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segunda-feira, 24 de julho de 2017

INCIDENTE EM ANTARES de Érico Veríssimo

Livro 15



"Incidente em Antares" é um livros instigante de Veríssimo, uma história tão original pontos e pontos superiores em todos os sentidos aos “walking dead”, se cabível a comparação, essas séries americanas horrorosas, de terror, sem qualquer sentido, nem filosófico nem nada.



Todo o enredo do livro ocorre em Antares cidade imaginária à beira do Rio Uruguai, na divisa com a Argentina.

A origem do nome da cidade fictícia, Antares, se refere à uma estrela maior que o sol: "Bonito nome para um povoado... melhor que Povinho da Caveira", pensou Francisco Vacariano, seu fundador. Mas, pensou ele, não acreditar "que essa estrela será mesmo maior que o Sol". Fora adotado esse nome anos antes da primeira metade do século XIX. 

Pelos idos de 1860 se instalou em Antares um certo Anacleto Campolargo. Pela rejeição ao "intruso" pelos Vacarianos, teve início a rivalidade entre as famílias.

 Os dois núcleos de poder, Vacariano e Campolargo passaram a se digladiar de modo violento e perverso dando-se o antagonismo também na política. 

Nessa luta ensandecida, certa feita, um Campolargo foi torturado de modo atroz com a introdução em seu ânus, de óleo fervente -  a dor e a morte sofrida ao extremo; a vingança dos Campolargo não se fez por menos: um  dos Vacariano, amarrado de pernas abertas numa árvore foi violentado por um peão do inimigo.

Ele se atira num rio e desaparece porque "não se fazia aquilo com um macho."

Claro que é ficção, mas as famílias inimigas fora apaziguadas com a intervenção de Getúlio Vargas, já nos seus primeiros passos políticos.

A partir daí, as famílias Vacariano e Campolargo convivem bem. 

Então o andar da história se dá entre Tibério Vacariano e Zózimo Campolargo que acompanham toda a história política do Brasil, do Estado Novo à deposição de Getúlio em 1945. A eleição de Gaspar Dutra, a volta de Getúlio e o suicídio, a vitória de JK e a construção de Brasília, a  eleição tumultuada de JK, renúncia de Janio e a ascensão de João Goulart até à sua deposição com o golpe militar de 1964.

No tocante aos militares que tomam o poder, o livro não detalha, mas o personagem Martin Francisco Terra, que conhecera a cidade, coordenando um relatório sobre ela ("Anatomia de uma cidade gaúcha de fronteira") tivera seus direitos políticos cassados.

A opinião desses eventos todos, a preocupação com a ascensão comunista se dá com as manifestações de Tibério Vacariano ao logo do relato que, mais tarde,  "enterra" seu amigo Campolargo (Zózimo) que morre de leucemia.

Até chegar em João Goulart captando-se estes conceitos entre muitos outros de natureza política:

"Jânio foi obrigado a renunciar pelos militares por ter agraciado Chê Guevara com a Ordem do Cruzeiro Nacional."

Mas, não, foi um golpe frustrado.

"Agora temos que conviver com Jango e Brizola."

Mas, na união entre as famílias, a esposa de Zózimo Campolargo, Quitéria se torna uma amiga muito crítica de Tibério Vacariano, mas sempre com muito respeito, a despeito dos comentários ácidos que a mulher fazia sobre seu amigo.

O livro foi escrito em 1971. A historia se passa se situa nos primeiros anos da década de 60. Então, uma pergunta: havia computador em 1963 na Universidade de São Paulo? O livro indica que sim, porque no relatório  "Anatomia de uma cidade gaúcha de fronteira", esse relatório foi consolidado  por esse computador da USP.

A descrição desse ambiente cotidiano e político em Antares alcança metade do livro com todos os relatos históricos, políticos e suas consequências. E, certamente, em algumas opiniões dos personagens, a opinião do próprio autor.

No caso do incidente em Antares, eclodiu numa sexta-feira, 13, tendo como causa uma greve geral, inclusive dos coveiros, o que impediria o sepultamento dos mortos naqueles dias conflituosos. 

Os insepultos, vítimas da greve eram de todas as classes sociais, "morto não tem classe":

Dona Quitéria Campolargo - a respeitada dama da cidade e muito rica, morrera vitimada por uma ataque cardíaco;
Cícero Branco, advogado que por aquelas horas morrera também por um ataque cardíaco fulminante;
José Ruiz, o Barcelona, sapateiro, vitimado por um aneurisma, dito comunista mas que se apresentava como anarco-sindicalista;
Prof. Menandro Olinda, músico, suicida que poderia ter problemas de homossexualidade;
João Paz, idealista que se opusera à invasão americana em Cuba, morreu torturado na delegacia de Antares, para que revelasse cúmplices comunistas que não existia. Sua esposa grávida, Ritinha também foi torturada mas ajudada pelo padre Pedro-Paulo, a pedido do marido morto a fuge de Antares;
Erotildes, prostituta  que fora sempre muito requisitada quando jovem, inclusive pelo coronel Tibério Vacariano e 
Pudim de Cachaça, envenenado pela esposa que não suportava mais suas bebedeiras,

Insepultos, abandonam os respectivos esquifes e descem ao centro da cidade, instalando-se no coreto da praça da República. 

Representados pelo advogado Cícero Branco, exigem o sepultamento imediato.

Com a demora, começa a putrefação dos corpos que começam a exalar os odores próprios atraindo enxames de moscas enquanto urubus se aproximam famintos.

Então, o advogado discursou denunciando toda a corrupção na cidade da qual participou, apontando como corruptos, o prefeito Vivaldino Brazão com a cumplicidade de Tibério Vacariano.

Barcelona, o sapateiro, denuncia todos os adultérios que sabia, criando uma comunidade de cornos e adúlteras. 

Desabafo da defunta Quitéria:

"Hoje de manhã, quando voltei à minha casa, tive a maior desilusão da minha vida. Encontrei as minhas quatro filhas e meus quatro genros discutindo a partilha das minhas joias... das joias com as quais eu pedi que me sepultassem. Passaram a noite batendo boca. Não creio que tivessem tido a menor palavra de afeto ou saudade para comigo..." 

Após resolvido o impasse e sepultados os corpos começaram as "autoridades" a se movimentar negando que houvera tal incidente sobrenatural, nunca jamais relatado na história. 

Ora fora uma alucinação coletiva, ora a divulgação de uma história fantástica engendrada para "colocar a cidade no mapa".

O jornal de Lucas Faia, "A Verdade" é proibido de relatar o incidente - censurado. 

Há muitos outros personagens interessantes.

Com o tempo, e nada como o tempo, todos os denunciados que haviam se separado voltaram à vida conjugal esquecendo ou perdoando tudo.

Os denunciados por práticas ilegais, incluindo o delegado torturador Inocêncio Pigarço - que seria promovido mais tarde - e mais os traídos, os cornos, todos são homenageados num grande banquete e o incidente negado e esquecido.



MORAL DA HISTÓRIA

O que pretendeu efetivamente transmitir Érico Veríssimo com sua obra "Incidente em Antares"? 
Uma mera obra de ficção, imaginativa sem qualquer alcance filosófico? Ou ao contrário, o nada que resta com a morte, a putrefação inevitável dos corpos sem vida, porque "morto não tem classe? Os bens materiais que ficam em poder das famílias, como no caso de Quitéria Campolargo, e se desentendem na sua divisão? A hipocrisia das elites na corrupção e no adultério?  Revelar a impassividade "profissional" do  delegado com a tortura praticada contra João da Paz para que revelasse seus supostos  companheiros subversivos? O amor após a morte aos que ficam  como no caso da esposa grávida do mesmo João da Paz, a Ritinha, que também fora torturada? Ou a ternura de mãos dadas entre Erotildes, a prostituta, e o alcoólatra Pudim de Cachaça? Ou tudo e nada?

O livro contém 461 páginas.





A HORA DA ESTRELA de Clarice Lispector

Livro 14

O livro é consagrado e já virou filme. Bem, eu não gostei do enredo, ironia sem concessões, mas é interessante o modo da narrativa.


O narrador em muitos momentos se insere na própria história, sofre com a própria personagem Macabéa – e esse ponto é o diferencial do livro. Ela é uma nortista alagoana, totalmente desprovida de consciência, da realidade em que vivia, do seu dia a dia desde que chegou ao Rio de Janeiro. Quem sabe desde que nasceu.

Veio para a cidade não se sabe bem com qual propósito, mas se empregou como datilógrafa que errava muito e ainda sujava o papel.

O patrão ameaçou demiti-la mas a perdoou depois que ela se desculpou pelo aborrecimento.

Morava num quarto com outras quatro moças que trabalhavam no comércio.

Consideravam-na encardida, cheirava mal, porque pouco se lavava.

Sua aparência e modos: “nunca olhavam para ela na rua, ela era café frio”.

Seus fragmentos de informação eram colhidos na Rádio Relógio, que ouvia de madrugada, baixinho, para que não incomodasse as outras que dormiam.

De um jeito ou outro, arrumou um namorado, Olímpico, que proviera do sertão paraibano, metalúrgico e que dizia um dia se tornar deputado pela Paraíba.

Disse ele ao saber do nome da namorada:

- Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.

Nos encontros seguintes, choveu sempre, e ele disse:

- Você só sabe chover.

Macabéa foi ao médico que constatou início de tuberculose. Tão desentendida com tudo, até o médico foi impaciente com ela:

- Sabe de uma coisa? Vá para os raios que te partam.

Sua amiga Glória rouba seu namorado, o Olímpico.

Por remorso lhe paga uma consulta numa cartomante, Madame Carlota, para saber sobre o seu futuro.

Carlota desde logo percebe a fragilidade da consulente:

- Mas, Macabeazinha, que vida horrível a sua! Que meu amigo Jesus tenha dó de você, filhinha. Mas que horror!

E faz a seguinte previsão: “um dinheiro grande vai lhe entrar pela porta” e “vai conhecer um estrangeiro alourado, de olhos azuis”...cujo nome poderia ser Hans.

E manda embora Macabéa para encontrar o seu destino.

Mal coloca o pé na guia, é atropelada por um caminhão Mercedes amarelo e “nesse mesmo instante em algum lugar do mundo um cavalo como resposta empinou-se em gargalhada de relincho”.

Lá estava ela, a alagoana, prostrada à morte, num beco escuro, na cidade inconquistável.

Não lhe fora dada nenhuma chance. 


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quarta-feira, 19 de julho de 2017

"ADMIRÁVEL MUNDO NOVO" de Aldous Huxley

Livro 13
ESTA RESENHA PASSARÁ POR REVISÃO E COMPLEMENTOS



O que dizer do instigante "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley, consumidor declarado de LSD? Muitas são as “morais” que ele sugere, como explano no final.

Trata-se de uma obra atual, mesmo escrita em 1932.

O denominado "mundo novo" situa-se no ano 600 da era de Ford (referindo-se a Henry Ford, pioneiro da indústria automobilística nos Estados Unidos).

Feitas as contas, chega-se ao ano de 2.600 da nossa era.

Mas, do que trata o livro de Huxley?

Um novo mundo onde os seres humanos eram produzidos em série em laboratórios e, pela manipulação dos embriões, pertenceriam à elite dominante ou simplesmente à massa que fazia trabalhos braçais ou desagradáveis (ípsilones), o controle da individualidade pelo condicionamento no que denominou Centro de Incubação.

Nesses centros de condicionamento, certas "mensagens" eram repetidas milhares de vezes, para que se constituíssem verdadeiros valores da vida de homens e mulheres.

E nessa divisão de “classes” todos eram felizes, porque “o segredo da felicidade e da virtude, é gostar daquilo que se é obrigado a fazer.”


Mesmo sendo "imoral" a procriação natural, havendo por isso cuidados especialíssimos para evitar a gravidez, havia no "novo mundo" total liberdade sexual. A monogamia era objeto de repúdio e deboche. O casamento e o sentimento pais/filhos, uma vergonha.

O "soma" era a droga contra todos os males da "alma": da angústia, da depressão, da tristeza, da dúvida. Uma dose da droga anestesiava a mente do usuário, sobrevindo um estado de euforia, de felicidade, sem os mal-estares de outras drogas quando passasse seu efeito.

E se sobressai na história Bernard Marx um Alfa Mais - os membros superiores da sociedade - que tinha deficiências, era feio e mais baixo que os demais, em torno de oito cm. Diziam que, por erro, seu pseudo-sangue tivera dose maior de álcool.

Tinha ele por costume indagar-se sobre sua individualidade e costuma rejeitar doses do soma. Uma reação perigosa aos ditames da alta administração controladora.

Aproximara-se dele Lenina que tinha interesse em conhecer a reserva selvagem. Selvagens porque procriavam normalmente, casavam-se, preservavam a figura do país, seguiam religiões...

E viviam numa região imunda, sem higiene e de modo precário.

De lá, traz Bernard um Selvagem e sua mãe Linda que fora nascida nos laboratórios mas se perdera naquela comunidade isolada e pobre ao ficar grávida de um alto dirigente daquele seu mundo controlado após dar a luz a um filho de modo natural.

Mas, era rejeitada mesmo nessa comunidade porque não perdera o condicionamento da prática do amor livre. E, pelos excessos, consumindo drogas pesadas devastadoras quando passavam seus efeitos, envelhecera e engordara. Sentia falta do soma.

Naquele que chamava “admirável mundo novo”, o Selvagem causa espanto, porque lia Shakespeare e rejeitava aqueles manuais de condicionamento e aqueles filmes e programas vazios nas televisões.

Com princípios morais que poderiam ser classificados de “cristãos”, apaixona-se por Lenina e por ela é correspondido.

Lenina, então, dentro da liberdade sexual a que estava condicionada, tenta seduzi-lo retirando suas vestes. O Selvagem - que pensava em casamento para toda a vida - rejeita seus excessos e a expulsa.

Num diálogo entre o Selvagem e o dirigente máximo daquele mundo condicionado como Deus se manifestava: 

— Bem, ele se manifesta como uma ausência; como se absolutamente não existisse. 

— A culpa é sua. 

— Diga, antes, que a culpa é da civilização. Deus não é compatível com as máquinas, a medicina científica e a felicidade universal. É preciso escolher. Nossa civilização escolheu as máquinas, a medicina e a felicidade. Eis por que é preciso que eu guarde esses livros no cofre. Eles são indecentes. As pessoas ficariam escandalizadas se...

— O mal é uma irrealidade se se tomam dois gramas. 

Com o "soma", a "droga contra os males da alma", se se tomam dois gramas, o mal é uma irrealidade.

Mas, o Selvagem a evitava exatamente porque tirava sua liberdade de pensar livremente.

Depois da morte de Linda, sua mãe, ele foge daquele mundo que para ele não fazia sentido, não tinha liberdade de pensar, de ler e se isolar.

E assim faz. Encontra um farol abandonado e lá passa a viver. Ali, subindo nas escadarias apreciava pelas janelas, paisagem belíssima.

Havia na sua comunidade a prática religiosa do açoite. O Selvagem é surpreendido se autoflagelando com um chicote, por três membros daquele mundo que desprezara.

Dias depois, helicópteros o encontram, repórteres tentam entrevistá-lo e, a partir dai, não teve mais paz.

Suas imagens e as chicotadas eram passadas e repassadas nas telas do “cinema sensível”.

Os helicópteros chegavam em grande número.

Todos impressionados com o uso do chicote que aplicara em si mesmo e a uma mulher linda que dele se aproximara numa daquelas invasões.

Tantos os assédios, tantos os repórteres que perguntara na sua angústia:
                           
— O que querem de mim?

E a resposta:

— Nós-queremos-o-chicote! - gritou um grupo no extremo da linha. Nós-queremos-o-chicote!
                  
Num outro dia os invasores chegaram. O farol estava em silêncio. Eles nele entraram, subiram as escadas e viram os pés do Selvagem girando, girando.

              
“Moral da história”: muitas morais podem ser identificadas, como o desprezo pela pobreza sem ajuda, a descoberta da violência por aquelas mentes condicionadas que a transformam em diversão, o uso das drogas que afetam a própria consciência, a liberdade sexual se avolumando, o domínio da televisão de má qualidade, o excesso de seitas religiosas... e por aí vai.

Nestes tempos nos quais desponta um mundo nada admirável.


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quarta-feira, 12 de julho de 2017

"1984" de George Orwell

Livro 12

Escrito no fim da década de 40, ainda sob a influência dos horrores dos crimes nazistas e mesmo do stalinismo, engendrou George Orwell um mundo no qual o ser humano estaria controlado, manipulado e submisso aos desígnios do "Grande Irmão".





















Ele nos leva a mentalizar, a cada página, o cinza chumbo, pesado, opaco e amargo da vida.

Uma "vida" sem perspectiva, sem aquela ambição pessoal que leva ao progresso e à aptidão da mente e da própria existência.

O que seria a "teletela", um aparelho que controlava até os pensamentos das pessoas, senão uma sofisticação da Gestapo e de outras polícias especiais dos regimes totalitários? O que seria o absurdo controle da opinião, em que a própria "história" era modificada segundo os desígnios do Poder — o "Times" era reescrito tantas vezes fosse necessário para registrar os interesses renovados do Partido —, uma versão da imprensa unilateral a serviço do totalitarismo?

E quais as consequências? O sistema de "tratamento psiquiátrico" aos que se rebelavam e aos que caem "em desgraça"; a autocensura, uma voz insuportável que reprime a manifestação, já que são nebulosos os limites permissíveis da expressão do pensamento. 

O herói de "1984" não tremeu diante de um simples volume de folhas em branco e, em pânico, começou a escrever? Lá fora, enquanto isso, desincentivava-se o amor (em todas as suas nuanças) em meio a uma propaganda política permanente e maciça onde eram ressaltados os "grandes feitos" bélicos do Poder (a "Teletela" nunca era desligada).

As comunicações se davam em "novilíngua", uma linguagem imposta pelo Poder, de limitado vocabulário com tendência a ser cada vez mais restrito.


Apagara-se para sempre sua interioridade que, alimentada, alerta para uma existência transcendente. Esse espaço fora preenchido pela máxima presente sempre: "O Grande Irmão zela por ti".

A proliferação de seitas religiosas ditas comerciais também não contribui para esse aprisionamento mental de seus adeptos?

Orwell não dá esperanças: Winston, o herói "dissidente", como desejado, submetido a todas as torturas e sofrimentos, "espontaneamente", com convicção, se convence que "dois e dois são cinco". O seu axioma antes fora: "A liberdade é a liberdade de dizer que dois e dois são quatro; admitindo-se isto, tudo o mais decorre". 

No auge de sua "recuperação" passa a amar o "Grande Irmão".

Uma ténue esperança alimentada por Winston até ser recuperado" era a eventual revolta dos "proles", uma sociedade à margem do poder, desorganizada, mas também controlada por intensa espionagem e, quanto aos "divertimentos", um dos mais comuns era a proliferação de filmes pornográficos.

Os "proles", todavia, no percurso todo do livro, permaneceram alienados e impotentes.

Os abusos dos grandes irmãos atuais que fazem da política o meio da ambição e do acúmulo de riquezas pela corrupção sem a preocupação em melhorar a vida dos..."proles".

Embora o mundo não tenha mudado muito desde quando o livro foi escrito, é de se reconhecer a tendência à centralização do poder e o aperfeiçoamento inconteste dos recursos "formadores" da opinião, em especial a televisão.

É inequívoco que o quadro pintado por Orwell se assentara numa paisagem contemporânea que o inspiraria amargamente.

"1984" contém, então, uma advertência notória: a necessidade de estarmos atentos a qualquer forma de dominação, em qualquer nível que se manifeste, denunciando-a vigorosamente, até porque há, no planeta povos totalmente dominados pela vontade de um ditador e seus asseclas.


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sexta-feira, 7 de julho de 2017

FAHRENHEIT 451 de Ray Bradbury

Livro 11

Desde logo se informe que o grau do “fahrenheit 451” significa o calor suficiente para a queima de papeis.




Quando resenhei em outubro de 2010 os livros "1984" de George Orwell e "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley fizera a seguinte introdução:

“Estes tempos são empolgantes e não deixam de ser preocupantes. Submeto, então, a resenha dos dois livros para reflexão daqueles leitores que não os conhecem e mesmo àqueles que os conhecem.
Haverá pontos que tocam nos dias atuais: o cerceamento da informação em muitas regiões, o controle sobre os atos dos cidadãos, o consumo e a proliferação das drogas, pornografia, como forma de controlar a mente, a “alma”...”

Nunca esquecera, então, a obra de Ray Bradbury, não tão divulgada como esses mencionados acima, embora inspirasse o filme de François Truffault, de 1966.
Tantos anos depois, li há pouco o livro que alguns tentam colocar ao lado das duas obras acima mencionadas, de Orwell e Huxley.

Não sei se cabível, embora tenha gostado do livro.

A história ocorre num tempo não definido no qual os bombeiros não apagavam incêndio, mas queimavam livros, as casas onde eram encontrados e os próprios moradores.

Afinal, havia um milhão de livros proibidos. E, ademais, para que serve a poesia, uma obra de Tolstoi?

Fora uma jovem, Clarisse McClellan que um dia se encontra com Montag, o personagem principal da história, que o deixou intranquilo desconfiando de sua vida sem sentido, porque ela revelara que conversava em casa, sempre falando do tio, dos jovens que se matavam. E que gostava de ir às florestas olhar os passarinhos.

E certamente não assistia àqueles programas sem conteúdo das televisões nas paredes em todas as casas.

O comandante de Montag, Beatty ao confirmar a morte da jovem pelas suas excentricidades, num dado momento afirma:

“Se não quer que uma pessoa seja politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para se preocupar. Dê-lhe um só. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Será melhor ela esquecer que existe uma coisa como a guerra. Se o governo for ineficiente, autoritário e perdulário, é melhor ser tudo isso sem que as pessoas se preocupem com essas coisas. Paz, Montag.”

E por aí vai o comandantes ensinando como desviar a atenção das pessoas. São princípios reais de uma ditadura até hoje identificada no mundo contemporâneo.
Montag esconde alguns livros em casa, é denunciado pela esposa. Os bombeiros para lá vão. Montag constata que é a sua própria casa. A esposa escapa e sua casa é incendiada.

Ele se rebela, escapa de implacável perseguição após atirar e atingir com um tiro o comandante Beatty e se une a outros segregados que preservavam obras na memória para reeditá-las nos tempos vindouros com a erradicação da ditadura da ignorância.



Gravura:
Cartaz do filme de 1966 de François Truffault com o mesmo título tendo como atores principais, Julie Christie e Oskar Werner.

terça-feira, 4 de julho de 2017

MISTÉRIOS E MAGIAS DO TIBETE de Chiang Sing

Livro 10













“Mistérios e Magias do Tibete” de Chiang Sing (pseudônimo) é um livro que descreve com detalhes fenômenos místicos muito estranhos que viu a Autora em sua longa viagem àquele país.

O livro descreve esses eventos "inacreditáveis" antes da invasão chinesa que se deu em 1950. Muitas vezes atônita pelo que via, afirma que o seu colega de viagem filmou um deles atestando que não houvera alucinação.

Sobre isso, durante o tempo em que esteve com as monjas do Templo da Calma Profunda diz, repetindo o que outro autor dissera que omitira o que presenciara com "temor de que nossos leitores se riem de nós e duvidem de nossa razão ou da nossa boa-fé..."

Mas, também:

"Muitas são as pessoas incrédulas que ainda hoje perguntam:
- Mas... Você viu mesmo tudo o que diz neste livro?
Minha resposta é sempre a mesma:
- É claro que vi! Somente não posso afirmar se foi com meus olhos físicos ou meus olhos espirituais."


















Chiang Sing é brasileira, falecida em 2002. O pseudônimo se refere a uma antiga princesa chinesa, que viveu há cerca de 4000 mil anos e de quem seria a Autora uma de suas encarnações. 

Ela registra em sua obra que fora a primeira brasileira "que viveu entre os místicos e magos do Tibete". A viagem durou 6 meses num trajeto atribulado a partir da Índia pelo pequeno estado de Sikkim, fazendo o trajeto a pé ou a cavalo enfrentando terrenos inóspitos, frio intenso, tendo como guia o Lama Kazi, tibetano. Além dessas dificuldades, seu pequeno grupo (o casal Vessantara e o arqueólogo francês Pierre Julien Lafoil) deparou-se, também, com hospedagem e condições de higiene precárias, mas sempre parando em locais e templos e mosteiros que inspiravam o grupo na busca espiritual e na compreensão da magia tibetana.

A cada dia passando por pequena cidade ou vila, ia ascendendo às alturas das grandes montanhas do Himalaia tendo como objetivo final chegar a Lhassa a capital do Tibete, a 3700 metros de altura e lá conhecer os vários mosteiros especialmente o palácio Potala  construído em 1648 que até 1950 fora a residência oficial de todos os Dalais (Dalai Lama = Oceano de sabedoria).

No início do trajeto, no estado de Sikkim, hospedados no palácio do Rajá Dorge, após a "festa das Flautas Pastoris", um velho pastor desenhou com um pó branco uma grande cruz suástica.

À perplexidade que daí surgiu, estabeleceu-se a partir esclarecimentos sobre a origem  da suástica nazista.

Essa cruz é um dos mais antigos símbolos do Oriente.

Há duas formas, a positiva e a negativa. As duas seriam sagradas, a primeira usada na magia branca e a segunda na magia negra.

Sendo Hitler um mago negro, ele se valeu da suástica positiva e a inclinou 45 graus, tornando-a um símbolo maléfico. 





A suástica da esquerda, positiva. Da direita, negativa e a em vermelho do nazismo.

À medida que avançam no roteiro, vão aprendendo a doutrina espiritual tibetana, surpreendendo-se com os monges que por não se alimentarem se tornam múmias vivas. "Somente a respiração, fraquíssima, continuará, mas por pouco tempo".

Um conceito aceito: "Os homens são agentes do Carma (lei da causa e efeito), e nós como agentes dos Mestres Ascensionados não podemos anular as dívidas que os homens e as nações contraíra por seus atos" segundo o Buda Vivo de Sikkim. (*)

Materializações em solenidades místicas como se deu com o Buda Maitreya, o Buda do futuro precedido de luminosidade intensa. Ele flutuava acima do altar, sentado na posição de lótus, vestindo uma túnica amarelo-dourado: "A mão direita apontava para o céu e a esquerda para a terra". 

[A flor de lótus "é o emblema da difusão da vida e da fertilidade da terra". Quando o sol nasce o lótus se abre por sobre as águas. Quando o sol se põe, o lótus se fecha"].

O milagre da levitação, a ponto de sentar-se o monge sobre o talo de uma flor, sem dobrá-la. Autora, lembra que a Igreja Católica aceita a levitação, lembrando os casos de Santa Teresa d'Ávila e o próprio Jesus.

Uma experiência mística pessoal, segundo o relato da Autora, o Lama de Latchen a  conduziu à  regressão de vidas passadas, retornando há milhares de anos: "Porque não reencarnaste após seres a princesa chinesa e isto foi há 4 mil anos. Traíste teus votos de castidade e foste amaldiçoada. Agora vais ver como nós te libertamos dessa terrível maldição." 

Entre esses inúmeros fenômenos místicos e as várias materializações que descreve, estes foram filmados, segundo relato que fez:

“Os tambores tocaram com mais força, à medida que iam se materializando os Yadans (elementais que vivem nos quatro elementos: terra, água, fogo e água). "Vimos gigantes, gnomos, lindas mulheres pequeninas de asinhas transparentes, delicadas colunatas de fogo de onde saiam salamandras, duendes e ondinas. Nossa emoção era tanta que mal podíamos respirar. O filme de Vessantara provou-nos que não tínhamos sido hipnotizados. Sem dúvida, nada é mais fantástico que a própria realidade.”

A Autora relata ter assistido à distância e em local discreto a materialização de entidades demoníacas. Um ser monstruoso peludo de elevada estatura, quatro cabeças e quatro braços se materializa, relacionado-se com mulheres dando-se um ritual orgíaco de tão dramática degradação que ela resolveu não descrever o que vira.

Em Lhassa a Autora e seu grupo foram recebidos pelo Dalai Lama  no Palácio Potala. (**)


A interpretação é minha porque a dominação chinesa pôs um fim nesse mistério, nessa magia toda descrita pela Autora: qual, afinal o sentido de todo esse poder espiritual se considerarmos que Jesus Cristo saiu pela mundo a expor seus ensinamentos falando de novos tempos, fazendo conversões e milagres à luz do dia? Sem a reclusão da meditação praticada pelos monges nos templos? O sentido da mumificação em vida? 

[Neste livro, porém, há referência de que fora Jesus instruído no Tibete antes do registro nos Evangelhos]. (***) 

Relatado por Chiang Sing sobre os poderes individuais, sem aproveitamento para a humanidade:

“Durante suas andanças pela Índia, Sidarta Gautama, o Buda, encontrou um eremita muito cansado, sentado à porta de sua cabana, no final de um bosque:
- Há quanto tempo vives aqui? – perguntou Buda.
- Vinte e cinco anos.
- E qual o resultado desses anos de meditação?
O eremita respondeu orgulhoso:
- Sou capaz de atravessar um rio, andando sobre as águas!
- Pobre amigo – disse Buda -, pouparia muito mais o tempo, se pagasses um barqueiro para atravessar o rio num barco...”

Esse é, pois, o caldo de cultura da “magia e mistérios” do Tibete.

O Tibete era pobre, muito atrasado e com sérios problemas de higiene e saneamento.

Relata a Autora sobre a cidade de Phari Dzong, a 4450 metros que "o povo tem cheiro muito desagradável, mistura de manteiga rançosa com alho. Os tibetanos geralmente não tomam banho, nem mudam roupa com frequência."

E também, 

"Em Lhassa, como em todo o Tibete, não há instalações sanitárias nem esgoto. (...) Mas, o povo costuma jogar os detritos nos terrenos baldios. Há uma falta de higiene muito grande e  cheiro das ruas de Lhassa é bastante desagradável,"

A invasão chinesa truculenta se deu em 1950, uma espécie de terra arrasada por um grande tratos. Essa invasão resultou em centenas de templos budistas destruídos.


Hoje Lhassa é um centro urbano com praças, shoppings, e altos edifícios ligada ao resto da China por linha férrea de alta velocidade. Mas, com o predomínio chinês, o tibetano é excluído do progresso e a extinção de sua cultura é visível. No Tibete a educação é em mandarim e não em tibetano.



Palácio Potala, um dos mais imponentes do mundo


Longe do Tibete desde 1959, vivendo na Índia, após um levante frustrado contra a invasão chinesa dissera o Dalai Lama que seria ele o último Dalai tornando mais remota a resistência tibetana e a volta ao seu país.
















14º Dalai-Lama e Barack Obama

Com o fim do lamanismo tibetano, relata a Autora que houve a profecia de que todo aquela cultura espiritual, aquela magia seriam "transferidas" para a América do Sul, especificamente para o Brasil.

Setenta anos depois (2020), essa profecia não se realizou e pelo mundo caótico nestes tempos, não parece que se realizará.

Aqui também, pergunto; onde estão esses luminares?

E o Tibete vai se tornando uma lembrança de coisas miraculosas que lá ocorriam, um passado que não se renovará. Apenas um estado autônomo da China.


Referências:

(*) Sobre o Carma (lei da causa e efeito), acessar "Autobiografia de um iogue" de Paramahansa Yogananda, acessar:
AUTOBIOGRAFIA DE UM IOGUE

(**) Palácio Potala em Lhassa monumento declarado patrimônio da humanidade em 1994, pela UNESCO. Sede do governo, residência do Dalai- Lama nos tempos do Tibete livre.

(***) Tema tratado de modo mais amplo, "A vida mística de Jesus". Acessar: