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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

K. de Bernardo Kucinski

LIVRO 110 












Diz o Autor que "tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu".

Com efeito, quase tudo aconteceu.

A obra contém alguns capítulos com timbre de crônica mas o que destacado é o relato amargo de um pai, judeu  — que sofrera os efeitos do nazismo, na Polônia — sobre o desaparecimento de sua filha mais querida, em relação aos outros dois filhos nos tempos da ditadura militar no Brasil.

O que, afinal, acontecera com ela depois de notar, K., que sua filha estava há dez dias sem fazer qualquer contato?

K. era um literato, poeta que, com outros judeus, preservava a língua iídiche já então considerada morta, "uma língua cadáver, isso sim, que eles pranteavam nessas reuniões  semanais, em vez de cuidar dos vivos"

Com suas preocupações literárias, surpreendeu-se K. ao saber que sua filha era casada. A modesta cerimônia se dera aos parentes do noivo. Ele sequer fora informado dessa união. Seu genro também era da comunidade acadêmica — não chegara a o conhecer — e como ela desaparecido.

Para desvendar o paradeiro da filha, preocupado, vai ao Departamento de Química onde lecionava. Seus alunos de modo discreto, informaram que ela, que nunca faltava em suas aulas, estava ausente da faculdade havia 11 dias.

A partir daí, no começo de modo tímido, depois fazendo todos os contatos possíveis e até mesmo com falsos "informantes" sai em busca do paradeiro da filha. E do marido.

Conversou com militares, com religiosos e com quem mais lhe fosse indicado para alguma informação que desvendasse o desaparecimento dela.

O que nunca havia feito: procurou a Catedral Metropolitana da Sé, templo católico que nunca entrara antes e ali se uniu ao grupo de pais e parentes que, como ele, procuravam informações dos seus desaparecidos.

De rabinos supostamente influentes no meio político pouco ou nenhuma ajuda recebeu.

Já não duvidava da ação politica antiditadura de ambos. E já ia se convencendo que sua filha poderia ter sido morta nos porões da ditadura.

► Ana Rosa, a filha de K., esse era o seu nome segundo livreto 'Tag' de junho de 2023 que acompanhou o livro, "desaparecera" em 1974.  O Autor era seu irmão.

O Autor se refere ao agente Fleury que naqueles prédios clandestinos do Doi-Codi praticava a tortura e assassinatos contra os militantes capturados.

Nas páginas finais, a "transcrição" de uma carta remetida por "Rodriguez" ao "companheiro Klemente" na qual faz ele ponderações amargas por não terem parado as ações de luta à iminência da derrota do movimento, inclusive lamentando  execuções de membros que queriam deixar as células por vislumbrarem uma "guerra perdida" e, pior,  tratados injustamente como traidores.

Há o nome mencionado nessa suposta carta de um militante (Márcio) que fora executado pela célula.  Esse nome, Márcio (Toledo), é mencionado, também, por Alfredo Sirkis relatando que membros da ALN já praticamente desarticulada, o executaram na rua porque temiam que  saindo da luta, poderia denunciar os que ficaram. Um "estupido crime". (*)

Na resenha do livro "Os Carbonários" de Alfredo Sirkis:

"Num dado momento, vendo que a guerrilha perdia terreno, membros de outras siglas com o mesmo objetivo, iam sendo mortos ou presos, Sarkis resolveu deixar a VPR, descrevendo seu constrangimento perante os demais companheiros revolucionários". 

E reconhece:

"Doze meses depois, estávamos ali, dizimados, reduzidos a menos de um quarto do que fora a organização. Um pensamento sombrio me assaltou. Será que chegava ao réveillon de 71?" (*)

Kafka

Há no livro referências a Kafka (também a Milan Kundera).

"O Processo" de Kafka, de família judaica, é anterior ao nazismo, de 1925. Nessa obra  seu personagem Joseph K. acusado por um crime que desconhecia, até porque não havia crime, não se sentia culpado, tanto que busca nas teias judiciárias saber do que tratava a acusação.

O final trágico é consequência da perseguição da qual fora vítima na trama, sem descobrir do que era acusado, revelando-se cansaço psicológico, dando-se espécie de desistência, entregou-se aos algozes, algo como o suicídio.  (**)

É sempre bom cuidar que a interpretação não vá além do que pensou o autor da obra.


O livro K. contém 196 páginas e nelas há muito mais a ser conhecido.


 APÊNDICE

Naqueles idos das décadas de 60 e 70 como acadêmico de direito na PUCSP, um dia apareceu na classe José Dirceu para umas palavras sobre a oposição à ditadura (talvez em 1969). Questionei-o apontando as dificuldades, porque o lado que combatia era o Exército. Manifestação muito rápida, houve algumas vaias e aplausos.

Referência no texto.

(*) Acessar: OS CARBONÁRIOS

(**) Acessar: O PROCESSO de Kafka




quarta-feira, 26 de julho de 2023

PROMOTEU ACORRENTADO, ÉDIPO REI e MEDÉIA de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes

 EDIÇÃO ESPECIAL

TRAGÉDIAS GREGAS - O DESTINO ESTAVA ESCRITO












ÉSQUILO:  "PROMETEU ACORRENTADO"








Ésquilo nasceu por volta de 525 AC em  Elêusis, próximo de Atenas e faleceu em 456 na Sicília. 

A obra, escrita em 470 AC é mais uma tragédia grega. 

Nas três obras a predominância do cumprimento inexorável do destino. 

Nesta obra de Ésquilo o destino tem a ver com o castigo de Zeus tal qual proclamam correntes espirituais que falam na "lei do retorno", na "lei da causa e efeito."

Mas, há que se afirmar que Zeus é um deus pagão e se envolve como se constata em outras obas com certa paixão na vida dos mortais.

Essa tragédia tem os personagens seguintes além de Prometeu:

Poder e Força: Sob cujas ordens é executada a punição a Prometeu;

Hefesto: designado para acorrentar Prometeu numa "rocha varrida", que lamenta muito cumprir a missão imposta mas a executa, deixando Prometeu numa situação "ultrajante".

Oceano: Aliado de Prometeu que dele se aproxima em seu local do castigo e demonstra o desejo de interceder perante Zeus para minorar seus sofrimentos. E chega a aconselhar: "E por inteligente que sejas, desejo dar-te o mais salutar conselho. Conhece-te a ti mesmo e adota modos novos, pois um novo senhor reina sobre os deuses". Prometeu, porém, rejeitou a ajuda porque receava que Zeus fizesse contra o Oceano, algum tipo de retaliação.

Io: filha de Ínaco: que Zeus amava, mas pelo ciúmes de Hera (esposa de Zeus) foi expulsa pelo pai de casa e deixada à própria sorte no deserto, por terras estranhas, habitantes perigosos. Ela chega até Prometeu mas segundo as profecias dele, Io finalmente, pelo "capricho do Destino, uma grande colônia será fundada por ti Io e pelos teus filhos". 

Hermes: filho de Zeus que vai até Prometeu para saber de suas previsões sobre a perda do trono pelo pai, após um casamento...

Coro das Oceânidas: Aliado de Prometeu que sofre com ele o castigo que lhe impôs Zeus. 

Prometeu fora duramente castigado por Zeus por ter dado aos mortais, aos homens, ensinamentos e segredos conforme explana já acorrentado nas rochas. Ele se refere ao que ensinou e inventou em benefício dos mortais:

 ● A construir moradias  com tijolos e madeira para que saíssem os mortais das cavernas escuras;

 ● A distinguir as estações de inverno e a das flores , dos frutos e da colheita;

 ● Inventou o sistema de números e o alfabeto;

 ● A subjugar os animais para fazerem os trabalhos mais pesados;

 ● Os navios para os marinheiros correrem os mares;

 ● A utilização do fogo...

"Vede como está preso em correntes o miserável  deus que sou, o inimigo de Zeus, que incorreu no ódio de todos os que frequentam a corte de Zeus porque amou demasiado os homens."

Mas, Prometeu exalando o ódio contra Zeus, declara que ele perderá o trono depois de um casamento do qual se arrependerá, porque a esposa lhe dará um filho mais forte que ele.

Então, a tais presságios se apresenta Hermes a mando de seu pai Zeus para saber "que casamento é esse que fazes tanto barulho".

Prometeu, ao ser acusado por Hermes de que delira e está doente, ele responde:

"Se estar doente e odiar os inimigos, então, sim, estou doente."

Então, Hermes, agrava o castigo de Prometeu informando que o "cão alado" de Zeus, o "abutre sanguinário", devorará "com voracidade grandes pedaços do seu corpo (...) que virá todo o dia fazer seu repasto e o dia inteiro vai mastigar a negra iguaria que é o teu fígado". 

