há algumas décadas, talvez umas três. Ou mais. Chega uma idade que não se sabe por onde anda o tempo vivido ou perdido. O passado fica meio sem referências no tempo.

Certa feita fez o professor referência ao “Grande Sertão: Veredas”, então não tão conhecido, não tão lido e não tão reverenciado como agora e há bom tempo se dá.

Já pelo título, se bem me lembro, o citado professor interpretava um significado a mais nele, algo transcendente. Assim: “Grande SER-TÃO: Veredas”.

Teria o professor destacado que o Ser, tão indecifrável como é o ser humano está sempre diante de suas veredas – sua senda, seus estreitos caminhos.

Houve momentos em que a linguagem sertaneja, rebuscada me levava à sonolência.

Era o ex-jagunço Riobaldo narrando sua historia. Mas, fui reagindo parando numa frase que me marcaria sempre:
“Viver é muito perigoso...Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar”.

Ademais, ao viver “a cada dia a gente aprende uma qualidade nova de medo”.

Numa dada página, a leitura deslancha e se torna empolgante.

Logo, surge a figura de Diadorim. Ora, o jagunço Riobaldo pelo que relata, vai tendo sentimentos amorosos por outro jagunço, o Diadorim?

Uma tendência assim estranha, comprometedora, em pleno sertão?

“Bem-querer de minha mulher foi o que me auxiliou, reza dela, graças. Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também – mas Diadorim é minha neblina...”

Aquele rosto delicado, jeitos delicados...

Enquanto a trama segue num crescendo desse amor, uma reflexão mística sobre Deus, segundo Riobaldo:

“... um outro doutor (...) discorreu me dizendo que a vida da gente encarna e reencarna, por progresso próprio, mas que Deus não há. Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra.”

E sobre a saudade?

Diz Riobaldo: “Relembro Diadorim. Minha mulher que não me ouça. Moço toda saudade é uma espécie de velhice.”

Não sei qual saudade será essa externada pelo autor, essa palavra tão saudada da língua portuguesa.

Talvez, Guimarães Rosa se refira à saudade nostálgica, saudade triste, aquela que traz um sentimento de distância do seu solo ou de episódios fundamentais da vida que se desvaneceu pelas veredas. Tanto que Riobaldo pergunta no fim da história: “O senhor acha que a vida é tristonha?”

A narração de Riobaldo vai revelando lances de amor entre ele e Diadorim. Num momento da história, ele relata a seguinte declaração a Diadorim:

“Três-tantos impossível, que eu descuidei e falei. - ... Meu bem, estivesse dia claro, e eu pudesse espiar a cor de seus olhos...” Diadorim, então, “se pôs para trás, só assustado – o senhor não fala sério.”

Mas, nas lutas com a jagunçada, Diadorim é morto a facadas mas também mata seu oponente o “judas” Hermógenes.

Então, “Que trouxessem o corpo daquele rapaz moço, vistoso, o dos olhos verdes...”

Seu corpo ia ser lavado já que embebido de sangue, mas quando despido, Diadorim “era o corpo de uma mulher, moça perfeita...”Estarreci”, lembra Riobaldo. “A dor não pode mais do que a surpresa. A coice d´arma, da coronha (...) Diadorim era a mulher como o sol não acende a água do rio Urucuia, como eu solucei meu desespero.”

O amor impossível enquanto se dera a relação entre cabras-machos.

Mas, não quanto a Diadorim, a mulher como o sol não acende a água do rio...

A obra não permitiu que Riobaldo descobrisse Diadorim em vida, seu corpo de mulher. Se sim, qual seria a surpresa? Qual a explosão do amor?

Mas, assim não se deu, nada de final feliz, sabem por quê?
Porque Diadorim, Maria Deodorina, “que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor."


E porque “o sertão é do tamanho do mundo”. O ser-tão na sua essência em que difere do mundo? Daí as veredas.

