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quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

CAETÉS de Graciliano Ramos

 LIVRO 133












O título do livro tem a ver com os Caetés, "um povo indígena que habitou o litoral do Brasil, entre a Ilha de Itamaracá e o rio São Francisco, descendentes dos tupinambás, falavam a língua tupi antiga..."

O narrador e personagem principal do livro, João Valério, guarda-livros, esboçava escrever um livro no qual essa tribo constituía era a personagem principal:

"O que devia fazer era atirar-me aos caetés. Difícil. Em 1556 isto por aqui era uma peste. Bicho por toda parte, mundo traiçoeiro, a floresta povoada por juruparis e curupiras. Mais de cem folhas quase ilegíveis de tanta emenda, inutilizadas."

O romance

São muitos os personagens. Até a página cem do livro num andamento monótono da história, os personagens desfilam, se encontram nas praças, nas procissões, nas ruas, nos cafés, na igreja, em reuniões sociais frequentes...

Vou destacar estes personagens mas há muitos outros:

° João Valério, o narrador e personagem principal;

° Adrião e esposa Luísa, ele patrão de Valério;

° Padre Atanásio, dono do jornal "A Semana" em cuja redação se dava muitas reuniões;

° Dr. Castro, promotor.

João Valério era apaixonado por Luísa tanto que no começo da história numa oportunidade ele beijou-lhe o pescoço da mulher, sendo repudiado por ela: — O senhor é doido? Que ousadia é essa? 

Com toda repulsa da mulher ao assédio só se saberá que ambos tiveram um caso antes do casamento dela na metade final do livro.

Um dia Adrião se ausenta a trabalho. Aproveitando-se da ausência do marido, Valério visita a Luísa consumando-se o amor. 

E Luísa e Valério não são cuidadosos em esconder o romance.

Os encontros começam a ser notados pelos demais moradores a ponto de, numa reunião, o promotor Castro o ter acusado do consumar o adultério, dando-se discussão áspera.

Com todo esse inconformismo na sociedade, foi endereçada a Adrião uma carta anônima denunciando o romance entre João Valério e sua esposa Luísa.

Adrião pressiona João Valério que confessasse o romance mas ele nega.

Não demora muito e Adrião se dá um tiro no peito mas sobrevive por algum tempo.

O Autor nada diz se esse ato extremo se dera pela adultério da esposa que desconfiava ou se fora um distúrbio provindo da "vida dura".

Neste resto de vida, porém, Adrião chama João Valério, se desculpa, dizendo que ele e a esposa Luísa eram inocentes...

Depois da morte do suicida, amigos de Valério, com a "confusão" evidente do romance, diziam que ele deveria se casar com Luísa.

 Por dois meses João Valério e Luísa não voltaram a se ver. Quando isso se deu, ela se emocionou muito, mas resolveram pelo rompimento.

Valério se torna sócio da empresa e Luísa comanditária. 

E, por fim, se resigna Valério a se comparar aos caetés no romance que nunca termina:

"Que semelhança não haverá entre mim e eles! Por que procurei os brutos de 1556 para personagem da novela que nunca pude acabar?"

Mas, na sua timidez (?) ela casará com a Teixeira, de lindas pernas, olhos azuis e alegre como um passarinho?


Outras obras do Autor, acessar:

ANGÚSTIA

SÃO BERNARDO










quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

O PROFETA de Khalil Gibran

LIVRO 132












Este é um "pequeno" livro consagrado, lançado há um século (1923) é bestseller indiscutível. Na década de 60 fora obra muito considerada pelos termos dos pensamentos do Autor que na sua simplicidade inspiravam pessoas numa época diferenciada, uma juventude ávida de compreensões.

Na apresentação do exemplar que está comigo, há a informação de que Gibran, quanto ao modo de apresentação de seu pensamento, se inspirara, em Nietzsche, na sua obra mais consagrada, "Assim falou Zaratustra" (*). Não sou fã do Autor alemão, mas claro que Gibran só se baseou no formato e não nos pensamentos de Nietzsche com seus "homens superiores", "super-homens" num delírio que perdura até hoje entre os estudiosos de sua filosofia, sem que considerasse a fragilidade do ser humano. O final de sua vida foi prova cabal disso.

Gibran é muito mais evangélico, digamos. 

Enquanto esperava o profeta que chegasse o navio que o levaria, após 12 anos, de Orphalese, para sua ilha natal ele respondia aos temas que lhe eram apresentados pelas pessoas à sua volta. E são muitos.

Vou selecionar alguns conceitos:

Sobre o amor: "Quando amais, não deveis dizer "Deus está em meu coração" mas dizer antes "Eu estou no coração de Deus." / E não penseis que possais dirigir o curso do amor, pois o amor, se vos achar dignos, dirigirá vosso curso."

Sobre o matrimônio: "E vivei juntos, mas não juntos demais: pois os pilares do templo ficam separados, e o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro."

Sobre o trabalho: "O trabalho é o amor tornado visível. E se não puderes trabalhar com amor, mas apenas com desgosto, seria melhor que deixasses teu trabalho, sentasse à porta do santuário a pedir esmolas àqueles que trabalham com amor."

(Nesse conceito o ideal do "profeta" seria buscar o valor do trabalho qual fosse - e na vida real esse privilégio não é fácil).

Sobre o crime e o castigo: "O assassinado não é inocente por seu próprio assassínio, / E o roubado não é sem culpa por ser roubado. / O justo não é inocente pelos atos do mau, / E o que tem as mãos limpas não é isento de culpa nos atos do malvado."

(Nestas reflexões parece que o "profeta" deixa entrever que em tudo da vida, prevalece a "lei da causa e efeito" - o karma).

Sobre a liberdade: (Aqui num dado momento de suas reflexões, o "profeta" se refere às coisas desejadas e as temidas - e outras situações que se "movem dentro de vós"); E, então:

"Tais coisas movem-se dentro de vós como pares inseparáveis de luzes e sombras./ E quando a sombra se esvai e já não existe, a luz que se demora torna-se uma sombra para outra luz. / E assim vossa liberdade solta suas amarras, torna-se amarra para liberdade maior."

(Qual será a liberdade maior?).

Sobre o conhecimento de si próprio: "Pois o Eu é um mar sem limites nem medidas. / Não digais "Encontrei a verdade, mas "Encontrei uma verdade." / Não digais "Encontrei o caminho da alma." Dizei antes: "Encontrei a alma andando em meu caminho." / Pois a alma caminha em todas as sendas." (...) "A alma desabrocha, como um lótus de incontáveis pétalas."

(Para os "filósofos do ocultismo", esses conceitos fazem sentido de modo superior).

Sobre a amizade: "Pois na amizade todos os cuidados, desejos e esperanças nascem e são partilhados sem palavras em uma alegria não declarada". 