No dia seguinte, o fígado recuperado era novamente devorado.

E Hermes não lhe dá esperança de breve reparo ao castigo, mas lhe diz:

"Então olha ao teu redor, reflete, e não acredites que a teimosia valha mais que uma sábia deliberação."

E o Coro aliado de Prometeu, no final, sob ameaça de Hermes a possíveis retaliações de Zeus contra ele, Coro, diz:

"Usa de outra linguagem e dá-me conselhos que eu possa escutar. Acaba de dizer frases intoleráveis. Como podes ordenar que eu cometa uma covardia? O que ele deve sofrer, quero sofrer com ele. Aprendi a odiar os traidores. De nenhum outro vício tenho mais horror."

E a frase final de Prometeu:

"Ó minha venerável mãe e tu, Éter, que fazes rodar ao redor do mundo a luz comum a todos, vede o tratamento ultrajante que me infligem?"


Em Prometeu Acorrentado, o destino dele está ligado aos desígnios de Zeus que o castiga pela ajuda aos mortais e mesmo ao ódio externado ao deus.

Há excessos? 

Depois de 2500 anos, até hoje, com tanto "progresso" sabemos ou controlamos o essencial da vida? Como explicar tantas diferenças entre os semelhantes, as dores físicas, morais? Seriam castigos? Se sim, por quê? Por quem?

O essencial da vida não entendemos ou não nos é dada a compreensão.


SÓFOCLES"ÉDIPO REI"











Sófocles nasceu em 496 e faleceu em 406 a.C
Além de dramaturgo premiado  na Grécia, ocupou altos cargos políticos pela amizade com Péricles, este um estadista influente, orador emérito e líder da democracia na "era de ouro" de Atenas.

"Édipo Rei" de Sófocles. escrita lá pelos anos 427 antes de Cristo constitui-se amarga tragédia grega.

Essa peça teria inspirado Sigmund Freud no desenvolvimento de sua teoria psicanalítica do "complexo de Édipo", por esta frase proferida por Jocasta na peça:

"Não tenhas medo da cama de tua mãe:
quantas vezes em sonho um homem dorme com a mãe!

A lenda de Édipo que antecede a peça teatral de Sófocles contém estes episódios conhecidos:

Édipo era filho do rei Laios e de Jocasta, reis de Tebas.

A profecia obtido no oráculo de Delfos, dera ao menino um destino horrível: mataria seu próprio pai e desposaria sua mãe.

Por isso , fora ele atirado ao abandono numa várzea do Citerão pela própria mãe, Jocasta, com um grampo que prendia seus dois pés para ser morto. 

Mas salvo por um pastor e depois adotado como filho legítimo pelos reis de Corinto, Políbio e Mérope que não tiveram filhos.

["Édipo" tem o sentido de "pés inchados", exatamente pelos grampos que prendiam seus pés, quando encontrado].

Édipo soube da profecia e imaginando que fosse Políbio e Mérope, seus pais verdadeiros deixa Corinto e ruma para Tebas.

No trajeto, por um motivo fútil, uma rusga, Édipo mata quatro dos cinco viajores.

Tebas era atormentada pela esfinge, monstro com cabeça de mulher e corpo de animal que devorava a todos que não desvendassem seus enigmas.
Na vez de Édipo o enigma proposto pela esfinge já se preparando para o banquete:

Qual o animal que tem quatro patas de manhã, duas ao meio-dia e três à noite”?

Édipo dá esta resposta:

— É o homem. Pela manhã ele engatinha com quatro ‘patas’; ao meio-dia é o adulto que anda com as duas pernas e à noite (na velhice) ele se vale de uma bastão, três pernas. 

Vencida, a esfinge se destrói atirando-se num precipício.

Havia a promessa de desposar Jocasta e se tornar rei de Tebas aquele que vencesse a esfinge.

E Édipo casa-se com Jocasta tornando-se rei de Tebas.

ÉDIPO REI

A tragédia de Sófocles, escrita em 430 AC tem os seguintes personagens principais:

 ● Édipo, rei de Tebas
 ● Sacerdote
 ● Creonte, irmão de Jocasta
 ● Tirésias, o adivinho cego
 ● Jocasta, rainha de Tebas
 ● Emissário de Corinto
 ● Pastor da casa de Laios
 ● Arauto do palácio real
 ● Coro dos anciãos de Tebas.

Édipo se depara com multidão nas suas portas e indaga os motivos  daquela aproximação.

O sacerdote ressalta as tragédias que  assolam Tebas e acentua:

"Com seu archote flamejante a peste lança-se sobre nós e dizima a cidade; fica vazia a casa dos tebanos e o reino tenebroso dos infernos vai-se enchendo de lágrimas e gritos."

Édipo respondeu que esperava por Creonte, seu cunhado, que fora consultar o oráculo de Delfos.

Creonte se aproxima e diz que os males de Tebas se devem à morte de Laios, o rei que Édipo sucedeu pelo que haveriam que ser descobertos os seus assassinos e punidos severamente. 

Acreditava-se que Laios fora morto por um bando de ladrões.

Édipo ordenou que fossem os assassinos descobertos.

Então, fora chamado Tirésias, um vidente que poderia desvendar o assassinato de Laios.

Édipo o interroga e ancião Tirésias que reluta em fazer revelações mas é de tal modo desafiado que acaba dizendo  que o rei teria um grande revés e que o homem procurado "passa por estrangeiro mas se verá que é natural de Tebas e essa descoberta lhe será cruel..."

Édipo se revolta e ataca Creonte por ter trazido Tirésias e diz que ele conspirava e desejava conquistar o trono.

Creonte diz, 

"Que caia sobre mim a maldição de Zeus, se fiz alguma coisa do que dizes". 

Quando Jocasta entra em cena tentando apaziguar o marido e o irmão, repete a versão de que Laios fora assassinado numa encruzilhada por salteadores.

Édipo então indaga da compleição de Laios e se era grande sua comitiva ao ser morto.

À resposta de Jocasta de que Laios tinha semelhança com ele e de que eram apenas cinco na comitiva, Édipo passou a se preocupar. 

Jocasta informa que um servo se salvara do massacre. 

Era um pastor que ao ver Édipo como rei antes pedira para se afastar de Tebas. 

Foi, então, chamado para explicar o que vira naquele dia do assassinato.

Entra o emissário vindo de Corinto e informa que a cidade deseja que também seja de lá, Édipo, o rei, porque Políbio falecera de velhice.

Acreditando que Políbio fora seu verdadeiro pai, Édipo revela sua "libertação" da profecia trágica poque não fora ele quem provocara a morte do rei de Corinto.

O emissário informa a Édipo que Políbio e Mérope eram seus pais adotivos e revela que ele salvara o bebe recém nascido abandonado na várzea do Citarão entregue por um pastor. 

Jocasta, a partir daí começa a ficar preocupada,

"Pelos deuses! Se tens amor à vida, põe fim a essa busca! Eu não suporto mais!"

Chega o pastor e depois de muito ameaçado diz a verdade. 

Recebera das mãos da rainha o menino para ser morto porque dele havia grave profecia.

Amaldiçoa Édipo aquele que o salvara, que desprendera seus pés propiciando que a profecia se cumprisse e que,

"Eu não viria a assassinar meu pai 
nem seria culpado como amante
da criatura que me pôs no mundo...
Agora não há deus que me redima:
sou filho de uma mulher corrompida,
rival do homem que me deu a vida. 
  
Foi então informado de que Jocasta estava morta. 

Édipo em desespero,

"Onde está minha esposa que não é esposa alguma, é um útero danado que me pariu e pariu filhos meus!"

Ela praticara o suicídio por enforcamento e Édipo ao ver a cena fura os próprios olhos que sangram.

Então é chegada a hora de sair de Tebas, no cumprimento de seu castigo.

Creonte não consente que com ele, cego, vão suas filhas:

"Vai, mas deixa as meninas!

Édipo:

"Não! Não me tirem minhas duas filhas!"

Creonte:

"Não queiras dar mais ordens, obedece! Teu poder terminou."

E o Coro conclui melancólico:

"Concidadãos de Tebas, pátria nossa,
olhai bem: Édipo, decifrador de 
intrincados enigmas, entre os homens
e de maior poder - aí está!
Quem, no país, não lhe inveja a sorte?
E agora, vede em que mar de tormento
ele se afunda! Por esta razão,
enquanto uma pessoa não deixar 
esta vida sem conhecer a dor,
não se pode dizer que foi
feliz."

"Moral da história": Ninguém escapa do que está escrito a passar na vida, o destino; a busca implacável pela verdade, qualquer que fosse; os mistérios da vida humana a serem desvendados pelo simbolismo da esfinge e as benesses e os castigos a receber e a enfrentar, cada um segundo o seu merecimento. Mas, quem dita essas regras, Zeus?

Esse rigor do destino, afinal de contas não é uma constante até hoje, a despeito do livre arbítrio? O livre arbítrio interfere em experiências essenciais da vida?


EURÍPEDES"MEDÉIA"










Eurípedes nasceu na Grécia a data que parece a mais consentânea seria 484 AC. A tragédia "Medéia" fora escrita em 431 AC. 

Trata-se de uma tragédia, sem exageros, "superlativa".

É a narrativa de ciúmes doentio de Medéia, porque seu marido Jasão a abandonou pela "cama" de uma princesa, Glauce, filha de Creonte, rei de Corinto.

Os personagens da peça, são além de Medéia, Jasão, Glauce e Creonte:

● A Ama

● Escravo que conduz as crianças, filhos de Medéia e Jasão

● Coro das mulheres de Corinto

● Egeu, rei de Atenas

● Mensageiro que traz a notícia da morte de Glauce e Creonte;

● Filhos de Jasão e Medeia

A Ama num longo prólogo explica o ódio de Medéia por ter sido abandonada e seus filhos pelo marido e pai, Jason, O casal exilado em Corinto, vivia bem ali e que "tudo está salvo, quando nenhuma dissensão separa a mulher do marido".

Ela revela que, além do ódio que nutre pela marido que a abandonou, odeia os próprios filhos e ameaça os assassinar.

Diz ela rejeitando a vida isenta de perigos como dizem os homens das mulheres, que "preferiria tomar parte em três combates a dar à luz uma só vez."

O Coro das mulheres lhe dá razão pela revolta, mas aconselha Medéia e não macular de sangue de seus próprio filhos.

Tais queixas e ameaças ao casamento de sua filha com Jasão, faz com que o rei Creonte expulse de suas terras a "intratável" Medéia, dando-lhe um dia para partir com seus filhos.

Jasão insiste que se Medéia se conformasse, poderia viver em Corinto, porque o exílio lhe será caro. E diz que a abandonara pela princesa para garantir o futuro dela própria e dos filhos.

Mas, Jasão é repreendido pelo Coro por ter abandonado Medéia,

Então, surge Egeu, rei de Atenas (*)

Diz ele que por lá estava em busca de respostas para ter filhos tendo consultado mesmo o oráculo de Apolo que lhe dera uma resposta que precisava ser desvendada por um sábio, Piteu, e Egeu seguia até ele.

Medéia diz a Egeu sobre a traição do marido e, então, promete ele protegê-la em Atenas.

Essa promessa de Egeu incentiva Medéia ainda transtornada pelo ciúme doentio a praticar sua vingança cruel.

Então, demonstrando falsamente que se conformava com a traição do marido,  amenizando o seu ódio presenteia a princesa Glauce um vestido e joias preciosas para persuadi-la a manter seus filhos em Corintos, sendo somente ela, Medéia, exilada.

Jasão promete que interviria por seus filhos de modo a que ficasse, em Corinto sendo desnecessários os presentes que oferecia à princesa Glauce.

Medéia não aceita e remete os presentes

Mensageiro, então, a informa de que seus filhos estariam a salvo em Corinto, mas o veneno nas vestes presenteadas e as joias envenenadas mataram tanto a filha como Creonte.

"Do que te toca, não quero dizer nada; aprenderás suficientemente por ti mesma que o mal recai sobre aquele que faz". 

E Medéia mantém o ódio aos seus filhos e os assassina.

Diz o Coro das mulheres: "Miserável! Tens então um coração de pedra ou de ferro, para ferir com tua mão teus próprios filhos, fruto de tuas entranhas?"

Segue-se uma discussão entre Medéia e Jasão exalando ódios, de acusações mútuas mas foi a mulher que atingiu o auge da insânia.

A peça se refere ao destino que se cumpre até porque "Zeus, do alto do Olimpo, determina o rumo de muitos acontecimentos, e muitas vezes os deuses enganam nossas previsões na execução dos seus desígnios,"

O destino e as tragédias.

Depois dessas obras (Prometeu, Édipo Rei e Medéia) filósofos gregos tentaram mudar os rumos adotando a liberdade de pensar se afastando dos desígnios do destino.


Referência no texto:

(*) Mitologia: Egeu deu nome ao  mar Egeu, em sua homenagem,  por nele se atirar e se afogar, julgando que seu filho Teseu fora devorado pelo monstro Minotauro. Teseu fora a Creta para matar o monstro nos labirintos da Ilha.








 

terça-feira, 25 de julho de 2023

O GRANDE GATSBY de F. Scott Fitzgerald

 LIVRO 109





(Esta resenha e comentários contém "spoiler")








Uma obra muito reprisada no cinema:

Antes, do mesmo Autor, não faz muito, lera "Suave é a noite". (*)

O enredo do livro "O Grande Gatsby" foi filmado por Hollywood por quatro vezes: em 1926, 1949, 1974 e 2013.

Tem esse enredo tantos méritos? Estaria o personagem em busca da ascensão social, somente? A hipocrisia só se dá na sociedade (americana) nos idos de 20 do século passado?

O livro, quanto a isso se excede embora não significa esse ponto, alguma crítica ao enredo. Afinal de contas, se assim fosse nada mudaria: o livro ainda está presente embora lançado em 1925. Há 98 anos!

Se o Autor não fosse americano, a obra teria o sucesso que teve? 

A pergunta que faço é, pois, irrelevante.

Personagens e enredo

NICK CARRAWAY

É o personagem que relata a história de Jay Gatsby. Ele viera do Oeste é se mudou para Leste, nas proximidades de New York para trabalhar com títulos, papeis de crédito,  Sua casa, alugada, era vizinha da mansão de Gatsby. 

Ele era primo em segundo grau de Daisy que com o marido Tom Buchanans residiam numa mansão nas proximidades.

DAISY E TOM

Casados mas o Autor deixa entrever alguma animosidade entre o casal.

Daisy fora no passado, namorada de Gatsby antes da (1ª) Guerra e este tentaria reconquistá-la após a porque ela não amaria o marido, Tom

Mas, de um modo ou outro, ela amava tanto o antigo namorado e o marido, embora este tivesse uma amante, Myrtle.

A pedido de Gatsby ela vai para um chá na casa do primo Nick. Dá-se um encontro constrangedor, mas ambos começam a se relacionar nessa estranha liberalidade que poderia se dar naqueles tempos — década de 20 do século passado. 

Pelo menos é o que sugere o livro.

GEORGE e MYRTLE WILSON 

Wilson era um negociante de carros tinha uma oficina e sua esposa Myrtle era amante de Tom de modo quase indisfarçável.  Num dado momento Wilson, desconfiado de "pecados" da esposa a mantém num tipo de prisão domiciliar.

Uma noite ela foge avança para a pista sendo atropelada mortalmente por um carro amarelo, pertencente a Gatsby mas dirigido por Daisy. O carro não para para socorrer a atropelada. 

Wilson falando em vingança se faz de vítima, vai até Tom que confirma que o carro amarelo pertencia a Gatsby.

Ele se dirige à mansão de Gatsby e o assassina e se suicida.

JORDAN BACKER

É uma esportista conhecida, que ajuda a encaminhar o enredo e nos relacionamentos do dia a dia Nick se apaixona por ela mas, o romance não prospera.

JAY GATSBY

Namorado de Daisy de antes da guerra, sem dinheiro, fez carreira promissora no Exército. 

Quando jovem viva daquilo que por aqui se chama de "bicos".

Empolgou-se num iate luxuoso, se aproximou do milionário Don Cody que se simpatizou por ele empregando no exercício de múltiplas obrigações na embarcação. Em cinco anos o iate serviu para cruzeiros pela Europa.

Cody faleceu repentinamente  e lhe deixou uma herança de US$25 mil, um valor significativo para a época, Algo em torno de US$400 mil hoje?

Mesmo tendo comprado a mansão para se reaproximar de Daisy, nas cenas de ciúmes de Tom ao saber que Gatsby "assediava" a esposa porque ela não amaria o marido mas a ele, Gatsby, ocorre ríspida discussão. Tom o acusa de não ter negócios honestos: seria dono de drugstores (drogarias) de fachada para esconder negócios ilícitos. Mas, nada avança quanto a essa acusação.

Ao ser assassinado, nenhum dos antigos convidados de suas festas suntuosas aparece para um apoio, uma homenagem post mortem somente Nick, seu único amigo. 

