Translate

domingo, 18 de fevereiro de 2018

HORIZONTE PERDIDO de James Hilton

Livro 38

Quem não leu este livro ou já ouviu falar dele? Do mito de Shagri-Lá, um paraíso perdido numa montanha pelos lados do Tibete? (*) Um local de pureza ambiental, de monges que cultivam a cultura e a espiritualidade? Que não envelhecem?

O livro foi lançado em 1933. Os diálogos entre os personagens são até ingênuos, simples, pelo que facilita muito a leitura.















Não sei quantas vezes li o livro, assisti ao filme de 1973, estrelado por atores de primeira linha, musical, com composições de Burt Bacharach mal recebido pela crítica, porém.

Quanto ao nome Shangri-Lá, tentei achar a origem da palavra. Não encontrei nada significativo e, de regra, todas as conceituações se referindo à obra de Hilton:  um recanto místico, de paz e tranquilidade, perdido nas montanhas do Tibete.

Mas, em tibetano significa "desfiladeiro".

Disse um dos personagens, já se acostumando com a vida em Shangri-la:

- Meu Deus, quando se pensa em toda essa gente que daria tudo o que tem para sair da balbúrdia e vir descansar num lugar como este e não pode sair! Seria o caso de perguntar quem está preso: nós (em Shangri-Lá) ou eles.

Os personagens são: Hugh Conway, cônsul britânico, Roberta Brinklow, missionária, Henry Bernard, cidadão americano procurado pela polícia porque dera um golpe financeiro no seu país e Charles Mallinson, vice-cônsul.

Estão em Balkul, no Irã, quando explode uma guerra. Esses quatro personagens fogem num avião já com tecnologia para voar a grandes alturas. O destino seria Peshawar no Paquistão.

Mas, o avião fora sequestrado sem que percebessem no tumulto e a rota foi desviada para um longínquo ponto no Tibete.

Ao pousar o avião, são recebidos por uma comitiva comandada pelo monge Tchang.

São conduzidos ao monastério e lá são instalados. Sentem-se bem, logo se acostumam com o ar rarefeito e se surpreendem com o conforto “europeu”, além de biblioteca e música, oferecida um exímio pianista que interpretava músicas inéditas de Chopin.

Para eles o mistério do sequestro permanecia.

Tchang, que lhes dava apenas as informações permitidas dissera que as regras de Shangri-la eram a moderação e essa modo de vida significava a felicidades mesmo para os habitantes que viviam montanha abaixo do monastério. E disse:

- E creio poder afirmar que nossa gente é moderadamente sóbria, moderadamente casta e moderadamente honesta.

[“Moderadamente honesto” não guarda certo equilíbrio com “moderadamente desonesto”?]

Sem perspectiva de deixarem Shangri-Lá a curto prazo, porque seria necessário contar com os carregadores que para lá se dirigiam ocasionalmente, levando encomendas, excluindo o jovem Mallinson, todos os outros resolveram ficar no pequeno paraíso.

Não demora muito e Conway é chamado para uma entrevista com o Lama Superior. E então ele descobre que esse monge tinha cerca de 250 anos e já esperava a morte. É que em Shangri-Lá a velhice era retardada por décadas, séculos...

O pianista se dizia discípulo de Chopin.

Também, exímia pianista, a bela chinesa Lo-Tsen que apaixonara os três sequestrados, incluindo Conway.

Mas, quem de lá saísse, com a perda do poder místico que havia no paraíso, a idade se mostraria real até a morte se fosse muito avançada.

O Lama escolhera Conway como seu substituto em Shangri-Lá , após essa revelação, morre.

Confuso, Conway deixa as instalações do Lama recém falecido e é convencido num longo apelo de Mallison a deixar Shangri-Lá com ele revelando que carregadores estavam próximos, subornados para que os levassem de volta por orientação de bela Lo-Tsen. Ela também fugiria.

Conway então revela o segredo da longevidade que gozavam os habitantes de Shangri-la e os efeitos que se dariam com a saída de Lo-Tsen.