Sobre a prece e a oração: "E se vós escutardes na quietude da noite, as ouvireis a dizer em silêncio: "Deus Nosso, que és nosso Eu alado, é Tua vontade que quer nós. / É teu desejo que deseja em nós. / É o Teu querer em nós que pode transformar nossas noites, que Te pertencem, em dias que também são Teus. / Nada podemos pedir-Te, pois conheces nossas necessidades antes mesmo que nasçam em nós. / Tu és nossa necessidade; e dando-nos mais de Ti mesmo, Tu dai-nos tudo."

Sobre a morte: "Pois o que é morrer se não estar nu no vento e dissolver-se ao sol? / E o que é cessar de respirar senão libertar o alento de suas marés agitadas, para que possa se erguer e expandir e, desembaraçado, encontrar Deus?"

(Paro nestes conceitos entre inúmeros outros constantes do livro)

E já entardecera, na despedida do profeta de Orphalese com as âncoras sendo recolhidas e um grito do povo:

"E Almitra, a vidente, disse: "Abençoado seja este dia e este lugar, e teu espírito que nos falou." / E ele respondeu: "Fui mesmo eu quem falou? Não fui também um ouvinte". 

Referência:

(*) ASSIM FALOU ZARATRUSTA






terça-feira, 10 de dezembro de 2024

O ANTIGO REGIME E A REVOLUÇÃO de Alexis de Tocqueville

LIVRO 131












O livro trata das causas da Revolução Francesa, mas de um modo "suave" os antecedentes desse movimento que inspiraria outros movimentos, tendo em conta a bandeira da "igualdade, igualdade e fraternidade".

Ano de 1789. O rei Luis XVI, realmente acomodado em seus privilégios e poder absolutista não governava com independência se não fosse sua claque de aristocratas e os religiosos. 

Emais:

(...) em toda a nação a desobediência e já revolta — um exército cujos soldados não merecem confiança — todos os deputados se manifestando contra os editos do rei — e no meio desta anarquia uma corte odiada pela sua cupidez, um rei sem prestígio e já achincalhado, uma rainha publicamente insultada com a alcunha de "A Austríaca" (...) e queimada em efígie em pleno Paris." (*)

Os aldeões era considerados uma massa de obediência, espezinhados pelos resquícios do feudalismo, pelos impostos e pela divisão, com seus senhores, da produção que obtinham.

Esse quadro foi se agravando. Na fase pré-revolucionária, o clero se uniu aos pobres aldeões e até mesmo parte da aristocracia. 

Pensavam numa Constituição mas preservando, sob controle dela, os poderes do rei.

Mas, este não aceitava a diminuição dos seus poderes aumentando a pressão sobre seu reinado e sobre os seus ministros e pensando em repor o absolutismo.

A "Encyclopedia pela Imagem" (*) na revolta que ia crescendo, registra:

"A 15 (de agosto) um bando de 7 a 8.000 mulheres em armas, conduzindo canhões, partindo para onde iam, diziam elas, procurar pão. À noite um deputação de mulheres apareceu na Assembleia, lamentando da carestia e do insulto feito à nação. A Assembleia informou ao rei, que voltava da caça, das reclamações de Paris (ele se acomodara em Versalhes). Vários conselheiros diziam-lhe que fugisse. Mas Necker (um dos seus ministros) recordava o tesouro vazio e as vesgas maquinações do duque d'Orleans. Ficou. Ratificou mesmo os decretos promulgados pela Assembleia desde 4 de agosto."

Nesse quadro revoltoso, antes, em 14 de julho, houve a "tomada da Bastilha". Multidão invadiu a prisão e libertou os poucos presos lá mantidos, inimigos da realeza.

Esse estado de ódio levou ao "período de terror" com muita violência e execuções na guilhotina. Luis XVI e sua esposa Maria Antonieta, em 1793, foram executados na guilhotina.

E muitos outros.

As palavras finais sobre a Revolução Francesa, são estas:

"Quase toda a França aceitou com calma (!?) o golpe de Estado. A Revolução tinha terminado. Os resultados essenciais tinham sido atingido: a igualdade de todos perante a lei e perante o imposto; as terras libertadas, a indústria e o comércio livres; o número de proprietários aumentado pela venda dos bens nacionais; o governo absoluto substituído por um governo constitucional — e a burguesia no poder."

O livro

Essa introdução julguei necessária de ordem a dar ensejo à compreensão, em linhas gerais, da abordagem do Autor Tocqueville que estudou as causas porque ele nasceu em 1805, depois dos acontecimentos graves da Revolução Francesa. Ele se aprofundou na história examinando documentos da época, anotações, atas, cadernos que comprovaram as desigualdades, os privilégios da aristocracia e a isenção de impostos que lhe era garantida e a opressão sobre a classe pobre, sem privilégio algum.

O livro foi publicado em 1856, três anos antes de seu passamento.

Conceitos

. As razões por que essa grande Revolução que se preparava simultaneamente em toda a Europa mas que eclodiu na França; com todas as causas graves essa Revolução não se pensaria em outro lugar que não fosse na França;

. (...) estamos bastante próximos dela para podermos entrar no espírito que a conduziu e para compreendê-lo. Em breve isso ficará difícil, pois as grandes revoluções que são bem sucedidas, fazendo desaparecer as causas que as produziram, tornam-se assim incompreensíveis justamente por causa do seu sucesso;

. (...) o cristianismo havia suscitado ódios furiosos porque os sacerdotes eram proprietários, senhores, dizimeiros, administradores... a Igreja deveria ocupar seu lugar na nova sociedade mas ela ocupava o lugar mais privilegiado e mais forte naquela velha sociedade que seria reduzida a pó. Pelas funções eclesiásticas, esse religiosos possuíam feudos ou propriedades. Tudo na igreja era pago; o pobre não conseguiria sequer ser enterrado gratuitamente;

. Vimos sublevarem quando necessário o pobre contra o rico, o plebeu contra o nobre, o  camponês contra o seu senhor. A Revolução Francesa  foi aos mesmo tempo seu flagelo e sua professora; ela nasceu do ódio pelas desigualdades e o encontros da  igualdade e liberdade;

. A Revolução teve algo de revolução religiosa, religião imperfeita, sem Deus, sem culto e sem outra vida, mas que ainda assim, como o islamismo, inundou toda a Terra com seus soldados, apóstolos e mártires;

. Essas revoluções que afetaram a maioria dos povos europeus substituíram instituições feudais por uma ordem social e política mais uniforme e mais simples que tinham como fundamento a igualdade de condições;

. Diz o Autor que já na época da Revolução não existia nos campos a servidão, porque os camponeses trabalhavam livremente, compravam e vendiam... (!?)