O pai de Gatsby chega para o sepultamento após ler a notícia do crime num jornal.

Nesse mesmo momento, Tom e Daisy haviam viajado e mantiveram distância desses eventos todos. Mesmo Daisy que amara Gatsby mas que também amava o marido!

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Esse o quadro de contradições e hipocrisias no livro de Scott Fitzgerald.

O livro tem muito mais do que isso!

Muitas são as listas nas quais a obra consta como de "leitura obrigatória".

Referência no texto:

(*) AcessarSUAVE É A NOITE

domingo, 2 de julho de 2023

A VIAGEM DO ELEFANTE de José Saramago

 Livro 108




Já li outros livros de José Saramago e confesso não ser ele um Autor que muito me atraia. (*)

De qualquer modo, esse romance, ficção, é um livro divertido, irônico e, sobretudo, enaltecendo o elefante pelo melhor das qualidades humanas que demonstra.

Eis que dona Catarina da Áustria, esposa do rei D. João III de Portugal ressabiada com o presente indigno que dera ao "primo Maximiliano" — arquiduque da Áustria — quando de seu casamento com Maria, filha de Carlos V, havia quatro anos, sugere ao marido o presentear com o  elefante Salomão que viera da Índia havia dois anos e praticamente não se movimentava, comia bebia e dormia. Não havia atividades para o animal em Lisboa.

O arquiduque naqueles dias estava em Valladolid, na Espanha. A distância a ser percorrida, em terrenos acidentados naqueles anos de 1551/1552 a partir de Lisboa, seria de cerca de 600 quilômetros. De Valladolid a Viena destino final de Salomão seriam cerca de 2.200 quilômetros a serem vencidos nas piores condições.

O cavaleiro enviado a Valladolid retorna confirmando que Maximiliano aceitara o presente.

A obra revela que pombos-correios também eram utilizados para envio de mensagens.

Dá-se início, então, aos preparativos da viagem do elefante.

O cornaca (cuidador)  de Salomão era Subhro, desde que viera o animal da Índia, apresentando-se "coberto de andrajos" pelo que ordenou o rei que lhe fossem concedidas vestimentas apropriadas para a longa viagem  Ele também era indu e conduzia Salomão assentado sobre seu dorso.

Organiza-se um pelotão da cavalaria que "responderia pela segurança da viagem" , um gigantesco carregamento de fardos — alimento de Salomão — dorna de água e homens para cuidar dos bois e dos carros e todos os equipamentos.

E as dificuldades iam aparecendo, até que numa aldeia, os aldeões, acordaram o reverendo dizendo que deus era um elefante. Então, o religioso alegando que benzeria Salomão e, em o fazendo, passou a proferir frases aplicadas em exorcismo e nesse ritual, atirava água que não era benta.  Aproximando-se do animal, recebeu um coice que o fez que manquejar e disse "que foi castigo do céu."

Mas, o elefante terá gestos de amizade, quando dispensados os homens de apoio com a chegada da dos couraceiros austríacos: "pela primeira vez na história da humanidade, um animal despediu-se, em sentido próprio, de alguns seres humanos como se lhes devesse amizade e respeito..."

Já sob o comando arquiduque Maximiliano, determinou ele que Subhro passasse a se chamar Fritz e Salomão,  solimão.

A viagem tem início de Valladolid até Viena com muitos percalços naqueles caminhos mal apurados, a chuva intensa, a neve inclemente, a perigosa travessia dos Alpes, o perigo de deslizamento. mas todos esses obstáculos iam sendo vencidos. Maximiliano e esposa seguiam num coche mas sujeitando-se às mesmas dificuldades.

Uma parada em Pádua, o padre pediu ao cornaca que ajoelhasse o elefante na frente da basílica de Santo Antônio como se parecesse ou fosse um milagre, uma forma de combater o luteranismo que confundia os fiéis. Tal se deu mas por pressão do arquiduque, Fritz confessou que treinara o animal e ficou muito mal com Maximiliano por vender os pelos do elefante como milagrosos. 

Já na chegada a Viena, um menininha escapa das mãos da mãe e se aproxima perigosamente do elefante. Desespero da morte iminente da menina mas, "era não conhecer Salomão". O elefante enlaçou a menina com a tromba e "levantou-a ao ar como uma nova bandeira de uma vida salva no último instante..."

Os país correram até Salomão receberam nos braços a filha, para emoção geral e aplausos.

Qual foi o destino de  Salomão - solimão nas páginas finais do livro? Na edição em meu poder é esclarecido nas páginas finais da obra, 255/256...

FRASES

— Vem aí a inquisição, meu senhor, acabaram-se os salvo-condutos de confissão e absolvição. — A inquisição manterá a unidade entre os cristãos, esse é seu objetivo;

— Se toda gente fizesse o que pode, o mundo estaria com certeza melhor.


Livros lidos resenhados e comentados do Autor:
 
ACESSAR:







 

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A REGRA DO JOGO de Jorge Cortás Sader Filho

 Livro 107


O Autor

Esta resenha e comentários se refere a uma obra de um amigo virtual. Ele reside em Niterói. Nós nunca nos encontramos. Há cerca de 14 anos ambos e com outros articulistas escrevíamos artigos de cunho político e social na plataforma VOTE BRASIL que detinha recursos modernos de comunicação já naqueles dias, a ponto de conquistar expressivo número de acessos e adeptos. 

Mas, como tudo nestes tempos nos quais as tecnologias digitais avançam céleres, a plataforma foi descontinuada. Pensando bem, uma perda.

A obra

É interessante, tanto pelo seu enredo e mais pela movimentação dos órgãos de inteligência das Forças Armadas. No caso do enredo, concentrado na estrutura da Marinha que é alertada no computador próprio, que haveria um atentado contra o presidente Lula. Esse alerta classificado no nível B2 indicava confiabilidade da informação pelo que exigia apuração. 

Os tempos se situam no primeiro mandato de Lula.

O coronel Ivan, que fizera carreira no Exército tomado de dúvida, até pensando que fosse uma brincadeira de algum "marinheiro" com acesso ao sistema, não deixa, porém, de chamar seu velho amigo, o capitão-de-fragata Fróes para juntos pensarem no informação e que medidas tomar.

Mesmo relutando, organizam investigação ampla que de modo cauteloso por seus agentes, mantendo contato com o MST — poderia haver alguma oposição velada ao governo — com os produtores rurais, sendo contatado o deputado Ronaldo Caiado considerado representante privilegiado da classe e, nessas todas gestões nada fora apurado que indicasse uma animosidade severa contra o presidente.

Essa informação confiável, fora realmente um blefe do alto comando do Exército que no meu modo de interpretar — não falei com o Autor — fora forçar um treinamento, uma movimentação estratégica, esgotando todas as possibilidades da investigação.

E, então, surge Hugo Chaves.

No meio da narrativa o Autor ressaltava sempre, a presença do "safado" ex-sargento paraquedista Lemos, expulso do Exército, atirador exímio. 

Ele vivia numa localidade de Niterói, Piratininga. tendo como ocupação pública, a de corretor de imóveis mas que, de má conduta, trabalhara por algum tempo para o crime organizado.

Conquistador, e neste momento, principalmente o amor sexual se exalta, com a linda Nanda que conhecera na praia.

Hugo Chaves vinha com alguma regularidade ao Brasil a convite de Lula para solenidades diversas e assinaturas de convênios.

O nome de Chaves chegou a ser cogitado como alvo, mas sem muito interesse, até que um aluno venezuelano, estudante da PUC disse em público que o presidente de seu país sofreria um atentado no Brasil.

Essa informação chegou aos órgãos de inteligência.

 Teve início nova investigação e nos contatos havidos um militar de baixa patente,  mencionou o nome de Lemos.

Com efeito, Lemos fora contatado para esse crime por opositores venezuelanos pelo qual receberia elevada quantia. E pensavam que aqui no Brasil seria mais fácil sua consumação.

Lemos começa a se preparar, escolhendo a arma.

Enquanto isso, as forças de segurança, incluindo por sua vez exímio atirador para eventual contraofensiva, passara a o vigiar de modo permanente.

Hugo Chaves chega ao Brasil, ruma para o Rio de Janeiro convidado por Lula para visitar instalações industriais de Niterói incluindo a retomada da construção de navios e plataformas para exploração de petróleo.

Lemos se instalou num local estratégico, num galpão, iniciando os preparativos para o atentado. Posiciona sua carabina. De onde estava, sua visão era privilegiada, tanto de Lula quando de Chaves.

Mas, antes, sem que ninguém ouvisse o tiro Lemos foi alvejado pelo atirador sargento Marambaia.