Mallison não acreditou admirado que Conway tivesse acreditado que Lo-Tsen, deixando o paraíso, assumiria sua idade real com todas as consequências.

A saída de Shangri-Lá era demasiada difícil.

As últimas referências a Conway se deram num hospital, internado febril e com perda de memória.

O médico que o atendeu tinha leve lembrança, até mesmo de uma mulher, chinesa, que o levara até lá.

Indagado o médico sobre essa mulher chinesa, se se lembrava de alguma coisa a respeito dela, se era jovem, respondeu:

- Oh! Não, ela era muito velha, a mulher mais velha que vi até hoje.

De Conway não mais se ouvir falar. Teria retornado a Shangri-Lá?

...........

(*) O Autor se refere a alguns aspectos místicos do Tibete. O livro “Horizonte Perdido” foi escrito no início da década de 30 do século passado. O livro “Mistérios e Magias do Tibete” de Chiang Sing tem bastante informações sobre o Tibete antes da invasão da China, em 1950.
Acessar:
https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2017/07/misterios-e-magias-do-tibete-de-chiang.html







sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

A ESCOLHA DE SOFIA de Willian Styron

Livro 37

Essa obra não é nova.  A edição aqui comigo é de meados da década de 70, grosso volume impresso em fonte pequena, 576 páginas.

O livro já foi homenageado com um filme protagonizado por ninguém menos do que Meryl Strieep.

Não sabia nada da escolha de Sofia pelo que me deu mais interesse pelo livro, já que o filme, de 1982 nem tenho certeza se assisti inteiro.

O narrador da história é Stingo, um candidato a escritor que se hospeda numa pensão barata, no Brooklyn, Nova York, porque em Manhattan era muito caro, toda cor-de-rosa, casa de Yetta Zimmerman e é nesse ambiente que conhece o casal Sofia – Nathan, barulhentos na hora do amor no andar de cima.














Viera Stingo do sul dos Estados Unidos e, à medida que se relaciona com Nathan é insultado por ele, que imita o sotaque daquela região do sul americano, uma provocação.

Mas, assumindo algo parecido com dupla personalidade, num outro momento Nathan elogia muito o futuro escritor e se tornam, juntamente com Sofia, grandes amigos.

O livro está cheio de pieguices e histórias dentro da história, fatos que não o desmerecem.

Curioso, entre os americanos homens, não é incomum se ouvir, “I love you”. Essas declarações normais e heteros se dá muito nos filmes de Hollywood. E esse sentimento se dá entre Stingo e Nathan.

Sofia de modo gradativo vai contando sua história a Stingo: polonesa, poliglota (falava alemão, francês e polonês) foi presa pelos nazistas e levada a campos de concentração apenas porque fora surpreendida convivendo com membros da resistência. Ela não compactuava com o movimento.

Por falar o alemão tão bem, estenógrafa, passou a trabalhar para um comandante nazista no campo de concentração de Auschwitz (comandante Höos).

“Pergunta: Diga-me: em Auschwitz onde estava Deus?”
“Resposta: Onde estava o homem?”

Em meio a todo o sofrimento nesses campos de concentração, um dia teve que escolher, perante um médico bêbado que pensara em ser padre no passado, qual dos seus filhos, seu filho ou sua filha deveria entregar para os fornos de extermínio para que o outro sobrevivesse.

Completamente cega de dor, entrega um dos seus filhos (não diria, mas vou dizer que foi a filha) e, por todo o tempo, mesmo quando chegou aos Estados Unidos pensava em encontrar aquele que sobrevivera. Não o encontraria. Nem poderia afirmar que sobrevivera.

Até o terço final do livro, a crueldade de Nathan em momentos diversos de loucura contra Sofia deixava a impressão que sendo ele judeu, esses destemperos poderiam significar um contraponto à própria crueldade nazista que sabia.
Mas, descobre-se por seu irmão, que Nathan tinha problemas psiquiátricos sérios. Esquizofrênico. Dai a violência.

Naqueles tempos do pós-guerra havia no ar, ainda, aquele sentimento de perplexidade, revolta e ainda os horrores da violência praticada por todos os lados no conflito.

Na sequência das páginas, aproximando-se do final se avoluma o erotismo.

Sofia era linda. Stingo se apaixona por ela de modo descontrolado.

Por não conseguir consumar sua primeira relação sexual com suas namoradas virgens e que a ele não se entregaram, chegou a duvidar de sua masculinidade até que, salvando Sofia das reações esquizofrênicas de Nathan fogem para a Virginia, o sul,  para a fazenda do pai de Stingo.

É nessa viagem que Sofia premia Stingo pelo sexo oral.

E depois disso, sem que Stingo acordasse, ela foge para Nathan, para o Brooklyn e para o duplo suicídio, o que considero a segunda escolha de Sofia.

O livro “A Escolha de Sofia” é muito bom.

Agora preciso assistir ao filme. 


quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

A DIVINA COMÉDIA (Inferno) de Dante Alighieri

Livro 36

NOTA IMPORTANTE NO FINAL DO TEXTO

Vou comentar e brevemente resenhar a primeira parte, ao “Inferno” de Dante que, seja por esse título, tem sido sempre referido – no cinema, em especial -, mas pouco conhecido nas suas linhas.

Purgatório e Paraíso comentarei em outras próximas oportunidades (*)

Estas minhas impressões, SÃO MINHAS. Não procurei nenhuma referência à considerada obra prima do autor que se situaria entre as mais importantes da literatura italiana.

Achei o “Inferno” uma leitura depressiva pouco a acrescentar, só levada a termo porque assumi que as obras que leio ou releio tenho que ter em mente pelo menos sua essência. Ou será que o inferno é assim mesmo, desagradável ao extremo?

Há que mencionar que correntes espíritas o veem com médium pela sua genealidade. Afinal, como teria imaginado essas imagens tenebrosas do inferno contidas em sua obra.

Obscura como é a narrativa, me levou a pensar se o "inferno" de Dante não tem muito a ver com a doutrina católica da Idade Média, a inquisição brutal cujos métodos de tortura e sacrifício infligidos aos “pecadores”, nos detalhes, causam tanta emoção e perplexidade (!)

Sim, “O Inferno” de Dante é brutal. Ao identificar os condenados ao fogo eterno (e até ao gelo eterno) há um momento em que ele, autor, se vinga de desafetos. Mas, nesse bem descrito clima de horrores, converte Deus num agente cruel, imperdoável, pelo que dominam os demônios e a própria figura horrenda de Lúcifer.

“Ó justiça divina, quão dura sois que tamanhos golpes desferis na punição extrema dos pecados!”

Pelo inferno, foi cunhada a palavra "dantesco" que significa toda tragédia repleta de incidentes, incêndios principalmente.


O título do livro, em princípio, fora “Comédia”, somente mais tarde se tornado “Divina Comédia”.

Dante nascera em 1265 de família abastada e se tornou membro da administração de sua cidade, Florença.

Talvez seja pelos dissabores políticos que Dante enfrentara – ele nunca pode voltar a Florença, sua cidade natal, porque condenado - levou-o que carregasse nas cores tenebrosas do inferno.

Faleceu em 1321, na cidade de Ravena.


O próprio Dante é o personagem central do livro. Perdido numa local inóspito, uma selva e por ali vaga sem possibilidade de dele se livrar, em desespero, num momento dado reconhece à sua frente a figura do grande poeta Virgílio, uma sombra ou um espírito como na obra é referido e passa a guiá-lo.

[Virgílio fora o poeta da obra “universal” Eneida. (*)]

Virgílio chegara até Dante atendendo a um pedido da pura Beatriz, menina de nove anos de quem ele, Dante, se apaixonara, pelo seu rosto angelical, pela sua pureza.

[Na “vida real”, Dante não a desposou, mas aquela imagem de pureza feminina jamais esqueceu].