Gravura:

Extraída da edição de "Os Sertões" de 1953 - Livraria Francisco Alves. Autor: artista Ib Andersen


sábado, 1 de julho de 2017

O VELHO E O MAR de Ernest Hemingway

Livro 8















Ernest Hemingway, escritor americano é prêmio Nobel de literatura de 1954, autor além de “O velho e o mar”, de obras referenciais como “Por quem os sinos dobram” e “Adeus às armas”.

Vivia em Cuba nos seus últimos anos de vida.

No caso do livro “O velho e o mar”, ele começa assim o livro:

“Ele era um velho que pescava sozinho em seu barco, na Gulf Stream. [“Corrente do Golfo” que tem origem no Golfo do México]. Havia oitenta e quatro dias que ele não apanhava nenhum peixe.”

Mas, certo dia, sempre sozinho, o velho Santiago saiu para o mar e, com imenso esforço e sacrifício, conseguiu pescar um peixe de raro tamanho, pesando, talvez, uns 500 quilos ou mais.  Quanto ganharia se vendesse 2/3 dele? Sua luta fora extenuante para dominá-lo, trazer junto ao barco e o levar à terra em condições aproveitáveis.

Ao conseguir alojar o peixe junto ao barco num esforço redobrado, cansado, mãos feridas iniciou, então, a volta ao porto.

[Esses episódios consomem a maior parte do pequeno livro]

Mas, ele não contava com tubarões famintos e estes começaram a atacar o peixe tirando sem parar pedaços de sua carne reduzindo cada vez mais seu peso. Não adiantavam os arpões improvisados e remos para espantá-los. E o peixe foi sendo devorado pelos tubarões. Ao chegar ao porto, restava apenas a espinha.

No seu cansaço contou com o menino Manolin, seu amigo, que o consola e o convida a voltarem à pescaria, juntos.

Resumo de animação dublada em português (de Portugal), muito bom, acessar: https://www.youtube.com/watch?v=34x6URjrrfM

Imagem

Cartaz do filme "O velho e o mar", estrelado por Spencer Tracy lançado em 1958

JOANA D'ARC na "Encyclopedia pela imagem"

Livro 7

Tenho aqui comigo e vez por outra a consulto mais como curiosidade, quatro volumes da hoje rara “Encyclopedia pela Imagem”, herança do meu pai. (*)

Por não constar uma data sequer nas suas tantas páginas, creio que sua publicação, em fascículos, tenha se dado no final da década de 30 e início da década de 40 do século passado, até pela ortografia adotada que somente seria alterada em 1945.

É nessa linguagem rebuscada que entre muitos capítulos da Enciclopédia, se encontra o de Joana D’Arc, história relativamente conhecida até pelos filmes sobre suas façanhas e seu final trágico.

Sempre que me deparo com fenômenos incomuns, digamos, paranormais (milagres?) sou, de regra, remetido àqueles séculos de alto (e auto) fervor religioso, até por conta da perigosa inquisição patrocinada pela Igreja Católica.

Nos dias de hoje há tanto tumulto que esse fervor se perde ou se perdeu.

 

TRECHOS EM ITÁLICO NO TEXTO A SEGUIR FORAM EXTRAÍDOS DO LIVRO "JOANA D'ARC: MÉDIUM" DE LEON DENIS.

Leon Denis (1846-1927), em páginas e páginas  de sua obra sustenta que o Joana d'Arc fora médium. Era guiada por espíritos. Esses espíritos a conduziram na árdua tarefa de libertar a França. 






Nascida em Domremy, na França, em 6 de fevereiro de 1412, na guerra entre França e Inglaterra, há o seguinte trecho que dá conta de sua primeira visão:

Na Bassigny, os aldeões são proibidos de acender o lume, para não fornecerem ao inimigo o fogo com que eles queimem as choupanas. O que não impede os ingleses de invadirem o Barrois (junho de 1425) e incendiarem Revigny. Os bandidos devastam Domrémy e a aldeia de Creux.”

E a visão de Joana:

Nesses dias de verão, um domingo, à hora em que os sinos tocam a completa, Joana vê o arcanjo S. Miguel aparecer “junto com o coro de anjos do céu”. Ele diz-lhe a grande lástima em que o reino se encontra, fala-lhe do socorro que é necessário levar ao rei legítimo. Joana conta dezenove anos; fica perturbada. Sua mãe não a mandou aprender a ler e somente lhe ensinou as suas orações...”

Ela se referia, também, à "presença" de Santa Catarina e Santa Margarida.

Sobre São Miguel e a presença das santas, a dúvida explanada no livro de Leon Denis:

"As duas outras Entidades teriam sido designadas pelo próprio S. Miguel, sob os nomes de Santa Catarina e de Santa Margarida. Lembremos que as estátuas destas santas ornavam a igreja de Domremy onde Joana ia orar diariamente. 

Nas suas longas meditações e nos seus êxtases, tinha quase sempre diante de si as imagens de pedra daquelas duas virgens mártires. Ora, a existência destas duas personagens é mais do que duvidosa. O que sabemos de ambas consiste em lendas muito contestadas. 

Cerca do ano 1600, um censor da Universidade, Edmond Richer, que acreditava nos anjos, mas não em Santa Catarina, nem em Santa Margarida, aventa a ideia de que as aparições percebidas pela donzela se fizeram passar, a seus olhos, como sendo as santas que ela venerava desde a infância." 

Nessas mensagens e visões fora-lhe passada a missão: libertar a França do jugo inglês, que dominava quase todo o país e proclamando rei, Carlos VII, o verdadeiro monarca francês. 

Resistindo inicialmente à ideia porque uma menina ainda e ainda mais naqueles tempos, não sabendo como cumprir a missão, mas demonstrando muita força interior, acabou convencendo líderes militares franceses, a ponto de comandar exércitos e vencer batalhas impressionantes algumas consideradas milagrosas, como a que resultou na libertação de Orleans com a retirada dos ingleses, em 1429. 

"Nunca mais as forças britânicas tornariam a aparecer no Loire (Orleans). Um historiador inglês, quando escreveu que, ame algumas horas de luta, em Tourelles (fortaleza inglesa), Joana ganhou "uma das batalhas decisivas do mundo", quase que não exagerou."

Então, com essas vitórias que a consagraram como enviada de Deus e do Espirito Santo, diz a Enciclopédia:

"Reims (17 de julho de 1429). Na catedral do século XIII, de altas vidrarias começou às 9 horas da manhã a sagração de Carlos VII. (...) Quando Carlos prestou juramento, Reinaldi ungiu-o e coroou-o, sob as aclamações da multidão e ao toque das caramelas (instrumento musical feito de chifre). Em seguida, Alençon conferiu ao rei o sacramento da cavalaria."

E então, 

"O "mistério" estava terminado. Os que o presenciaram mostram a Pucella, chorando de alegria, de joelhos diante do soberano, dizendo: "Gentil rei, agora está satisfeita a  vontade de Deus que queria que eu fizesse levantar o cerco de Orleans e que vos trouxe à cidade  de Reims para receber a vossa digna sagração, mostrando que sois o verdadeiro rei e aquele a quem o reino de França deve pertencer."

Outras vitórias vieram, até ser capturada por aliados ingleses da região da Borgonha próxima de Paris. 

Preocupada com seus aliados com  o cerco à cidade de Compiègne porque o perigo dessa invasão seria quase idêntico ao de Orleans partem para sua defesa.

Mas, ela sucumbe numa "escaramuça obscura, a heroica rapariga que tinha treze meses de vitórias contínuas sucedendo a sete anos de constantes derrotas, restaurado a honra do rei da França."

Então, rodeada por ingleses e borgonheses seus aliados, um arqueiro a puxou fazendo-a cair do cavalo. Ela se rendeu e, "segundo o uso da guerra, a Pucela pertencia a Wandonne que a cedeu mediante uma "razoável" recompensa, a João de Luxemburgo, capitão a soldo da Inglaterra."  

Presa por "crime de guerra" começa, então, o processo conduzido por um letrado da Universidade de Paris, Pedro Cauchon e com ele, os grande sacrifícios, punições e privações numa prisão minúscula, posta a ferros e vigiada, sempre, por soldados.

Dá para imaginar seu sofrimento como mulher, sua privacidade e suas necessidades. Mas, ela continuava com sua fé inabalável e preservando sua virgindade - a pucela.

Durante o julgamento e a prisão perversa, o rei Carlos VII nada fez para libertá-la. Ele se dedicava às festas e à subserviência dos que o rodeavam.

O seu "calvário" explanado no livro de Leon Denis:

"Joana está nas mãos dos ingleses. Amordaçada, para que não possa falar às populações, conduzem-na bem escoltadas ao castelo do Ruão. Aí, lançaram-na num calabouço, encerrada numa gaiola de ferro: 

«Mandaram forjar para mim, diz-nos ela, uma espécie de gaiola em que me meteram e na qual fiquei extremamente comprimida; puseram-me ao pescoço umas grossas correntes, uma na cintura e outras nos pés e nas mãos. Teria sucumbido a tão horrível aflição, se Deus e meus Espíritos não me houvessem prodigalizado consolações."

Sobre a Igreja Católica e sua submissão a ela: Joana d'Arc responde invocando o comando de Deus nas vozes que ouvia:

O  bispo de Beauvais entra no cárcere, revestido dos paramentos sacerdotais e acompanhado de sete padres. Joana é prevenida de que será decisivo o interrogatório por que vai passar. Suas vozes, depois de lhe darem esse aviso, aconselham-lhe que resista com denodo, que defenda a verdade, que desafie a morte. 

Tanto basta. para que, ao defrontar os ministros da Igreja, o corpo extenuado se lhe enrije, o semblante se lhe ilumine e seu olhar brilhe com vivo e inigualável fulgor. 

Joana, diz o bispo, queres submeter-te à Igreja?

Terrível pergunta esta, na Idade Média, e da qual depende a sorte da heroína. 

Reporto-me a Deus em todas as coisas, responde ela, a Deus, que sempre me inspirou. Vim ao encontro do rei para salvação da França, guiada por Deus e por seus santos Espíritos. A essa Igreja, à de lá do Alto, me submeto, com relação a tudo o que tenho feito e dito! Reporto-me a Deus somente. Pelo que respeita às minhas visões, não aceito o julgamento de homem algum! 

Eis aqui o ponto capital do processo. Tratava-se de saber, acima de tudo, se Joana subordinaria a autoridade de suas revelações às vontades da Igreja. 

Por ocasião do processo de reabilitação, os juízes e as testemunhas tiveram como preocupação única demonstrar que a virgem hesitara e, por fim, aceitara a supremacia do papa e da Igreja. 

Ainda hoje, é o argumento dos que colocam a heroína no paraíso católico."

A vestimenta masculina que adotou, de soldado e na prisão, fez parte das acusações mas fora uma forma de inibir eventuais ataques de natureza sexual por soldados em sua volta e seus algozes nos tempos da prisão. 

Em 30 de maio de 1430 foi efetivada a punição: morreria na fogueira acusada de heresia, bruxaria, blasfema, falsa profetiza...

Ai de mim! gemeu ela. Tratar-me-ão assim horrível e cruelmente, sendo preciso que todo o meu corpo, que jamais foi corrompido seja hoje consumido e reduzido a cinzas! Protesto diante de Deus, o grande juiz, contra as injustiças e agravos que me fazem...”

E, então, 

"As chamas subindo, envolviam-na. Em frente da morte, afirmou ainda que as vozes a não tinham enganado e que essas vozes eram de Deus, por ordem de quem agira. Invocou São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida. A sua derradeira  palavra foi esta: "Jesus".

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Depois de um processo de reabilitação que teve início em 1456, a Igreja Católica que a havia condenado a beatificaria séculos depois, em 1909. Em 1920 é declarada santa pelo Papa Bento XV.

É a santa Joana. É a heroína da França.


Referências:

Imagem / Foto: abertura do verbete de Joana D’Ar na Encyclopedia. 

(*) Livraria Chardron – Lello e Irmãos, Ltda – Editores – Porto - Portugal. Essa enciclopédia é muito rara e difícil de ser encontrada.