Mas, no tocante à administração de qualquer província, aldeia, por menor que fossem, não tinham poderes para resolver questões particulares a ela pertinentes. Tudo era levado à administração central;

. A Revolução vendeu todas as terras do clero e parte das terras da aristocracia, mas essas terras foram adquiridas por quem já possuía outras.

. O Conselho do rei tinha amplos poderes: judiciário, podendo anular decisões de todos os tribunais, discutir leis e decidir sobre o rateio de impostos. E com tantos poderes, havia abusos. Os impostos de regra oprimiam os agricultores, havendo grandes beneficiários de isenção entre a aristocracia e burguesia. Por desigualdades dessa natureza os menores golpes de arbitrariedade de Luis XVI eram difíceis de suportar comparados com o despotismo de Luis XIV;

A separação da nobreza francesa das demais classes (aldeões, burgueses) era notória e odiosa; cidadãos divididos e encolhidos em si mesmos todos curvados se sujeitando ao poder régio que tolhia as liberdades públicas. O burguês ficou tão apartada do povo quanto o próprio fidalgo. Isso ia preparando os franceses para derrubar o despotismo, talvez para fundar em seu lugar o império pacífico e livre das leis;

. Falta de dinheiro do reino - práticas desonestas: (...) a cada passo encontramos bens da Coroa vendidos e depois tomados de volta como invendáveis; contratos violados, direitos adquiridos não reconhecidos; o credor do Estado sacrificado em cada crise; a fé pública incessantemente falseada;

. Na Revolução Francesa houve alguma influência da independência americana que se deu em 1776. Mas, o Autor enaltece os escritores franceses de tal modo que quando teve de agir, ela (a literatura) transportou para a política todos os seus hábitos; o espirito de Voltaire estava há muito tempo no mundo; mas o próprio Voltaire só podia imperar de fato no século XVIII na França;

. O descrédito universal de todas as crenças religiosas, influenciou a Revolução. Mas, a irreligião produziu  um imenso mal público; no novo regime a religião se recompôs.

Conclusões 

O livro de 218 páginas tem mais do que essa pequena resenha. Quem o leu e quem o lerá? Não sei, talvez acadêmicos estudiosos da Revolução Francesa cujo "enredo" nenhuma ficção poderá equivaler. 

Bom, eu li, anotei e gostei, porque no final de tudo  problemas que motivaram a Revolução Francesa estão presentes em todo o planeta: o descaso que se dá com a pobreza, as desigualdades entre ricos e pobres, os impostos pagos pela classe pobre, proporcionalmente superiores aos pagos pela classe rica. As religiões dizimistas. E quão difícil é mudar isso, qual difícil! 


Referência

(*) Encyclopedia pela Imagem. Edição de Lello & Irmãos constituída de 4 volumes, formados em fascículos que circularam pelos anos de 1938/1940.




segunda-feira, 14 de outubro de 2024

A CARTOMANTE e outros contos de Machado de Assis

 LIVRO 130












1. A CARTOMANTE

Um triângulo amoroso trágico.

Personagens: Camilo, Rita-Vilela

Camilo e Vilela eram amigos de infância. Rita era esposa de Vilela que amava Camilo.

Esse amor perigoso resultou que Rita buscasse uma cartomante para confessar seu amor e se era correspondida.

Tudo confirmado pelas cartas...

Um dia Camilo começou a receber cartas anônimas nas quais denunciava seu romance com Rita.

Mais sua preocupação aumentou ao receber um bilhete de Vilela que viesse  estar com ele num assunto urgente.

Ele também foi à cartomante para dar indicações do que se passava. 

A cartomante disse a Camilo que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria aos amantes.

Camilo vai ao encontro de Vilela, é conduzido num pequeno cômodo, fica horrorizado com o que viu: Rita morta ensanguentada. Camilo não teve melhor sorte.

As cartas mentiram demais...

2. ENTRE SANTOS

Relata antigo capelão de S. Francisco de Paula que dormia tarde não sem antes verificar se as portas da  igreja estavam bem fechadas,

Uma noite ouviu vozes na sacristia e, atônito, constatou que os santos descendo de seus nichos conversavam sobre  a experiência tidas com os fieis que se ajoelhavam sob seus pés. Nessas conversas participavam S. Francisco, S. João Batista e São Miguel.

Todos relataram casos de fiéis, inclusive duma adúltera que veio pedir força para se libertar das garras do demônio. Começou as orações, mas estava com o pensamento no namorado. Saiu sem nada pedir.

Então, relatou S. Francisco a presença de um homem preocupado com a doença e morte iminente da esposa. Era um usurário conhecido.

Veio pedir a intervenção do santo, depositou uma moeda de ouro e insistiu em fazer dezenas de orações objetivando curar a esposa: 300, 1000 padre-nossos, ave-marias.

Todos os santos riram, mas um riso sereno. Não houve confirmação se a moeda de ouro foi mantida. E se as orações foram cumpridas.

Nesse momento o capelão caiu no chão e mais nada ouviu. Acordou com o dia claro, correndo para abrir todas as portas da igreja e da sacristia, "para deixar entrar o Sol, inimigo dos maus sonhos".

3. UNS BRAÇOS

Aqui, também, um esboço envergonhado de um triângulo amoroso.

Inácio, um adolescente de 15 anos, foi "adotado" pelo solicitador Borges, a aprender a profissão. 

Inácio passou a morar na casa de Borges, que o tratava rispidamente — apontava seus erros constantes. D. Severina, indiferente ao garoto a aos maus tratos de Borges.

Inácio, nas refeições, ficava sempre de cabeça baixa, suportando os maus tratos mas não impedia que admirasse os braços bonitos de D. Severina. 

E ela começou a desconfiar. Olhava para o adolescente com curiosidade, mas acreditava que nada acontecia.

Mas, estaria D. Severina, que se dizia bonita, apaixonada pela "criança"?

Num domingo dormindo pesadamente em sua rede, D. Severina se voltou para Inácio. Era até que bonito.

Tremendo, chegou até ele e o beijou na boca. 

Vexada, receou que Inácio estivesse acordado, que tivesse percebido, mas nada aconteceu que denunciasse seu ato de paixão.

Alguns dias depois, Borges dispensou o aprendiz sem muitas explicações.

Para Inácio aquele beijo o faz repetir, sem saber que se enganava:

—  E foi um sonho! Um simples sonho!

4. UM HOMEM CÉLEBRE

Pacheco era um compositor famoso pelas composições de polca (*) que compunha.

Com muita facilidade.

Com frequência em suas andanças ouvia suas composições sendo tocadas e, claro, dançadas.

Essas composições faziam sucesso.

Seu editor com frequência o procurava para novas composições. As polcas...

Mas, Pacheco, como músico muitas vezes tinha ódio das polcas. Queria algo mais, compor musicas clássicas nos padrões de Mozart, "mas nada, nada, a inspiração não vinha; a imaginação deixava-se estar dormindo". 

Já casado com viúva jovem, tuberculosa, num domingo a chama para ouvir um noturno. Maria dedilha no piano a peça e ambos constatam que era um trecho de oba de Chopin.

Pestana empalideceu.

A esposa morre da doença, mais tarde ele também morre mas nunca se livrou das polcas.

(*) "A Polca é um gênero musical e uma dança de origem europeia que se popularizou principalmente nos séculos XIX e XX. Originária da Boêmia, região que hoje faz parte da República Tcheca, a Polca é conhecida por seu ritmo animado e alegre, que geralmente é executado em compasso 2/4".

5. ERA EXTRAORDINARIAMENTE BELA

Há aqui, também, um triângulo amoroso frustrado, mas um triângulo,

Quintília era a lindíssima, magra, lindos olhos que o narrador da história e seu sócio João Nóbrega, ambos se apaixonaram por ela.

E por isso pouco falavam dela, mas "combatamos pela nossa Quintília, minha e tua, mas provavelmente minha, porque sou mais bonito que tu". 

Então, Nóbrega "arranjou uma nomeação de juiz municipal lá pelos sertões da Bahia, onde definhou e morreu antes de acabar o quatriênio". Morreu apaixonado.

O narrador num dado momento pede Quintília em casamento mas ela não aceita e sugere que sejam apenas amigos.

Quintília tinha uma moléstia "da espinha".

Definhando, resolve Quintília se casar à beira da morte, e ele a "abraçou pela primeira vez, feita cadáver."

Do casamento tenha ela uma aversão puramente física.

"Casou meia defunta, às portas do nada. Chame-lhe monstro, mas acrescente divino".

6. A CAUSA SECRETA

Neste conto, também o triângulo amoroso.

Os personagens, o médico Garcia, Fortunato e esposa Maria Luiza.

A amizade entre eles foi se firmando e, nesses contatos, Garcia, o médico se voltou para Mara Luiza de modo o mais discreto possível.

Tudo começou com uma vítima de esfaqueamento, que Garcia como médico tratou e Fortunado agiu como dedicado enfermeiro.

Nesse relacionamento entre ambos, Fortunato propôs a Garcia abrirem uma clínica. O médico relutou mais aceitou. Fortunato administrava a clínica com muita eficiência, uma preocupação da esposa porque o marido se envolvia com doentes e doenças.

Fortunato passou a estudar anatomia e fisiologia e fazia suas experiências mórbidas com cães e gatos, pelo que Garcia, apoiando a esposa do amigo, pediu que parasse com essas maldades.

O clímax se deu numa noite antes do jantar quando Fortunato torturava um rato de modo cruel porque teria o bichinho se apoderado de papeis importantes.

A partir daí — para não perder o costume desses contos do autor —, Maria Luiza adquiriu a tuberculose, tossia muito e faleceu, para os lamentos de Fortunato que a amava a seu jeito.

Acordando dum cochilo Fortunato flagrou o médico Garcia, beijando por duas vezes a testa da morta. Garcia chorou muito e 

"Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa".

7. O CÔNEGO OU A METAFÍSICA DO ESTILO

Começa assim:

— "Vem do Líbano, esposa minha, vem do Líbano, vem... As mandrágoras deram o seu cheiro. Temos às nossas portas toda a casta de pombos..."

(...)

Então o cônego Matias, pregador efetivo, é convidado a escrever um sermão para uma festa.

Ele se debruça sobre o teor do sermão. "De repente, indo escrever um adjetivo, suspende-se; escreve outro e risca-o, mais outro, que não tem melhor fortuna. Aqui é o centro do idílio. Subamos à cabeça do cônego".

Os substantivos e os adjetivos nascem em centro diferentes do cérebro. Os adjetivos do lado esquerdo. Adjetivos e substantivos têm enlevos sexuais.

Amam-se uns e outros. O casamento é o estilo...

Entram no texto Silvio e Silva que prosseguem em busca um do outro:

— Vem do Líbano esposa minha...

"Procuram- se e acham-se... "Unem-se e entrelaçam os braços..."

"Silvia caminhará agora ao pé de Silvio, no sermão que o cônego vai pregar um dia destes, e irão juntinhos ao prelo..."

8. TRIO EM LÁ MENOR

Aqui, também, um triângulo amoroso, para não perder o costume da temática preferida do Autor. Afinal, em Dom Casmurro (*) esse triângulo insinuado ou às claras foi o mote do romance.

Maria Lúcia tem dois namorados ao mesmo tempo, Maciel de 27 anos e Miranda de 50 anos.

Maciel era mais refinado, circulava no meio da alta sociedade, fútil, dado a falar francês que se notabilizou por ter salvo uma criança que correu na frente dos cavalos da carruagem que transportava exatamente a namorada Maria Lúcia e a avó. Ele virou herói para ambas.

Era comum os dois namorados se defrontarem na casa da namorada. Miranda, já demonstrando a idade que tinha, era mais frio, digamos, adulto. Era pianista.

Passou um tempo, Maria Lúcia se aborreceu dos dois namorados. Ela leu num jornal que havia estrelas duplas.

Viu duas rodelas tipo olho de gato na parede. E, então, fechou os olhos e dormiu. 

"Sonhou que morria, que a alma dela, levada aos ares, voava em direção de uma bela estrela dupla".

Por toda a eternidade oscilaria entre dois astros incompletos...

AcessarDOM CASMURRO




  





domingo, 6 de outubro de 2024

TRÊS CONTOS de Gustave Flaubert

LIVRO 129












"TRÊS CONTOS"

1º - Um coração simples

Neste conto há notória ironia, porque a personagem principal, chamada Felicidade em tudo da vida relatada, nada para ele houve "felicidade".

Seus pais morreram cedo, ela fora contratada para cuidar das vacas em condições precárias, o amor não deu certo porque o noivo se casou com outra mulher.

Ela se tornara criada da sra. Aubain que era invejada por ter Felicidade para os serviços e cuidados da casa. Era tratada com desdém.

Tinha Felicidade com os filhos da sra. Aubain muito apreço, mas a filha a quem ela amava faleceu, faleceu  seu próprio sobrinho num quadro de tristeza.  Nem o papagaio que ganhara e a ele se apegara sobreviveu muito. 

Nos seus delírios religiosos se ajoelhava rezando à ave empalhada. 

Nos seus último momentos, "e ao exalar o último suspiro, pareceu-lhe ver no céu entreaberto, um papagaio gigantesco voando por cima da sua cabeça".

Neste conto, a felicidade não fez parte da vida da personagem.

2º - A lenda de São Julião, o hospitaleiro

Julian nascera num castelo.

Na igreja, ainda menino, se deparou com um ratinho que saia de sua toca. 

Tanto fez que um dia ele matou o ratinho e se surpreendeu com o sangue do bichinho.