O tiro fatal atingiu a cabeça de Lemos. Essa a "regra do jogo"...

Todo esse trabalho de inteligência, de investigação resultou no promoção dos amigos Ivan e Fróes.

                                                ● ● ●

O livro com 283 páginas tem cenas de amor, o casal apaixonado de Fróes com sua  linda esposa Silvia e o casamento que se daria entre o comandante Ivan com Renata, ela mais jovem do que ele em cerca de 23 anos, porque ela preferia a estabilidade vivendo com um marido mais maduro.

A obra relata a rotina de vida principalmente em Niterói da classe média representada pelas personagens Ivan e Fróes e respectivas esposas.

Embora o final fosse para muitos, previsível, o livro não é só isso, há diálogos nos quais se revelam angústias dos personagens em acreditar no que era real e o que não era.

Então, o livro não é somente o que sintetizei. Há muito mais. 

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Como adquirir o livro

O livro poderá ser adquirido acessando o endereço abaixo fazendo a busca pelo nome do livro ou do autor:

www.clubedosautores.com.br

  




segunda-feira, 3 de abril de 2023

O MULATO de Aluísio Azevedo

 LIVRO 106




O livro é forte porque trata com rudeza a escravidão e o preconceito a um mulato;

Foi lançado em 1881. A história se passa em São Luiz do Maranhão.

Em poucas páginas deixou o Autor de apontar o absurdo da escravidão e, no caso do personagem "mulato", Raimundo, ao nascer paixão doentia entre ele e  a branca Ana Rosa.

Queriam se casar mas ele era... "mulato", filho de uma escrava e um traficante de escravos abastado, José Silva, assassinado, irmão de Manoel, pai de Ana Rosa mas o interesse matrimonial com a prima, tivera rejeição do padre vilão, Diogo, da avó e do próprio pai da moça.

O livro não diz em contrário, não ostentava Raimundo a cor mais escura, tendo se formado em Direito em Coimbra, culto, de pensamento irrepreensível, visitado outros países europeus e os Estados Unidos, tudo por conta da herança do pai assassinado.

Então, voltara ele ao Maranhão, sendo hospedado com honras por seu tio Manoel até que concluísse negócios não bem definidos, mas atinentes aos bens deixados por seu pai. Depois, partiria para o Rio de Janeiro para exercer sua profissão.

Então, hospedado na casa do tio, entre Raimundo e Ana Rosa nasce aquela paixão "incontrolável".

E essa paixão resultaria em tragédia.

São personagens principais da obra, que têm destaque na história:

Dona Maria Bárbara, sogra de Manoel — com quem fora morar após a morte prematura da filha e esposa dele — e avó de Ana Rosa:

"Era uma fúria! Uma víbora! Dava nos escravos por hábito e por gosto, só falava a gritar e, quando se punha a ralar, — Deus nos acuda! — incomodava toda a vizinhança! Insuportável!"

Manoel Pedro da Silva, o Manoel Pescada, pai de Ana Rosa, comerciante, com "caixeiros" que o auxiliavam na administração dos negócios sobressaindo-se Luiz Dias um empregado que pensava em o tornar sócio nos negócios e futuro marido de Ana Rosa.

 Ana Rosa, que fora orientada por sua mãe, às vésperas de sua morte, para se casar com o noivo que amasse, "a não aceitar marido contra o seu gosto".

Padre Diogo, vaidoso, hipócrita, "pecador", vilão, tinha forte influência sobre Manoel, sobre seu irmão José e sobre Ana Rosa de quem era padrinho. Era um severo opositor do romance entre a afilhada e Raimundo. Um opúsculo subtraído de seu quarto de modo clandestino por Dias revelou que ele seria maçom ou simpatizante e, como tal, contrário à doutrina católica. E ele o acusa de ser maçom.

José Pedro da Silva, enriqueceu negociando escravos. Quando Raimundo nasceu ele e sua mãe Domingas receberam carta de alforria. Casou-se com Quitéria  Santiago, viúva rica, megera, despreza os escravos e traiu o marido com o padre Diogo. Desesperado, enforca a mulher e, então, o padre o chama de criminoso e lhe faz um proposta: ele, José, nada diria das relações do padre com sua esposa e o padre por sua vez nada diria do assassinato. E as coisas foram resolvidas pelo padre perante à comunidade. 

José seria assassinado com um tiro, não esclarecido, quem sabe crime engendrado pelo padre.

Domingas, a escrava, mãe de Raimundo vivendo numa fazenda em ruinas de propriedade de José da Silva. Sua imagem era horrível, um espectro que assustava quem se aproximasse da antiga fazenda (São Brás). Raimundo tentou resgatá-la, sem sucesso.

Raimundo que chegara da Europa sendo hospedado na casa do seu tio Manoel. A presença dele na mesma moradia de Ana Rosa resultou na paixão desmedida. Seu tio Manoel rejeitou o pedido de casamento que ele fizera para desposar Ana Rosa e foi franco e essa rejeição: "Recusei-lhe a mão de minha filha, porque o senhor é filho de uma escrava (...), O senhor não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos."

DESFECHO

Ana Rosa estava grávida e isso sabia o padre Diogo, seu confessor. No seu desespero ela não faz mais segredo da gravidez. Ela sonhava com o filho que iria nascer.

Raimundo desistira de deixar o Maranhão e não embarca

Mesmo assim com tanta oposição ao casamento, Raimundo e Ana Rosa depois de tantas contrariedades, da paixão descontrolada dela resolvem fugir. A carta informando data, modo e detalhes da fuga foi interceptada e lida pelo padre Diogo. Depois encaminhada normalmente à Ana Rosa.

O padre Diogo, sabendo do plano, coloca na mão de Dias um revólver e o convence a assassinar Raimundo. Tal se dá e abre a ele o caminho para conseguir o casamento com Ana Rosa.

Ela ao descobrir a morte de Raimundo entra em choque de modo severo. Ao desfalecer, deixou "pelo chão um grosso rastro de sangue, que lhe escorria debaixo das saias, tingindo-lhe os pés."

O crime não foi esclarecido como não fora do próprio pai de Raimundo.

O final não é feliz, suportável, tudo se acomodando pelos rigores do tempo e pelo esquecimento da sociedade fútil. Nesse quadro fútil e de tolerância hipócrita, mesmo Ana Rosa, embora impedida violentamente, não seguiu os conselhos da mãe.

Retratos de uma época que até hoje expande resquícios.

A obra além de revelar-se antiescravagista descreve aquelas cenas amargas de rejeição àquele que tinha nas veias, o sangue escravo. Suas páginas "agridem". Não é hipócrita amenizando a escravidão sem moral e  ética dos senhores e o preconceito cujo mal até agora não foi curado.

Na "orelha" da capa lê-se que referindo-se ao Autor, depois de polêmica que seu deu com artigos que redigiu e amigos no jornal anticlerical "O Pensador":

"A situação se agrava com a aparição do romance "O Mulato" em 1881, de tal maneira Aluísio é hostilizado em sua própria terra que se transfere de vez para o Rio de Janeiro nesse mesmo ano."

Outro mérito: em diversas páginas relata a obra o folclore maranhense naqueles tempos, descrevendo as comemorações da festa junina de São João. 

O livro é bom e tem muitas páginas a usufruir.

 


domingo, 2 de abril de 2023

A DIVINA COMÉDIA de Dante Alighieri

Edição especial (II)











Dante nasceu em Florença em 1265.  Faleceu em 1321 na cidade de Ravena, cidade onde viveu depois de ser expulso e condenado em sua cidade natal, por posições políticas que adotou.

A sua obra sobrevive desde o século XIV. Ela foi escrita entre 1310 a 1321 e seu título fora apenas "Comédia" pelo estilo e linguagem simples adotado por Dante Alighieri, idioma italiano e não o latim normalmente adotado em outras obras.

A obra se tornaria "Divina Comédia" porque Boccacio, também italiano, autor de Decameron (1) que acrescentaria, ao título da obra de Alighieri, a palavra "divina".

Principalmente a primeira parte do poema, "Inferno", impacta pelos castigos que o autor engendra para punir com o fogo eterno todos os pecados mortais.

O “Inferno”, então, é uma leitura depressiva ou agressiva dependendo da ótica de quem lê a obra.

E, se fora escrita como "comédia" por Dante, a verdade é que mesmo neste século XXI muitas são as calamidades e tragédias quando impressionam pelos seus desdobramentos qualificadas de "dantescas".

Obscura como é a narrativa, me levou a pensar se o "Inferno" de Dante não tem algo a ver com a doutrina católica da Idade Média, a inquisição brutal cujos métodos de tortura e sacrifício infligidos aos “pecadores”, nos detalhes, causam tanta emoção e perplexidade ainda hoje.

O próprio Dante é o personagem central do livro. Perdido numa local inóspito, numa floresta, ameaçado por um enorme leão, por ali vaga aos tropeços, em desespero, mas num momento percebe alguém perto de si que o informa não ser homem vivo e, então, Dante reconhece estar diante do grande poeta Virgílio:

Oh! Tu, tu és Virgílio, cuja eloquência ...qual fonte ...jorra versos fartamente? Mestre dos poetas.

[Virgílio fora o Autor da obra “universal” Eneida. (*)]

Virgílio chegara até Dante atendendo a um pedido da pura Beatriz para ser seu guia nas regiões do inferno e purgatório. Dante receia essas regiões mas é informado por Virgílio que era desejo de Beatriz.

Virgílio, um pagão não condenado ao inferno porque sua conduta não o levara a esse castigo extremo, foi autorizado a conduzir Dante aos círculos do Inferno e ao Purgatório. No Paraíso, proibido o acesso do poeta, Dante fora conduzido pela própria Beatriz.

Beatriz,  menina de nove anos de quem ele, Dante, se apaixonara, pelo seu rosto angelical, pela sua pureza. Sobre ela, assim a descrevera no opúsculo "Vida Nova" de sua autoria:

"Apareceu vestida de nobilíssima cor, humilde e honesta, sanguínea, cingida e ornada à guisa que a sua juveníssima idade convinha."

[Na “vida real”, Dante não a desposou, mas aquela imagem de pureza feminina jamais esqueceria a ponto de, em sua "Divina Comédia", seria Beatriz sua guia no Paraíso]. (2)

Inferno

Sim, “O Inferno” de Dante é brutal. Ao identificar os condenados ao fogo eterno (e até ao gelo eterno) há um momento em que ele, autor, se vinga de seus desafetos florentinos. E nesse bem descrito clima de horrores, converte Deus num agente cruel, imperdoável, pelo que dominam os demônios e a própria figura horrenda de Lúcifer.

Habitam também no inferno, figuras mitológicas, como o Minotauro, o monstro com cabeça de touro, Caronte, o barqueiro infernal, Cérbero, o cão de três cabeças, guardião dos infernos,  todos personagens da mitologia grega. E também serpentes gigantes que picam os ladrões que são reduzidos a cinzas para em seguida renascer...

Esses personagens mitológicos não fazem parte da "comédia"?

Logo na entrada do Inferno Dante se depara com um letreiro escuro que dizia: "Abandonai toda a esperança, ó vós que entrais."

“Ó justiça divina, quão dura sois que tamanhos golpes desferis na punição extrema dos pecados!”

Então à indagação de Dante, Virgílio responde: "Aqui convém deixar de lado toda suspeita, toda debilidade."

E porque "nos encontramos no lugar onde verás a gente atormentada que não pôde conservar a luz do bem",

Sobre as queixas e lamentos em meio à escuridão que Dante ouve:

“Tal horror espicaçava-me a mente, e eu disse a Virgílio: Mestre, que ouço agora? Que gente é esta, que a dor está prostrando?

"Queixa-se dessa maneira”, tornou-me ele, “quem viveu com indiferença a vida, sem ter nunca merecido nem louvor nem censura ignominiosa. Faz-lhes companhia um grupo de anjos mesquinhos, que a Deus não manifestaram nem fidelidade nem rebeldia, expulsos dos céus; nem o inferno profundo os acolhera, pois os anjos rebeldes se jactariam de lhes serem superiores em algo.” 

O inferno é constituído por nove círculos e em cada com seus abismos e valas que situam todos os tipos de pecados e castigos eternos:


Ali, além de Virgílio estavam Platão, Sócrates, Hipócrates, Homero – rei dos poetas.

“São os escolhidos, respondeu o mestre, do Céu, que recompensou fama alta e preclara com que na Terra, foram engrandecidos.”   
    

Aqui cumprem o castigo eterno homens e mulheres que sofrem com vento fortíssimo, seus vícios com a luxuria. Viram os poetas ali a libidinosa Cleópatra, também Helena. Páris e Aquiles. “E mostrou-me mais um bando de sombras que o amor conduzira à sepultura, nomeando-as”


“Todos lá chamava-me Ciacco. Pelo vício da gula eu sofro à chuva, miseravelmente, enregelado e fraco, Entretanto, não peno sozinho, pois os que aqui estão com castigo foram punidos por igual pecado.”


Lá estavam também clérigos, cardeais e papas que se dedicaram ao desperdício e todos aqueles dominados pela avareza. Condenados a “rolar  enormes pesos e a se injuriarem mutuamente.”


“As almas que pela ira foram vencidos”. Permaneciam sob água imunda. Imersas no lodo, recitam estas palavras: "Tristes fomos sob os doces ares que o Sol aquece e que nossa ira toldou. Hoje, mais triste somos neste negro lodo."


“Mestre”, disse eu, “que gente é esta que desse modo deixa ouvir seu sofrer imenso?” E ele: “Aqui estão reclusos os heresiarcas e seus seguidores. Bem mais do que podes julgar, estão cheias estas tumbas. Aí se encontram iguais com iguais, réus dos mesmos crimes; as tumbas queimam segundo a gravidade da heresia feita.”
Conselho de Virgílio: 
"Paremos um pouco na descida pois convém acostumar o olfato ao mau cheiro. Assim, não sofreremos tanto os seus efeitos."


A violência contra o próximo; os assassinos, os tiranos cozinham no sangue fervente: “São os tiranos, os que viveram da pilhagem e do sangue derramado. Aqui são pagos impiedosos danos.
Neste 7º círculo estão os suicidas que se transformam em árvores:
Diz Dante:
"Arranquei então o ramo de um galho. E o tronco clamou: "Por que me partes?" Cobrindo-se logo de negro sangue, prosseguiu:
"Por que me feres? Não possuis um mínimo de piedade? Já fomos homens, hoje somos lenho; mas se fôssemos almas de serpente, menos cruel sua mão seria."
Também se insere em outro recinto os violentos contra Deus, contra a arte e contra a natureza. A estes são castigados por uma chuva de fogo.
E também no 7º círculo foram encontrados os sodomitas que sob fogo intenso, eram vítimas de “horríveis chagas”.


Os pecadores eram os fraudadores do todo tipo, os que se beneficiaram do tráfico de cargos, os falsários, os corruptos, os prevaricadores... cada um exposto nas dez valas desse Círculo.
Os castigos não eram comuns a cada tipo de pecado: havia enterrados de cabeça para baixo, ficando do fora os pés em chamas, cabeça virada para as costas,  os mergulhados no betume fervente, conduzidos pelo mais negro demônio...
Então, em todas essas valas eram os fraudadores mantidos nos mais severos e eternos castigos
A um dos pecadores, Dante o questiona:
"Ó tu que baixas o olhar! (...) que pecados cometeste para ser reduzido a tal estado?
E ele responde: 
"Eu te responderei de má vontade. Cedo ao som desse falar gentil que à memória me trouxe a felicidade antiga. Fui aquele que induziu sua irmã, a bela Gisola, a satisfazer os desejos do marquês. Só agora  revelo tal acontecimento (...) Ia dizer mais quando um demônio o golpeou, gritando: “Em frente, rufião, aqui não há mulheres a que possa explorar”.


Com muito rigor são punidos todos os traidores inclusive da pátria, aqueles que traem seus benfeitores, seus amigos.
Nesse círculo até Judas Iscariotes paga seus pecados, transformado num "corpo" deformado.
Esses pecadores não ficavam sob calor e fogo dos infernos, mas sob frio intenso.
E foi aí, nessas geleiras que se depararam Virgílio e Dante com Lúcifer e sua figura tenebrosa: 

"O imperador do reino doloroso erguia o peito para fora da geleira. Eu, com minha estatura, mais próximo estou de um gigante do que um gigante, comparado com o braço, apenas, de Lúcifer. Imagina pois, caro leitor, quão grande será Lúcifer se calculado pelo tamanho dos seus braços. Se um dia foi belo, quanto hoje é horrendo; se contra o Criador alçou a fronte, bem entendo seja ele a fonte única do mal que o mundo chora."

 ●●●
Com todas essas passagens pelo Inferno, Dante e Virgílio de lá saem por galeria subterrânea e retornam à superfície da Terra.

O quadro de Sandro Botticelli (Florença, 1445/1510) 

O pintor Sandro Botticelli, autor de obras primas, como é o caso da delicadeza refletida no “Nascimento de Vênus”...











... pintou o quadro "horroroso" dos círculos e valas do "Inferno" inspirado no Inferno Dante Alighieri. 
Até hoje, séculos depois, estudiosos das artes se debruçam sobre esse quadro tentando desvendar seus detalhes. 

                        
                        











Representação do inferno e seus círculos















REFERÊNCIA:


(1) DECAMERON (1353):  Autor: Giovanni BOCCACCIO nascido em Paris em 1313 e falecido em 1375. É um romance que fala sobre 7 mulheres e 3 homens que decidem fugir da peste que assolava a cidade de Florença, na Itália, no ano de 1348. Os 10 partem juntos para uma casa de campo, onde ficam por 10 dias, a fim de se proteger das doenças e celebrar a vida. Todos os dias, cada um dos integrantes do grupo contava uma história e os relatos giravam em torno das paixões, sexo, infidelidades, enfim, tudo o que havia de proibido e pecaminoso na sociedade medieval. (Fonte: “Superinteressante” de 16.10.2016) 

(2) VIDA NOVA de Dante Alighieri







Purgatório

Continuando na leitura de “A Divina Comédia”, agora na sua segunda parte, “O Purgatório”.
Há uma mudança no modo de identificar os pecadores que tiveram “a sorte” de se arrependerem dos pecados antes da morte, pelo que foram aceitos no Purgatório.

Também uma montanha em cuja base se aglomeravam os “eleitos” tentando galgar em caminhos ríspidos, os primeiros “terraços” até atingirem as vizinhanças do céu.

Mas, os castigos aos pecadores no Purgatório não eram menos estranhos, algo realmente digno de comédia.

Pareceu-me até que o estilo da redação mudou um pouco em relação ao “Inferno”, mas a leitura continua densa, inserindo Dante, para interagir com ele e Virgílio, figuras mitológicas.

“Ah! Quão diversos são estes círculos daquele outros infernais! Aqui, cantares divinos; lá gritos irados!”

E há a presença de anjos que ajudam os poetas nos caminhos inóspitos.

No Purgatório já há referência a questões mais “reais”:

O peso da oração:

“Mas nenhum anátema [excomunhão] é tão poderoso que deserde a alma do amor divino enquanto a esta alma restar a confiança no Sumo Amor. Essa alma deve permanecer fora do Purgatório trinta vezes o tempo em que na Terra viveu apartado da Santa Igreja, se preces do mundo não lograrem encurtar tal período”.

Mas também “cenas” como esta:

“Um delas (alma), adiantando-se, esboçou o propósito de abraçar-me, e com tal ímpeto que de entusiasmo igual fui tomado. Vã tentativa, pois a sombra era verdadeira só em aparência! Três vezes querendo estreitá-la, três vezes ao peito eu trouxe apenas as minhas mãos”.

Pecados e penitências:

⦁ Primeiro recinto: Dante reconhece alguns penitentes e pergunta a um próximo: "Não és Oderísio mestre da iluminura?" Responde  o penitente que havia trabalhos mais alegres e mais coloridos de outro artista os quais não proclamou ao mundo quando vivo, "pois a isso me impedia o mundano desejo de em tudo ser o primeiro. Dessa soberba aqui se paga a pena. Estaria em pior lugar, não houvesse mostrado a Deus que de meus pecados, no extremo momento me arrependera. É gloria vã dos ímpetos humanos! Quão pouco dura o verde no cimo, se não seguido de época medíocre."

 ⦁ Segundo recinto: a alma dos invejosos. Nada viam porque suas pálpebras estavam costuradas nos olhos por fios de metal...

 ⦁ Terceiro recinto: os iracundos [irados] eram envolvidos por fumaça que provocava escuridão “tal que nem no inferno eu vira”. E esses espíritos cantavam. Virgílio confirma e explica: “E por esse modo desatam os nós da ira que os ataram ao passado.”

⦁ Quarto recinto: encontram os poetas penitentes que negligenciaram as obras da fé e caridade.

⦁ Quinto recinto: os avarentos deitados com o rosto voltado para a terra: “Havendo a avareza extinguido em nós a intenção do bem, a justiça divina que nos punir com fazer-nos olhar as coisas terreais”.

⦁ Sexto recinto: os  gulosos e que se entregaram à bebida, agora esqueléticos sentem o aroma dos frutos e o frescor da água, sem poder comer ou beber: “Felizes os que a graça divina livrou dos estímulos da gula e que só com o necessário se contentam.”

 Sétimo recinto: Os luxuriosos e os lascivos: “O primeiro grupo era dos luxuriosos de acordo com a natureza; o segundo, de lascivos contra a natureza.”
Esses todos caminhavam sob fogo, cumprindo sua penitência porque também se arrependeram a tempo de seus graves pecados.

"Nosso crime foi o do hermafroditismo, ao transgredir o normal copiando, quais brutos, o apetite das bestas.

Um dos interrogados cumprindo a penitência:
“Ditoso és, pois de nossa experiência, podes colher a lição de viver melhor para bem morrer! Os que marcham em sentido contrário ao nosso purgam o pecado de haver César de Rainha”.

["Cesar Rainha".  Essa a explicação do texto acima em nota de rodapé — naqueles tempos já o escárnio:“Júlio Cesar, segundo Suetônio, mantivera relações carnais com o rei oriental Nicomedes. A fim de aborrecê-lo, seus soldados após a vitória contra os galos, saudaram-no aos gritos de “Viva a Rainha”.

Beatriz e despedida de Virgílio
















A partir dai, aproximando-se dos ares celestes, Virgílio deixa seu discípulo sem mais seu apoio embora outro poeta se aproximara. Estácio.

Virgílio retorna ao Limbo, local dos não batizados e pagãos virtuosos.

Ao ascender às alturas da montanha do Purgatório, Dante encontra Beatriz sua musa angelical lembrança dos tempos de infância que lhe diz:

“Dirigiu assim os passos por caminho errado, seguindo o que do bem era apenas falsa imagem – enganadora promessa de constância. Em vão, por meio de sonhos, procurei guiá-lo, e em vigílias fiz com que divisasse o verdadeiro bem. Com nada disse se importou. Tão fundo mergulhou no pecado que, para reerguê-lo, não havia senão um remédio: mostrar-lhe as penas que no Inferno aguardam as almas danadas.”

Paraiso


Quais as emoções teria algum mortal de se aproximar do céu, dos vários estágios de santidade?

Pois o relato do Autor revela sempre alta luminosidade dos espíritos que ofusca sempre sua visão mortal, um som musical enternecedor tudo inspirando exatamente a presença das santidades.

Afinal de contas, para chegar aos céus, beirando a Divindade máxima teria que revelar virtudes incomuns.

E é Beatriz, aquela sua amada e guia, de pureza angelical que conhecera em criança e preservara aquela imagem, o conduzia aos vários céus:

“Beatriz, capaz de ler meus pensamentos tão bem quanto os mesmos os conhecia, disse-me: “Teu espírito se deixa perder em raciocínio errado, pois julga-te ainda na Terra. Assim, não vês o que poderias estar vendo. Compreende que nem o raio desce tão veloz para a Terra quanto estas subindo ao Céu”.

Tratando-se a obra de “comédia”, os santos que vai conhecendo em sua subida aos vários estágios dos nove céus, não revelaram o erro da crença no geocentrismo, teoria de que a Terra era estática e todos os astros e o sol giravam em torno dela.

Beatriz:

“O movimento universal, que mantém a Terra imóvel e faz girar ao seu redor os demais astros, daqui se endereça ao Universo inteiro”.

A teoria do geocentrismo foi formulada por Ptolomeu. O matemático Copérnico deu forma à teoria do heliocentrismo em 1543 que explicava que a Terra e os demais astros giravam em torno do Sol estático – que seria o centro do universo.

Nem o Sol é estático e ele se constitui pequena estrela no universo.

No geral, nos encontros de Dante com os santos nos vários estágios celestiais, havia forte influência católica.

Se pensada a obra hoje, ela seria considerada “feminista” tal a influência espiritual de Beatriz sobre o narrador e mesmo nos vários céus.

O Paraíso de Dante é composto de vários céus.

O 1º Céu, a Lua

O primeiro Céu é aquele que se concentra na Lua, por ser o astro mais próximo da Terra. E o mais distante do Empíreo (Céu).

Então, diz Dante o narrador:

“Não tive a partir de então mais dúvida de que qualquer das partes dos céus é o mesmo Paraíso, e que, contudo, a graça divina não reside por igual em todas aquelas partes.”

Nem o Céu, então, seria igual para todos.

Nesse 1° Céu encontra Picarda Donati que lhe diz que num meigo sorriso:

“Seguimos aqui as leis da caridade, que Deus implica à Sua corte”.

E diz mais Picarda que é uma alma bem-aventurada, “apenas espero nesta esfera que é de todas a mais lenta”.

E que,

“A sorte que nos coube, que parece inferior, devemo-la uns ao mau cumprimento dos votos religiosos, outros ao esquecimento total de tais votos.”

 O 2º Céu, Mercúrio

Nesse Céu, o narrador se depara com Justiniano que diz ter sido eleito Cesar por inspiração do Espírito Santo e que expurgara “as leis que tinham de injusto e excessivo”.

E ele diz que,

“Nesta pequena estrela, muitos espíritos justos se esforçaram bastante no mundo para nele deixar honra e fama marcantes.”

Há, ainda, os esclarecimentos de Beatriz às dúvidas de Dante sobre a crucificação de Cristo.

Diz ela entre muitas reflexões, “eis que mais generoso mostrou-se Deus utilizando Seu sangue para redimir o homem do que só meramente lhe perdoasse”.

A redenção do homem tem a ver com o pecado de Adão, referindo-se à natureza humana que é expulsa do Paraíso por sua culpa “pois afastou-se do caminho da verdade e da vida.”

O 3º Céu, Vênus

Informa a introdução desse céu que nele se encontram almas que embora suscetíveis ao amor físico, “foram agraciados com a salvação”.

Um dos espíritos que se apresenta ao narrador respondendo uma dúvida diz,

“O Bem que alegra este reino a que acabas de subir – Deus – faz com que a Sua obra, nestes corpos celestes manifestada, tornem-se virtudes aptas a influenciarem os mundos inferiores”.

Diz, também, dos diferentes nascimentos e pessoas diferentes. Faz referência, entre outros a Esaú e Jacó irmãos consanguíneos tão diferente. Porque “os céus giram e enviam influxos aos mortais, sem cuidar de qual casa em que venha a baixar esta ou aquela essência”.

Em outro ponto, uma outra alma emitindo luzes, fulgor, se justifica dizendo que o fato de terem amado quando na Terra, foram amores esquecidos, preenchidos pelo amor divino que lhes dispôs Deus.

E no final, referindo à “flor maldita” que seria a moeda florentina: por ela os Evangelhos foram abandonados pelos papas e cardeais, que passaram a consultar e seguir a Decretais, conjunto de leis canônicas e jurídicas.

O 4º Céu, Sol

Neste Céu, pela influência do Sol, Dante destaca a radiante Beatriz que tornara-se resplandecente em altíssimo grau.

Ali aproximam-se almas diversas, inclusive de Salomão, irradiando altíssimo brilho, porque “tão alta foi sua mente, tão vasto e profundo o seu saber, “que certo quanto a verdade outro igual não se ergueu na Terra.”

Porém, Salomão mesmo não se manifesta.

Quem se aproxima é Santo Thomaz de Aquino que relata a Dante a história de São Francisco de Assis que “muito jovem entrou em conflito com o pai por amor daquela dama (a pobreza) à qual assim como a morte ninguém abre a porta com prazer.”

São Thomaz de Aquino também reflete sobre a sabedoria de Salomão: pedira ele a Deus essa sabedoria para discernir entre o que um rei digno deve praticar e o que não deve.

São Boaventura também se manifesta narrando a história de São Domingos. Servo de Cristo, que ama muitas vezes prostrado em terra desperto e silencioso, como a dizer: ‘Para isto fui destinado!”

O 5º Céu, Marte

Este é o céu dos que lutaram em prol da Igreja.

Destaca-se a presença do trisavô de Dante que revela que lutara na guerra “contra o infiel que usurpa o vosso direito na Terra Santa, por culpa do pastor que a negligencia. Por aquela torpe gente fui tirado ao mundo, pelo martírio da morte subi ao Paraíso, encontrando a paz eterna”.

Cacciaguida, esse era o seu nome, informa que o seu filho e bisavô de Dante cumpria purificação ainda no purgatório e que a oração poderia minorar sua penitência.

Fala de Florença do seu tempo que “vivia em paz, casta, sóbria, cingida por antigos muros dentro dos quais fora erguido templo que mesmo hoje assinala a passagem das horas!"

Ele vaticina que Dante deverá se afastar de Florença, sofreria com essa ausência como já ouvira tal anuncio em sua passagem pelo inferno e purgatório.

Mas, diz o seu trisavô sobre seu exílio forçado de Florença por embates políticos:

“Porém, não deves invejar a teus conterrâneos, pois o teu renome há de ultrapassar em muito o tempo em que as perfídias daqueles receberão o merecido castigo”.

O 6º Céu, Júpiter

Nesse Céu habitam as almas dos príncipes bons. O símbolo da Justiça divina é a águia cujas asas são compostas por almas luminosas.

Um conceito importante transmitido pela águia se refere aos limites impostos aos extremos do mundo e nesse entendimento há coisas que são e que não são do “nosso conhecimento” e no Universo algo ao homem que permanece inexplicado, “pois não pode a vossa razão por sua natureza, entender Deus para além daquilo em que Ele próprio desejar”.

“Ó predestinação”. E vós mortais, hão de cuidar dos julgamentos, porque nem mesmo sabemos dos Seus eleitos.

A águia continuou:

“Jamais subiu a estes reinos quem não acreditasse em Cristo , nem antes nem depois que Ele fosse cravado ao lenho. Não obstante, há muitos que, embora bradando ‘Cristo! Cristo!’, quando levados a juízo serão mandados para lugares mais afastados do que muitos que não O conheciam”. 

O 7º Céu, Saturno

Nesse céu estão as almas que praticam a contemplação.

À medida que avançavam nas várias escalas o fulgor que Beatriz emitia em sua santidade poderia até mesmo causar males físicos no narrador, até mesmo se risse, “pois minha formosura conforme pudeste verificar, aumenta à medida que subimos os degraus dessa eterna escada.”

Dante dialoga com São Pedro Damião e aqui também há a preocupação com os mistérios da predestinação. Considera, pois, não ser possível entender na Terra aquilo que não se pode compreender nem no Céu”.

Disse ele que se dedicou ao serviço divino, alimentando-se parcamente e de azeite, suportando alegremente o verão e o inverno em contemplação.

Hoje, diz ele, os pastores modernos sempre precisam ter servos por perto para ajudá-los tão gordo ficam, para se manterem de pé.

São Benedito também se aproxima e na sua preleção também estranha os novos tempos em que suas regras monásticas, inúteis, jazem no papel.

“Tornaram-se espeluncas os muros que serviam de abadia, e o capuz monástico, transformou-se em saco para farinha de má qualidade”.

O 8º Céu, Estrelas fixas

Neste Céu, Dante pode ver o esplendor de Cristo, chamado de “a bela flor” (A Rosa mística): “Vi essa viva estrela, maior em grandeza e luzimento, que todos as outras supera, no Céu e na Terra”.

Responde o narrador a São Pedro sobre a fé, “que é a substância do que se espera e argumento que, mesmo sem prova, leva à convicção”.

São Tiago o interroga sobre a esperança. Respondeu Dante, o narrador: “A esperança é o aguardar sem nenhuma dúvida, a glória futura, por efeito da graça divina e do mérito precedente”.

De São João Evangelista, o que entendia Dante sobre a caridade: “... a divina essência da caridade é por tal modo avantajada que todo e qualquer bem porventura existente fora dela não será senão reflexo pálido de sua virtude”.

Por fim, São Pedro mostra sua indignação contra os desvios do temporal, aqueles que usam vestes de pastores, mas são lobos vorazes que ocupam os currais. E proclama o santo: “Ó cólera divina, por que não te fizeste sentir ainda?”.

O Céu - Empíreo

As descrições do Céu são de irradiação de luzes intensas de difícil fixação pelos olhos humanos.

Beatriz é substituída por São Bernardo como guia de Dante.

Há o enaltecimento de Maria como figura gloriosa no Céu.

Os anjos também habitam o Empíreo.

Autorizado a encarar Deus com seus olhos mortais, ele diz que viu “unido pelo amor em um ser único tudo quanto contém o Universo”.

“Na profunda e clara essência de Deus, três círculos surgiram, parecendo de três cores distintas, mas de uma só conformação”. (Refere-se ao Mistério da Unidade e da Trindade Divina).


FINALIZANDO: Se nestas impressões eu disser que não gostei da DIVINA COMÉDIA, o que muda? Nada. Essa obra é estudada e lida há 700 anos e na língua portuguesa introduziu a palavra "dantesco (a)" muito utilizada para as tragédias e grande incêndios. Muitos a pronunciam mas desconhecem sua origem. É no "Paraiso", porém, que há pontos com sentido místico.