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segunda-feira, 25 de maio de 2020

RUMO À ESTAÇÃO FINLÂNDIA de Edmund Wilson

Livro 71







Para mim um livro importante. Eu já o lera há décadas e resolvi pela releitura, considerando a polêmica e o "medo" do comunismo que grassa em países do 3º mundo porque nas suas bases, permanecem os mesmos problemas do século XIX quando eclodiu o marxismo pela publicação em 1867 de "O Capital" de Karl Marx. Esses problemas são: a pobreza absoluta, trabalhos degradantes e mal remunerados, falta de saneamento, falta de assistência digna a esses marginalizados pela sociedade que a eles é indiferente.

Marx e seu parceiro Friedrich Engels amadureceram o marxismo tendo por princípio essas aberrações sociais, No seu tempo, além de um salário de escravidão, os operários passavam fome com sua famílias e crianças na tenra idade trabalhavam em fábricas até à exaustão.

Bom que se diga que no livro e de um modo geral, as palavras "comunismo" e "socialismo" são empregadas como sinônimas, mas no seu conceito há diferenças: o socialismo pode existir ao lado de atividades capitalistas e num processo que pode ser mais lento, os trabalhadores vão se assenhorando dos meios de produção e do poder que pode se dar num processo democrático.

O comunismo por sua vez insere no seu bojo, a revolução do proletariado pela tomada do poder extinguindo por esse meio, as fórmulas capitalistas de produção, a extinção da propriedade e a implantação da "ditadura do proletariado" na qual se sobressaem a igualdade e a a plenitude das relações de trabalho. Trabalhadores irmanados no "bem comum".

E de onde pode se encontrar de modo expressivo a origem da palavra "comuna".

Um exemplo significativo pode ser a "Comuna de Paris", de 1871. Essa Comuna fora constituída por trabalhadores que se opuseram ao armistício entre a Franca e a Prússia, cujos soldados cercavam Paris. A Comuna, apoiada pela Guarda Nacional se destacara por um governo operário, de igualdade entre eles, até que massacrada pelas forças ditas oficiais - da burguesia expulsa da cidade pela comunidade que assumira o poder, vitimando mortalmente milhares de seus defensores e presos outros tantos. Não chamados de comunistas, mas de comunardos. Mas, "comuna" de comum, comunidade. A Comuna de Paris teria sido elogiada por Mark-Engel como uma experiência de sociedade comunista ainda que durasse pouco.

O subtítulo do livro "Rumo à Estação Finlândia" é este: "Escritores e Atores da História".

Então, o autor antes de chegar a Marx-Engels, fez uma explanação sobre os escritores Michelet, Renan, Taine e Anatole France e suas ligações contra e pró-socialismo.

Michelet: um autor brilhante, contemporâneo de Marx, rejeitara o socialismo, porque "a propriedade na França já foi demasiadamente subdividida, e o sentimento de propriedade do francês é muito forte."

Renan: não encontrei laços fortes nas obras analisadas por Wilson no tocante ao socialismo, sim ou não, observando-se que "o objetivo de Renan é nos levar a percorrer os textos religiosos e filosóficos da antiguidade - muito embora, graças ao encantamento da imaginação que ele induz à medida que lemos, a atmosfera da época em que tais textos foram escritos seja recriada. Há a menção ao livro de Renan, "As origens de cristianismo".

Taine: na sua mente, as multidões da grande Revolução e o governo revolucionário de Paris identificaram-se com a revolução socialista da Comuna cujos membros, é bom que se ressalte, foram massacrados. Todavia, "Taine defende a lei e a ordem da burguesia assim que sente ameaçadas pela espécie errada de homem superior". Homem superior é aquele que mais integralmente representa o povo.


Anatole France: ele politicamente era socialista, mas em suas últimas obras "têm como único objetivo mostrar que as revoluções terminam gerando tiranias pelo menos tão opressoras quando aquelas que visaram derrotar".

No tocante aos nomes que o autor já qualifica como socialistas, dois se destacam, Graco Babeuf e Saint-Simon.

Babeuf, no leito de morte, seu pai o fez jurar sobre sua espada que defenderia até a morte os interesses do povo.

No cumprimento desse juramento manteve intensa atividade política, denunciou lá pelo fim do século XVIII que o povo perdera a liberdade de reunião e de imprensa. Descobriu no exercício de cargo no Depto. de Subsistência da Comuna uma falha contábil, concluindo que as autoridades estavam deliberadamente  criando uma situação de fome para explorar a demanda por alimentos. Pelas suas atividades acabou sendo preso deixando sua família sem quaisquer recursos numa época de fome terrível na França a ponto de morrer de inanição sua filha de sete anos e muito magras suas outras crianças. "A maior parte da população de Paris" andava pelas ruas cambaleando pela fome.

Foi guilhotinado.

Saint-Simon que tentara o suicídio, nos seus escritos, invocara Deus aos "príncipes, que ouçam a Sua voz e se tornem bons cristãos (...) e que o cristianismo obriga aos poderosos a tarefa de melhorar o mais depressa possível a situação dos miseráveis!"
"Toda a minha vida pode ser resumida numa única ideia: garantir a todos os homens o livre desenvolvimento de suas faculdades."

Morreu com a mão à cabeça que fora baleada na sua tentativa de suicídio.


O livro de Edmund Wilson explana, também, na linha das origens do socialismo, as comunidades de Fourier e Owen.

Ambos pensaram numa nova fórmula de convivência, após assistirem o sofrimento impostos aos trabalhadores. Fourier vira a população de Lion "ser reduzida à mais abjeta degradação com o desenvolvimento da indústria têxtil e viu, num quadro de população esfomeada, carregamento de arroz ser inutilizado pelos patrões para que o preço aumentasse. 

Owen, por sua vez notou que as novas máquinas de tecer tinham toda a atenção, enquanto desprezada a "máquina humana".

De se notar que o pensamento socialista sempre esteve ligado ao sofrimento da massa trabalhadora.

Fourier imaginou uma sociedade não de igualdade absoluta, mas premiando aqueles trabalhadores mais talentosos com algumas vantagens a mais. Os trabalhos desagradáveis teriam melhor compensação como também os trabalhos necessários. Mas, essa comunidade de capital privado - os investidores receberiam porcentagem sobre a renda auferida - não foi avante. Não houve interesse capitalista nos seu projeto.

Owen pensava na igualdade absoluta e enquanto administrador de um cotonifício na Escócia, converteu trabalhadores miseráveis, em profissionais bem remunerados, que trabalhavam menos horas, pelo que era adorado.

Owen em declarações públicas passou a atacar a religião, a propriedade e a família. "Uma força idealista subversiva". Então viajou aos Estados Unidos em 1824 na esperança de instituir por lá sua comunidade. Foi enganado por interessados e sócio desonestos e a despeito de seu idealismo as coisas não andaram bem. Comunidades owenistas surgiram. Mas, voltou em 1838 e morreu pobre em País de Gales.

O livro relata outros comunidades semelhantes nos Estados Unidos destacando-se a Comunidade de Oneida, havida no estado de Nova York que durou 30 anos (1847-1879), fundada por  Humphrey Noyes gerida por princípios coletivistas-socialistas. Do ponto de vista da procriação na comunidade, um grupo de administradores escolhia os casais que não poderiam se unir, para conseguir sempre crianças melhores. A comunidade foi se extinguindo à medida que Noyes foi envelhecendo, enfrentando críticas quanto aos métodos adotados e porque não havia um líder que o substituísse.

Socialismo utópico, mas expressivo nos seus ideais.

KARL MARX e FRIEDRICH ENGELS

Karl Marx era judeu, alemão, nascido em 1818 de uma família tradicionalista e religiosa. Ele escapou dessa influência, enveredou para a literatura desde jovem e estudou direito. 

Escreve artigos para jornais, busca a pesquisa ao mesmo tempo em que desvenda os filósofos alemães. E diria: "Até agora, os filósofos só fizeram interpretar o mundo de maneiras diferentes; cabe transformá-lo".

Karl Marx aos 25 anos se casou com a linda Jenny von Westphalen, quatro anos mais velha que ele de quem era apaixonado. Jenny ao lado dele e dos filhos, passaram as maiores privações, humilhações porque o marido não tinha aptidão para um trabalho regular, ganhava valores esporádicos com os artigos que escrevia.

Foi sustentado Engels amigo e parceiro inseparável quase sua vida toda.

Passou a estudar filosofia, principalmente o pensamento de Hegel além de se aprofundar nas teses socialistas desenvolveu conceitos que se projetariam no futuro. E nesse objetivo, com seus estudos e artigos e então sob a influência do amigo Engels 
conhecendo a miséria das classes trabalhadoras pensou uma revolução que desse a eles sua importância real, derrubando os capitalistas e a burguesia que dominavam os meios de produção e os oprimia com total indiferença.