Virgílio, um pagão não condenado ao inferno porque sua conduta não o levara a esse castigo extremo, foi autorizado a conduzir Dante aos círculos do inferno e ao Purgatório. No Paraíso, proibido o acesso do poeta, Dante fora conduzido pela própria Beatriz.

Logo na entrada do Inferno Dante se depara com um letreiro escuro que dizia: "Abandonai toda a esperança, ó vós que entrais."

Então à indagação de Dante, Virgílio responde: "Aqui convém deixar de lado toda suspeita, toda debilidade."

E porque "nos encontramos no lugar onde verás a gente atormentada que não pôde conservar a luz do bem"

Sobre as queixas e lamentos em meio à escuridão que Dante ouve:

“Tal horror espicaçava-me a mente, e eu disse a Virgílio: Mestre, que ouço agora? Que gente é esta, que a dor está prostrando?

"Queixa-se dessa maneira”, tornou-me ele, “quem viveu com indiferença a vida, sem ter nunca merecido nem louvor nem censura ignominiosa. Faz-lhes companhia um grupo de anjos mesquinhos, que a Deus não manifestaram nem fidelidade nem rebeldia, expulsos dos céus; nem o inferno profundo os acolhera, pois os anjos rebeldes se jactariam de lhes serem superiores em algo.” 

O inferno é constituído por nove círculos seus abismos e fossos que destacam todos os tipos de pecados e castigos eternos:


Ali, além de Virgílio estavam Platão, Sócrates, Hipócrates, Homero – rei dos poetas.

“São os escolhidos, respondeu o mestre, do Céu, que recompensou fama alta e preclara com que na Terra, foram engrandecidos.”   
    

Aqui cumprem o castigo eterno homens e mulheres que se sofrem com vento fortíssimo, seus vícios com a luxuria. Viram os poetas ali a libidinosa Cleópatra, também Helena. Páris e Aquiles. “E mostrou-me mais um bando de sombras que o amor conduzira à sepultura, nomeando-as”

Amor!


“Todos lá chamava-me Ciacco. Pelo vício da gula eu sofro à chuva, miseravelmente, enregelado e fraco, Entretanto, não peno sozinho, pois os que aqui estão com castigo foram punidos por igual pecado.”


Lá estavam também clérigos, cardeais e papas que se dedicaram ao desperdício e todos aqueles dominados pela avareza. Condenados a “rolar  enormes pesos e a se injuriarem mutuamente.”


“As almas que pela ira foram vencidos”. Permaneciam sob água imunda. Tristes eram pela ira sob os ares que o doce sol aquece e mais tristes agora imersos no negro lodo.


“Mestre”, disse eu, “que gente é esta que desse modo deixa ouvir seu sofrer imenso?” E ele: “Aqui estão reclusos os heresiarcas e seus seguidores. Bem mais do que podes julgar, estão cheias estas tumbas. Aí se encontram iguais com iguais, réus dos mesmos crimes; as tumbas queimam segundo a gravidade da heresia feita.”


A violência contra o próximo; os assassinos, os tiranos cozinham no sangue fervente: “São os tiranos, os que viveram da pilhagem e do sangue derramado. Aqui são pagos impiedosos danos.
Num outro recinto do 7º círculo foram encontrados os sodomitas que sob fogo intenso, eram vítimas de “horríveis chagas”.


Os pecadores andavam nus, sujeitos aos açoites de seres demoníacos corníferos.
“Fui aquele que induziu sua irmã, a bela Gisola, a satisfazer os desejos do marquês...Ia dizer mais quando um demônio o golpeou, gritando: “Em frente, rufião, aqui não há mulheres a que possa explorar”.
Em outras valas do 8º círculo, encontraram Dante e Virgílio enterrados de cabeça para baixo...
Este círculo, com diversas valas, contém todo tipo de fraudadores e falsários.


Com muito rigor são punidos todos os traidores. Mas, esses pecadores não fiavam sob calor e fogo dos infernos, mas sob frio intenso.
E foi aí, nessas geleiras que se depararam Virgílio e Dante com Lúcifer e sua figura tenebrosa.


O “Inferno” de Dante não fica só nisso. Há descrições horrorosas e em alguns momentos beiram realmente à comédia. Há muito de figuras mitológicas, monstros, que participam do inferno.
TODAS as criticas são bem vindas.

(*) "A Divina Comédia" edição em prosa da  L&PM Pocket.

O quadro de Sandro Botticelli (Florença, 1445/1510) 

O pintor Sandro Botticelli, autor de obras primas, como é o caso da delicadeza refletida no “Nascimento de Vênus”...










...pintou esse quadro "horroroso" dos círculos e abismos do "Inferno" imaginando a obra Dante Alighieri. 
Até hoje, séculos depois, estudiosos das artes se debruçam sobre esse quadro tentando desvendar seus detalhes. 





(*) Resenhas:



NOTA IMPORTANTE DE DIRECIONAMENTO:
Esta resenha e comentários foram atualizados e republicados conforme o livro de Dante Alighieri num único texto, a saber: Inferno, Purgatório, Paraiso.




terça-feira, 9 de janeiro de 2018

O LIVREIRO DE CABUL de Åsne Seierstad

Livro 35


Åsne Seierstad é uma jornalista norueguesa que, a serviço de sua profissão em Cabul, visitou uma família afegã típica e “se convida” a permanecer em sua companhia, por três meses para conhecer os costumes, as dificuldades e o dia a dia que todos enfrentavam.

Ela não descreve, nesses três meses como se acomodou com as mulheres afegãs da família do livreiro.

Eu neste caso não posso transcrever trechos mais significativos do livro por causa dos direitos autorais, mas vou tentar pela lembrança de suas páginas, dizer algo mais significativo que para mim foi um misto de perplexidade, mal estar e emoção.

Gostei do livro.





















Åsne Seierstad visitava Cabul logo após a expulsão do talibã que fora um atraso de vida para os afegãos. Sem eles, esperavam os afegãos nova vida, mais liberdade e progresso até mesmo na vestimenta. Mas, no tocante às mulheres, quão oprimidas eram elas talvez ainda pelo ranço talibã pelo cumprimento radical dos mandamentos da sharia – código de leis islâmicas.

O vendedor de livros de Cabul, nome fictício adotado, Sultan Kahan tinha ideias importantes em retomar a literatura, os livros de história e cultura afegã, proibidos pelo talibã. 

Nos tempos de domínio talibã, a maioria dos seus membros analfabeta, era comum a queima de livros ditos proibidos e até cartazes encontrados nas suas livrarias.

Livre dos talibãs, além de livreiro passara a ser editor.

E nesse objetivo trabalhava muito.

Para manter suas livrarias, porém, exigia, sem aceitar qualquer restrição dos filhos que eles trabalhassem doze horas por dia sem descanso. Um dos seus filhos, de 12 anos praticamente não via a luz do sol porque trabalhava na livraria de hotel semidestruído, 12 horas por dia.

Para se sentir uma mulher afegã, relata a autora que não poucas vezes usou a burca, vestimenta que passou a odiar porque uma peça que apertava, dava dor de cabeça e se enxergava mal através da rede bordada.

As mulheres eram de muitas maneiras, psicológica e moralmente massacradas porque não poderiam sair sozinhas. 

Se nascesse um menino, festa na família. Se nascesse menina, a indiferença.

Elas não escolhiam seus maridos. Havia uma negociação entre a família do noivo e da noiva. Se houvesse o acerto financeiro, isto é, a entrega de recursos à família da noiva, o pagamento das festas, a compra de suas roupas, o acordo era fechado. Os homens da casa mandavam.

Mesmo assim, muitos casamentos se acomodavam, 'davam certo'. Mas o marido poderia casar uma segunda ou terceira vez.

Um dos personagens que aparece no livro depois de dois casamentos, já com mais de 70 anos diria que precisaria de uma terceira esposa porque as outras duas haviam envelhecido.

O próprio livreiro, embora bem casado, resolveu se casar com um jovem muito bonita de 16 anos, tímida e analfabeta contrariando toda sua família e sua primeira esposa – que depois de adaptou à situação irreversível. 

Sendo o filho mais velho, órfão de pai, mantinha a família toda, incluindo a própria mãe, num regime severo.

Há dois episódios que revoltam e emocionam.

O primeiro foi o do marceneiro que roubou cartões postais com estampas diversas escolhidas pelo livreiro.

Esse marceneiro era muito pobre, sustentando precariamente família grande, Sultan não o perdoa e exige que ele confesse a quem vendeu os tais cartões. Enquanto, na frente de toda a família, seu pai o açoitava sem dó, inconformado pelo filho ladrão. Mesmo assim toda sua família, esposa e avó imploravam o perdão, abaixando-se aos pés de Mansur, o filho mais velho do livreiro que não pode perdoar porque o pai não permitia.

O marceneiro, mesmo confessando a quem vendera os cartões e se o fizesse teria a liberdade foi preso cumprindo pena de três anos.

A outra cena que menciona é a personagem Leila, a irmã mais nova de Sultan Kahan era tratada com descaso pela família mesmo sendo a verdadeira criada que limpava a casa várias vezes pelo pó em suspensão permanente em Cabul além de preparar toda a comida ansiava uma saída para se libertar da verdadeira escravidão, numa casa pequena de quatro cômodos.

Sempre com muito medo tentou ser professora de inglês sem conseguir muito pela burocracia afegã e, nesse período teve um pretendente fora do círculo familiar ou escolha de sua família.

Tudo ficou sem resposta quando sua mãe (Bibi Gul) brigou com o filho Sultan e deixou a sua casa acompanhada de seus filhos, incluindo Leila que até ali nada havia obtido.

Surpreende saber que na região da cidade de Khost a leste do país, na qual as mulheres são trancafiadas em casa, não podendo se expor, haja a prática homossexual a ponto de dois comandantes por ciúmes de um dos rapazes amantes, resultando em dezenas de mortos.

Lendo o livro se concluiu que Sultan Kahan fora um chefe de família despótico, colocando seus negócios de livros e a segunda esposa acima de tudo e de todos. 

Inconformado pelo teor do livro acionou a Autora na Noruega, em busca de reparação judicial. 

Mas, por causa do livro, passou a dar folga de um dia por semana aos seus filhos.

O livro foi lançado em 2002 e se tornou um best seller. Hoje (2017/2018), a paz, a modernização – trocar as armas por computadores - que contava o povo afegão, tão sofrido, vivendo num país praticamente destruído não parece tenham obtido.

Notícias recentes informam ataques a bombas violentos promovidos pelo talibã e EI – estado islâmico.

As interpretações divergentes ou distorcidas do Alcorão tem resultado em atentados que provocam  vítimas entre os próprios islâmicos sem que haja preocupação com o modo como seguiam os mortos as doutrinas do dito livro sagrado.


Estátua de Buda 

O talibã dinamitou em março de 2001 a estátua de Buda de 1500 anos, com 53 metros de altura no Vale de Bamiyan, Afeganistão. Era considerada patrimônio da humanidade.  Esse ato foi uma afronta às crenças e cultura ocidentais.

A estátua antes e o vazio depois da destruição.








RECORDAÇÕES DA CASA DOS MORTOS de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski

O LIVRO TEM TAMBÉM ESTE TÍTULO: "ESCRITOS DA CASA MORTA"


Livro 34

Não creio que essa obra seja a mais conhecida de Dostoiévski. Mas, é ela importante. Não tem o vigor psicológico da obra prima “Crime e Castigo”.

Por quatro anos de 1849 a 1854 esteve Dostoiévski preso, condenado ao fuzilamento acusado de conspirar contra o czar pena substituída, felizmente, por trabalhos forçados em prisão na Sibéria. Essa experiência constituiu a inspiração para o livro.

Na biografia ao final do livro, “Recordações da Casa dos Mortos” a obra é qualificada como romance. Para mim, porém, há momentos em que a narrativa tem um timbre de crônicas, tais múltiplos tipos humanos que conhece na prisão e os descreve. 

A repulsa que lhe causam criminosos bárbaros que com ele convivia ocasionalmente nos 10 anos em que cumpriu sua pena.

O personagem Alielksandr Peitróvitch fora condenado por assassinar sua esposa por ciúmes e adultério. Sua pena não fora mais severa porque após o crime, se entregou às autoridades.
















Alielksandr Peitróvitch, o personagem do livro, ao chegar na prisão fora tratado com indiferença e até ódio por aqueles condenados porque era considerado nobre e como tal, não era um igual e, por isso, haveria que ser desprezado.

Aproximaram-se dele presos que, submissos, se prestavam ao trabalho doméstico àqueles que pudesse pagar.

Quando o narrador cumpre a pena e está prestes a deixar a prisão um desses personagens confessa sua afeição:

“Sukhilov se levanta antes de todos, para me preparar antecipadamente um chá. Pobre Sukhilov! Pôs a chorar quando lhe dei meu miserável enxoval... “Não me conformo, não me conformo... Que falta vou sentir do meu amigo Alielksandr Peitróvitch...Como posso ficar aqui sozinho?”

[Não há indicações de homossexualismo].

A descrição da vida na prisão não revela muitos atritos. Havia o major, administrador muito rigoroso na manutenção da disciplina valendo-se dos castigos corporais (açoites)

Aliás, dependendo do crime praticado, naqueles tempos o açoite poderia fazer parte da pena, às vezes em número elevado de chibatadas que era cumprida em etapas até que o preso se recuperasse do castigo parcial anterior.

E o anseio pela liberdade? Havia os desesperançados com anos a cumprir e mesmo assim, há o relato de apenas uma tentativa de fuga frustrada, afinal. Recapturados, os fugitivos receberam como punição centenas de açoites.




Comemoração do dia de Natal. A dor pela liberdade perdida.

Os efeitos do álcool proibido, mas tolerado:

“Ora, no inverno escurece cedo. E cedo vieram o enfado e o surdo desespero, irrompendo por entre lamentações da bebedeira. Muitos que uma hora antes estavam rindo, agora choravam amargamente, completamente ébrios, acuados, num canto qualquer. (...) Outros ainda já nem se aguentavam nas pernas, atravessando como almas penadas os alojamentos, e ainda assim dispostos a provocações. Aqueles que a bebida fizera entristecer, procuravam, bambos, alguma amizade a fim de descarregar a alma, esvaziando-a das mágoas que o álcool despertara. Pobres homens, insistiam em buscar alegria, desejavam avidamente comemorar o dia de Natal, mas, oh, Deus, que ração negra lhes é oferecida ali! Cada qual quisera se iludir com uma felicidade dum só dia, mas mesmo essa não viera, apesar de tão esperada.”

As condições precárias na prisão, se destacavam também no hospital. Ao internado era fornecido um “roupão” considerado nojento porque trazia resíduos fortes dos medicamentos e pomadas utilizadas no paciente que recebera alta. E também a presença de percevejos, “dum tamanho e duma voracidade de espantar”.

Ao deixar a prisão, algumas homenagens de outros presos sem data para obtenção da liberdade, tornou-se professor de francês numa pequena cidade na Sibéria.

Trata-se de um livro denso com 11 capítulos na 1ª parte e 10 na 2ª parte.

Não pelo Autor de quem sou admirador incorrigível, mas gostei muito do livro.

O MENINO DA LISTA DE SCHINDLER de Leon Leyson com Marilyn J. Harran e Elisabeth B. Leyson

Livro 33

Trata-se de uma história real de um menino, entrando na adolescência que sobreviveu ao terror nazista e, quase por milagre, seus pais e um seu irmão. Dois outros foram mortos pelo nazismo.
É um livro emocionantes que relata numlinguagem bem simples a tragédia humana, os efeitos da guerra sem causa, o fanatismo desenfreado e, com isso, a perda da noção humana, a perda do respeito à vida.
Nessa história há o respeito profundo ao alemão nazista Oskar Schindler que à sua maneira negou a violência nazista e, por meio de estratagemas e subornos, salvou cerca de 1.200 judeus dos campos de concentração.
O livro é também dedicado a ele.




















A vida em Cracóvia onde a família vivia, antes em Nareweka, era de paz. O narrador tinha uma vida comum de menino em sua idade pré-adolescente.

Mas, começaram pelos anos de 1938/1939 rumores sombrios do avanço nazista que passaram a atacar os judeus, suas lojas, suas casas, num crescendo de violência.

Na Polônia os nazistas, com facilidade, venceram as forças polonesas e invadiram a Polônia.

A mesma politica antisemita foi adotada na Polônia, afetando de modo severo a vida dos judeus.

Os judeus de Cracóvia passaram, também a ser fustigados pelos nazistas e adeptos a tal ponto que o narrador e sua família foram despojados de seus bens, incluindo sua casa.

A partir dai, todos passaram a viver o dia a dia da sobrevivência.

E nessa luta intensa pela sobrevivência, a busca do que comer. Para isso, o narrador remexia lixo em busca de algum alimento ou mesmo casca de batatas

A contracapa do livro explica o caminho dado à história:

Quando em 1939 o exército alemão ocupou a Polônia, Leon tinha apenas dez anos. Logo ele e sua família foram confinados no gueto de Cracóvia junto a milhões de outros judeus. “

Na truculência dos nazistas, o menino Leon assistiu, entre as humilhações por que passavam, a agressão violenta da qual seu pai fora vítima, um homem trabalhador sempre preocupado com a família, os esconderijos que a família improvisava para escapar da SS (em português, “tropa de proteção”).

Trabalhando na mesma fábrica de antes, um dia seu pai atendeu ao pedido de um nazista se poderia abrir um cofre.

Com suas ferramentas o cofre foi aberto até com facilidade. O nazista era Oskar Schindler que de pronto o convidou para trabalhar em suas fábicas.

Esse alemão, um bom vivant, a partir dai praticamente de um modo ou outro se opondo à violência nazista preservou a família de Leon e centenas de outros judeus até por subornos polpudos pagos às suas autoridades.

Ele salvou mulheres com mais idade já separadas para os campos de extermínio de Auschwitz, entre elas a mãe do narrador.

O nome de Leon, por todas essas proximidades com Schindler, foi incluído na sua lista de trabalhadores e depois riscado. Com coragem, se aproximou de soldado nazista que guardava os operários de Schindler e explicou que fazia parte da lista, mas que fora riscado.

Vacilando, o oficial permitiu que o menino fosse admitido entre os trabalhadores de Schindler e sobreviveu.

[A capa revela seu tamanho em relação aos equipamentos que tinha que operar].

Com o fim da guerra e a derrota nazista, os judeus segregados em campos de concentração foram libertados por soldados russos.


Em 1949 o pedido de imigração de sua família foi aceito e mudaram-se para os Estados Unidos.

Ele somente falaria de seu drama e de sua aventura de vida, à imprensa e aos seus alunos – se tornara professor de nível médio – e ao público após o filme de Steven Spilberg, “A lista de Shindler” que “desvendou” esse nazista incomum, Oskar Shindler, benfeitor, que passaria dificuldades com o término da guerra.

Havia alemães que ao ouvir essas histórias não minimizavam a tragédia. E não poderiam dizer que de nada sabiam.



Sepultura de Oskar Schindler em Jerusalém que faleceu na Alemanha em 09.10.1974

A inscrição em língua hebraica diz: "Justos entre as nações"; a inscrição em alemão diz: "Salvador Inesquecível de 1200 Judeus Perseguidos". (Wikepédia).