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quinta-feira, 10 de agosto de 2017

SÓCRATES de PLATÃO



LIVRO 18



Sócrates que nasceu e morreu em Atenas (470 – 399 a.C.) não deixou nada escrito. Tudo o que dele se sabe provém de seu discípulo, Platão (Atenas, 428 – 348-7 a.C.). Em suas obras divulgou diálogos nos quais se sobressaem ensinamentos de seu mestre. Há questionamento constante nesses textos, o que seja de Sócrates ou o que seja de Platão que, no caso, se valeria de seu mestre para explanar suas próprias ideias. O método de Sócrates fora a maiêutica que consistia em obter do discípulo e de quem mais se houvesse com ele todo o conhecimento a partir dos questionamentos que fazia. 

Os diálogos abaixo, obras de Platão, resumidos e comentados neste trabalho, apresentam princípios do pensamento de Sócrates de um modo ou outro tendo relação direta ou indireta com o julgamento e pena de morte que lhe fora imposta.

Meditando um pouco encontra-se em Sócrates algo de crístico.

A íntegra dessas obras são encontradas facilmente em plataformas de buscas, gratuitas.

 

EUTÍFRON

Reverência aos deuses mesmo nos excessos

Eutífron encontra Sócrates próximo ao Pórtico dos Reis e o questiona o que lá fazia indagando se teria ele, também, alguma ação judicial.

Sócrates diz que respondia a uma ação criminal pública porque fora acusado por um certo Meleto que teria proposto acusação vil, a de corromper a juventude. Diz Sócrates que ele instrui os jovens na idade mesmo do acusador, para “torná-los virtuosos, da mesma maneira que o bom lavrador se preocupa primeiramente das plantas tenras e depois das outras”.

Essa sua habilidade e sabedoria na instrução dos jovens teriam suscitado a cólera de muitos pela inveja ou alguma outra razão.

Então, Eutífron, um adivinho, diz a Sócrates que pouco sabia de Meleto e que lá estava como acusador do próprio pai, um homem velho, qualificando-o de homicida. E ele explica que um servo embriagado degolou outro. Então, seu pai deteve o criminoso, o acorrentou e o "encarcerou" num fosso e esqueceu o prisioneiro que morreu de fome, de frio e pelas correntes. E disse mais que essa sua decisão era contestada porque o assassino de um ou outro modo fora castigado e também "afirmam ainda que é cruel um filho acusar seu próprio pai de homicídio. Mal sabem eles, Sócrates, o que é piedoso ou cruel aos olhos dos deuses."

Sócrates, demonstrando assombro pelo que ouviu de Eutífron o indaga se ele estava certo do que pensavam os deuses, até porque eles se digladiavam no panteão o que poderia ensejar posições contraditórias entre a piedade e a crueldade.

Ora, Eutífron já era criticado pela fragilidade de seus argumentos para acusar o próprio pai. Mas, ele dizia que é piedoso exatamente aquilo que todos os deuses aprovam, enquanto é ímpio tudo o que os deuses rejeitam.

E Sócrates: "Compreende que talvez eu te pareça mais infame que os juízes, já que é evidente que pretendes provar-lhes que o que foi feito por teu pai é injusto e, mais, execrável aos olhos dos deuses."

E, ademais, o que é piedoso aqui pode ser execrável lá...

E a partir daí, a cada argumento, o filósofo demonstrava a fragilidade do posicionamento de Eutífron no tocante ao conceito de "piedade".

E pede que o acusador defina o que é ser piedoso sem considerar a opinião dos deuses. Mas, Eutífron, mantém sua crença.

E, então, segue Sócrates embaraçando os conceitos de Eutífron aproveitando suas vacilações quanto aos "piedosos" afirma não haver razão para acusar seu próprio pai além de desprezar a opinião dos homens.

Eutífron, então, se retira, dizendo que estava apressado ao que Sócrates lamenta porque tinha esperança de se livrar das acusações de Meleto pelo que poderia ter aprendido com ele sobre "assuntos divinos" e levar dai por diante uma vida melhor... 

MÊNON

Questões sobre a virtude

Mênon pertencera a uma família da nobreza originária da cidade de Farsalo, na Tessália. Esse diálogo pode ser situado no ano 402 a.C. 

O diálogo entre Mênon e Sócrates se refere à virtude. O que é virtude?

Tudo começa ao indagar, Mênon, a Sócrates se a virtude é coisa que se ensina ou que se adquire pelo exercício ou algo que advém aos homens por natureza ou por alguma outra maneira.

Sócrates responde que não sabe dizer se é coisa que se ensina ou de que maneira ela se produz. Então, diz ele, "estou longe de saber se ela se ensina ou não, que nem sequer o que issoé,  a virtude, possa ser, me acontece saber, absolutamente." 

Então, Mênon, dá sua primeira definição que consistira, a virtude, em ser capaz o homem de gerir as coisas da cidade e nessa gestão fazer bem aos amigos e mal aos inimigos e cuidar  ele próprio de não sofrer alguma coisa assim e, quanto às mulheres, cuidar bem da casa, de seu interior e sendo obediente ao marido.

Claro que Sócrates condena essa definição que não contemplaria, num único conceito "o que é virtude". 

Depois de tantas indagações de Sócrates, Mênon reclama que o filósofo caia em aporia, fato que na visão dele, Mênon, já não sabia mais ele próprio,  o que era virtude, E ouvira dizer que o próprio Sócrates constantemente caia em aporia.

(Aporia: duas opiniões divergentes sobre o mesmo tema, dando-se um "impasse" dificultando o aprendizado).

E a partir daí Sócrates indaga se a virtude é ciência ou "coisa". Se for ciência se a ensina; se não for ciência ninguém a ensina. Ademais, não há mestres que a ensinam.

Sócrates depois de tantas proposições próprias do seu modo de obter conhecimento,  se refere a estudiosos que dizem ser imortal a alma do homem e depois do que se chama morrer, sucede o nascer de novo, muitas vezes e mantém conhecimentos obtidos nas vidas passadas mas necessitando serem relembrados.

Com um escravo de Mênon que chama ao acaso, para provar conhecimentos sem ter sido ensinado, um escravo que vai respondendo testes geométricos com acerto de modo a comprovar conhecimentos de outras vidas.

(Não seria intuição, fenômeno que se define mas não se explica...convincentemente? Intuição não foi mencionada no texto; e outro ponto: Sócrates acreditava nos renascimentos sucessivos? Alma imortal? Sobre isso esse tema voltará em outros diálogos).