O seu amigo e parceiro inseparável fora,

Friedrich Engels
, alemão, nascido em 1820, filho de industrial da indústria têxtil era entusiasmado pela literatura e a música, mas se deparara com a miséria absoluta dos trabalhadores explorados nas fábricas e que, na sua infelicidade, enveredavam para o alcoolismo. Não tinham, afinal, o direito à felicidade como proclamara Saint-Simon, com o desenvolvimento de suas faculdades?

Engels começara um romance com Mary Burns, uma operária da fábrica Ermen & Engels que fora promovida a manejar uma nova máquina automática de fiar. Ela recusou a oferta de Engels em sustentá-la para não mais trabalhar mas aceitou que ele a instalasse com a irmã numa casinha suburbana modesta.

Marx se aproximou de Engels após receber dele um artigo para publicação num jornal alemão no qual era este colaborador. Marx gostou do artigo.

A partir dai as ideias e os ideais de ambos se uniram num trabalho intenso pensando numa revolução que mudasse a vida dos trabalhadores.

Mas, Marx não era dado a trabalho fixo. Claro que ocasionalmente recebia compensações pelo que escrevia. Esse ócio profissional que não fosse a atividade intelectual, levou sua família e seus filhos em épocas frequentes à miséria absoluta, a ponto de serem penhoradas até roupas de Jenny e filhas.

Então, sem se preocupar muito como Engels poderia obter renda e ajudá-lo Marx o cobrava de modo constante que lhe enviasse recursos para sobrevivência dele próprio e de sua família.

Em artigos a serem escritos em inglês, idioma que Marx não dominava bem, quem os escreveu foi Engels, mas a remuneração foi recebida por seu amigo.

Nessa parceria sobretudo intelectual escreveram o "Manifesto comunista" divulgado em 1848 um documento que deu uma direção ao pensamento de Marx-Engels, com os seguintes princípios básicos da proposta, a "derrubada à força de toda a ordem social vigente":

1. Expropriação da propriedade fundiária e emprego da renda da terra em proveito do Estado;
2. Imposto de renda fortemente progressivo;
3. Abolição do direito de herança;
4. Confisco da propriedade de todos os emigrados e sediciosos;
5. Centralização do crédito nas mãos do Estado, por meio de um banco nacional com capital do Estado e monopólio exclusivo;
6. Centralização dos meios de transporte nas mãos do Estado;
7. Multiplicação das fábricas e meios de produção nas mãos do Estado, aproveitamento das terras incultas e melhoramento de terras cultivadas, segundo um plano geral;
8. Trabalho obrigatório para todos; organização de exércitos industriais, particularmente na agricultura;
9. Combinação de trabalho agrícola e industrial, de modo a fazer desaparecer gradualmente a distinção entre cidade e campo;
10. Educação pública gratuita para todas as crianças, abolição de trabalho de menores e na indústria tal como é praticado atualmente. Combinação da educação com a produção material.

["Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder a não ser suas cadeias. Têm um mundo a ganhar."] 

E então o mote: "proletários de todos os países, uni-vos".

Ate chegar ao "O Capital" de Marx, os parceiros do comunismo abriram debates em relação ao pensamento do filósofo Georg W. F. Hegel (alemão, nascido em 1818 e falecido em 1883) especialmente a dialética que significa o estabelecimento de fases de mudança do mundo. Em três fases: a tese - um processo de unificação; a antítese - um processo de negação da tese e a síntese - a conciliação da tese com a antítese.


Para a dupla Mark-Engels, então, a tese era a sociedade burguesa que mantinha uma mentalidade feudal desagregadora, a antítese, o proletariado que nascera com o desenvolvimento industrial aviltado por esse sistema e a síntese a sociedade comunista que resultaria do conflito entre a classe proprietária e patronais e os operários mas o controle passaria a ser da classe operária, harmonizando os interesses de toda a humanidade. 

Um outro conceito não bem resolvido por Marx-Engel se refere à "mais-valia", segundo a qual o operário vende sua capacidade de trabalho como qualquer outra mercadoria: e esse valor é mínimo o tanto para mantê-lo vivo, numa jornada de 6 horas, mas obrigado a trabalhar oito ou dez horas. Então o empresário "rouba" do trabalhador de 2 a 4 horas sendo essa margem o seu lucro, ou o que denominava "mais valia", tornando-o rico e arrogante.

Mas, qual a polêmica não resolvida? É que no preço de um produto pode conter outros elementos e não somente a "mais-valia". Essa equação não chegou a ser resolvida nem por Marx nem por Engels.

Sustentado por Engels, pode Marx concluir sua obra "O Capital" que influenciaria decisivamente os meios sociais e políticos no final do século XIX e XX com discussões chegando mesmo ao século XXI.

O que disse Mark ao concluir a obra que se constituíra numa "tarefa pela qual sacrifiquei minha saúde, minha felicidade e na vida e minha família" 

"O Capital" foi publicado na Alemanha em 1867 e depois se espalhou pela Europa. Na Rússia em 1872.

NOTA: na grande "aventura" socialista na qual se destacaram Marx e Engels, há outros atores importantes mencionados pelo autor Wilson contemporâneos dos parceiros comunistas a saber: Ferdinand Lassalle, precursor da social-democracia", autor de uma obra, "A Essência da Constituição", de 1862, ainda hoje estudada e Mikail Bakunin um grande defensor do anarquismo, isto é, um sociedade sem governo porque todo governo oprime a sociedade. 


E foi na Rússia que não demoraria muito teria o marxismo e efeitos políticos graves.

LENIN e TROTSKI

Lenin

Vladimir Ilyich Ulianov nascera em 1870, na Rússia. Tivera como pai um educador dedicado e sua mãe influenciava bastante os filhos. 

Naqueles tempos do império russo, no qual o czar detinha poderes absolutos não foram poucas as conspirações com o objetivo de assassiná-lo. Numa dessas conspirações descobertas a tempo de interrompê-la foi preso seu irmão Alexander que preparava explosivos para tornar eficaz o golpe. Fora ele enforcado.

Claro que a comoção na família foi grande inclusive para a mãe, Maria Aleksandrovna que por um mês estivera São Petersburgo visitando o filho.

Com a morte do irmão, coube a Vladimir dar apoio maior à família. Estudou direito em Kazan, teve dificuldades em obter a certificação pela 'fama' deixada por seu irmão, até que conseguisse o documento.

Sua mãe o afastou desse borborinho conspiratório, com medo de que Vladimir tivesse o mesmo fim de Alexander, Mas, ele não se adaptou na vida rural.

E Vladimir conheceu a obra de Mark, "O Capital".

Enquanto isso, e não pode ser deixado de lado um evento interessante patrocinado pelo famoso escritor Leo Tolstoi nessa época de ideias novas que eclodiam: o autor da obra "Guerra e Paz" tentara em 1880 se desapossar de suas propriedades e estabelecer uma forma de vida cristã, pela ausência de posses, não resistência, abstinência sexual e trabalho braçal.


Vladimir Ulianov avança nos estudos do marxismo, envolve-se com conspiradores, e "liberto", muda seu nome para Vladimir Lenin.

Torna-se líder influente e respeitado, lidera greves, participa de convenções e movimentos conspiratórios contra a czar, um imperador que se valia da truculência para coibir atos contra seu poder absoluto. 

Lenin é preso por essa atuação política, na celas da Sibéria. Casado com Nadejda Krupskaya, mudam-se para Genebra.

Trotski

Lev Davidovitch Bronstein, russo, judeu, nascera em 1879, filho de um agricultor que, pelos seus próprios esforços enriquecera.

Emocionara-se com as dificuldades enfrentadas pelos camponeses na sua luta pela sobrevivência. Chorara quando viu o desespero de um camponês implorando pela devolução de uma vaca que invadira a propriedade de seu pai que relutava em devolvê-la.

Rejeita o marxismo porque significaria tirar a liberdade individual das pessoas. Seguindo a ideologia do populismo, pela sua eloquência é posto em confronto com Aleksandra Lvonvna, quatro anos mais velha que ele, marxista.

Argumento de Lev: "Não consigo entender como uma moça tão cheia de vida pode aguentar aquela coisa árida e teórica". Argumento dela: " Eu não consigo entender como uma pessoa que se considera tão lógica se contenta em andar por aí com a cabeça cheia de vagas emoções idealistas". Porque o conceito de populismo é vago.

Mas, Lev, mais tarde por tentar organizar trabalhadores, distribuindo panfletos proibidos, foi preso, permanecendo três meses numa solitária imunda e fria e depois de dois anos libertado teve que cumprir ainda pena de exílio por mais quatro anos.

Mas, no período de ida à Sibéria ouviu falar de Lenin  e leu sua obra "O desenvolvimento do capitalismo na Rússia". Já na Sibéria leu "O Capital" e se tornou marxista convicto.

Quando deixou a prisão, agora com sua companheira Alexsandra e aconselhado por ela, resolveu fugir e em 1902 no passaporte falso que amigos lhe apresentaram, ao o preencher usou o primeiro nome que lhe ocorreu: Trotski - o nome do carcereiro da prisão de Odessa.

E, então, mais a frente, aliou-se a Lenin de quem recebeu elogios. Estavam em Londres, Lenin o leva a passeio pela cidade. Ao se deparar com à abadia de Westminster diz: "Essa é a famosa abadia de Westmeister deles" (*)


Lenin e outros exilados em 1917 após a notícia da queda do czar resolveram em abril voltar à Rússia. Da Suiça chegaram de trem à Suécia e de lá chegaram à Estação Finlândia de Petersburgo na Rússia em abril de 1917.

Antes, em março após revoltas e greves, recrutas se unindo aos grevistas deu-se a deposição do czar Nicolau II. Em outubro com Lenin já no poder foi destituído o Governo Provisório constituído após a deposição do czar.

Não é atribuído a Lenin o fuzilamento de toda a família Romanov (do czar Nicolau II) que se deu em julho de 1918.

Lenin, em outubro de 1917 depois de voltar da Finlândia onde se refugiou para escapar de acusações de adversários de que seria um "agente alemão",  implantou o regime comunista, com distribuição de terras aos camponeses, nacionalizou bancos e empresas. Governou a Rússia e depois a União Soviética (constituída em 1922) de 1917 a 1924 quando faleceu.

[O "castigo" é que seu cadáver, embalsamado, até hoje não foi sepultado, permanecendo exposto num mausoléu em Moscou.]

Na disputa pelo poder entre Trotski e Stalin, venceu a proposição deste que defendia, entre outros princípios, que o socialismo deveria se fixar na União Soviética enquanto Trotski defendia que o socialismo deveria se expandir pelo mundo. Há outros elementos que resolveram essa discussão entre ambos.

Com o poder nas mãos de Stalin, foi estabelecido o partido único, não sendo aceita a oposição. Um regime de terror e assassínio que  fez milhões de vítimas em nome do regime. Seu governo perdurou até 1953.

Repetindo Anatole France: embora socialista, revelou em suas obras que "tinha como único objetivo mostrar que as revoluções terminam gerando tiranias pelo menos tão opressoras quando aquelas que visaram derrotar". 

Trotski foi expulso da União Soviética em 1929. Depois de exilar-se em outros países, fixou-se no México, sendo assassinado em  1940. (**)


APÊNDICE

Leão XIII e a Encíclica "Rerum Novarum" (alguns aspectos em relação ao tema)

Com a explosão dessas ideias na Europa, reafirmadas em inúmeros congressos operários, como uma resposta ao comunismo proposto por Mark e Engels, em 15 de maio de 1891, o papa Leão XIII, difundiu a Carta Encíclica “Rerum Novarum”(Condição dos Operários).

Nesse documento, o papa refutava com veemência as teses comunistas, além de explanar com clareza todas as questões que então preocupavam: a propriedade privada, a questão social, as condições subumanas de trabalho, a longa jornada diária, a greve, os salários, o conflito entre o capital e o trabalho, etc. 

Como se constata nestes trechos:

"A teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer para todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular”.

O papa Leão XIII preconizava por uma jornada de trabalho compatível com a dignidade do homem, pois “não é justo nem humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso de fadiga embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo”. 

Recomendava ainda jornada mais curta para os que trabalhavam na extração de pedra, ferro, chumbo e “outros materiais escondidos debaixo da terra”.

O salário deveria ser suficiente “para acorrer com o desafogo às suas necessidades e às necessidades da sua família” e, “se for avisado, seguirá o conselho que parece dar-lhe a própria natureza: aplicar-se-á a ser parcimonioso e obrará de forma que com prudentes economias, vá juntando um pequeno pecúlio, que lhe permita chegar um dia a adquirir modesto patrimônio”. Pois, “a terra produzirá tudo em maior abundância pois o homem é assim feito: o pensamento de que trabalha em terreno que é seu redobra o seu ardor e sua aplicação”.

Incentivo ao entendimento entre operários e patrões: 

“Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem inclusivamente a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado”.

As associações operárias deveriam ser livre e prudentemente organizadas ponderando: “se, pois, como é certo, os cidadãos são livres para se associarem, devem sê-lo igualmente para se dotarem com os estatutos e regulamentos que lhes pareçam mais apropriados ao fim que visam”. E mais adiante: “É necessário ainda prover de modo especial a que em nenhum tempo falte trabalho ao operário; e que haja um fundo de reserva destinado a fazer face, não somente aos acidentes súbitos e fortuitos inseparáveis do trabalho industrial mas ainda à doença, à velhice e aos reveses da fortuna”.

Quanto à greve, o papa Leão XIII a entendia danosa aos interesses comuns, propondo ao Estado, como remédio mais eficaz e salutar “para prevenir o mal”,(...) “a autoridade das leis (...), removendo a tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os conflitos entre os operários e patrões”. 

Propunha o papa para aqueles “embebidos de máximas falsas e desejosos de novidades”, que “procuram a todo custo excitar e impelir os outros à violência”, devem ser refreados pelo Estado que, “reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e os legítimos patrões de serem despojados do que é seu.”


MORAL DA HISTÓRIA

1. O surgimento do socialismo nasceu da tragédia operária nos séculos XVIII ao XX. Trabalhadores explorados, vivendo miseravelmente, sem assistência, sem condições mínimas de higiene. 

Todos os apontamentos nos rumos do socialismo culminando com o comunismo de Marx-Engels tem esse fio condutor, qual seja a de dar à época, o poder e a dignidade ao operário, com ideais de igualdade;

2. O comunismo / socialismo é até hoje invocado e preocupa porque há legiões de esfomeados, vivendo em condições precárias, inimagináveis, sem saneamento mínimo, sem vida digna. Os "sem vida" não têm nada a perder dai a aceitação do discurso próprio dessas ideologias à esquerda ou radicais;

3. Para mim, todavia, o comunismo como praticado, foi um fracasso. Com efeito, na União Soviética um ditador assassino, para manter-se no poder executou milhões de opositores ou apenas suspeitos. A Rússia hoje é um misto de república mas ainda com a cultura da manutenção no poder de presidente "eleito" mas que, pelos meios legais oficiais, vai se mantendo no comando, talvez, até o fim da vida, como se deu com Stalin. Putin está no poder desde 1999.

4. A China nos primeiros anos da década de 80, anunciou que se abriria para o mundo...capitalista. Hoje é uma potência econômica, faz sombra aos Estados Unidos, tornou-se uma referência tecnológica, mas parece que aqueles nichos de população perdidos no seu imenso território tem uma vida meio bárbara, pelo fome que passaram nos tempos de Mao Tse-Tung pelos alimentos que consomem. No que se transformará a China seguindo nessa marcha semi-capitalista? Não otimista, pode ser uma ameaça imperialista no futuro não tão distante. E, então, como se comportará?

5. A Coreia do Norte tem um povo infeliz que é obrigado a rir ou a chorar segundo o ânimo do seu ditador. Uma ditadura fechada que assim se mantém até pelo apoio e proteção chinesa.

Cuba perdeu aquele influxo comunista. Os cubanos fugitivos em Miami não pensam em voltar à pátria. Os poder cubano continua culpando o embargo americano para de certa maneira justificar sua decadência material;

6. Urge, principalmente no Brasil, resolver as tantas dificuldades de milhares de cidadãos que sobrevivem sem um minimo de recursos que lhe deem dignidade, negando a felicidade de viver. Ao propor tais medidas, não significa que se envereda pelos princípios do comunismo, mas de Humanidade.

7. Filosofando, espiritualmente ou não, não vejo muito possibilidade para a vida igualitária neste planeta, porque é o planeta das desigualdades e das penitências que tende a entra em crises profundas com o aumento maior da população e com a devastação ambiental. Não é aqui que atingiremos a Civilização mas temos ainda que por caridade menor o sofrimento de quem sofre.

Referências (*)

(*) No Brasil governado pelo Partido dos Trabalhadores, os políticos desse partido, ao se referirem aos adversários, diziam "eles", algo assim "nós" e "eles" separados no mesmo território. O modo de separar as ideologias, como se vê, vem de longe.

(**) Um filme de 1972, "O assassinato de Trotsky" dirigido por Joseph Losey, com Richard Burton ("Trotski"), Alain Delon (Ramon Mercader, espanhol, assassino de Trostski) e Romy Scheneider (amante do assassino), na sua introdução, informa que o enredo tenta mostrar a verdade dos fatos ocorridos no tempo em que o líder comunista estava exilado no México com sua companheira Aleksandra Lvonvna. O assassinato se deu em 21 de agosto de 1940.

O assassino foi apresentado claramente com distúrbios de personalidade, com timbres de homossexualidade e histérico. Quando é interrogado "quem era ele" apenas disse: "eu matei Trotski". A arma utilizada foi uma picareta de alpinista, um golpe na cabeça. Trotski resistiu ao grave ferimento, foi hospitalizado, mas faleceu. 

Historiadores informam que a ordem de assassinato partir de Stalin. O assassino seria um espião de ditador russo, espanhol, mas o filme deixa no ar se a ordem partiu mesmo de Stalin. Bom filme. 

Acessar: https://youtu.be/OLK6C6ekS-8




















































sexta-feira, 17 de abril de 2020

CRIANÇAS DE GROZNI de Åsne Seierstad

  [Um retrato dos órfãos da Tchechênia]

LIVRO 70























Grozni é a capital da Chechênia.

Sim da Chechênia um estado que faz parte da Federação Russa. 
Ora, um região tão distante. Qual o interesse?

Mas, o livro de Åsne Seierstad embora possa ter alguns páginas além do necessário (são mais de 400 páginas), houve momentos  bastante interessante porque, sobretudo, revela costumes muçulmanos moderados da Chechênia e dos próprios russos que se expostos durante conflitos sangrentos.


A Autora muito jovem, nascida no ano de 1970 com poucos mais de 20 anos, se embrenhou naquela região de conflitos, tragédias e ódios como jornalista, correspondente de guerra


Ela é autora da obra "O Livreiro de Cabul" livro que se tornou um best-seller até porque o indigitado livreiro contestou seu relato. (*) 

 https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi3CyFYlXMaEjEPSRkiCzLbRrLWsCbAOR_aEtcA03MyiRWG5tTQo5DwoJXsnaBuM1R2Ky0iIQfKzqN2QiVFoadkBq_bRdiSmpPNW3CES0h8ZS_XBF2Qxb107mIB8aYrYcvjjvwtnEhTpFBO/s320/Chechenia+1.jpg 

O povo da Chechênia durante a 2ª Guerra mundial, em 1944 foi acusado de estar aliado aos nazistas (chamados de fascistas no livro). Por essa desconfiança,  1/3 de sua população, por ordem de Stalin, coordenado pelo "carrasco" Beria foi deportado para a Sibéria em condições degradantes.

Somente em 1956, com a ascensão de Nikita Kruschev é que os sobreviventes puderam retornar à "pátria".

A Rússia em 1994 decidiu invadir a Chechênia que declarara sua independência 3 anos antes.

A invasão no geral foi um desastre, uma fragorosa derrota do exército russo surpreendido pelas forças chechenas muito além do esperado, que usaram granadas atiradas do alto dos prédios, incendiando os tanques russos. À fuga os soldados russos foram massacrados.


É que segundo revelado por altas fontes militares, o comandante russo Gratchov (Boris Ieltsin estava internado) teria resolvido atacar Grosni, a capital, por um capricho, após uma bebedeira.


Esse desastre humilhante foi transmitido pela televisão russa.


Em 1996 foi assinada a paz entre a Rússia e a Chechênia. Do ponto de vista político, a Chechênia tornara-se independente.

Mas, a paz fora relativa, porque ataques russos desde 1999 em solo checheno, revidavam escaramuças chechenas. O governo não conseguia controlar seus radicais. Mas, a Autora não diz isso.

Na sequência, violências extremas se deram por atos terroristas radicais chechenos, geralmente muçulmanos.

Em 2002, na invasão terrorista de um teatro nas imediações de Moscou, resultou em 200 vítimas. Um outro, mais grave, em 2004, ao invadir uma escola em Beslan com 1000 alunos (crianças), os terroristas executaram 314 pessoas a maioria crianças e ferindo cerca de 700 outras.

Já sob o poder de Vladmir Putin, nomeado que fora por Ieltsin, o conflito assumiu grandes proporções com milhares de vítimas de lado a lado e a capital Grozni destruída pelos russos e, nos seus escombros, as tragédias e o ódio mútuo entre os contendores.

O livro de Seierstad foi escrito em 2007. Ela revela que por ordem de Putin dera-se a reconstrução da Grozni e da Chechênia, a ponto de membros ligados à cúpula do governo checheno ou meros servidores o terem em boa conta, porque além das melhorias que patrocinava, houvera a paz relativa com governo nomeado e subordinado a Moscou. Desde então, 2007 até agora, a Chechênia e governada por Ramzan Kadyrov que a Autora entrevistou cujo teor da entrevista consta do livro.


Não vou a detalhes da obra com transcrições porque as advertências na edição, as impedem expressamente.

A Autora esteve pelos idos da primeira guerra Rússia-Chechênia em 1994/1996 viajando pelos dois países. Voltou depois em 2006 quando colheu mais informações e relatos das pessoas diretamente influenciadas pelos conflitos, convivendo com elas por algum tempo. 

Esse o "caldo de cultura" da obra da Autora norueguesa.


Para viajar à Rússia e à Chechênia, muitas vezes a Autora, clandestinamente, alojou-se em modestas casas de ex-insurgentes, daquelas vítimas irrecuperáveis física e moralmente, ou que perderam membros da família, sofreram prisões ilegais e sem causa vivendo com elas todas as angústias do ódio e da reparação impossível. Essas experiências humanas colhidas tinham por objetivo constituir um quadro para o livro.


Mas, e as crianças de Grozni?


Um relato emocionado dos atos de caridade incondicional do casal Hadizat e Malik que atenderam a pedido da nova "administração de paz" da cidade, receberam algumas crianças que dormiam nas ruas porque perderam os pais, os parentes e não tinham onde ficar. Com o tempo, com a ajuda das autoridades locais, ganhando dois apartamentos para tanto, cuidavam de 50 crianças incondicionalmente.


Hadizat e Malik foram apelidados de os anjos de Grozni!


Mas, é relatada a tragédia dos irmãos Timur e Liana que perderam os pais durante a guerra que a Autora parece estabelecer como uma média dos efeitos danosos sobre muitas dessas crianças.


Timur e Liana foram viver com um tio, um sujeito alcoólatra que chicoteava a ambos para que obtivessem algum dinheiro, diariamente. Liana fora violentada sem parar por esse tio.


Timur antes de chegar à casa de Hadizat era malvado, matava cachorros a pedradas e Liana por todos os traumas pouco conseguia aprender na escola. Ela roubava tudo o que podia da casa, trazendo muitos transtornos e desgostos a Hadizat que não a punira nunca severamente. 


Liana dizia que não conseguia parar de roubar. Timur, seu irmão, que prometia, um dia, matar o tio violento, deixara de a considerar sua irmã por causa desses roubos constantes.


Mas, Liana entregando a Autora um bilhete, pediu desculpas emocionadas à mamãe Hadizat que muito fazia por ela.


MORAL DA HISTÓRIA


Pelo que eu saiba aquele ódio pós guerras, depois de mais de um década pode ter arrefecido.


Mas, é justo perguntar: como estarão todas aquelas crianças que se assustavam, não dormiam ao ouvir os motores de um avião, de uma explosão, de se deparar com soldados fardados? Que faziam xixi na cama de medo? 


Como estarão hoje? Sobreviveram a esses traumas?


Nas guerras, as crianças são sempre as maiores vítimas. Uma frase padrão para essas tragédias.


Ah, sim, no geral gostei do livro.


(*) Acessar: O Livreiro de Cabul

sexta-feira, 20 de março de 2020

AUTOBIOGRAFIA DE UM IOGUE de Paramahansa Yogananda

LIVRO 69




















 
É no livro de Yoganada que todos os conceitos da meditação profunda, de manifestações místicas e milagres se sobressaem.(*)

Bom que se diga que, a despeito de suas próprias escrituras, principalmente o Bhagavad Gita, não poucas vezes Jesus foi citado por Yogananda, os evangelhos estudados, ora para afirmar seus ensinamentos, ora para comparar com as figuras crísticas de monges iogues, um deles seu guru.

Nesse livro, Yogananda não se refere Jesus como instruído nos ensinamentos indus, embora haja elementos para informar que a prática iogue poderia existir há mais de 2000 anos.

Os milagres praticados por esse iogues eram resultado da estreita intimidade com Deus, mercê da meditação profunda, da vida celibatária - embora um dos principais monges fora casado e trabalhara em serviços burocráticos antes - mas sobretudo pela fé inabalável na Divindade e na sua busca.

Para melhor entendimento dessa fé, dos milagres realizados por esses monges, de cura, de "dupla materialização" de seus corpos físicos se apresentando em locais distintos ao mesmo tempo, ressurreição como se se manifestou Sri Yukteswuar guru de Yogananda,  e tantos outros, transcrevo a passagem do Evangelho de Mateus um "exemplo" significativo tanto no que se refere ao milagre da fé, como nas consequências de sua desconfiança (14:22):

22. E logo ordenou Jesus que os seus discípulos entrassem no barco e fossem adiante para a outra banda, enquanto despedia a multidão,
23. E, despedida a multidão, subiu ao monte para orar à parte. E, chegada já a tarde estava ali só.
24, E o barco estava já no meio do mar açoitado pelas ondas, porque o vento era contrário;
25. Mas, à quarta vigília da noite, dirigiu-se Jesus para eles, caminhando por cima do mar.
26. E os discípulos. vendo-o caminhar sobre o mar, assustaram-se, dizendo. É um fantasma. E gritaram com medo.
27. Jesus, porém, lhes falou logo dizendo. Tende bom ânimo, sou eu, não temais.
28. E respondeu-lhe Pedro e disse: Senhor, se és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas.
29. E ele disse: Vem. E Pedro, descendo do barco, andou sobre as águas para ir ter com Jesus.
30. Mas, sentindo o vento forte, teve medo; e,começando a ir para o fundo, chamou, dizendo: Senhor, salva-me,
31. E logo Jesus, estendendo a mão , segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?
32.  E, quando subiram para o barco, acalmou o vento.

Nessa passagem, então, se constata o milagre e a pouca ou nenhuma fé de Pedro. O trecho diz tudo.


Pois o livro de Yogananda é tudo de fé, convivência com seres humanos santos, milagres, pureza extrema e vida simples. Yogananda no seu dia a dia, nas suas aspirações nunca duvidava do que desejava. E obtinha as graças pensadas.

Quem são os principais gurus que influenciaram sua vida e sua ida mais tarde da Índia para os Estados Unidos?

São eles: o grande iogue e mestre Babaji, monge que vivia havia séculos (imortal), habitava algum ponto do Himalaia, que foi guru de Lahiri Mahasaya a quem Babaji ressaltou o fato de ter sido ele casado e pai de família, mas que não seria impedimento em buscar a intimidade com Deus. Lahiri Mahasaya fora guru de Sri Yukteswuar e este guru de Yogananda,

E é a partir desses personagens reais, mas não só, que se desenvolve a autobiografia, um livro de mais de 600 páginas admirável, sincero e, mais, sem medo de revelar realizações espirituais (milagres) por seus gurus e outros que considerava santos, sem qualquer reserva.

Diria que para o ateu esse livro pode significar um impacto a essa negação às divindades porque suas páginas são de inspiração mística, de eloquência na simplicidade.

Por escolha do guru Babaji, fora Yogananda designado para mudar-se para os Estados Unidos para levar os ensinamentos orientais àquele pais sem perder a oportunidade do próprio aprendizado convivendo com os americanos.

Na Índia ele se tornou educador fundando escolas nas quais a yoga sempre esteve presente. Nos Estados Unidos e mesmo em seu país proferiu dezenas de conferências, palestras e aulas.

Tornou-se importante nos dois países. Pelo amor dedicado aos americanos que aos milhares se aproximaram de sua filosofia e na Índia por revelar sua cultura milenar aos ocidentais.

Sempre que chegava ao seu conhecimento Yogananda procurava conhecer aqueles pessoas que tinham atributos santificados. Então visitou Tereza Neumann, a estigmatizada católica, que atacada pelos ferimentos de Cristo crucificado e surgiam as feridas na cabeça e nos membros aos quais houvera a agressão da crucificação. Yogananda informa que pôde ver o que se passava com ela, transferindo ao seu corpo todo o sofrimento de Cristo na cruz. 

Também já na Índia visitou a "Mãe impregnada de alegria" (Ananda Moyi Ma) que na sua espontaneidade de criança teria profunda ligação com Deus. 

E visitou, também a mulher Iogue que não se alimentava desde os 12 anos, condição obtida com muita oração ao ser desprezada por sua sogra por comer muito quando jovem. Gira Bala se alimentaria, apenas do éter, do sol e do ar.


Paramahansa Yogananda desde muito jovem decidiu que renunciaria à vida material, dedicando-se à vida simples e espiritual. Ansiou muito por um guru que o encontrou, Sri Yukteswuar de quem recebeu muitas lições, algumas com rispidez mas nunca perdendo o objetivo de levar o discípulo à intimidade com Deus. Como me referi, foi escolhido pelo Mestre imortal Babaji para mudar-se para os Estados Unidos para transmitir os conhecimentos indus naquele grande país e o fez com muito brilhantismo, fundando em 1920, com apenas 27 anos, a Self-Realization Fellowship que obteve milhares de adeptos na busca da verdade (Deus) pela meditação da Kriaya Yoga. A SRF existe até hoje.

Essa entidade é a editora do próprio livro de Yogananda.

Todo o relato inspirador do Autor se dá entre a década de 20 até o início da década de 50.

Seu nascimento deu-se em 05.01.1893. Morreu jovem, aos 59 anos de idade em 7.03.1952, logo após discursar num banquete em homenagem ao embaixador da Índia nos Estados Unidos.

Hoje, não busquei informações da aparição de santos iogues da envergadura daqueles que Yogananda conheceu e amou.
Mas, muita coisa mudou na Índia. População de mais de 1 bilhão de habitantes. Graves problemas de saneamento. O rio Ganges, sagrado, é um dos mais poluídos do mundo.

Por onde andarão aqueles seus luminares?


Se me for permitido comparar os santos crísticos iogues gurus de Yogananda com Jesus Cristo, parece que este foi muito mais atuante, no meio de povo que o seguia admirado pelos seus inumeráveis milagres de cura, em criticar abertamente os fariseus e, por fim, seu sacrifício em deixar uma mensagem do antes Dele e depois Dele. Não parece que os pecados de todos foram salvos na cruz, salvo a dos seus apóstolos a quem receberam poderes divinos, mas exposta uma nova fórmula de vida especialmente do perdão e da caridade, até hoje tão carente. Os pecados, as guerras e as agressões aí estão vistos a "olho nu", pequenos e grandes pecados.

Pelo seu poder de meditação, relata Yogananda sua disposições em bem interpretar e entender os Evangelhos do Novo Testamento, em  oração silenciosa pediu a Jesus que o permitisse entender passagens de difícil compreensão nos relatos dos evangelistas.

Num dado momento sua sala de meditação se ilumina e Jesus chega até ele num "azul opalescente" e todo o esplendor de seu rosto jovem, seu olhar glorioso, diz Yogananda, "senti o poder que sustenta miríades de mundos".

Yoganada, na sua trajetória conviveu com inúmeras personalidades. 

Os editores da obra parecem não aceitar muito transcrições de trechos do livro. Mas, Yogananda visitou Mahatma (Grande Alma) Gandhi, um politico-místico que a Índia deve tanto e que venceu pregando a não-violência vivendo na absoluta simplicidade contribuiu decisivamente para a obtenção da independência de seu país em 1947, convencendo os dominadores ingleses, por vezes truculentos. Foi assassinado em 30 de janeiro de 1948 por um "desvairado".

Fiquei emocionado com o que disse Gandhi sobre uma simples vaca:

- Para mim a vaca representa todo o mundo infra-humano: ela amplia a solidariedade do homem para além de sua própria espécie. Por meio da vaca, o homem é impelido a perceber sua identidade com tudo o que vive. (,,,) A vaca na Índia era a melhor comparação: ela é que trazia a abundância. Não só dava leite mas possibilitava a agricultura. A vaca é um poema de compaixão; lê-se piedade neste manso animal. Ela é a segunda mãe de milhões de seres humanos. Proteger a vaca significa proteger toda a muda criação de Deus." (***)

Yogananda visitava frequentemente o americano Luther Burbank, "um santo entre as rosas" a quem qualificava de horticultor, um cientista que fazia experiências positivas com plantas e até conversava com elas: "Além do conhecimento científico, o segredo para melhorar o cultivo das plantas é o amor".

[Nestes tempos de devastação ambiental, é sempre bom lembrar que, no simbolismo do Gênesis, o "verde" foi criado antes dos animais e do homem. Gesto de amor do Criador].

Há muito a aprender na "Autobriografia", mas vou, ainda, me referir ao karma que significa o cumprimento da lei da causa e efeito. O karma é uma espécie de grilhão que impede o ser humano de atingir a divindade, se não reencarnando muitas e muitas vezes pelos séculos até atingir um grau de santificação e possa habitar outros reinos, superiores.

A Terra é um planeta de diferenças e penitências. Por vezes os castigos são tão cruéis, tragédias coletivas tão difíceis de aceitar considerando que há Deus cuidando do Universo e de todos. 

Mas, essas são as penitências que  advertem severamente que o mundo das divindades não é este. Mas, há que se reconhecer que convivam lado a lado almas de elevado nível espiritual e de baixo vigor mental.

Além das penitência, este é o planeta do trabalho, das aspirações realizadas ou não. As não realizadas ficariam pendentes nesta passagem pela vida tanto quanto e os pecados praticados. As aspirações pendentes seriam realizadas em futuras reencarnações como os pecados não purgados na vida presente.

Este planeta de lutas "de causa e efeito" me parece, pode ser confirmado num dos livros de Yogananda, "A lei do sucesso" -  que não li - mas ele trata do tema das aspirações com esta explicação resumida:

"Este livro explica os princípios dinâmicos para que a pessoa alcance as metas que tenha na vida e esboça as leis universais que produzem as realizações e o êxito, em termos pessoais, profissionais e espirituais."

Afinal de contas, nisso tudo não é criado o karma bom, nesses desejos e lutas realizados e não realizados?

Essas indagações são minhas mas claro que pelo que li no livro de Yoganada, admirável.

Tenho a impressão que um exemplo de remissão do karma (ou carma) se dá nos Evangelhos de Marcos 02.05.11.12. O karma é a lei da causa e efeito, tudo volta seja o que de bem seja o que de mal tenhamos praticado:

5. E Jesus, vendo a fé deles, disse ao paralítico. Filho, perdoados estão os teus pecados.
(...)
11. A ti te digo. Levanta-te, toma o teu leito, e vai para casa.
12. E levantou-se, e, tomando logo o leito, saiu em presença de todos, de sorte que todos se admiraram e glorificaram a Deus, dizendo: Nunca tal vimos.


O perdão do pecado por Jesus, resultou, então, na remissão do carma, mas essa lei continua vigente constituindo-se um dos mistérios irrespondíveis

Com esses mistérios todos que eclodem, que nos desafiam ao olhar uma noite estrelado, a Lua brilhante ou mesmo no dia a dia se se prestar atenção, encerro com esta frase contida no livro:
 ´
"Os mistérios últimos de Deus não se acham "abertos ao debate". A decifração de Seu código secreto é uma arte que o homem não pode comunicar a outro homem; aqui, só o Senhor é o Mestre". 










O riso sereno de Yogananda momentos antes de sua morte.

REFERÊNCIAS

(*) Livros que podem ter relação filosófica com o Livro "Autobiografia de um Iogue":

 "Mistérios e Magias do Tibete" de Chiang Sing. Acessar: 
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2017/07/misterios-e-magias-do-tibete-de-chiang.html

"A Vida Mística de Jesus" de H. Spencer Lewis. Acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2019/04/a-vida-mistica-de-jesus-de-h-spencer.html

(**) Crônica "A vaca e o bezerro sedentos"
Acessar:
https://martinsmilton.blogspot.com/2009/03/renuncia-carne-animais-brutalizados.html


domingo, 26 de janeiro de 2020

ENEIDA de Públio Virgílio Maro

Livro 68



















(V. obs. no final)

A ENEIDA é um poema épico que conta a história de Enéias, troiano que escapou da guerra de Troia, como herói mesmo sendo seus exércitos derrotados pelos gregos que conseguiram entrar na cidade com o famoso cavalo de madeira ("o presente de gregos").

Nesse cavalo de madeira, de proporções, se escondiam militares gregos que praticamente destruíram Troia.


O exemplar que tenho de Eneida é em prosa, não em verso, como se constitui a obra de Virgílio, edição dos primeiros anos da década de 1940.


A obra de Virgílio foi publicada há mais de 2000 anos, pouco tempo antes do surgimento do cristianismo.


Concluí como mero ledor, não estudioso das obras gregas, que de Homero há dois livros fundamentais, Pela ordem os interessados deveriam começar pela Ilíada (*), obra densa, com cerca de 500 páginas, depois a Odisseia (**) e, por fim, o obra Eneida.


Isso porque pelo que constato, na Ilíada se encontra o relato da guerra de Troia, sua origem e mesmo a tragédia dos embates. 

Na Odisseia a obra relata os dissabores de Ulisses após a vencida a guerra de Troia até conseguir voltar ao lar depois de 20 anos ausente. 

E na Eneida, a figura de Enéias, guerreiro heroico de Troia e suas lutas para se instalar no Lácio, Itália.

Também ele vence obstáculos de toda natureza, o ódio e as ciladas da deusa Juno. 


Mas, o livro tem cenas de amor, de suicídio por amor e muitas lutas violentas, a poder de lanças e flechas. Essas lutas ou guerras tinham por objetivo, além de conseguir extensões da Itália para fundarem os troianos comandados por Enéias uma nova cidade também, por elas  a conquista de Lavínia noiva que lhe fora prometida pelo rei Latino mas que seria depois seu inimigo na guerra por injunção de Turno.

Na obra Eneida há também, como na Odisseia de Homero, monstros. Destaco as harpias que voando dos montes, batendo suas asas com "horripilante ruído", roubam as iguarias "sujam  tudo com seu imundo contato" e exalam mau cheiro e seus gritos selváticos.

A heroína: Camila, de peitos nus, luta bravamente ao lado de Turno, mas é morta em combate. 



Virgílio na "Divina Comédia" de Dante Alighieri, foi seu guia 

e instrutor quando da "visita" ao "Inferno" e ao Purgatório" 

(***)

Enéias com a ajuda de sua mãe, a deusa Vênus, escapa de Troia devastada pela gregos. No trajeto da fuga, na qual o acompanha seu filho Ascânio, desaparece sua esposa Creusa por ordem dos deuses do Olimpo.

Mas, qual a causa central dessa guerra? O rapto pelo troiano Páris, da linda espartana Helena, esposa de Menelau. Teria sido rapto ou fora uma decisão dela em fugir com o amado? São perguntas que os estudiosos fazem até hoje.

Na obra Eneida, se lê:

"Não lances a culpa à formosa e odiada Helena nem a Páris tampouco; foi a inclemência dos deuses que destruiu a poderosa Troia."

Quando conseguiu, com seus navios se afastar da região de Troia devastada, por má influência da deusa Juno, os ventos soprados pelo deus Eólio fazendo o mar revolto, os troianos aportam sem o saber nas terras Líbias, na cidade de Cartago na qual a bela Dido, a rainha, vinha construindo.

Enéias e seu grupo são bem recebidos em Cartago. Enéias  relata a Dido todas as suas aventuras, as batalhas em Troia destruída e incendiada, evitado o reino de Ítaca, berço do cruel Ulisses, a morte brutal do velho Priamo, rei troiano...

Por obra de Citereia (Vênus), atacada por Cupido disfarçado, Dido se apaixona por Eneias e pensa em retê-lo para com ele viver. Se entrega a ele, mas Júpiter ordena que seja Enéias, avisado pelo mensageiro Mercúrico que não seria Cartago o seu destino e o obriga a viajar nos rumos do seus destino (fados) a Itália.

Eneias se emociona em deixar Dido. Esta, perdida de amor e  pela fuga de seu amante, envergonhada, se suicida.

















Chegando à Sicília, em homenagem a seu pai, Anquises, promove jogos fúnebres mas as mulheres troiana, cansadas das viagens e por sugestão de Juno, incendeiam navios. Então Eneias, funda a cidade de Acesta, deixando lá as mulheres e os inválidos, seguindo seu destino.

Aporta então Cumas e lá se encontra com Sibila, aquela que "inspira o furor divino e revela o futuro". Com ela desce aos infernos para ver a sombra" do pai, Anquises. Nesse ambiente sombrio constata todo o sofrimento daqueles que em vida pecaram gravemente, as desgraças que afetam os mortais, horríveis monstros...

Chegam na caminhada num ambiente mais sereno, nos "Campos Fortunados" onde se reúnem aqueles  heróis, "dos que em peleja morreram pela pátria, os sacerdotes puros durante a vida, os vates piedosos, que disseram coisas dignas de Apolo, os que inventaram artes para  melhorar a vida..."

Eneias encontrou a sombra do pai. Tenta abraçá-lo mas sendo uma sombra escapa pelos seus braços.

Anquises então explica ao filho o modo de renascer na terra, muita semelhança com os que pensam em reencarnação. São "almas depuradas" as que voltam à vida, "para que deslembrados do passado, tornem a ver a face da terra e queiram voltar aos novos corpos".

Prosseguindo na viagem chega à foz do Rio Tibre.

O rei Latino percebe a presença de estrangeiros e que pretendiam se apossar de extensões da Itália.

Nessa perspectiva estava Lavínia acendendo as chamas dos altares dos deuses ao lado do seu pai quando um prodígio se realizou ampliando-se o fogo por todo o recinto e queimando parte dos longos cabelos dela.

Foi considerado um presságio.

Então Latino consultou um oráculo. Este confirmou que um estrangeiro ilustre  chegaria e deveria desposar sua filha Lavínia.

Latino recebeu Enéias e sua comitiva muito bem. Ofereceu área para que construísse uma cidade e ofereceu sua filha em casamento.

Eis que Juno, esposa de Júpiter que odiava os troianos, interveio para, por uma divindade do mal, "envenenar" Amata que cuidava do casamento de Lavínia com Turno.

Ela não convence Latino a romper com o prometido a Enéias e então o ódio e transferido a Turno que declara guerra os troianos, buscando somar ao exército italiano outros facções de reinos vizinhas.

Enéias, por sua vez, ao saber da guerra declarada também busca outros aliados. Orientado pelo deus Tiberino busca Arcade e pede o apoio do rei Evandro.

Evandro aceita ajudar destacando seu filho Palante para comandar o seu exército em apoio a Enéias.

Os combates violentos são descritos por Virgílio de modo realista, como neste trecho:

"Ouvem-se os gemidos dos moribundos, na sangueira rolam armas, cadáveres e cavalos a morrer acende-se áspera batalha".

Latino se arrepende muito de não ter mantido a promessa feita a Enéias, aceitando a guerra proclamada por Turno também pretendente de sua filha Lavínia.

Turno é auxiliado por sua irmã Juturna que pode ter ferido Enéias com uma flecha (a obra não revela isso) mas ele se recupera logo com a ajuda de Vênus.

Enéias e Turno eram exímios lutadores e praticamente venciam todos os adversários a frente.

Na luta final entre Enéias e Turno, havia a sensação de que este seria ele morto pelo adversário.

Turno permanece indeciso, medroso e a distância. Enéias, então, atira de longe a lança que trespassa a coxa de Turno que se ajoelha indo ao chão aquele corpo avantajado (v. a imagem da capa do livro).

Ao se aproximar do adversário caído, Enéias até vacilava em matá-lo, ouve dele que Lavínia lhe pertence, que ele vencera a guerra,  mas vê nos ombros despojos do jovem Palante - filho de seu aliado Evandro - morto por Turno e, então, cheio de ira, "impetuoso embebe a espada no peito do inimigo".

MORAL DA HISTÓRIA

Não se subestime a fé dos mortais nesses poemas épicos aos seus deuses pagãos, porque as orações nos momentos difíceis eram as mesmas de hoje nas quais os crentes rezam para Deus ou suas Divindades: as orações dos mortais gregos e troianos pediam aos deuses, a vitória, a preservação da vida nas batalhas e nas intempéries, realização de desejos...

Então, nem se estranhe a presença permanentes dos deuses do Olimpo muitas vezes se relacionando com os mortais, porque tantos são os que creem que Deus e as Divindades de hoje também agem respondendo orações piedosas.

Há inclusive o cumprimento dos fados (do destino) que Júpiter reluta em mudar ao pedido que ajudasse Enéias nas batalhas.


Referências


Observação: Esta resenha / comentários está melhor desenvolvida no reunião das três obras, Ilíada e Odisseia de Homero e Eneida de Virgílio. Os textos foram revisados e ampliados.

Acessar: ILÍADA, ODISSEIA E ENEIDA



segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

AS PORTAS DA PERCEPÇÃO e O CÉU E INFERNO de Aldous Huxley

Livro 67

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Esse livro ou os dois livros são de meados da década de 50. Não é novo, mas ao lê-lo, fiz minhas reflexões situando-o nestes tempos atuais conturbados.

Desde logo vou informando que o Autor se submeteu à experiência de ingerir mescalina, um subproduto do peiote (peyote), um cactus baixo, sem espinhos, que se enfeita com uma flor rosa, muito conhecido no México. Mas, pela exploração comercial, a planta está ameaçada de desaparecer.

Lophophora williamsii pm.jpg

Aldous Huxley é o Autor do livro sempre lembrado, "Admirável Mundo Novo" que faz parte deste meu acervo (*).

Por sua vez, o livro "Admirável Mundo Novo" foi escrito no começo da década de 30 e o Autor já demonstrava interesse pelas drogas "recuperadoras da alma", naquele ambiente fechado do mundo novo controlado que imaginou e, para isso, existia a droga "soma":

O "soma" era a droga contra todos os males da "alma": da angústia, da depressão, da tristeza, da dúvida. Uma dose da droga anestesiava a mente do usuário, sobrevindo um estado de euforia, de felicidade, sem os mal estares de outras drogas quando passasse seu efeito. 

Então, falando em "outras drogas", segundo o Autor, a mescalina produzia seus efeitos alucinógenos por um certo tempo e não viciava como o cigarro, a maconha, a cocaína e o crack, todos esses, drogas com graus de vício moderado ou trágico à vida e ao psiquismo dos viciados, destacando-se como devastador em todos os sentidos, o crack.

Ao consumir a mescalina é transportado o Autor para uma "região" a que denominou "outro mundo". 

Sob os efeitos da droga descreve um simples vaso de flores sem atrativo, que passou a ver, "agora, aquilo mesmo que Adão vira no dia de sua criação - o milagre do inteiro desabrochar da existência, em toda sua nudez"

Um "ramalhete de flores a brilhar com sua própria luz interior..."

Explica Huxley que "o cérebro é dotado de um certo número de sistema enzimático que serve para coordenar seu funcionamento."

A mescalina, inibindo a produção dessas enzimas, diminui a quantidade de glicose" no cérebro gerando estas reações:

> Não afeta a capacidade de lembrar-se e de raciocinar corretamente;

> A capacidade de visão é intensificada. O interesse pelo espaço diminui e importância do tempo cai quase a zero;

> O intelecto nada sofre e a percepção é aumentada, mas a vontade é afetada e o individuo que ingeriu a mescalina não vê razão para fazer seja o que for. E deixa de ser uma preocupação nesse estágio porque passa a ter melhores coisas para pensar;

> As melhores coisas com a mescalina, podem ser aproveitadas, como diz o Autor, "lá fora, aqui dentro ou em ambos os mundos - o interior e exterior simultaneamente ou sucessivamente."

Há pessoas que sob os efeitos da droga apreendem que TUDO está em todas as coisas ampliando a possibilidade da mente em "aperceber-se de tudo o que está acontecendo em qualquer parte do universo."

Esses são os efeitos básicos da mescalina.

O Autor também envereda para a pintura de certos artistas que em seus quadros parecem alcançar as cores e precisões desse outro mundo. Não se refere a Leonardo Da Vinci que por tudo o que deixou especialmente suas obras primas, em qual escala do "outro mundo" teria agido. (**)

Esses artistas podem ter obtido imagens que o observador atento percebe se situar no "outro mundo" que diz respeito dos "antípodas de sua própria mente". [antípoda: do outro lado, do lado oposto].

Refere-se à música, o enlevo que provocava sob os efeitos da mescalina mas há revelação interessante sobre a esquizofrenia. Sob os efeitos da droga, diz ele, os pacientes "experimentam apenas as sensações celestiais da esquizofrenia".

Mas, a esquizofrenia, num estágio ainda intermediário, num momento de lucidez pode captar imagens de grande beleza nesse "outro mundo", mas muitos esquizofrênicos "passam a maior parte de seu tempo em um lugar que não é a terra, o céu, nem tampouco o inferno, mas sim um mundo cinzento e umbroso, povoado de fantasmas e quimeras". 

CÉU E INFERNO

No segundo livro do mesmo volume, o "Céu e o Inferno" o Autor passa a se referir sobre supostas manifestações humanas que vão progredindo na busca da luz (de iluminação ambiental), a luz de vela substituída por tipo mais eficiente de iluminação, o fogo como manifestação de luz - elemento de meditação -, as obras de arte com cores incomuns que não podem ter sido captadas neste mundo, mas no "outro mundo". 

O jejum pelos efeitos que produz no cérebro desnutrido, pode gerar os mesmos efeitos de visões fantásticas, nos padrões do consumo da mescalina.

O brilho das pedras preciosas que sempre encantam os seres humanos e os jardins:


"Deus primeiro plantou um jardim". Essa afirmação encerra uma profunda verdade psicológica." A floricultura tem sua origem no "outro mundo."

Destaca o Autor, terras maravilhosas dos "outro mundos", perfeitas, cheias de lagos, vegetação, de luz e de ouro.

O uso do vidro inspirou outras magníficas manifestações artísticas como se conhece na Catedral de Chartres - França, os seus vitrais:

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Mas, por fim, a iluminação elétrica. Pergunta-se a propósito, em que escala do "outro mundo" transitou Nikola Tesla tanta sua engenhosidade nessa matéria.

Nestes tempos o Autor que até divaga sobre a iluminação com base em sua experiência com a mescalina pode-se mencionar Nova York como referência às luzes intensas que a caracterizam, encanto dos turistas. 

O Autor, então, revela que até aquele momento se dedicara à experiência visionária bem-aventurada de sua experiência com a mescalina, referindo-se à teologia e a arte como manifestações, digamos, "celestes", desse "outro mundo".

Mas, no tocante ao inferno, a mescalina terá efeito perverso quando o paciente apresenta emoções negativas, falta de confiança, o ódio, a ira  e a maldade - "que elimina o amor" - fazem a experiência se tornar aterradora.

Vou concluindo, lembrando Carlos Castaneda nos seus livros que discorrem sobre o uso do "mescalito" - de uso corrente entre indígenas no México - sendo o Autor, orientado pelo bruxo Dom Juan. 

No seu livro "A Erva do Diabo" - o nome já se apresenta significativo - entre o que pode ser ficção ou realidade, sua experiência com o mescalito - assim denominado nos seus livros - muito negativa.

Pelo que ele revela também no livro "Uma estranha realidade", há sempre dúvidas em relação aos ensinamento de Dom Juan fato que quando da experiência, não estivesse o Autor preparado até pelo ambiente "mágico" em que se encontrava, com a mente dirigida pelo seu mestre, situação que pode ter provocado as severas distorções das visões que, como como diz Huxley, podem ser celestiais ou infernais.

Tudo muito interessante. Livro com 130 páginas, mas repleto de conclusões do Autor - mas ele divaga um pouco. 


Referências:

(*) "Admirável mundo novo" (Livro 13) do mesmo Autor, acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2017/07/13-admiravel-mundo-novo-de-aldous-huxley.html

(**) "Leonardo da Vinci" de Walter Isaacson (livro 60), acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2019/06/leonardo-da-vinci-de-walter-isaacson.html


segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O RETRATO DE DORIAN GRAY de Oscar Wilde

LIVRO Nº 66




















"O retrato de Dorian Grey" foi escrito em 1890/1891.

O nome completo do seu Autor, irlandês, que viveu de 1854 a 1900: Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde.

Considerado um poeta e escritor genial, mesmo com poucos recursos, frequentou a alta sociedade inglesa. Viajou para os Estados Unidos, para a França num período de sucesso de suas obras, embora algumas sem êxito.

Preso por homossexualidade em 25 de janeiro maio de 1895 pelas suas relações com um "belo jovem", Alfred Douglas (Bosie), este homossexual assumido, provocando ataques de seu pai a Wilde que por causa disso o processou por difamação. O processo não fora desfavorável ao escritor resultando em sua prisão por sodomia. 

Seus livros foram retirados da prateleiras, suas peças do mesmo modo e ele caiu no ostracismo. 

Ao sair da prisão em 19 de maio de 1897 foi morar na França, continuou escrevendo, voltou por um tempo a se relacionar com Bosie até que, em 1900 dores de cabeça se tornaram insuportáveis. 

Operado do ouvido, uma melhora momentânea  até que em  30 de novembro, entrou em coma e faleceu, "mas seu último desejo havia sido atendido: ser recebido na Igreja Católica Romana".



“O Retrato de Dorian Gray” teria por inspiração a lenda do alemão Johann George Faust (data imprecisa do nascimento e morte 1480/1540) médico, mago e alquimista que se desiludira com os conhecimentos de sua época. Fizera, então, um pacto com diabo para se superar no conhecimento e não envelhecer.

Eu nada li sobre "Fausto", essas são informações de fácil manejo na internet, mas um dia pretendo desvendar lendo alguma obra sobre ele.

O conhecimento era realmente difícil naqueles idos. Basta conhecer um pouco a história de Leonardo da Vinci, na Itália, contemporâneo de Faust (Fausto), alemão, para que se constate como buscou ele (Leonardo) o conhecimento quebrando paradigmas no seu tempo com suas experiências e pesquisas além de quadros que pertencem à humanidade como é, entre outros, Mona Lisa. E sem pacto com o demo...




Dorian Gray era um jovem de beleza "sublime", "incomum", "apaixonante", esses podem ser os qualificativos dados por Wilde ao seu personagem.

E por essa beleza, servia ele de modelo, posando para o pintor Basílio Hallaward que se apaixonara por Gray e sua beleza.

O quadro pintado fora a obra prima de Basílio.

Esse quadro perfeito fora dado a Dorian Gray.

Mas, com a presença de Lord Henry Wotton [seria o alter-ego do Autor?], amigo de Basílio, num dado momento começou uma discussão sobre a velhice período em que todas as belezas físicas desvanecem.

Uma frase de Henry, bem a propósito: 

- Para se voltar à juventude, basta repetir as suas loucuras." 

Esse perspectiva da idade que avança e suas consequências físicas, passou a preocupar o jovem Dorian Gray que invoca o desejo de permanecer sempre jovem.

Todos pertencentes à elite londrina, levam uma vida de faustosa, entre jantares, reuniões e teatros. E Grey com períodos colecionando futilidades.

Mas, algum tempo depois, sempre ouvindo as considerações de Lord Henry, Gray sai em busca de "aventuras" e se dirige à periferia de Londres.

Para na frente dum pequeno teatro onde a peça interpretada era "Romeu e Julieta".

Resolveu entrar e assistir pelo menos o primeiro ato.

E então se depara com a Julieta, a "criatura mais adorável que eu jamais tinha visto em minha vida".

Era a jovem Sybil Vane, menina de dezessete anos. 

Ele se apaixona por ela que também por ele se apaixona e Grey fala até em casamento.

O irmão de Sybil, James Vane se preocupa com a paixão da irmã e promete sérias intervenções se fosse ela magoada pelo seu "príncipe encantador".

Mas, a paixão que se assenhoreou de Sybil a fez interpretar muito mal a mesma peça num outro dia, tendo na plateia Basílio e Henry convidados de Grey. Ela fora apupada pela plateia. Sua decepção foi tão grande que resolve interromper seu romance com ela.

Sybil desesperada, perdida na paixão, estirada no chão, lhe pede perdão.

Mas, ele se afasta. Ao chegar em casa, se depara com o seu quadro e constata que a expressão de seu rosto estava diferente. "Parecia haver um laivo de crueldade em sua boca. Era realmente estranho."

Que relação poderia haver entre a pintura e sua alma? Como se dera aquela mudança no quadro.

Pensou em voltar para Sybil, pedir-lhe perdão. Acordara muito tarde. Não houvera tempo. 

Pelo desgosto a jovem se suicidara. Dorian Grey se desespera mas a tragédia estava consumada.

Seguindo com a sua culpa as transformações no retrato assumira contornos animalescos. Então, ele esconde o quadro.

Passou-se o tempo e Dorian Gray passa a ser evitado por muitos membro da elite londrina, com fama de levar vida devassa, não detalhando a obra quais seriam os seus atos para tanto, apenas insinuações, mas ele frequentava lugares sórdidos buscando doses de ópio.

Um dia Basílio Hallaward o visita de surpresa expondo ao seu antigo modelo tudo o que de ruim dele se falava. Pede para ver o quadro. Ao contrário do que prometera, agora pretendia expô-lo num exposição em Paris. 
À negativa terminante de Grey, ele explica, por fim, que não poderia realmente expô-lo publicamente porque notara algo estranho na pintura que fizera e concluiu:

- Como disse Harry certa vez, você foi feito para ser adorado.

A personalidade de Dorian Grey afetava a personalidade do pintor. Basílio demonstra ciúmes em relação a Henry...

Tempos depois, bem tarde da noite, Basílio, na rua encontra Grey. Informa que passaria uns seis meses em Paris.

Rumam para a casa de Grey. Basílio volta a questionar Grey sobre relatos perversos que circulavam sobre ele.

Pede para ver o quadro. Grey finalmente permite que o pintor veja sua obra constatando então que se apresentava não aquele retrato de rosto perfeito, mas uma figura demoníaca.

Disse Grey que era o retrato de sua alma.

Basílio fala em fazerem oração em busca do perdão.

E, então, voltado-se Dorian Grey para o quadro num acesso de ódio esfaqueia o pintor mortalmente.

O pintor não fora visto entrando na casa de Grey e ficaria por cerca de 6 meses em Paris. Até ser descoberto o seu desaparecimento e o porquê, ninguém desconfiaria de Grey. 

Num episódio meio inexplicado, Grey chama e Alan Campbell, seu amigo de outrora que então o repudiava, químico experiente é chantageando, não sendo esclarecida qual a chantagem, obrigando-o a diluir o corpo do pintor com produtos químicos naquele sótão local no mínimo inapropriado. 

Depois de cinco horas, o corpo havia desaparecido. Naquele aposento, o cheiro insuportável de ácido nítrico.

Tempos depois, Campbell se suicidaria mas nada com esse trabalho sórdido que fora obrigado a praticar para salvar Dorian Grey da forca.

James Vane, por duas vezes tentou se vingar da morte da irmã Sybil. Da primeira vez escapara porque da morte da jovem haviam se passado 18 anos e ele Grey era ainda "muito jovem" para ser o culpado. James foi informado do erro que cometera pela aparência de Grey. 

Tempos depois, numa caçada, um companheiro de Grey atira em direção a um moita tentando atingir um coelho, mas acerta um homem escondido, exatamente James Vane que o espreitava ante de o atacar.

Dorian Grey exultou com a morte de James, porque dele se livrara sem culpa. 

O final da história, um "grito horrendo" após golpear com a mesma faca o retrato foi Grey encontrado estendido no chão, com a faca enterrada no seu coração. Era velho e cheio de rugas e "seu rosto causava repugnância".

E o quadro o apresentava com aquela beleza deslumbrante de sua juventude.


MORAL DA HISTÓRIA

Aquele "instante maldito" que o levara  "a implorar que o retrato suportasse o peso de seus dias" conservando imaculada a "eterna juventude" tem muito a ver com os recursos cosméticos e cirúrgicos, de preservar a juventude nos dias de hoje.

O tempo é inexorável. Com toda essa maquiagem passageira ou cirúrgica, não nos afasta de, num espelho, de corpo inteiro, olho no olho descobrirmos um pouco de nossa alma e o que ela realmente carrega de nossas culpas.

Basta experimentar.