Com o passar do tempo, com armas que tinha disponível, passou a matar qualquer animal à sua frente nas caçadas, tornando-se perverso e malvado.

Um dia massacrou uma manada de veados. Um deles, um enorme animal, antes de morrer lhe disse:

— Maldito! maldito! maldito! Um dia, coração feroz, assassinarás teu pai e tua mãe".

Aquela cena o impressionou e ele foi largando as armas.

Mas, Julião montou seu exército que defendeu um Imperador que fora atacado por "infiéis" derrotando o inimigo e, como recompensa, recebeu a filha do Imperador em casamento.

Ausente, seus pais envelhecidos que estavam à sua procura foram recebidos por sua esposa que os aconchegara em em sua própria cama. Voltando para sua moradia, sem ver quem ocupava sua cama, pensando em adultério, os matou.

Com esse crime, ele se retirou de casa, alojando-se à beira de um rio perigoso de ser transposto. 

Com um velho barco, fazia esse serviço aos que precisavam atravessar o rio.

Uma noite ouviu um chamado insistente: Julião!

Estranhou, mas foi buscar quem o chamava na outra margem. Era um leproso em estado deplorável.

O doente tudo lhe pediu, inclusive que Julião o esquentasse com seu próprio corpo.

Deu-se, então, a revelação divina, as luzes da redenção: o leproso era Jesus Cristo que assim o perdoou. (*)

"Eis aí a história de São Julião, o Hospitaleiro, mais ou menos como pode ser encontrada num vitral de igreja, na minha terra".

(*) Referência 

Essa lenda tem alguma semelhança com a de São Cristóvão relatada no livro abaixo: Acessar: O MISTERIO DAS CATEDRAIS

3º - Herodias

Este é a história de João Batista, o Yocanaan que condenou de modo veemente, o casamento de Herodias com Herodes Antipas porque ambos eram casados. E João Batista denunciava nesse matrimônio um incesto  porque Antipas era "meio-tio" de Herodias. 

Por isso, João Batista, do fundo de um fosso onde estava preso nas piores condições, gritou para Antipas:

— Rugirei como um urso, como um asno selvagem, como uma mulher dando a luz! o castigo já baixou sobre seu incesto. Deus  te castiga com a esterilidade das mulas!

Com essa severidade, dizia Antipas que Yokanaan o impedia de viver.

O essênio Fanuel adverte Antipas de que deveria se conter de sua cólera violenta propondoJoão Batista fosse libertado. 

Antipas qualifica o prisioneiro como "animal feroz". 

Ao que responde o essênio:

—  Não tenhas mais receio. Irá pregar entre os árabes, os gauleses, os citas. Sua obra deverá estender-se até os confins da terra!

Então, num festim se apresenta Salomé, filha de Herodias do outro casamento e, tão sensual seduz Antipas que a chama:

— Vem! vem!

Nesse quadro de sedução, Salomé lhe pede a cabeça de Yokanaan.

O tetrarca se sentiu esmagado, mas a cabeça de João Batista foi entregue numa bandeja como Salomé exigira...

— Consola-te! Ele baixou ao reino dos mortos a fim de anunciar o Cristo, disse alguém...

 O essênio compreendeu então aquelas palavras "Para que Ele cresça é preciso que eu diminua".


 O Livro:

Este livro que está comigo é de impressão rústica, edição antiga quase se decompondo. Mas, deu uma visão diferente do Autor francês.


Outra obra de Flaubert resenhada neste acervo podendo ser acessada é:

MADAME BOVARY


quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A PESTE de Albert Camus

 LIVRO 128












O livro foi publicado em 1947.

O francês Camus recebeu o premio Nobel em 1957.

O livro foi inspirado na invasão nazista à França.

A narrativa do livro leva a essa conclusão porque o Autor se refere a covas coletivas, grandes fornos de incineração para resolver as milhares de vítimas do flagelo. E há esta menção quando a doença fora vencida: ... no fim da tarde, em meio aos sinos, ao canhão, às músicas e aos gritos ensurdecedores.

Mas, o livro está repleto de ternuras e solidariedades no meio da tragédia.

Tudo começa, subitamente, com imenso volume de ratos mortos que surpreende a cidade de Oran, pacata e progressiva com porto movimentado,

À medida que os ratos foram aparecendo, teve inicio um surto de febre que para alguns afetados foi fatal. Aqueles gânglios inchados e dolorosos...

Até que foi pronunciado o nome da doença após vacilações: a peste.

A partir dai da cidade ninguém entra e ninguém sai,

Todos se poupam, saem pouco de casa, apenas os cafés recebem algum publico à noite tendo-se a esperança que um soro sendo preparado pelo dr. Castel contenha a doença.

Cães e gatos começam a ser mortos.

[Muitas situações contadas no livro, lembram os tempos da covid-19 que eclodiu no planeta em 2022. Mas, no romance havia a esperança no soro em preparação e não houve quem negasse sua eficácia mesmo na fase experimental].

No pico da doença, muitos foram os mortos: o cemitério esgotado e, na angústia de resolver sobre os cadáveres, a prefeitura recuperou fornos incineradores.

A desorientação de todos fez com que os cafés anunciassem que "quem vinho bebe, mata a febre", incentivando o consumo da bebida e a presença dos "concidadãos". 

São Personagens da "crônica" como qualifica o Autor:

Dr. Bernard Rieux: o médico dedicado, visitante que se desdobrou na cura dos doentes mas se mantinha sereno às dezenas de morte que passavam pelos seus cuidados sem possibilidade de cura. A mãe vivia com ele e a esposa estava fora da cidade, para tratamento de saúde, longe da contaminação, mas que viria a falecer.

Joseph Grand: funcionário público, amigo e colaborador de Rieux um dia chorou porque sua esposa o abandonara antes da eclosão da peste.

Rambert: jornalista que estava a trabalho em Oran, nela teve que permanecer porque a doença não permitiu que ele deixasse a cidade. Com saudades da noiva, tentou sair subornando guardas que controlavam a saída da cidade, mas resolveu ficar e ajudar o medico Rieux. Com a cura da peste, sua noiva se reuniu com ele na cidade.

Cottard: representante  de vinhos, tentou o suicídio, foi salvo e se tornou amigo do médico e de Jean Torrow. Ele era atormentado porque naquela crise de saúde era  contrabandista. Parecia recear que a peste fosse vencida. No final, com a cidade em festa pela cura, ele se armou e começou a atirar a esmo de seu apartamento sendo contido pela polícia.

Jean Tarrow: Estava na cidade pensando em negócios, se uniu à luta contra a doença, sempre aliando das vítimas a partir de um julgamento quando seu pai, por dever de oficio acusou severamente um criminoso. Dizia que buscava a santidade e a paz a serviço dos homens. Aliou-se ao Dr. Rieux. Mas, não teve tempo de alcançar a santidade...

Padre Panelaux: fez sermão severo sobre a doença: "irmãos, caístes em desgraça, irmãos, vos o mereceste", mas logo lembrou que a peste fora uma das pragas anunciadas por Moisés ao faraó se se recusasse a obedecer os desígnios de Deus. O padre também foi vítima da doença.

Frases:

● O mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida, pode causar tantos danos quanto a maldade.

● A peste é preciso que se diga, tirara a todos o poder do amor e até mesmo a amizade. Porque o amor exige um pouco de futuro e para nós só havia instantes.

● Depois de um silêncio, o médico perguntou a Tarrow se ele tinha ideia sobre o caminho que era preciso para se chegar à paz. Torrow: — Tenho. A simpatia.


O livro é bom, dá para refletir, especialmente porque descreve situações assemelhadas com os tempos da covid-19 de 2022.






terça-feira, 10 de setembro de 2024

A ORIGEM DAS ESPÉCIES de Charles Darwin

 LIVRO 127

AOS QUE ME HONRAREM COM A LEITURA DESTA RESENHA ME CORRIJAM ESTABELENDO-SE UM DIÁLOGO CONSTRUTIVO SOBRE ESTE TEMA TÃO CONTROVERTIDO.












Este livro, clássico da ciência biológica, do evolucionismo das espécies é muito difícil, creio que mesmo para quem afeito à matéria é muito mais para o leigo que se mete a tentar ler o grosso volume. O exemplar que está comigo tem o tamanho fora dos padrões, 350 páginas, impresso em fonte miúda. Tudo muito complicado.

O livro foi publicado a primeira vez em 1859 na Inglaterra.

Por que me propus a desvendar essa obra do sábio? Porque precisava entender qual tese defendera ele em suas exaustivas pesquisas e, afinal de contas, onde incursionara ele em negar ou não negar o criacionismo, isto e, as páginas da criação bíblica das espécies.

A minha conclusão é que Darwin ignora essa construção religiosa, mas não nega a presença de Deus na criação até porque na evolução das espécies pela seleção natural há dúvidas e situações inexplicáveis que nem ele nem os muitos estudiosos que se debruçaram sobre o tema, mencionados no livro, explicaram.

Ele pode ter defendido que algumas crenças não têm rigor científico, mas esse fato não as desmente, me parece assim, não as ataca:

"Na hipótese da criação independente de cada ser, podemos apenas notar esse fato, acrescentando que aprouve ao Criador constituir todos os animais e todas as plantas de cada classe sobre um plano uniforme, porém não é explicação científica".

E há essa pergunta que me assalta: todas essas espécies primitivas, as mais elementares estudadas por Darwin, tiveram qual impulso da criação original explicado cientificamente?

Muito bem, espécies evoluem obtendo alterações físicas para se adaptarem a um novo ambiente, em novos desafios de sobrevivência e, nesses casos, podem se distanciar ao longo do tempo, dos caracteres dos ascendentes podendo mesmo os substituir com e aquisição de novas aptidões que se incorporam ao seu modo de vida.

Darwin, sobre os seres humanos e os macacos diz pouco, não incluiu as espécies sequer como "parentes". Porque é corrente a indagação da estreita proximidade do DNA entre os homens e os chimpanzés sugerindo que o homo sapiens descende dos macacos.

Do ponto de vista das teorias de Darwin, tal qual outros animais e plantas semelhantes, eles derivam de troncos comuns especialmente quando se trata de duas espécies que caminham segundo seu ciclo de vida, os homo sapiens fazendo escolhas enquanto que os primatas nas suas centenas de espécies que povoam no seu habitat natural agem pelos instintos.

Tem-se visto amiúde chimpanzés domesticados que assumem atitudes muito próximas dos humanos, são inteligentes, praticam pequenas tarefas, mas são limitados porque lhes faltariam aquele pouco do DNA.

Se de algum modo os primatas se transformam um humanos pela sua evolução? Não por meios naturais encontrados neste planeta. Que se diga como um fenômeno inexplicado que eclode num outro plano de criação, entre tantas outras constatações inexplicadas citadas por Darwin.

E, ademais, nem se pode afirmar se fossem idênticos os DNAs dos chimpanzés ou qualquer primata se agiriam como o homo sapiens!

Sobre homens e macacos o posicionamento de Darwin:

"Enfim, mais de um autor tem perguntado por que, em alguns animais mais do que em outros, o poder mental adquiriu um grau mais elevado de desenvolvimento, quando o desenvolvimento oferecia vantagem para todos. Por que os macacos não adquirem as aptidões intelectuais do homem? Poder-se-ia indicar diversas causas, mas é inútil expô-las porque não passam de simples conjecturas; além do mais, não podemos apreciar à sua probabilidade relativa. Não se poderia esperar resposta definida à segunda questão, porque ninguém solucionará o problema bastante simples porque, dadas duas raça de selvagens uma atingiu um grau mais elevado que a outra na escala de civilização, fato que parece contornar um aumento das forças cerebrais." (*)

Melhor que o sábio apenas dissesse que não tem como explicar esse "aumento das forças cerebrais"!

E a frase:

"Estou convencido de que a seleção natural tem sido o agente principal das modificações, mas jamais o foi exclusivamente só".

Sobre a lei da sobrevivência ou a lei do mais forte

 ► Os seres organizados em algumas fases da sua vida... "devem lutar pela sobrevivência e permanecer exposto à destruição". Mas, sem medo, desconhecido, mesmo com a morte geralmente pronta, "os seres vigorosos, sadios e afortunados sobreviverão e se multiplicarão".

 ► "No estado da natureza, pelo contrário, a menor diferença de conformação ou de constituição basta para fazer pender a balança na luta pela vida e assim perpetuar-se".

 ► A seleção natural pode fazer uma planta produzir sementes em maior quantidade que são disseminadas pelo vento, um fácil processo de aperfeiçoamento.

 ►"Um veado desprovido de chifres ou um galo desprovido de esporas teriam poucas possibilidades de constituir descendentes".

 ► "A seleção natural atua exclusivamente  no meio da conservação e acumulação das variações que são úteis a cada indivíduo nas condições em que pode encontrar-se situado em todos os períodos da vida". 

 ► Há espécies que em nada se alteram mesmo vivendo em condições adversas de ambiente cujas causas "absolutamente ignoramos".

 ► À aceitação da conformação de espécies híbridas não parecidas com os pais mas a outras espécies, "é querer, enfim, escarnecer da obra de Deus".

 ► O conhecimento dos pintainhos em bicar os ovos, se livrarem dessa casca e desde logo se alimentarem dos grãos encontrados no chão, a explicação mais plausível  "é que o hábito adquirido pela prática numa idade mais avançada, se tenha transmitido por hereditariedade, à idade mais precoce".

 ► (...) os animais domésticos reduzidos à domesticidade perderam alguns instintos naturais e adquiriram outros, tanto pelo hábito como pela seleção e a acumulação que fez o homem, durante gerações sucessivas..."

 ► "Com efeito, o desenvolvimento pela seleção natural, de um conjunto de formas, todas oriundas de um ascendente único, deve ter sido muito longo, e as espécies primitivas devem ter vivido muitos séculos de sua descendência transformada", 

 ► Pela teoria da seleção natural, "as espécies novas formam-se porque possuem algumas vantagens sobre as mais antigas",

 ► "Concluímos (...) que as sementes de 14 entre 100 das plantas de uma região qualquer podem  ser arrastadas durante vinte e oito dias pelas correntes marítimas sem perder a faculdade de germinar", em outra localidade ou ilha. As aves podem também disseminar sementes fora de seu habitat natural.

 ► "Em síntese, vimos que seleção natural, que se origina da luta pela sobrevivência e que implica quase inevitavelmente a extinção das espécies e a discordância dos caracteres entre os descendentes de uma mesma espécie-mãe..."

 ► "Pode-se dizer que a natureza se esforça por nos revelar, por meio dos órgãos rudimentares, bem como pelas conformações embrionárias e homólogas, o seu plano de modificações que nos recusamos obstinadamente a compreender".

 ► "Como a seleção natural atua somente acumulando variações pequenas, sucessivas e favoráveis, não podem produzir modificações notáveis ou súbitas; só podem agir a passos lentos e curtos. Esta teoria torna fácil de compreender o axioma: Natura non facit saltus..." (A Natureza não dá saltos).

E uma das últimas afirmações de Darwin já no final do volume — que até agora não se realizou depois de 165 anos da publicação de sua obra clássica: a evolução material é imensa, descobriram-se fenômenos impensáveis do Universo, mas as origens do homem continuam sem respostas e, pior, na sua insanidade está devastando o planeta que mal conhece. A frase que selecionei para finalizar e esta:

 ► "Entrevejo, num futuro remoto, caminhos abertos a pesquisas muito mais importantes ainda. A psicologia será solidamente estabelecida sobre a base não bem definida por Mr. Herbert Spencer (**), isto é, sobre a aquisição  necessariamente progressiva de todas as faculdades e de todas as aptidões mentais, o que lançará uma nova luz sobre a origem do homem e sua história". 


CONCLUINDO

Na difícil leitura da obra concluo que poucos a conhecem e a mencionam por "ouvir dizer" de modo mais destacado em ambientes religiosos, emitindo conceitos equivocados.

REFERÊNCIAS

(*) Uma explicação "não científica" mas da "ciência oculta": "Ao invés de serem os progenitores das espécies superiores, os monos (designação aos macacos em geral) são os atrasados que ocupam os exemplos mais degenerados daquilo que foi antes forma humana. Em lugar de ser o homem que ascendeu dos antropoides, o contrário é que é verdade: os antropoides são uma degeneração do homem. A ciência materialista, que trata só da Forma, equivocou-se e tirou do assunto conclusões errôneas". (Max Heidel  - "Conceito Rosacruz do Cosmos")

(**) Wikipedia: Herbert Spencer foi um filósofo, biólogo e antropólogo inglês, bem como um dos representantes do liberalismo clássico. Spencer foi um profundo admirador da obra de Charles Darwin. É dele a expressão "sobrevivência do mais apto", e em sua obra procurou aplicar as leis da evolução a todos os níveis da atividade humana.

Tema correlato, acessar:

Sapiens - uma breve história da humanidade


sábado, 24 de agosto de 2024

OLGA de Fernando Morais

 LIVRO 126













O livro foi lançado em 1984 e filmado em 2004.

Por que demorei tanto a chegar até ele ou ele a mim? Pela minha rejeição a Luiz Carlos Prestes que, para mim, foi sempre um revolucionário amador a quem atribuo a participação direta ou indireta em dois golpes de estado: em 1937 ano em que Getúlio Vargas oficializou a ditadura do Estado Novo que vinha desde 1935 após a denominada intentona comunista, encabeçada por Prestes e, em 1964, naquele seu jogo de palavras, do tipo: "os comunistas não estavam no poder mas já estavam no governo"(*)

Prestes se tornou o "cavaleiro da esperança", após comandar a Coluna Prestes na metade dos anos 20 cujo objetivo inconvicto era depor o presidente Arthur Bernardes. Percorreu 25 mil quilômetros pelo território nacional, vencendo rusgas com as forças oficiais, mas que se encerrou melancolicamente na Bolívia.

O livro trata desses episódios históricos com precisão, mas o tema central trata da vida e morte de Olga Benário que fora colocada como par de Prestes com a intenção de promover no Brasil a revolução comunista.

 Prestes se encantara com a doutrina comunista e partira para Moscou em 1931.

Olga por sua vez era notória comunista na Alemanha, da Juventude comunista de seu pais, com um traçado heroico ao libertar da prisão, com cúmplices, seu namorado, Otto Braun também comunista convicto. Essa ação, sem detalhes no livro, deu-lhe muito prestígios nas hostes comunistas mesmo na União Soviética.

Com o par formado, com muitos percalços e dificuldades, o casal, clandestinamente, chega ao Brasil e com ele outros agentes com identidade falsa e não menos clandestinos para promover a revolução comunista no maior país da América Latina.

Inesperadamente, os jornais noticiaram uma revolta qualificada de comunista havida no Rio Grande do Norte e Pernambuco.

Fora uma precipitação, porque se dera sem o controle de Prestes e seus agentes, incluindo a sua esposa Olga. 


Nos planos para a ação revolucionária, o grupo de Prestes se convenceu da dificuldade em contar com os trabalhadores para viabilizar a revolução.


Mesmo assim, o movimento foi tentado no Rio de Janeiro, que durou pouco, de 23 a 27 de novembro (de 1935) dominado pelas forças do governo.

 

Um detalhe importante: nesse mesmo ano de 1935 fora instituída a ANL - Aliança Nacional Libertadora cujos mandatários diziam que não tinha a organização natureza comunista, mas uma ideia que congregaria movimentos populares e suas aspirações, a classe média, trabalhadores. Isso me disse um dia Abguar Bastos, um dos fundadores. Mas seus núcleos espalhados, as milhares de adesões aos seus quadros não poderia evitar a infiltração comunista. O Autor coloca a ANL como aliada de Prestes na denominada intentona comunista fracassada.


Todos os principais aliados de Prestes foram presos. Foram torturados de modo cruel a mando de Filinto Müller o todo poderoso agente getulista da repressão. O alemão Arthur Euert por causa dessas torturas, enlouqueceu.


Prestes e Olga se esconderam como puderam sendo procurados rua por rua, casa por casa no Rio de Janeiro até serem encontrados e presos.


Olga, alemã, judia e comunista foi entregue à Gestapo naqueles tempos em que o nazismo era festejado por aqui. 


No campo de concentração de Ravensbrück ela esteve presa em solitárias, nas condições mais precárias, sempre liderando as presas quando convivendo com elas no mesmo pavilhão.


Nesse campo de concentração havia "experiências científicas" sórdidas com prisioneiras.


O Autor não se referiu à comida servida às presas no campo de concentração.


Grávida de Prestes, deu a luz à Anita que lhe foi tirada após o período de amamentação mas a menina entregue à avó Leocádia, a valente mãe de Prestes.


Parece que a maternidade e o sofrimento na prisão, o choque de sua filha retirada de seus braços, seu isolamento, o controle rigoroso da Gestapo, mas sempre mantendo a esperança, despertou em Olga aquele sentimento muito humano da compreensão e do amor.  


Olga foi morta em 1942 na câmara de gás de Bernburg.


Prestes teve uma vida de equívocos.



► Gostei muito do livro pelo rigor histórico, pelas pesquisas e por descrever com riqueza o drama de Olga na prisão, de sua sogra e cunhada que assumiram a luta pela sua proteção e libertação. Prestes só saberia do destino trágico da esposa, em 1945, quando libertado.

Referências

(*) Relato da deputada Ivette Vargas ouvido numa entrevista de Luiz Carlos Prestes. 







terça-feira, 9 de julho de 2024

A ARTE DA GUERRA de Sun Tzu

 LIVRO 125











Este livro, de pequeno extensão, está comigo há bom tempo.

O livro transmite sabedorias de combate na guerra que são a antítese do taoismo e do confucionismo que são contemporâneos:

O taoismo (tao = caminho) é também uma proposição filosófica de Lao-Tse (século IV AC) que defende a simplicidade, humildade, a contemplação, a serenidade, a compaixão...

Na arte da guerra de Sun Tzu, sobre o Taoismo:

"O Tao é o caminho da clemência e da justiça. As "leis" são os regulamentos e as instituições. Aqueles que se distinguem na guerra são justos e clementes, e respeitadores das leis e das instituições. Tornam o seu governo invencível."

O confucionismo é um sistema filosófico ensinado por Confúcio que propõe a elevação do conhecimento e espiritualidade do homem.

Confúcio sempre tentou persuadir os soberanos para não promoverem lutas pelo poder, mas nunca ouvido. Suas ponderações sobre o pacifismo e éticas não eram levadas a sério, "perda de tempo". 

Na sua apresentação, pela própria editora, é revelado que a estratégia de conhecer o inimigo, suas virtudes e fraqueza, conhecer o terreno das batalhas é essencial para vencer a guerra.

O livro escrito há cerca de 500 AC inspirou, hoje, procedimentos da administração moderna tomando-se as estratégias do Autor nas guerras para aplicar nos negócios e vencer.

Mas, não há que se iludir. Seu teor é realmente a vitória na guerra e, para tanto, lá estão a violência e a crueldade. 

O comandante deve demonstrar os atributos de sabedoria, sinceridade, humanidade, coragem e exigência e com tais princípios deve dar instruções claras dos objetivos a atingir nos combates de tal modo que a disciplina rigorosa entre os combatentes seja observada. O combatente indisciplinado, por melhor que seja, poderá por seus atos ser decapitado. 

"A guerra é uma questão vital para o Estado. Por ser o campo onde se decidem a vida ou a morte, o caminho para a sobrevivência ou para a ruína..."

Tal os cuidados que o general conhecendo o campo de batalha, as condições das tropas inimigas, pode até mesmo não seguir as ordens do soberano.

"Ocasiões há em que as ordens do soberano não necessitam ser obedecidas".

Dai porque é necessário estudá-la com o máximo de cuidado de tal ordem a evitar uma guerra cujos efeitos signifiquem a derrota ou combates que fogem dos objetivos que haviam sido traçados antes que ela começasse.

E, ademais

"A vitória e o principal objetivo na guerra. Se tardar a ser alcançada, as armas embotam-se e o moral baixa. As tropas a ter que atacar cidades mostrar-se-ão exaustas".

"A velocidade é a essência da guerra. Aproveita-te da falta de preparo do inimigo. Viaja por estradas onde não sejas esperado e ataca-o onde não está precavido".

Há conflitos nos dias atuais que parecem seguir a absoluta falta de critérios e, como tal, fazem vítimas que estão no território da guerra mas que pouco tem a ver com ela. São conflitos sem preparo e sem profunda reflexão.

"Não premieis a matança".

FRASES:

● Um homem impulsivo é fácil de enraivecer e ser levado ao seu fim. Quem facilmente se enfurece é irascível, obstinado e apressado. Não pondera as dificuldades.

● Quem está sempre preocupado com a defesa de sua reputação, não olha mais nada.

● Proíbam-se conversas acerca de agouros e feitos sobrenaturais. Limpem-se os planos de dúvidas e incertezas.

● Aparente inferioridade e provoque a arrogância do adversario.


"A ARTE DA GUERRA" E A CHINA

Há chineses pensadores que admitem que Mao Tsé-Tung foi o ditador do caos. Faleceu em 1976 e, a partir dai, a China começou a mudar de rumo em relação ao planeta.

Em 1979 Deng Xiaoping visita os Estados Unidos e não é possível avaliar o que pensara ao ver de perto a modernidade americana naqueles tempos, aquelas cidades suntuosas, o progresso técnico, a modernidade, a liberdade.

Na década de 80 a manchete: "A China abre-se para o mundo".

Os produtos chineses eram quinquilharias, de má qualidade, e quando se tratava da identificação "made in China" logo vinha à mente produto de má qualidade.

Propositado ou não, a China, nos termos do livro de Sun Tzu, a partir dai passou a identificar o terreno dos "adversários" e a o conhecer:

"Direi pois: "Conhece-te a ti e ao seu inimigo e, em cem batalhas que sejam, nunca correrás perigo".

E devagar, nesse mundo competitivo e desafiador, a China foi se superando e se impondo no mundo dominando tecnologia sofisticada e quebrando barreiras comerciais:

"Se a minha força for cinco vezes o do inimigo, assusta-o à frente, surpreendo-o na retaguarda, faço grande tumulto a leste e golpeio pelo oeste."

Com Xi Jimping, a China se identifica como um ditadura capitalista a ponto de conter entre seus cidadãos, milionários que usufruem dessa modalidade de governo.

E nesse progresso vertiginoso, há que tratar os aliados:

"Ofereço aos meus aliados em perspectiva coisas valiosas e sedas, e comprometo-os com acordos, que sigo rigorosamente, após o que, certamente, me auxiliarão".

Até aonde chegará a China? Será daqui a um tempo a maior economia do mundo superando os Estados Unidos?

O tempo dirá.