"E se a verdade das coisas que são está sempre na nossa alma, a alma deve ser imortal, não é?" pergunta Sócrates. E, nesse raciocínio, aquilo que acontece e não se lembra, "é necessário, tomando coragem, tratares de procurar e de rememorar".

Essa mudança de rumos no diálogo, no meu modo de ver, é uma preparação para uma mudança de Sócrates nesse debate sobre a virtude.

No meio desse diálogo, agora na presença de Ânito, que hospedava Mênon, provocado por Sócrates diz, Ânito, que todo homem de bem de Atenas é virtuoso e superior aos sofistas que cobram para transmitir sua sabedoria mesmo aos jovens. E Ânito critica os sofistas de modo exacerbado mesmo sem nunca ter se aproximado de de nenhum deles. Então Sócrates, percebendo-o exaltado lhe pergunta como pode ter esse juízo dos sofistas sem os conhecer. 

Ânito seria depois um dos principais acusadores de Sócrates no processo crime proposto por Meleto, participação que teria resultado em sua pena de morte.

Por fim, Sócrates aceita o valor de uma opinião correta, que ensina os bons caminhos a ser trilhados e diz que a virtude  é uma concessão divina que "nos aparece como advindo, àqueles a quem advenha".

Mas, não fica afastada a necessidade de empreender a pesquisa para o que é "afinal a virtude em si e por si mesma".

Em outros diálogos Sócrates se refere à virtude como conduta digna, justa e honesta.

APOLOGIA DE SÓCRATES

A defesa e uma pena injusta

Vimos no diálogo entre Sócrates e Eutífron que o filósofo fora denunciado por Meleto perante o júri de Atenas. Eutífron também não conhecia Meleto diante do questionamento de Sócrates que, naquele momento, não deixava de revelar alguma preocupação

Mas, a acusação que haveria Sócrates que enfrentar era esta:

"Sócrates é culpado de não aceitar os deuses que são reconhecidos pelo Estado, de introduzir novos cultos, e também é culpado por corromper a juventude. Pena: a morte".

As razões, todavia, que mais explicam, talvez, o ódio que amealhou o filósofo, eram a sua inteligência e sabedoria, a ponto de ter revelado, o Oráculo de Delfos, ser ele o mais sábio entre todos em Atenas.

Fora seu amigo Querefonte quem consultara o Oráculo sabendo se em Atenas havia alguém mais sábio que Sócrates. A resposta fora pela negativa, mas Sócrates sempre diria que o verdadeiro sábio é aquele que sabe que não sabe.

Essa referência do Oráculo fez com que Sócrates pesquisasse entre vários sábios se seriam mais sábios do que ele. Mas, Sócrates concluiu que nenhum daqueles o superavam.

Para essa conclusão, buscara os supostos sábios políticos. Mas, constatou que entre eles não havia sábios; buscou os sábios poetas concluindo que o expressado na poesia era uma inspiração natural como os adivinhos e os vaticinadores mas deles se afastou porque não eram sábios e, por fim, buscou os artesãos famosos e entre eles também não encontrou sábios.

Diz Sócrates:

- Este é o motivo pelo qual, finalmente lançaram-se contra mim Meleto, Ânito e  Licon: Meleto profundamente irado por causa dos poetas. Ânito por causa dos artesãos e políticos e Licon por causa dos oradores. 

Então, na continuidade de sua defesa, frente a frente com Meleto, o acusador se mantem retraído quando questionado sobre a acusação de que Sócrates corrompia os jovens. 

Não havia provas formais, não havia testemunhas. Sócrates pôs-se a desmentir simplesmente Meleto, alegando que fez melhores os jovens e o interpela:

- Vês, Meleto, como ficas calado, sem saber o que dizer? E isto não te se afigura vergonho e prova suficiente de que afirmo que nunca te preocupaste com estes assuntos?

Meleto simplesmente respondeu que são as leis que fazem melhores os jovens...

Meleto reafirma que Sócrates não acredita nos deuses porque afirma que o sol é uma pedra e a lua feita de terra.

Sócrates se refere a Anaxágoras que nos seus livros tem esses mesmos ensinamentos e diz:

- Ninguém acredita em ti, ó Meleto, e naquilo que afirmas, creio que não consegues persuadir nem a ti mesmo

Platão informa que a condenação de Sócrates não se dera por questões religiosas mas políticas por sua repulsa aos governos democráticos". Não colhi informações se as ideias de Sócrates se sua crença na imortalidade da alma e renascimentos sucessivos como ele parece admitir no diálogo com  Fédon, tiveram influência no julgamento.  

Sócrates informa que não trouxe seus filhos para emocionar o tribunal e obter sua absolvição e que não queria misericórdia, mas justiça atribuindo as acusações a falsidades dos acusadores.

E afirma amar os atenienses, mas que obedecerá primeiro o deus do que a eles e que "enquanto tiver ânimo, e enquanto for capaz não pararei de filosofar, estimular-vos e censurar-vos..." 

Mas, chega a admitir a condenação em multa. Quanto a ele poucos recursos teria para responder a essa pena, mas informa ao júri que Platão, Críton. Critóbulo e Apolodoro, homens dignos de crédito e confiança serão garantidores da quantia, de 30 minas.

Mas, com todo o esforço de sua defesa, de sua coerência fora injusta a condenação à pena de morte pela ingestão da cicuta.

Palavras finais de Sócrates aos juízes que absolveram:

"Bem, chegada a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor destino, se eu, se vós, é segredo para todos, exceto para a divindade."

CRÍTON

Cumprimento da lei

Este diálogo se dá entre Críton e Sócrates quando já condenado o filósofo à morte.

Críton se aproxima do leito de Sócrates e se surpreende com a serenidade do seu sono, a poucas horas do cumprimento imposta pelo julgamento.

Então, Críton, que tinha verdadeira admiração pelo filósofo, propõe que fugisse da morte e se refugiasse na Tessália, porque "ali possuis amigos que te distinguirão com honrarias como mereces e de protegerão contra qualquer investida".

E diz Críton que a saída de Atenas, não teria grandes complicações porque não diz mas a prática que propõe é subornar de modo a facilitar a fuga porque o valor nem seria alto - os subornados tinham limitações econômicas - e porque dispunha de bens para tanto, inclusive, se o caso, contaria com a ajuda estrangeira que colocaria renda à disposição de Sócrates.

Críton dissera a Sócrates para não se preocupar com eventual perseguição que poderia sofrer pela sua fuga.

Ademais, lembrava a Sócrates que sua entrega à morte traria problemas aos seus filhos pela sua obrigação em alimentá-los e educá-los que sofreriam com a orfandade.

Fora Sócrates quem, afinal, se submetera ao juízo da República?  Como lhe criticara Críton: "Sócrates, sinto vergonha por ti e por nós, teus amigos; além de acusarem a nossa covardia por permitir a consumação diante desse tribunal, o que poderias ter evitado, depois pela vergonha do teu processo..."

Mas, vai Sócrates rejeitando a proposta de fuga porque em Atenas sempre cumprira as leis, leis que lhe davam liberdade. E lembra a Críton que a proposta de fuga seria louvável se estivesse em linhas com as normas da justiça pelo que seria desonroso quanto mais se distanciasse delas. 

E, ademais, "não devemos cometer injustiças contra quem as cometem contra nós", não é justo praticar o mal a uma pessoa ou por causa do que pensa o povo, pagar o mal com o mal e também porque  "não existe diferença entre praticar o mal e ser injusto."

E se é ímpio praticar violência contra o pai ou a mãe, "é muito mais ímpio praticá-la contra a pátria. E, assim, todos aqueles que amam a pátria na qual se fixou pela fuga, certamente que olharão o fugitivo como "adúltero" das leis...

E, em Tessália que tem menos ordem, certamente que muitos dirão: "Eis um velho que, já com pouco tempo para viver e por ser de tal maneira apaixonada pela vida, não hesitou, a fim de conservá-la, em transgredir as leis mais sagradas".

E quanto aos filhos, em Tessália, pergunta Sócrates, sendo eles estrangeiros em sua própria pátria e estando longe de Atenas seriam melhor educados? E se  fosse ele para Hades (mundo inferior, dos mortos) com a morte?

E depois de toda essa preleção, Sócrates pede a Críton que se separassem e que seguissem "pelo caminho por onde o deus nos guia."

FÉDON

Imortalidade da alma e renascimentos 

Este, o ultimo diálogo antes da ingerir o veneno mortal, teve a presença de diversos dos discípulos de Sócrates, mas não Platão, adoecido.

Fédon explica que houve demora na execução da pena porque houvera uma solenidade de barco coroado que iria até  Delos aguardando sua volta a Atenas. Esse barco seria o mesmo "no qual Teseu embarcou para Creta os sete moços e sete moças que ele salvou, salvando-se também". E a promessa feita a Apolo, por isso, fora de todo ano, oferecer uma oferenda a Delos. Essas homenagens atrasaram o cumprimento da pena porque nesse lapso ela ficaria suspensa.

Xantipa, a esposa de Sócrates - "conhecida pela suas implicâncias", mas o que diria do marido? - lá estava ao seu lado tendo um dos seus filhos nos braços. Ela foi afastada do grupo por um dos escravos de Críton.

A Equécrates, Fédon promete relatar da melhor maneira todos os diálogos entre Sócrates e alguns dos seus discípulos sobre a vida, o suicídio, sobre renascimentos sucessivos e a imortalidade da alma.

No tocante ao suicídio, há que se lembrar do diálogo com Críton que propusera pagar a fuga do seu mestre para Tessália mas obtendo a pronta rejeição de Sócrates.

Não fora aí, ao respeitar as leis que o condenaram, um julgamento injusto, mas aceitando a pena de morte, um modo de "fugir" da vida?

Até que ponto se deve negar o suicídio?

Sócrates rejeita o suicídio, todos devendo aguardar que o deus "nos envie uma ordem formal para sairmos da vida, como a que hoje me envia."

Sócrates, em algumas passagens fala em Hades - um local de acolhimentos dos mortos, normalmente considerado, um mundo inferior - para se recolher após ingerir o veneno ou algum outro local para o acolhimento de uma alma como a dele.

E, prosseguindo, sobre o corpo físico, diz Sócrates que é ele que impõe mil obstáculos, que provoca enfermidades, ilusões, receios e amores desejos de toda ordem e, principalmente, pela paixão, a eclosão de guerras que visam apenas o poder e riquezas, afastando a todos da busca pela verdade.

Por isso o filósofo se prepara para a morte e pelo seu trabalho, ela não se afigurará  horrível. E com a morte "seja (a alma) em si mesma" e "por si mesma" o que pode afligir àqueles que chegam a esse momento mesmo com a promessa de se verem livres e encontrar o que aspiraram, um pensamento de pureza.

Mesmo com questionamentos feitos por Símias e Cebes sobre a imortalidade da alma, ao morrer e se daria naquele dia, pelo seu modo de vida, de filósofo, de vida simples, sem vícios, esperava  Sócrates juntar-se a homens justos, bons senhores e deuses muito bons pelo que seus discípulos não devem se preocupar, E, depois, "é uma opinião muito antiga que as almas ao deixarem este mundo pela morte, vão para o Hades e que dali voltam para a Terra e retornam à vida..." Porque os vivos nascem dos mortos e estes daqueles.

E um ponto importante: muitos conhecimentos são trazidos dessas vidas passadas, pois "não afirmamos que esse homem lembra o que surgiu em sua imaginação"?

(V. diálogo com Mênon).

E essa consciência entre outros princípios inclui também, a beleza, a bondade, a justiça, a santidade.

Na sua primeira existência, as almas que se afasta do corpo, maculada pelo vício, impura, acreditando que nada existe além do físico receiam ingressar no mundo invisível do  Hades, ficam vagando pelos cemitérios, pelos túmulos, na verdade fantasmas medonhos que podem se tornar visíveis.

E assim ficam, até que pelo amor que se dedica a essa massa corpórea (pergunto: quem dedica amor a essa massa corpórea?) Sócrates se refere à metempsicose qual seja a de encarnar essas almas que se comportaram sem comedimento, sem pudor, renascerem em asnos e animais semelhante as que se dedicaram à injustiça, à tirania, à corrupção reviverem em corpos de animais como lobos, gaviões, falcões.

E os bons, virtuosos, na sua primeira existência, renascem em locais mais agradáveis incorporam animais pacíficos como abelhas e formigas, porque são espécies trabalhadoras ou então regressarão em corpos humanos "a fim de serem homens de bem". (*)

Segue Sócrates nas suas lições, respondendo aos seus discípulos sobre a imortalidade da alma:

- Logo, meu estimado Cebes, a alma é um princípio imortal e indestrutível, e nossas almas resistirão ao Hades.

(E em assim sendo, renasce seguindo em outras vidas, mantendo na alma a memória do conhecimento adquirido que precisa ser relembrado).

Sócrates profere longo discurso defendendo essa sua crença.

Nas últimas páginas do relato de Fédon, parece ter descrito Sócrates, a visão dum paraíso a partir da possibilidade de ver a Terra do alto e, desse modo, ver sua curvatura e toda a sua beleza. E também se refere a um tipo de inferno que se daria no rio Tártaro no qual serão precipitados os pecadores graves, homicidas, ladrões do qual nunca sairão. 

Sob muita emoção, chega a hora fatal, a hora do cumprimento da pena. Muita emoção de todos os que lá estava, inclusive do carcereiro.

Sócrates de despede dos filhos e da mulher. Críton diz que cuidaria deles. 

Momentos depois de ingerir a cicuta, já não sentia as pernas e quando o líquido chegasse ao coração ele faleceria,

Mas, Sócrates fez um último pedido:

- Críton, devo  um galo a Asclépios. Por favor, paga a minha dívida, não te esqueças.

Fédon diz a Equécrates que fora Sócrates "o melhor homem entre todos que conhecemos, o mais sábio e o mais íntegro".

(*) Esse texto, nas minhas limitações, vou confessando, me complicou. Li diversas vezes e não consegui atinar bem com o que quis dizer o filósofo; o que posso dizer é que para mim, mesmo falando em "primeira existência", a aceitação da metempsicose me pareceu uma contradição a tudo o que dissera Sócrates. Se um mito, que seja, mas ela está expressada no texto. Correntes espiritualistas explicam reencarnações às almas desvirtuadas pela "lei da causa e efeito" e sofrem "os efeitos".



ENTREVISTA COM SÓCRATES

Espera o repórter ter sido fiel ao pensamento do "entrevistado". É que muitos são os repórteres que no meio de uma entrevista colocam seu próprio pensamento não necessariamente o pensamento do entrevistado.



Num momento de sono, depois de ler essas obras clamo por Sócrates. Sua imagem conhecida nas enciclopédias se materializou:

Sócrates: Você me chamou? Eis-me aqui, o que deseja? Novamente me condenar?

Sem surpresa em o ter comigo, mas com emoção comecei a entrevista:

- A sua polêmica sobre a virtude com Ménon. porque sei que nos seus diálogos essa palavra aparece naquele sentido de conduta social justa, honesta...

Sócrates: Sim, é que virtude tem a ver com sabedoria, com a justiça e a honestidade, mas pode ter significados contraditórios no tempo e no local. Um herói de guerra será um virtuoso num lugar e iníquo perante suas vítimas.

- Me diga, Sócrates, com a sua fama merecida de sábio e suas palestras públicas como pôde ser acusado de corromper a juventude e difundir ideias contrárias à religião tradicional?

Sócrates: Foi um certo Meleto quem comandou essas acusações. Pelo jeito ele e seus aliados, Ânito para citar um, foram muito convincentes, porque fui condenado à morte bebendo cicuta. Eu tinha inimigos. Invejosos... 

- Além dessas falsidades e da injustiça se bem sei, e como sei pouco! – parece que sua sapiência, afirmada pelo oráculo de Delfos que ninguém o superava, também incomodava seus acusadores...

Sócrates: Sim, é verdade, mas na minha defesa eu deixara claro que “o verdadeiro saber consiste em saber que não se sabe”. E mais, proclamara: “... é muito sábio entre vós aquele que, igualmente a Sócrates, tenha admitido que sua sabedoria não possui valor nenhum”. Sobre a justiça, nem sempre ela se manifesta, muitos são os que lavam as mãos.

- Mas, eminente e imortal filósofo, seus discípulos propuseram pagar pela sua liberdade, seria fácil...

Sócrates: É verdade, mas disse a Críton que numa outra qualquer cidade de fuga poderia ouvir: “eis um velho que, já com pouco tempo para viver e por ser de tal maneira apaixonado pela vida, não hesitou, a fim de conservá-la, em transgredir as leis mais sagradas”. Disse isso, mas me referia na verdade às próprias cominações que eu mesmo enfrentaria com a fuga.

- Mas, a vida não se sobrepõe a esses comentários populares? Como ressaltou em sua defesa o senhor tinha família e três filhos para criar, um já crescido e duas crianças. Não haveria aí um compromisso com a vida?

Sócrates: Essa sua indagação parece conduzir a minha resignação à morte à qual fui condenado como se fosse um suicida. Mas, eu disse a Cebes que não aceitava o suicídio, porque “os deuses cuidam dos homens e que os homens são posses dos deuses”. Por isso, “é necessário aguardar que o deus nos envie uma ordem formal para sairmos da vida, como a que hoje me envia.” Mas, disse também que “um homem que se insurge no momento da morte não ama a sabedoria, mas sim o seu corpo, e esse homem amará também as riquezas, as honrarias...”

- Em alguns momentos, acreditando que a alma dos justos tem um lugar entre os justos, seus iguais, não foi o senhor um pouco cruel em se referir ao corpo, ao físico?

Sócrates: O corpo nos enche de amores, de desejos, de receios, de mil ilusões e de toda classe de tolices...”Quem faz nascer as guerras, as revoltas e os combates? Nada mais que o corpo, com todas as suas paixões.” Essas “guerras têm origem apenas no desejo de acumular riquezas e somos obrigados a acumulá-las, para servi-las, como escravos, em suas necessidades.”

- O senhor defendia o renascimento (reencarnação)...

Sócrates: São conhecimentos que adquiri. Sempre acreditei que os vivos nascem dos mortos, como estes daqueles, prova de que as almas dos mortos existem se não em Hades, em algum lugar, do qual retornam à vida. Quando voltam à vida elas já têm conhecimentos e podem relembrar até pela imaginação.

- Estou um pouco confuso. Parece que o senhor, nas explanações a Cebes, aceita a metempsicose e ao mesmo tempo assume posições que a contradizem: sim, o senhor dissera que os descomedidos sem pudor, penetram nos corpos de asnos e animais semelhantes e os que cometeram injustiças, tiranias e rapinagens, animam os corpos de lobos, gaviões, falcões... os animais são bons respeitando os seus instintos, penso, mas, então, a contradição: em outro momento o senhor defendeu que se a alma maculada, impura, se afasta do corpo, é ela carregada com esse peso e, com medo do mundo invisível, do Hades, se torna visível, vagando em volta dos túmulos, dos cemitérios, fantasmas medonhos, espectros assustadores...

Sócrates: Sim, eis ai um mito - o da metempsicose, como você identifica - mas almas perdidas, cruéis ficam fora do mundo invisível que elas temem estar no Hades e podem ser visíveis em imagens medonhas.

- Insisto: as almas que se dedicaram à injustiça, à tirania, e às rapinagens não renasceriam, em vez de em corpos de lobos e de gaviões, em corpos humanos com traumas e deficiências?

Sócrates: Acho mesmo que o senhor já tem as respostas... mesmo dos renascimentos. As almas são imortais e renascem. Estarei me retirando agora. Meu tempo está esgotado.

Pude ainda dizer-lhe antes de acordar:

- Perdoe-me pela minha ignorância, grande filósofo – que até agora nos incita à reflexão. Espero que alguém mais instruído me interpele para esclarecer esses e outros pontos que ainda tenho dúvidas.


Sua imagem foi desaparecendo devagar. Mas, pude ver, num último instante, que naquela sua imagem severa, esculpida, seus olhos límpidos haviam brilhado. E brilham até hoje, 2,5 mil anos depois.

sábado, 5 de agosto de 2017

A GUERRA DOS MUNDOS de H. G. Wells

Livro 17

O Livro “Guerra dos Mundos” de Herbert George Wells  autor de ficção e historiador (*) do século XIX/XX (1866-1946), inspirou dois filmes de Hollywood, em 1953 dirigido por Byron Haskin e em 2005 dirigido por Steven Spielberg. A ilustração deste texto é do filme de 1953

 “Guerra dos Mundos escrito em 1898 causou impacto e ainda causa pelo realismo como descreve a invasão marciana à Terra com intenções de dominação valendo-se de extrema violência e horror.

O planeta vermelho estava num processo de exaustão e para os seus habitantes a necessidade de mudança radical para garantir a própria sobrevivência.

Olhando para a Terra, planeta azul com vastas áreas verdes poderia ser a solução para superar as dificuldades que os desafiavam:

“A pressão imediata da necessidade avivou as suas inteligências, alargou os seus poderes e endureceu-lhes o coração.”

E começa a invasão paulatina com naves cilíndricas que afundam na terra ao impacto. Devagar os marcianos se apresentam.  


O narrador descreve indivíduos muito feios para os padrões humanos: cabeça de cerca de 1,20 de altura, um rosto desprovido de fossas nasais, talvez sem o sentido do olfato, um par de olhos escuros grandes e dezesseis tentáculos.

[Nem de longe a descrição dos ‘greys’ que abduzidos descrevem nestes tempos atuais].

Com armas de alta precisão, incluindo equipamento trípode “monstruoso” de 30 metros, lançando raios fulminantes, a tudo destruíam, incendiando casas, árvores e tudo o mais a sua frente.

Ao atingir seres humanos estes se transformavam em chamas brancas.

Os marcianos eram carniceiros, se alimentavam de cadáveres humanos num banquete macabro e assustador.

O narrador descreve o seu desespero em sobreviver, a humilhação em se esconder, o horror dos fugitivos daquela agressão infernal que avançava pelas cidades vizinhas de Londres. Também encontrar comida, enfrentar o pânico incontrolável de um sobrevivente que com ele convivia, a ponto de se obrigar a assassiná-lo por causa de seus excessos que poderiam denunciar o esconderijo de ambos.

A ameaça de um olho fixado num extensão móvel que adentrava as casas semidestruídas, a procura de vítimas escondidas.


A maior parte do livro se refere ao terror dos habitantes em fuga. Agora Londres “morta” fora atacada sendo destruída implacavelmente.

A destruição dos marcianos fora natural:

“Era um espaço imenso, com máquinas gigantescas aqui e ali, vastos montões de material e estranhas construções. E, espalhados por ali, alguns nas suas máquinas de guerra, viradas, outros nas manipuladoras agora rígidas, e uma dúzia deles enfileirados, rígidos e silenciosos, estavam os marcianos - mortos! - aniquilados pela bactéria da doença e da putrefacção contra a qual os seus organismos não estavam preparados; aniquilados como o tinham sido as plantas vermelhas, depois de todos os engenhos humanos terem falhado, pelas coisas mais humildes que Deus, na sua sabedoria, colocou na Terra.”

(*) H. G. Wells não é apenas escritor de ficção. Tenho comigo edição de 1939, em três volumes, da “História Universal” de sua autoria.


sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O PAPA DE HITLER de John Cornwell.

 Livro 16

[Publicado nos primeiro meses de 2010]

Esta resenha e considerações que fiz suscitaram polêmicas e questionamentos sérios. Estou inserindo nestas resenhas os fundamentos do livro citado com muita vacilação, sobre Pio XII informando desde logo que ele era um religioso que não ia além da sua condição humana com suas contradições e vaidades.
Nunca foi canonizado pela Igreja Católica e tudo indica que não será.


A Igreja Católica, por sua cúpula, já se houve praticando crueldades inimagináveis como nos tempos da inquisição. Os tempos mudaram tudo é história embora alguns atos choquem demais, são incompreensíveis porque praticados sob a cruz cristã.

Vem há anos enfrentando série de denúncias de pedofilia praticadas pelos seus membros – tantas provadas e confessadas por religiosos sem escrúpulos – o que permite questionar fortemente, como vem ocorrendo, a instituição do celibato. O desvio da pedofilia constitui-se, sobretudo, num crime da maior gravidade, execrável, até porque atenta contra a confiança e inocência da vítima indefesa, submetida sabe-se lá sob quais subterfúgios ou ameaças.


Quantos papas santificados silenciaram sobre a pedofilia em suas catedrais?

Mas, há um tema também grave que passa ao largo da melhor análise, que vai e volta. Trata-se da beatificação do papa Pio XII, o religioso que dirigiu a Igreja nos tempos da 2° Guerra e do nazismo dominando a Europa.

Essa vacilação do Vaticano me leva a repensar o livro muito contestado pela Igreja: “O Papa de Hitler – A História Secreta de Pio 12” de John Cornwell.






Segundo esse autor, a personalidade de Pio XII no relacionamento pessoal impressionava os circunstantes que o consideravam, muitos, piedoso e verdadeiro candidato à canonização.

Mas, quais fatos se prestam a colocar em dúvida essas impressões naqueles dias sobremaneira conturbados segundo o Autor? Anticomunista fervoroso Pio XII, muito ligado à Alemanha, aproximou-se dos nazistas dando início a contatos diplomáticos diversos, especialmente aqueles que se referiam à implantação do código canônico, inserindo a autonomia da Igreja em administrar seus membros, sem a interferência do governo. Nesse passo, permitiria até mesmo a ascensão do nacional-socialismo de Hitler, ultranacionalista, anticomunista ao promover gestões e alianças que resultariam na extinção do Partido de Centro Católico alemão que exatamente fazia oposição ao nazismo.

Durante a Segunda Guerra, eleito papa em 1939, preocupado em preservar Roma e até mesmo o Vaticano de represálias de Mussolini, aliado dos nazistas, apelando aos ingleses para que não bombardeassem Roma, uma ameaça real como reação aos ataques nazistas na Inglaterra do então incontrolável Hitler e seus asseclas, pouco ou nada fizera para condenar o holocausto, porém. Nas ruas, sob as janelas do Vaticano, enquanto isso, muitos foram os judeus e outros rejeitados pelo nazismo conduzidos para o sacrifício e para os campos de concentração. As manifestações de Pio XII contra os excessos nazistas e fascistas constituíram-se apenas em reprimendas contidas que na realidade pouca repercussão tiveram, enquanto o extermínio abominável, segundo o autor, vitimava milhões de criaturas em pleno século 20.

Por isso, o autor não faz concessões ao papa Pio XII, concluindo com uma frase dura: “Ao chegar ao final de minha jornada pela vida e os tempos de Pacelli, estou convencido de que o veredito cumulativo da história o mostra não como um santo exemplo para as gerações futuras, mas sim como um ser humano de falhas profundas, de quem os católicos e nossas relações com outras religiões podem melhor se beneficiar se expressando um sincero pesar.”

Não farei do alto da minha ignorância qualquer outro comentário sobre o religioso. O Autor já foi suficientemente contundente aos atos praticados ou omitidos por Pio XII. Mas, me parece que o melhor é encerrar a “angústia” da beatificação de Pio XII – se assim já não ocorreu de modo tácito - atirando uma pá de cal na demanda e, no silêncio tumular do religioso, apenas um episódio na página da História.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

INCIDENTE EM ANTARES de Érico Veríssimo

Livro 15



"Incidente em Antares" é um livros instigante de Veríssimo, uma história tão original pontos e pontos superiores em todos os sentidos aos “walking dead”, se cabível a comparação, essas séries americanas horrorosas, de terror, sem qualquer sentido, nem filosófico nem nada.



Todo o enredo do livro ocorre em Antares cidade imaginária à beira do Rio Uruguai, na divisa com a Argentina.

A origem do nome da cidade fictícia, Antares, se refere à uma estrela maior que o sol: "Bonito nome para um povoado... melhor que Povinho da Caveira", pensou Francisco Vacariano, seu fundador. Mas, pensou ele, não acreditar "que essa estrela será mesmo maior que o Sol". Fora adotado esse nome anos antes da primeira metade do século XIX. 

Pelos idos de 1860 se instalou em Antares um certo Anacleto Campolargo. Pela rejeição ao "intruso" pelos Vacarianos, teve início a rivalidade entre as famílias.

 Os dois núcleos de poder, Vacariano e Campolargo passaram a se digladiar de modo violento e perverso dando-se o antagonismo também na política. 

Nessa luta ensandecida, certa feita, um Campolargo foi torturado de modo atroz com a introdução em seu ânus, de óleo fervente -  a dor e a morte sofrida ao extremo; a vingança dos Campolargo não se fez por menos: um  dos Vacariano, amarrado de pernas abertas numa árvore foi violentado por um peão do inimigo.

Ele se atira num rio e desaparece porque "não se fazia aquilo com um macho."

Claro que é ficção, mas as famílias inimigas fora apaziguadas com a intervenção de Getúlio Vargas, já nos seus primeiros passos políticos.

A partir daí, as famílias Vacariano e Campolargo convivem bem. 

Então o andar da história se dá entre Tibério Vacariano e Zózimo Campolargo que acompanham toda a história política do Brasil, do Estado Novo à deposição de Getúlio em 1945. A eleição de Gaspar Dutra, a volta de Getúlio e o suicídio, a vitória de JK e a construção de Brasília, a  eleição tumultuada de JK, renúncia de Janio e a ascensão de João Goulart até à sua deposição com o golpe militar de 1964.

No tocante aos militares que tomam o poder, o livro não detalha, mas o personagem Martin Francisco Terra, que conhecera a cidade, coordenando um relatório sobre ela ("Anatomia de uma cidade gaúcha de fronteira") tivera seus direitos políticos cassados.

A opinião desses eventos todos, a preocupação com a ascensão comunista se dá com as manifestações de Tibério Vacariano ao logo do relato que, mais tarde,  "enterra" seu amigo Campolargo (Zózimo) que morre de leucemia.

Até chegar em João Goulart captando-se estes conceitos entre muitos outros de natureza política:

"Jânio foi obrigado a renunciar pelos militares por ter agraciado Chê Guevara com a Ordem do Cruzeiro Nacional."

Mas, não, foi um golpe frustrado.

"Agora temos que conviver com Jango e Brizola."

Mas, na união entre as famílias, a esposa de Zózimo Campolargo, Quitéria se torna uma amiga muito crítica de Tibério Vacariano, mas sempre com muito respeito, a despeito dos comentários ácidos que a mulher fazia sobre seu amigo.

O livro foi escrito em 1971. A historia se passa se situa nos primeiros anos da década de 60. Então, uma pergunta: havia computador em 1963 na Universidade de São Paulo? O livro indica que sim, porque no relatório  "Anatomia de uma cidade gaúcha de fronteira", esse relatório foi consolidado  por esse computador da USP.

A descrição desse ambiente cotidiano e político em Antares alcança metade do livro com todos os relatos históricos, políticos e suas consequências. E, certamente, em algumas opiniões dos personagens, a opinião do próprio autor.

No caso do incidente em Antares, eclodiu numa sexta-feira, 13, tendo como causa uma greve geral, inclusive dos coveiros, o que impediria o sepultamento dos mortos naqueles dias conflituosos. 

Os insepultos, vítimas da greve eram de todas as classes sociais, "morto não tem classe":

Dona Quitéria Campolargo - a respeitada dama da cidade e muito rica, morrera vitimada por uma ataque cardíaco;
Cícero Branco, advogado que por aquelas horas morrera também por um ataque cardíaco fulminante;
José Ruiz, o Barcelona, sapateiro, vitimado por um aneurisma, dito comunista mas que se apresentava como anarco-sindicalista;
Prof. Menandro Olinda, músico, suicida que poderia ter problemas de homossexualidade;
João Paz, idealista que se opusera à invasão americana em Cuba, morreu torturado na delegacia de Antares, para que revelasse cúmplices comunistas que não existia. Sua esposa grávida, Ritinha também foi torturada mas ajudada pelo padre Pedro-Paulo, a pedido do marido morto a fuge de Antares;
Erotildes, prostituta  que fora sempre muito requisitada quando jovem, inclusive pelo coronel Tibério Vacariano e 
Pudim de Cachaça, envenenado pela esposa que não suportava mais suas bebedeiras,

Insepultos, abandonam os respectivos esquifes e descem ao centro da cidade, instalando-se no coreto da praça da República. 

Representados pelo advogado Cícero Branco, exigem o sepultamento imediato.

Com a demora, começa a putrefação dos corpos que começam a exalar os odores próprios atraindo enxames de moscas enquanto urubus se aproximam famintos.

Então, o advogado discursou denunciando toda a corrupção na cidade da qual participou, apontando como corruptos, o prefeito Vivaldino Brazão com a cumplicidade de Tibério Vacariano.

Barcelona, o sapateiro, denuncia todos os adultérios que sabia, criando uma comunidade de cornos e adúlteras. 

Desabafo da defunta Quitéria:

"Hoje de manhã, quando voltei à minha casa, tive a maior desilusão da minha vida. Encontrei as minhas quatro filhas e meus quatro genros discutindo a partilha das minhas joias... das joias com as quais eu pedi que me sepultassem. Passaram a noite batendo boca. Não creio que tivessem tido a menor palavra de afeto ou saudade para comigo..." 

Após resolvido o impasse e sepultados os corpos começaram as "autoridades" a se movimentar negando que houvera tal incidente sobrenatural, nunca jamais relatado na história. 

Ora fora uma alucinação coletiva, ora a divulgação de uma história fantástica engendrada para "colocar a cidade no mapa".

O jornal de Lucas Faia, "A Verdade" é proibido de relatar o incidente - censurado. 

Há muitos outros personagens interessantes.

Com o tempo, e nada como o tempo, todos os denunciados que haviam se separado voltaram à vida conjugal esquecendo ou perdoando tudo.

Os denunciados por práticas ilegais, incluindo o delegado torturador Inocêncio Pigarço - que seria promovido mais tarde - e mais os traídos, os cornos, todos são homenageados num grande banquete e o incidente negado e esquecido.



MORAL DA HISTÓRIA

O que pretendeu efetivamente transmitir Érico Veríssimo com sua obra "Incidente em Antares"? 
Uma mera obra de ficção, imaginativa sem qualquer alcance filosófico? Ou ao contrário, o nada que resta com a morte, a putrefação inevitável dos corpos sem vida, porque "morto não tem classe? Os bens materiais que ficam em poder das famílias, como no caso de Quitéria Campolargo, e se desentendem na sua divisão? A hipocrisia das elites na corrupção e no adultério?  Revelar a impassividade "profissional" do  delegado com a tortura praticada contra João da Paz para que revelasse seus supostos  companheiros subversivos? O amor após a morte aos que ficam  como no caso da esposa grávida do mesmo João da Paz, a Ritinha, que também fora torturada? Ou a ternura de mãos dadas entre Erotildes, a prostituta, e o alcoólatra Pudim de Cachaça? Ou tudo e nada?

O livro contém 461 páginas.





A HORA DA ESTRELA de Clarice Lispector

Livro 14

O livro é consagrado e já virou filme. Bem, eu não gostei do enredo, ironia sem concessões, mas é interessante o modo da narrativa.


O narrador em muitos momentos se insere na própria história, sofre com a própria personagem Macabéa – e esse ponto é o diferencial do livro. Ela é uma nortista alagoana, totalmente desprovida de consciência, da realidade em que vivia, do seu dia a dia desde que chegou ao Rio de Janeiro. Quem sabe desde que nasceu.

Veio para a cidade não se sabe bem com qual propósito, mas se empregou como datilógrafa que errava muito e ainda sujava o papel.

O patrão ameaçou demiti-la mas a perdoou depois que ela se desculpou pelo aborrecimento.

Morava num quarto com outras quatro moças que trabalhavam no comércio.

Consideravam-na encardida, cheirava mal, porque pouco se lavava.

Sua aparência e modos: “nunca olhavam para ela na rua, ela era café frio”.

Seus fragmentos de informação eram colhidos na Rádio Relógio, que ouvia de madrugada, baixinho, para que não incomodasse as outras que dormiam.

De um jeito ou outro, arrumou um namorado, Olímpico, que proviera do sertão paraibano, metalúrgico e que dizia um dia se tornar deputado pela Paraíba.

Disse ele ao saber do nome da namorada:

- Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.

Nos encontros seguintes, choveu sempre, e ele disse:

- Você só sabe chover.

Macabéa foi ao médico que constatou início de tuberculose. Tão desentendida com tudo, até o médico foi impaciente com ela:

- Sabe de uma coisa? Vá para os raios que te partam.

Sua amiga Glória rouba seu namorado, o Olímpico.

Por remorso lhe paga uma consulta numa cartomante, Madame Carlota, para saber sobre o seu futuro.

Carlota desde logo percebe a fragilidade da consulente:

- Mas, Macabeazinha, que vida horrível a sua! Que meu amigo Jesus tenha dó de você, filhinha. Mas que horror!

E faz a seguinte previsão: “um dinheiro grande vai lhe entrar pela porta” e “vai conhecer um estrangeiro alourado, de olhos azuis”...cujo nome poderia ser Hans.

E manda embora Macabéa para encontrar o seu destino.

Mal coloca o pé na guia, é atropelada por um caminhão Mercedes amarelo e “nesse mesmo instante em algum lugar do mundo um cavalo como resposta empinou-se em gargalhada de relincho”.

Lá estava ela, a alagoana, prostrada à morte, num beco escuro, na cidade inconquistável.

Não lhe fora dada nenhuma chance. 


Da mesma Autora, acessar:



quarta-feira, 19 de julho de 2017

"ADMIRÁVEL MUNDO NOVO" de Aldous Huxley

Livro 13
ESTA RESENHA PASSARÁ POR REVISÃO E COMPLEMENTOS



O que dizer do instigante "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley, consumidor declarado de LSD? Muitas são as “morais” que ele sugere, como explano no final.

Trata-se de uma obra atual, mesmo escrita em 1932.

O denominado "mundo novo" situa-se no ano 600 da era de Ford (referindo-se a Henry Ford, pioneiro da indústria automobilística nos Estados Unidos).

Feitas as contas, chega-se ao ano de 2.600 da nossa era.

Mas, do que trata o livro de Huxley?

Um novo mundo onde os seres humanos eram produzidos em série em laboratórios e, pela manipulação dos embriões, pertenceriam à elite dominante ou simplesmente à massa que fazia trabalhos braçais ou desagradáveis (ípsilones), o controle da individualidade pelo condicionamento no que denominou Centro de Incubação.

Nesses centros de condicionamento, certas "mensagens" eram repetidas milhares de vezes, para que se constituíssem verdadeiros valores da vida de homens e mulheres.

E nessa divisão de “classes” todos eram felizes, porque “o segredo da felicidade e da virtude, é gostar daquilo que se é obrigado a fazer.”


Mesmo sendo "imoral" a procriação natural, havendo por isso cuidados especialíssimos para evitar a gravidez, havia no "novo mundo" total liberdade sexual. A monogamia era objeto de repúdio e deboche. O casamento e o sentimento pais/filhos, uma vergonha.

O "soma" era a droga contra todos os males da "alma": da angústia, da depressão, da tristeza, da dúvida. Uma dose da droga anestesiava a mente do usuário, sobrevindo um estado de euforia, de felicidade, sem os mal-estares de outras drogas quando passasse seu efeito.

E se sobressai na história Bernard Marx um Alfa Mais - os membros superiores da sociedade - que tinha deficiências, era feio e mais baixo que os demais, em torno de oito cm. Diziam que, por erro, seu pseudo-sangue tivera dose maior de álcool.

Tinha ele por costume indagar-se sobre sua individualidade e costuma rejeitar doses do soma. Uma reação perigosa aos ditames da alta administração controladora.

Aproximara-se dele Lenina que tinha interesse em conhecer a reserva selvagem. Selvagens porque procriavam normalmente, casavam-se, preservavam a figura do país, seguiam religiões...

E viviam numa região imunda, sem higiene e de modo precário.

De lá, traz Bernard um Selvagem e sua mãe Linda que fora nascida nos laboratórios mas se perdera naquela comunidade isolada e pobre ao ficar grávida de um alto dirigente daquele seu mundo controlado após dar a luz a um filho de modo natural.

Mas, era rejeitada mesmo nessa comunidade porque não perdera o condicionamento da prática do amor livre. E, pelos excessos, consumindo drogas pesadas devastadoras quando passavam seus efeitos, envelhecera e engordara. Sentia falta do soma.

Naquele que chamava “admirável mundo novo”, o Selvagem causa espanto, porque lia Shakespeare e rejeitava aqueles manuais de condicionamento e aqueles filmes e programas vazios nas televisões.

Com princípios morais que poderiam ser classificados de “cristãos”, apaixona-se por Lenina e por ela é correspondido.

Lenina, então, dentro da liberdade sexual a que estava condicionada, tenta seduzi-lo retirando suas vestes. O Selvagem - que pensava em casamento para toda a vida - rejeita seus excessos e a expulsa.

Num diálogo entre o Selvagem e o dirigente máximo daquele mundo condicionado como Deus se manifestava: 

— Bem, ele se manifesta como uma ausência; como se absolutamente não existisse. 

— A culpa é sua. 

— Diga, antes, que a culpa é da civilização. Deus não é compatível com as máquinas, a medicina científica e a felicidade universal. É preciso escolher. Nossa civilização escolheu as máquinas, a medicina e a felicidade. Eis por que é preciso que eu guarde esses livros no cofre. Eles são indecentes. As pessoas ficariam escandalizadas se...

— O mal é uma irrealidade se se tomam dois gramas. 

Com o "soma", a "droga contra os males da alma", se se tomam dois gramas, o mal é uma irrealidade.

Mas, o Selvagem a evitava exatamente porque tirava sua liberdade de pensar livremente.

Depois da morte de Linda, sua mãe, ele foge daquele mundo que para ele não fazia sentido, não tinha liberdade de pensar, de ler e se isolar.

E assim faz. Encontra um farol abandonado e lá passa a viver. Ali, subindo nas escadarias apreciava pelas janelas, paisagem belíssima.

Havia na sua comunidade a prática religiosa do açoite. O Selvagem é surpreendido se autoflagelando com um chicote, por três membros daquele mundo que desprezara.

Dias depois, helicópteros o encontram, repórteres tentam entrevistá-lo e, a partir dai, não teve mais paz.

Suas imagens e as chicotadas eram passadas e repassadas nas telas do “cinema sensível”.

Os helicópteros chegavam em grande número.

Todos impressionados com o uso do chicote que aplicara em si mesmo e a uma mulher linda que dele se aproximara numa daquelas invasões.

Tantos os assédios, tantos os repórteres que perguntara na sua angústia:
                           
— O que querem de mim?

E a resposta:

— Nós-queremos-o-chicote! - gritou um grupo no extremo da linha. Nós-queremos-o-chicote!
                  
Num outro dia os invasores chegaram. O farol estava em silêncio. Eles nele entraram, subiram as escadas e viram os pés do Selvagem girando, girando.

              
“Moral da história”: muitas morais podem ser identificadas, como o desprezo pela pobreza sem ajuda, a descoberta da violência por aquelas mentes condicionadas que a transformam em diversão, o uso das drogas que afetam a própria consciência, a liberdade sexual se avolumando, o domínio da televisão de má qualidade, o excesso de seitas religiosas... e por aí vai.

Nestes tempos nos quais desponta um mundo nada admirável.


De mesmo interesse, acessar: