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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA - Projetos para o Brasil - Textos reunidos e comentados por Miriam Dolhnikoff

LIVRO 96 


 


 











O livro não explana com detalhes os precedentes da proclamação da Independência por D. Pedro em 7 de setembro de 1822 às margens do riacho do Ipiranga.

Em poucas linhas, então. 

Dom João VI voltara a Portugal por injunções políticas que lá espocaram, deixando aqui Pedro como príncipe Regente da Colônia.

Mas, Portugal passou a pressionar as atividades comerciais que mantinha a Colônia especialmente com a Inglaterra.

Pedro, foi chamado a Portugal. Sua ida significaria o enfraquecimento da aspiração da independência da Colônia que era alimentada no meio político mais esclarecido.
A princesa Leopoldina, esposa de D. Pedro de certo modo aliada a José Bonifácio o convencera em janeiro a permanecer no Brasil. 

Com o agravamento da pressão da coroa portuguesa que exigia a volta do príncipe a Portugal, Dom Pedro em viagem a São Paulo, em setembro, por cartas dirigidas a ele pela esposa e por José Bonifácio — que fora em janeiro nomeado ministro do Império e Negócios Estrangeiros —,  não só reafirmavam que deveria ele permanecer no Brasil e, por outra conta, proclamar a independência.

Este o trecho da carta da princesa Leopoldina:

 “O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio, ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida.

Dia 7 de setembro:
Então, D. Pedro proclama a independência afirmando mesmo que qualquer tropa portuguesa que estivesse no Brasil ou para cá viesse seria considerada inimiga.

José Bonifácio pela sua participação nos atos da independência, influenciando D. Pedro, seria proclamado o "patriarca da independência". 

Esse título seria alterado para patrono quase dois séculos depois, pela Lei nº 13615 de 11.01.2018 que estabeleceu no artigo 1º: "O estadista José Bonifácio de Andrada e Silva é declarado Patrono da Independência do Brasil."

O texto acima tem por objetivo dar um breve trato histórico não explanado no livro. Excertos do livro começam nas linhas a seguir.

Em meados de 1823 se indispõe com D. Pedro e pede demissão do ministério.

Eu imagino, pelos projetos que revela o livro, as ideias de Bonifácio, que não seriam difíceis desentendimentos com um monarca jovem como era D. Pedro. 

Nesse mesmo ano fora instalada a Assembleia Constituinte, na qual José Bonifácio como deputado constituinte apresenta dois projetos: o da libertação dos escravos e o outro o de civilizar os índios bravos do país. 

No caso do projeto da libertação dos escravos, a defesa de Bonifácio até surpreende pelos argumentos que usou. No período de 65 canos entre a proposição de José Bonifácio e abolição em 1888 houve muitos abolicionistas mas creio que Joaquim Nabuco foi o mais destacado deles.

Um trecho longo extraído da exposição de motivos de seu projeto abolicionista:

"Foram os portugueses os primeiros que, desde os  o tempo do infante d. Henrique, fizeram um ramos de comércio legal de prear (fazer prisioneiro) homens livres, e vendê-los como escravos nos mercados europeus e americanos. Ainda hoje perto de quarenta mil criaturas humanas são anualmente arrancadas da África, privadas de seus lares, de seus pais, filhos e irmãos, transportadas às nossas regiões, sem a menor esperança de respirarem outra vez os pátrios ares, e destinadas a trabalhar toda a vida debaixo do açoite cruel de seus senhores, elas, seus filhos, e os filhos de seus filhos para todo o sempre."
  
Quão terrível essa análise: os escravos no Brasil só seriam libertados 65 nos depois o que dá para entender o racismo atávico de tantos até hoje.

No que se refere aos indígenas, seu projeto de integração deles na sociedade brasileira foi bastante extenso, cuidadoso propondo câmaras em cada aldeia para controlar a vida social nessa linha catequista. sempre com a presença de um juiz, vigário.

O projeto, em 1823 fora por demais avançado. Havia os indígenas mais "aculturados" mas havia aqueles que ele chamava de "bravos".

E, então, para esses os missionários deveriam estudar a sua língua e costumes, seu caráter...

Mas, não civilizá-los à força.

E depois, eram os selvícolas "vagabundos" e "voluptuosos" que tinham um modo de vida com nenhuma ou poucas exigências materiais.

"Apesar da indolência excessiva dos índios, são em geral robustos, e amam a guerra, mas detestam o trabalho".

E muitos se perdiam no excesso de consumo de cachaça.

Relata José Bonifácio a presença do padre Vieira quando em 1615 se conquistou o Maranhão quando havia mais de 500 aldeias, em 1652 tudo se consumara. As aldeias eram poucas, cerca de 800 indígenas:

"Calcula o padre Vieira que em trinta anos, pelas guerras, cativeiros, e moléstias, que lhes trouxeram os portugueses, eram mortos mais de dois milhões de índios.

E, pondera, José Bonifácio que "o único favor que nos devem os índios é deixarem de comer carne humana."

Nos dias de hoje, os indígenas que sobreviveram a tudo isso continuam num processo lento de extinção adiada por causa das reservas que lhes foram garantidas, mas que vão sendo invadidas por grileiros, trapaceiros e devastadores das florestas.

José Bonifácio defendia, pode-se dizer, uma raça brasileira com a união de negros e brancos (nascendo os mulatos) e índios:

"Misturados os negros com as índias, e teremos gente ativa e robusta - tirará do pai a energia e da mãe a doçura e bom temperamento".

Em novembro de 1823 Dom Pedro extingue a Assembleia Constituinte por discordar dos seus rumos. Bonifácio é preso e exilado para a França onde permanece até 1829 ano em que volta ao país.

Mas, sobre esse gesto de violência política disse Bonifácio que "todas as tropas que dissolveram a Assembleia são criminosos de lesa-nação e como tais deveriam ser punidos" incluindo aqueles que prenderam os deputados invioláveis..

Informa o livro que José Bonifácio tinha facilidade em arrumar inimigos palacianos inclusive dos Castros, Domitila de Castro e Mello,  Marquesa de Santos, a mais notória entre as amantes de D. Pedro.

Por tudo isso José Bonifácio profere ofensas pessoais contra D. Pedro, do tipo: "soberbo sem estímulo de glória", "sensual sem delicadeza", "cruel por insensível", "sem amigos",  "invejoso e desconfiado"... e por aí vai. 

 ▼

● Literatura: José Bonifácio envereda ea literatura, faz análises de diversos autores anteriores ao seu tempo, discorre sobre a literatura portuguesa e espanhola e para ser poeta:

"A minha veia poética foi aguada pelo amor na primeira mocidade, depois pela vista e contemplação das grandes belezas da natureza em minhas viagens e estudos - para ser poeta é preciso ser namorado ou infeliz." 

 ● Filosofia

Força primordial: "A vontade é a força primordial verdadeira do universo, a que só pode morar nos grandes espíritos."

"Ao ser humano só foi dada uma ou outra faísca da verdade, mas não a plena luz, todos devem buscá-la sincera e zelosamente."

 ● Religião

"O clero, quando não pode ser amo, é escravo dos reis."

"A religião que convida à vadiação e faz do celibato uma virtude é uma planta venenosa no Brasil. Demais o catolicismo convém mais a um governo despótico que a um constitucional."

 ● Miscelânea

"Por que motivo as mulheres devem obedecer as leis feitas sem sua participação e consentimento?"

"Os homens desejam e depois amam; as mulheres amam e depois desejam."

"A verdade é um dos dons mais preciosos que o homem obscuro pode fazer ao homem poderoso."

"Boa regra de viver: fugir de grandes, e cortesãos, sobretudo de frades e clérigos."

 ● Pessoal

"Sempre gostei de passar de um livro a outro diferente, assim como de uma ocupação a outra."

"A fdp ( baixo calão grafado literalmente no texto) da morte,  pois pelo pecado entrou no  mundo, ainda que pouco me importa saber de onde entrou. Enquanto estas duas pernas de aranha puderem mover-se, buscarei fugir-lhe, pondo-me em marcha a grão galope."


FINALIZANDO...

● José Bonifácio, estudou em Coimbra, especializou-se em mineralogia e, por causa dessa especialidade viveu na Europa dos 20 aos 56 anos;

 ● Ecológico. Destruição da matas segundo Bonifácio, já em 1823: preciosas matas desaparecendo pelo machado e e pelo fogo destruídas pela ignorância e pelo egoísmo... "com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favorecem a vegetação e alimentem nossas fontes e rios... "em menos de dois séculos ("nosso belo Brasil") ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia. Virá então esse dia  (dia terrível e fatal), em que  a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos". 

● O livro contém 212 páginas, é denso com alguma dificuldade de interpretação mas tem o mérito de trazer algumas informações preciosas do modo de vida daqueles tempos pós independência, da escravidão, dos índios, perfil de D. |Pedro e do próprio José Bonifácio que seria proclamado o "Patriarca da Independência";

● O livro não é só isso. É MUITO mais. Um precioso documentos histórico pelo qual se se conhecerá, fora o âmbito político, um pouco do cotidiano nos tempos pós independência.



sexta-feira, 24 de junho de 2022

O VERMELHO E O NEGRO de Stendhal


LIVRO 95

O AUTOR

Stendhal é o pseudônimo do escritor francês Marie-Henry Beyle (1783-1842)

O LIVRO

Lançado em 1830 há quase 200 anos e está sendo publicado até hoje. A edição que tenho é de 1981, bem caprichada, pela Abril Cultural.

Em fonte minúscula (tamanho das letras), difícil de ler, então,  essa edição contém 488 páginas, Se adotada a fonte 11 ou 12, o tamanho normalmente utilizada em edições a quantidade de páginas alcançaria, calculo, cerca de 700.

O livro tem páginas maçantes, até contraditórias às vezes, mas o Autor o escreveu, pelo que pesquisei, com pena de ganso. É muita coisa!

O livro me interessou para tentar desvendar alguma coisa dos costumes da época, sem eletricidade, poucos divertimentos. Então, o que mais li foram "tédio", bailes, óperas, reuniões. Nos dias quentes à noite algumas horas nos jardins nas casas de gente abastada. Sob o luar...

Ninguém nunca me disse, mas eu faço uma trilogia desse livro com outros dois, a saber:

● O Vermelho e o Negro de Stendhal (1830)

● Madame Bovary de Gustave Flaubert (1856) (*)

● Anna Karenina de Liev Tolstoy (1877) (**)

A trilogia trata do adultério com final trágico. Esses três livros acima, todos 

publicados no século XIX como se vê.


O TEMA

O romance, posso dizer, chega a ser tumultuado.


Tudo se passa na cidade fictícia de Verrières, O prefeito da cidade, Sr. de Rênal, por indicação do cura da cidade, o padre Chelan que estava sendo afastado da cidade, indicou um jovem latinista - recitava em latim o novo testamento -  noviço ou seminarista, mas nunca além disso, de nome Julian Sorel filho de um carpinteiro que muito o maltratava na serraria.

Julian foi contratado como um tipo de preceptor dos três filhos do prefeito para viver na mesma residência suntuosa passando a ter contato com todos da famílias, com a Sra. de Rénal, muito bonita e mais a criadagem.

O Autor descreve Julian com um jovem muito bonito, depressivo, angustiado pelas diferenças que se dava (ou ainda dá) pelo seu nível social, obrigado a conviver com aquelas pessoas abastadas, com outros costumes, modo, interesses e... a hipocrisia.

Os filhos dos Rénal se afeiçoaram muito a Julian, mas não só eles. Também a mãe, a Sra, de Rénal.

Aquela convivência diária, encontros constantes pela casa, à noite após o jantar, os passeios nos jardins nem mesmo a luz de velas, o luar muitas vezes, um roçar nos braços, nas mãos, chegando ao ponto de que ambos assumiram uma paixão desbragada.

E a paixão incontida costuma não ter limites. Ela clama pela intimidade e, a partir dai, mais paixão, até mesmo assumindo riscos que podem pôr tudo a perder tanto nos laços familiares como sociais.

Num dado momento da obra, Julian e a Sra. de Rénal passam a se encontrar no quarto dela, porque o marido dormia num quarto ao lado.

A paixão se torna voluptuosa.

Mas, esse relacionamento chama a atenção da camareira Elisa, que recebera uma herança e tinha pretensões de se casar com Julian.

Vendo frustrada sua pretensão, ela relata ao sr. Valenod, rival do prefeito inclusive quanto à sua esposa a quem assediara no passado, o suposto adultério da Sra. de Rénal com Julian.

Dai uma carta anônima inevitável. O prefeito perturbado a lê, perde o senso, desconfia, a esposa se sentindo uma pecadora diante da febre alta de seu filho mais velho, imaginando um castigo divino tenta confessar ao marido a traição mas ele não leva a sério a cena emocionada que criara a mulher.

Com o tempo, sendo transferido como seminarista para Besançon e depois num em Paris, por intervenção do Abade Pirard ele foi aceito passando a secretariar o rico Marques de La Mole.

O Marques, além da esposa, Sra. de La Mole, tinha dois filhos, Norbert, um jovem educado e a lindíssima Matilde,  Srta. de La Mole.

Mas, nesse meio tempo, Julian volta a casa da Sra. de Rénal, à noite e por uma escada alcança seu quarto... 

Numa segunda vez, ela o rejeita mas acaba por ceder ao amor. Na fuga, Julian é confundido com um ladrão e quase alvejado pelos criados da casa.

No castelo dos La Mole Julian começou a desenvolver para o Marquês um trabalho eficiente, escrevendo cartas, passando a conviver naquele ambiente sofisticado, participando de conversas, frequentando óperas, passeios a cavalo com Norbert mas sempre se sentindo depressivo pela sua origem.

E havia no seu contato diário, a linda Srta. de La Mole, que tratava Julian com indiferença até porque recebia com frequência pretendentes muito ricos. Quem era, afinal, Julian que não um serviçal de seu pai?

Mas, com o tempo ela se encanta e se apaixona por ele, desprezando todos os pretendentes.

Aqui também uma escada leva o amante ao quarto dela.

E então, mesmo com esses encontros o Autor não se cansa de remeter a pergunta que ambos fazem, "ela me ama", "ele me ama".

Num certo dia ela revela sua gravidez e por carta informa esse estado ao seu pai, dizendo amar Julian e que fora ela quem o seduzira.  O Marques de La Mole se desespera.

Eram trocadas cartas mesmo morando na mesma moradia...

Procura informações de Julian diretamente com a Sra. de Rénal que por carta relata o romance adúltero que tivera com o ele.

Matilde, diante do desaparecimento de seu pai depois dessa carta, chama Julian que estava em Strasburgo e ao saber que fora autora sua ex-amante, resolve assassiná-la em plena missa em Verrières.

Dois tiros não fatais: somente um tiro atinge a Sra, de Rénal no ombro que logo se cura.

Julian é preso e confessa a premeditação. Em meio a muita emoção, o júri de Besançon o condena à morte na guilhotina.

Recusa-se a recorrer da sentença de morte. Mas, depois recorre (?)

Matilde e Sra. de Rénal o visitam gerando ciúmes da primeira que tudo faz para libertá-lo.

Julian, desesperado, pede à Sra. de Rénal que cuide de seu filho porque acreditava que, com sua morte, Matilde o abandonaria.

Até que chega o dia da execução que se consuma. O Autor nada fala do recurso. 

Matilde retém a cabeça do amado e na presença de Fouqué, amigo leal de Julian, que tudo acompanha, a sepulta numa gruta que mandara enfeitar.

O Autor sobre Sra. de Rénal dá um final inesperado. Três dias depois da morte do amado, ela também falece, mas não por suicídio porque prometera a Julian não executar esse ato extremo. 


► O livro não é só isso. Há muito mais em suas quase 500 páginas que como disse, na edição em meu poder foi composto em fonte minúscula

Referências

(*) Acessar: MADAME BOVARY


(**) Acessar: ANNA KARENINA

 





domingo, 29 de maio de 2022

O FIO DA NAVALHA de W. Somerset Maugham

LIVRO 94



 

O escritor consagrado, inglês (1874-1965) é autor de vasta obra.

O livro é de 1944. "O fio da navalha" foi filmado em 1946.

A edição que está comigo tem 440 páginas.


Há muitos anos li esse livro porque me dissera que havia uma "discussão" afinal não resolvida sobre aquele velho tema que a todos intriga: o sentido da vida.


E a quem é revelado o essencial da vida, suas contradições, suas diferenças e suas exigências?


De regra, o livro pelo seu enredo, constitui-se leitura agradável embora, digamos, irrite um pouco os detalhes expostos sobre a vida fútil de um dos principais personagens (Elliott) - talvez uma estratégia do Autor - e também descrições de caracteres de todos eles, de modo exaustivo. De uma das personagens, foram tomadas duas páginas de descrição física destacando também sua beleza (Isabel).

A história se desenrola após o encerramento da 1º Grande Guerra (novembro de 1918) até se aproximar dos tempos em que já a 2ª guerra mostrava fortes sinais de eclosão.

Seus principais episódios se dão em Chicago, Paris e Londres. 


Pois bem, nesse romance, o próprio Autor se coloca como um dos personagens compartilhando com suas riquezas, angústias e fraquezas.

Então, pelos personagens tentarei transmitir a essência do que retive do livro.


Personagens



O próprio escritor Maugham


Começa informando que tivera projeção num romance que escrevera e, de passagem por Chicago, entrevistado, chamou a atenção de Elliott Templeton. A partir dele o Autor-personagem  se envolve na sociedade e conhece a família de Elliott, sua irmã Mrs. Bradley e sua sobrinha Isabel.


Também Larry personagem que teria papel fundamental no romance.



Elliott Templeton



A atividade básica de Elliott  era a de intermediar a venda de obras de arte.

É descrito como um personagem esnobe, superficial, afetado, afeito a patrocinar e aproveitar inumeráveis almoços e jantares da alta sociedade fosse americana, parisiense, londrina... 

Tudo para ele se referia à linguagem do dinheiro e à manutenção desse seu status perante a sociedade, preocupando-se com roupas esmeradas e às boas maneiras de modo exacerbado.

Escapou da quebra da bolsa de Nova York em 1929 porque se antecipou nos seus vencimentos e, a partir daí foi enriquecendo (!)

Seu nível elevado de riqueza permitiu que tivesse um apartamento em Paris e uma residência luxuosa que construíra na Riviera francesa.

Sua riqueza permitiu que sustentação sua sobrinha Isabel e seu marido Gray Maturin quando este e seu pai faliram como decorrência da quebra da bolsa de Nova York.


Então, fútil mas generoso.


Levando essa vida de ostentação, requintada, doente, sofrendo com a indiferença dos seus conviventes sociais, ao falecer, em seu testamento, exigiu que fosse sepultado com a fantasia inspirada no que fora a vestimenta de um ancestral. 

Era solteiro, não demonstrara interesse pelo sexo oposto. O Autor o leva a superar, parece, esse interesse pela vida "tola" que levava Elliott.


Mas, a ironia é que o Autor o seguindo tantas vezes nas suas manias, recepções, almoços e jantares participou frequentemente dessa vida tola...



Isabel



Sobrinha  de Elliot, filha de Louise Bradley, viúva que tinha cuidados especiais com a filha.

Isabel amava Larry, seu noivo que não queria trabalhar e, como diz o livro, apenas "vadiar". 

Então, havia uma pressão  para que seu noivo, afinal, trabalhasse para conquistarem um casamento rico.

Aliás, seu amigo Grey Maturin que trabalhava com seu pai Henry, milionário comandando um escritório de investimentos, o convidara a trabalhar no escritório com ele.

Grey morria de amores por Isabel.

Mas, Larry não aceitou o emprego e ficou meio à margem do conjunto social e da influência de Elliott que deseja um casamento faustoso para a sobrinha, pensando na repercussão social.

Larry um dia ofereceu o casamento a Isabel, mas levando uma vida simples, ambos vivendo com uma renda anual de 3 mil dólares que ele fazia jus. Uma vida sem ostentação, sem futilidades.

Não aceitando, Isabel se casou com Grey mas sempre amando Larry.

Foram pais de duas meninas.


Os Maturin faliram de modo irremediável com a quebra da bolsa de Nova York.

Sem emprego e sem recursos, o casal foi ajudado de modo generoso por Elliott que o fez mudar para um apartamento que tinha em Paris enquanto Grey procurava emprego.

 

Com a morte do tio, Isabel herdou razoável fortuna e o casal mudou-se para Dallas - Texas onde Grey iniciaria, um novo empreendimento, aplicando o dinheiro da esposa.

Quando Larry anunciou que se casaria com Sophie uma moça conhecida desde a infância de ambos, mas que se perdera frequentando os cafés e cabarés mal afamados de Paris, Isabel ficou transtornada e armou um ardil para que a moça se embriagasse no dia de escolher o vestido, fugisse do casamento e voltasse à vida anterior, bebendo, até ser assassinada.



Larry



Esse personagem é o contraponto de toda a futilidade da vida dos demais personagens.

Falsificando a idade, pelo Canadá, foi para a guerra, como aviador.

Nas missões, viu a morte de um amigo, também aviador, que morrera após o salvar.

Essa tragédia fê-lo mudar de atitude e pensara a partir desse trauma encontrar razões para a própria vida.

Dai o desejo de "vadiar". 

Permanecia horas estudando línguas, inclusive algumas orientais.

Saiu pelo mundo, trabalhou em mina de carvão, com todos os percalços de convivência com um companheiro polonês desbocado, mas culto, com mulheres de seu alojamento...


Mas, foi na Índia que teve experiências espirituais que mexeram com sua interioridade.

Num ritual que lá aprendera, curara a "terrível" enxaqueca que atormentava seu amigo Grey.

Em contato com Shri Ganecha (shri, termo de respeito ao praticante da espiritualidade, entre outros), vendo nele santidade, apreendeu sobre princípios da vida terrena, da maldade - porque existir esse jogo do bem e do mal promovido pelo Absoluto? -, da falta de respostas que a existência impõe, a questão da reencarnação cujo objetivo dessa sequência de vidas, muitas com sofrimento se perde no silêncio da alma...


Mas, o personagem descreve nesse clima místico, um êxtase de felicidade espiritual ao contemplar a beleza das montanhas e da floresta quando na Índia:


"Felicidade tão intensa que chegava a ser dolorosa, procurei libertar-me dela, pois sentia que se durasse mais um momento, eu morreria: e no entanto era um êxtase tão grande que seria preferível morrer  a ter que renunciar a ele." 


E onde estaria Larry, no final da história com seu desprendimento, pela renúncia à "glória" e à riqueza?

Talvez empregado numa oficina mecânica ou motorista de taxi em Nova York.



O livro não é só isso, isso é muito pouco. Como disse o livro beira a 450 páginas.





 




quinta-feira, 12 de maio de 2022

IRACEMA de José de Alencar

 LIVRO 93


Nos meus tempos de ginásio (ou antes), o encanto destas frases que dão início ao romance Iracema escrito em 1865:

Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;

Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;

Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.

Significados de palavras tupis-guaranis expostos pelo Autor em suas "Notas":

 ● Iracema em tupi-guarani significa lábios de mel

 ● Jandaia se refere a "periquito grasnador" que como explica o Autor, deu origem ao nome Ceará que "na língua indígena", segundo a tradição, "significa o canto da Jandaia.

Diz Machado de Assis, em sua crítica à obra Iracema que se trata de poesia em prosa, uma obra prima.

Na edição que tenho em mãos, há notas introdutórias da professora Angela Gutiérrez que ressalta o valor da obra, fazendo referência a nomes que são comuns hoje, personagens ou imagens do romance, como Iracema, Caubi, Irapuã... e nomes de entidades como TV Verdes Mares, Rádio Iracema...

Pois bem, a história muito leve ressalta a virgem Iracema pertencente à tribo dos tabajaras filha do Pajé Araquém que é surpreendida ao se deparar no meio da mata com um jovem branco, Martim. Numa reação de surpresa ela o fere com uma flecha e pergunta como pode ele falar sua língua. Esse incidente apenas aguça a paixão que nasce entre ambos.

  Martim, de origem latina, procedente de Marte - o que pode significar "guerreiro", como aliás a obra revela.

Embora ele fosse aliado dos pitiguaras, inimigos mortais dos tabajaras, tendo um amigo indígena daquela tribo, Poty, considerado seu "irmão", Martim se hospeda na cabana de Araquèm, Pajé, pai de Iracema e lá nasce aquele romance, aquele desejo contido que vai crescendo.

Mesmo quando revela que está grávida, o Autor em alguns episódios ainda a qualifica de "virgem", chamando-a de esposa.

Como se deu o "casamento"?

Iracema, feita por ela, oferece uma bebida a Martim, "o vinho de Tupã" - a bebida sagrada dos tabajaras feita com a jurema. Ao tomar a bebida, "todos sentem a felicidade tão viva e contínua, que no espaço da noite cuidam de viver muitas luas".

Foi nessas "espaço da noite" que Martim faz de Iracema sua esposa mas pelo efeito da bebida ao acordar pensou que vivera apenas um sonho...

"Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras".

 Jurema: árvore com folhagem espessa, que produz fruto amargo que com outros "segredos" era produzida uma bebida alucinógena com os efeitos do haxixe e, dai as alucinações agradáveis, sonhos "tão vivos"... 

Martim, mesmo aliado dos Pitiguaras, permaneceu vivendo na aldeia Tabajara, suscitando a revolta por ser ele aliado dos inimigos e o ciúme de Irapuã que desejava Iracema.

O Pajé para assustar Irapuã furioso de sua cabana e o afastar do ataque a Martim,  pratica um truque que nada tinha de sobrenatural. 

Irapuã: mel redondo.

Com os cuidados de seu irmão Caubi, Iracema e Martim fogem para a aldeia dos pitiguaras e lá ele se depara com guerras entre as duas tribos, vendo ela com amargura o sangue de muitos de seus irmãos tabajaras.

A morte de Iracema fora anunciada por ela: 

- Guerreiro branco, Iracema é filha  do Pajé e guarda o segredo da Jurema. O guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria.

Vi nessa frase o anúncio possível da morte de Martim se possuísse Iracema mas ele reage porque como guerreiro do seu sangue, "trazem a morte consigo".

Iracema sempre muito insegura, percebendo que Martim poderia estar saudoso de sua terra e de sua virgem loira.

Martim se afasta por "oito Luas"  (cerca de dois meses) em guerra com outras tribos, ao lado de Poty dos Pitiguaras.

Quanto volta trilhando os campos de Porangaba... "tem medo de chegar; e sente que sua alma vai sofrer quando os olhos tristes e magoados da esposa entrarem nele" 

Os latidos do cão Japi poderia ser de alegria.

Porangaba: entre outras origens, significa beleza;

● Japi: significa "nosso pé".

Ao se aproximar, encontra Iracema combalida, segurando o filho:

- Recebe o filho de teu sangue. Era tempo, meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe!

Iracema foi sepultada ao pé do coqueiro que ele amava.

Muitas vezes lá esteve Martim para "acalentar no peito a agra saudade".

Mas, o final profundamente real quanto inexorável:

"A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro: mas não repetia já o mavioso nome de Iracema".

"Tudo passa sobre a terra."

 ▬

O "poema em prosa" Iracema não é só isso. O pequeno livro tem muito mais do que essas linhas simples. Há todo um vocabulário dos termos indígenas.


Do mesmo Autor acessar:

SENHORA

TIL

domingo, 1 de maio de 2022

PROMETEU ACORRENTADO de Ésquilo

LIVRO 92

VER NO FINAL INFORMAÇÃO IMPORTANTE


  

Ésquilo nasceu por volta de 525 AC em  Elêusis, próximo de Atenas e faleceu em 456 na Sicília. 

PROMETEU ACORRENTDO, escrita em 470 AC é mais uma tragédia grega. 

Em Édipo Rei (*) e Prometeu, há a predominância do cumprimento inexorável do destino. 

Nesta obra de Ésquilo o destino tem a ver com o castigo de Zeus tal qual proclamam hoje correntes espirituais que falam na "lei do retorno", na "lei da causa e efeito."

Mas, há que se afirmar que Zeus é um deus pagão. 

Essa tragédia tem os personagens seguintes além de Prometeu:

Poder e Força: Sob cujas ordens é executada a punição a Prometeu;

Hefesto: designado para acorrentar Prometeu numa "rocha varrida", que lamenta muito cumprir a missão imposta mas a executa, deixando Prometeu numa situação "ultrajante".

Oceano: Aliado de Prometeu que dele se aproxima em seu local do castigo e demonstra o desejo de interceder perante Zeus para minorar seus sofrimentos. E chega a aconselhar: "E por inteligente que sejas, desejo dar-te o mais salutar conselho. Conhece-te a ti mesmo e adota modos novos, pois um novo senhor reina sobre os deuses". Prometeu, porém, rejeitou a ajuda porque receava que Zeus fizesse contra o Oceano, algum tipo de retaliação.

Io: filha de Ínaco: que Zeus amava, mas pelo ciúmes de Hera (esposa de Zeus) foi expulsa pelo pai de casa e deixada à própria sorte no deserto, por terras estranhas, habitantes perigosos. Ela chega até Prometeu mas segundo as profecias dele, Io finalmente, pelo "capricho do Destino, uma grande colônia será fundada por ti Io e pelos teus filhos". 

Hermes: filho de Zeus que vai até Prometeu para saber de suas previsões sobre a perda do trono pelo pai, após um casamento...

Coro das Oceânidas: Aliado de Prometeu que sofre com ele o castigo que lhe impôs Zeus. 

Prometeu fora duramente castigado por Zeus por ter dado aos mortais, aos homens, ensinamentos e segredos conforme explana já acorrentado nas rochas. Ele se refere ao que ensinou e inventou em benefício dos mortais:

 ● A construir moradias  com tijolos e madeira para que saíssem os mortais das cavernas escuras;

 ● A distinguir as estações de inverno e a das flores , dos frutos e da colheita;

 ● Inventou o sistema de números e o alfabeto;

 ● A subjugar os animais para fazerem os trabalhos mais pesados;

 ● Os navios para os marinheiros correrem os mares;

 ● A utilização do fogo...

"Vede como está preso em correntes o miserável  deus que sou, o inimigo de Zeus, que incorreu no ódio de todos os que frequentam a corte de Zeus porque amou demasiado os homens."

Mas, Prometeu exalando o ódio contra Zeus, declara que ele perderá o trono depois de um casamento do qual se arrependerá, porque a esposa lhe dará um filho mais forte que ele.

Então, a tais presságios se apresenta Hermes a mando de seu pai Zeus para saber "que casamento é esse que fazes tanto barulho".

Prometeu, ao ser acusado por Hermes de que delira e está doente, ele responde:

"Se estar doente e odiar os inimigos, então, sim, estou doente."

Então, Hermes, agrava o castigo de Prometeu informando que o "cão alado" de Zeus, o "abutre sanguinário", devorará "com voracidade grandes pedaços do seu corpo (...) que virá todo o dia fazer seu repasto e o dia inteiro vai mastigar a negra iguaria que é o teu fígado". 

No dia seguinte, o fígado recuperado era novamente devorado.

E Hermes não lhe dá esperança de breve reparo ao castigo, mas lhe diz:

"Então olha ao teu redor, reflete, e não acredites que a teimosia valha mais que uma sábia deliberação."

E o Coro aliado de Prometeu, no final, sob ameaça de Hermes a possíveis retaliações de Zeus contra ele, Coro, diz:

"Usa de outra linguagem e dá-me conselhos que eu possa escutar. Acaba de dizer frases intoleráveis. Como podes ordenar que eu cometa uma covardia? O que ele deve sofrer, quero sofrer com ele. Aprendi a odiar os traidores. De nenhum outro vício tenho mais horror."

E a frase final de Prometeu:

"Ó minha venerável mãe e tu, Éter, que fazes rodar ao redor do mundo a luz comum a todos, vede o tratamento ultrajante que me infligem?"


FINAL DA HISTÓRIA

Em Prometeu Acorrentado, o destino dele está ligado aos desígnios de Zeus que o castiga pela ajuda aos mortais e mesmo ao ódio externado ao deus.

Há excessos? 

Depois dessas obras (Prometeu, Édipo Rei) filósofos gregos tentaram mudar os rumos adotando a liberdade de pensar se afastando dos desígnios do destino.

Porém, depois de 2500 anos, até hoje, com tanto "progresso" sabemos ou controlamos o essencial da vida? Como explicar tantas diferenças entre os semelhantes, as dores físicas, morais. Seriam castigos? Se sim, por quê? Por quem?

O essencial da vida não entendemos ou não nos é dada a compreensão.

 

 (*) Acessar:

ÉDIPO REI de Sófocles


ESSA RESENHA PODE SER COMPARADA COM AS OBRAS: ÉDIPO REI de Sófocles e MEDÉIA de Eurípedes. bastando acessar EDIÇÃO ESPECIAL DAS TRÊS TRAGÉDIAS:

TRÊS TRAGÉDIAS GREGAS


quarta-feira, 20 de abril de 2022

STÁLIN NOVA BIOGRAFIA DE UM DITADOR de Oleg V. Khlevniuk

LIVRO 91



EXPLICAÇÃO:

Com a invasão russa à Ucrânia com toda sua violência e crimes de guerra, apressei-me em ler o livro como um modo de achar alguma explicação ao desrespeito à vida que motiva Wladimir Putin e seus asseclas militares e políticos em promover essa guerra insana.

Com o livro "Stálin nova biografia de um ditador" encontrei a causa histórica da tragédia que se dá na Ucrânia - um país que decidira apenas ser europeu. Com efeito, a crise se apoia entre políticos e militares russos submissos ao ditador. Os russos que protestam ou são presos ou perseguidos. É forte a censura nos meios de comunicação.

Na biografia de Stálin encontrei infelizmente, o DNA dessa barbárie.


O livro, nas suas mais de 450 páginas é a descrição sem ressalvas do horror na União Soviética nos tempos de Stálin de 1927 a 1953. (*)

Stálin ao longo de cerca de 26 anos, ditador implacável causava medo até mesmo nos seus subordinados diretos que, dependendo do momento político ou erros os humilhava, os rebaixava publicamente e até mesmo os mandava fuzilar pela simples suspeita de traição e, em muitos casos, com falsas acusações.

Para se ter uma ideia: o livro traz uma série de fotos; em muitas delas fotografados ao  lado de Stálin estão aliados em número de 19. Dentre esses 6 foram fuzilado, um suicida e outro teve morte misteriosa.

Já no fim de seus dias, em 1953 foi vítima de um derrame, causa de sua morte. Seus guarda-costas estranharam que ele não os chamasse para nada. Tinham muito medo de aborrecer o chefe. Um guarda-costas, então, se aproximou das instalações de Stálin e o viu caído ao chão tendo vertido uma poça de urina.

Encorajou-se,  levantou Stálin e o acomodou numa poltrona. Foram, então, chamados seus principais assessores que não se encorajaram em obter ajuda médica com receio de explosões de ódio do chefe mais ainda pelo seu estado físico humilhante. E também porque havia perseguido médicos determinando que alguns deles fossem fuzilados.

Somente horas depois médicos foram chamados e atestaram sua morte.

Em vida fora ele uma tragédia humana. Até nas homenagens ao morto, tal a desorganização do local de seu corpo exposto, morreram na confusão mais de 100 cidadãos soviéticos que o tinham como salvador. 

Stálin foi o agente da morte.

Ao longo de sua ditadura e sob controle seu, absolutamente, foram fuzilados a seu mando, milhares de supostos antirrevolucionários, antissoviéticos, monarquistas, judeus...

Ele "decretou", no campo, a morte pela fome a milhões de camponeses ao converter a produção particular em fazendas comunitárias confiscando a maior parte da produção de grãos, deixando-os em estado de penúria, de abandono. E muitos que protestavam contra esse estado de escassez foram fuzilados.

"No final de 1939 , foi banida a venda de farinha e pão na área rural. Camponeses famintos correram às cidades (...) para comprar esses itens que também estavam escassos por ali."

Há referências até mesmo ao canibalismo para conter a fome.

Stálin, pela desejo de sua mãe, foi matriculado num Seminário para seguir o caminho da religião, tornando-se padre.

Mas, rebelde demais, nunca se adaptou aos estudos religiosos. 

Já jovem adulto, conheceu a obra de Marx e dela não mais se afastou.

Com a queda do tzar (imperador), já então ligado Stalin ao partido bolchevique (da maioria) aceitaria, juntamente com o partido menchevique (da minoria) apoiar um governo de transição liderado por Kerensky.

Mas, Lênin exilado chega à Rússia, defende não o apoio ao governo de transição mas a tomada do poder, implantando o socialismo no mundo todo.

Dá-se a Revolução de Outubro de 1918, os bolchevique vencem e assumem o poder e Lênin torna-se o mandatário máximo do novo governo.

"A maioria dos historiadores concorda que, sem Lênin, a Revolução de Outubro provavelmente não teria ocorrido".

Stalin se aproxima de Lênin e se torna dele um tipo de discípulo. Como diz o livro, Stalin vive à sombra de Lênin.

Stalin em Tsarítsin inicia um expurgo, promovendo milhares de fuzilamentos. Essas execuções eram do conhecimento do Alto Comando do governo, mesmo de Lênin que acabou por aceitar esses assassinatos de opositores e suspeitos.

Havia conflitos sérios no interior do poder, especialmente entre o grupo stalinista e o grupo de Trotsky.  

Com a morte de Lênin em janeiro de 1924 Stálin pela sua truculência vai assumindo poderes  e seu método de se firmar no governo, foram as execuções aos milhares, muitas com falsas acusações.

Trotsky superado pelo ditador, se exila no México onde seria assassinado em 1940 a mando de Stalin.

Nesse ano foram executados 21.857 supostos antissoviéticos pertencentes à elite polonesa.  

Temido, vai se tornando o ditador implacável. Embora houvesse órgãos governamentais, incluindo o Politburo, as ordens vinham de uma única "fonte": de Stalin.

O Autor, na fase de guerra iminente, chama esse período stalinista de "terror" tal as mortes que provocou do modo mais vil com falsas acusações.

Com os primeiros movimentos da 2ª Grande Guerra, Stalin mostrava-se inseguro e receoso da invasão alemã mas invocava, sempre, o tratado de não agressão que firmara com Hitler.

Ele somente acreditou na invasão alemã, quando ela começou e enquanto vacilava na defesa improvisada, os soldados russos iam sendo dizimados aos milhares.

A obra menciona em poucas linhas a adversidade climática enfrentada pelos alemães na Rússia que, por fim seriam derrotados pelos soviéticos, não se esquecendo que eles, os alemães, vinham sendo derrotados, em outras frentes, pelos aliados.

O êxito de Stálin foi reconhecido por Churchill (Reino Unido) e Roosevelt (Estados Unidos). 

Mas, houve apoio material pelos Estados Unidos. No final da guerra os soviéticos estavam dirigindo caminhões feitos nos Estados Unidos. De lá vieram, também, locomotivas, vagões e alimentos. Essa ajuda material foi reconhecida por Stálin: "Se não fosse pela Política de Empréstimo e Arrendamento, a vitória teria sido altamente prejudicada."

 No fim da guerra, houve alguma animosidade em dividir territórios conquistados. Stálin apressou-se em tomar a capital alemã reunindo para tanto 2 milhões de soldados. A batalha foi difícil perdendo o exército soviético 360 mil soldados.

Diz o Autor que a vitória sobre os nazistas teve como débito total,  27 milhões de vidas.

A partir de janeiro de 1953, o Gulag (espécie de campo de concentração) e colônias penais e prisões  mantinham 2,3 milhões de pessoas e em assentamentos especiais, em regiões remotas do país, 2,8 milhões, ou algo próximo de 3% da população soviética... 

A família de Stalin foi desagregada e problemática. Sua primeira esposa se suicidou em 1932. O Autor não explanou mas o gesto extremos seria divergências políticas com o marido. Seus filhos foram problemáticos e sua filha Svetlana, quando a oportunidade surgiu mudou-se para os Estados Unidos onde faleceu em 2011.

 

Referência

(*) Recomendo fortemente, sobre o mesmo tema, o livro "Rumo à Estação Finlândia" de Edmund Wilson cuja resenha pode ser conhecida, acessando: 

RUMO À ESTAÇÃO FINLÂNDIA

quinta-feira, 17 de março de 2022

MEMÓRIAS DE ADRIANO de Marguerite Yourcenar


LIVRO 90

 


A escritora:

A Autora, diz a contracapa, "só conheceu alguma repercussão maior no Brasil em 1980: no começo desse ano foi eleita para a Academia Francesa", Tornou-se a primeira mulher a entrar para aquela instituição.

A obra:

Explica a tradutora Martha Calderaro: "Descobri Marguerite Youcenar em Paris, em 1962 através deste livro monumental, elaborado, escrito e construído à maneira das antigas catedrais, durante anos de trabalho, de pesquisas, de aprimoramentos. Iniciado em 1924 e concluído cerca de vinte e sete anos depois..."

O livro seria o relato de cartas de Adriano, suas memórias, dirigidas a Marco que creio seja explicado no livro quem seja: "A cada regressio a Roma, nunca deixei de ir saudar meus velhos amigos, os Veros, espanhóis como eu, uma das familias mais liberais da alta magistratura. Conheci-te desde o berço, pequeno Anio Vero que por minha iniciativa, te chamas Marco Aurélio."

Quem foi o "divino" Adriano Augusto:

Imperador romano de 117 a 138, "filho" de Trajano a quem sucedeu. Não teve filhos, mas "adotara Lúcio Élio César" que seria seu sucessor mas faleceu antes e, então,  "adotara" Antonino, que foi seu sucessor. Era casado  com Sabina, um casamento "distante".

Adriano, antes de se tornar Imperador, participara de campanhas militares, fora cônsul sempre com êxito.

Há indicações de que Trajano não pretendia "adotar" Adriano como seu sucessor. A digna esposa do Imperador, Plotina, porém, demonstrava muito afeto por Adriano - se conheciam havia muitos anos - pelo que teria forjado o édito de adoção permitindo que ele se tornasse, por sua vez, o sucessor de seu marido moribundo.

Adriano, na velhice, teria tendências suicidas.

Relendo o livro:

A obra já foi bestseller na década 80 salvo severo engano meu. Eu o li por aqueles anos, num processo de dificuldades soníferas: o livro é denso, páginas fechadas muitas sem parágrafos, os pensamentos e relatos se alteram e por aí vai.

Mais atento agora, "descobri" que o livro não é, digamos, a biografia de Adriano. Não. A obra é de ficção, um romance, com diversos eventos históricos que foram possíveis apurar do Imperador.

Notas no final do livro revelam essa realidade explanando sobre as dificuldades em encontrar fontes seguras sobre Adriano.

José Saramago, na sua obra "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", também imagina fatos e pensamentos sobre a vida de Jesus. Nesse caso e por causa disso, qualifiquei seu livro como "OEvangelho segundo Saramago" (*) 

Então, os pensamentos íntimos de Adriano, são pensamentos da Autora que muitas vezes tenta os aproximar do imperador, valendo-se de fragmentos dalgum documento encontrado, não necessariamente convalidado. Incertezas da originalidade, da autenticidade.  

O que há de certeza é que Adriano fora considerado um pacifista. Viajava por todo o império romano, ficava pouco em Roma, tinha paixão por Atenas, seus monumentos, seus filósofos e sua arte.

"Roma já não cabe mais em Roma: a partir de agora deve decair ou igualar-se à metade do mundo."  


É verdadeiro também, pelo conjunto da obra, que o Imperador não era muito próximo de mulheres, mesmo de sua esposa. Mas, há relatos de seu envolvimento com amantes, uma delas a amou "deliciosamente".

Sua paixão incontrolado fora o jovem Antinoo com seus 17, 18 anos que ele venerava, numa relação homoafetiva.

Quando o jovem faleceu com seus 19 anos, afogado, nada muito explicado, Adriano  sofrera muito. Mas, fatos que confirmam essa paixão exacerbada foram os monumentos que erigiu em homenagem a Antinoo e as moedas que mandou cunhar com sua efígie.

Curioso que, para tecer uma identidade dessa paixão Adriano - Antinoo, a Autora algumas vezes na obra lembra a paixão entre o mítico Aquiles e seu fiel parceiro Pátroclo. Ao ser morto Pátroclo por Heitor na guerra de Troia, profundamente amargurado Achiles homenageia seu parceiro em lágrimas e lamentações. Ao "relatar" os episódios principais da Ilíada de Homero destaquei este trecho, quando Zeus, vendo que Heitor fora morto por Aquiles remete a deusa Tétis - mãe de Aquiles - com a ordem de que teria ele que devolver o cadáver do inimigo aos troianos:

Assim se deu, observando Tétis que Aquiles já chorara demais pela morte de Pátroclo:

- Meu filho, por quanto tempo consumirás teu coração chorando e sofrendo, sem pensar no alimento e no leito? Coisa agradável é deitar-se com uma mulher para o amor. (**).

Então eu me pergunto até que ponto há relevâncias fundamentais na obra densa da escritora francesa? Não sei como responder. 

Algumas "reflexões" de Adriano (?):

 ● Os escrúpulos religiosos dos gimnosofistas e sua repugnância pelas carnes sangrentas ter-me-iam impressionado, se não perguntasse a mim mesmo em que o sofrimento da erva que se corta diferia essencialmente do sofrimento dos carneiros que se degolam. E refletia se nosso horror ante os animais assassinados não estaria condicionado ao fato de nossa sensibilidade pertencer ao mesmo reino;

● De todas as venturas que lentamente me abandonam, o sono é uma das mais preciosas, embora seja das mais comuns também. Um homem que dorme pouco e mal, apoiado sobre dezenas de almofadas, medita com vagar sobre essa volúpia diferente. Concordo em que o sono mais perfeito é necessariamente um complemento do amor: repouso tranquilo, refletido sobre dois corpos. Mas o que me interessa aqui é o mistério específico do sono saboreado por si mesmo, o incontrolável e arriscado mergulho a que se aventura todas as noites o homem nu, só e desarmado, num oceano onde tudo é novo: cores, densidades, o próprio ritmo da respiração, e onde reencontramos os mortos;

● O homem mais tenebroso tem seus momentos iluminados: tal assassino toca corretamente a flauta; tal feitor, que dilacera a chicotadas o dorso dos escravos, é talvez um bom filho; tal idiota partilharia comigo seu último pedaço de pão. Existem poucos a quem não se possa ensinar convenientemente alguma coisa;

● Confessei-lhe meus temores: não me sentia inteiramente isento de crueldade nem de outras taras humanas: acreditava no lugar-comum que prescreve que o crime atrai o crime, e na imagem do animal que já provou o gosto do sangue;

Considero a maior objeção a todo e qualquer esforço para melhorar a condição humana o fato de os homens serem, talvez, indignos dele;

● Ser deus obriga, em suma, a possuir mais virtudes do que as de um imperador;

● E quem diz morte diz também mundo misterioso ao qual talvez tenhamos acesso através dela. Depois de tantas reflexões e experiências por vezes condenáveis, ignoro ainda o que se passa do outro lado dessa cortina negra. Mas a noite síria representa minha parte consciente de imortalidade;

● Passei toda uma noite (com Quadrato, bispo dos cristãos – que eram protegidos pelas leis romanas) a discutir com ele a injunção que consiste em amar ao próximo como a si mesmo; é demasiado contrária à natureza humana para ser sinceramente obedecida pelo homem comum, que sempre amará a si mesmo, e não convém de modo algum ao sábio, que nunca ama particularmente a si próprio.   


Referências:

(*) Acessar:"O Evangelho Segundo Jesus Cristo" 

(**) Acessar: "A Ilíada"


sábado, 29 de janeiro de 2022

MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS de Manuel Antônio de Almeida

LIVRO 89




Como foi difícil para mim, (re) ler esse livro! Quando pela primeira  vez li a obra, era adolescente. Nem sei dizer se naqueles idos o livro me agradou. O livro foi publicado em meados do século XIX. Esta edição que está comigo, publicação de um curso preparatório de vestibulares (edição de 1999) são de 180 páginas que não evoluíam. Salvo um ou outro costume daqueles tempos, nada me acrescentou. 

Seria o livro um clássico pelos seus 170 anos?

E a história de dois Leonardo (s), pai e filho. O pai era português, meirinho, que atuava na praça do Rio de Janeiro. Na viagem de Portugal, Leonardo se relacionara com Maria e quando desembarcaram no Rio de Janeiro ela sentia alguns enjoos. 

E nasceu o filho. 

Não demora muito e Maria trai Leonardo-Pataca, assim chamado na história.

Uma explosão de ciúmes e agressões que avançou até mesmo na barbearia do compadre.

E nesse dia, o filho Leonardo foi ignorado pelo pai, 

Foi, então, "adotado" pelo barbeiro e criado por ele. À medida que ia crescendo o menino Leonardo demonstrava um "gênio" terrível.

Mas, o barbeiro o amava e fazia tudo por ele. Queria fazê-lo padre, mas tão travesso que era que essa aspiração não poderia dar certo. Havia as vizinhas "cortadeiras" que debochavam das travessuras do garoto.

Também a Comadre do barbeiro também muito o jovem Leonardo.

Numa visita de seu padrinho a d. Maria idosa abastada,  Leonardo se encantou pela sobrinha órfã da mulher com que vivia. Tímida e feinha o que se deu fora paixão à primeira vista.

Houve algum enlace entre ambos, mas passou a frequentar a casa de d. Maria, um certo aproveitador José Manuel contador de vantagens que mesmo com as intrigas da comadre  atribuindo-lhe falso crime. Tudo desmentido. Assim, acabou se casando de modo arranjado com a Luisinha. Melhor: convenceu d. Maria que era um bom partido.

Essa sofreu muito com o malandro que a aprisionava em casa até que deu-se sua morte repentina e Luisinha voltou a ter liberdade...

Com a morte do padrinho barbeiro, Leonardo volta ao convívio do pai que vivia com Chiquinha.

Os atritos entre Leonardo (filho) e a madrasta resultou na sua expulsão da casa do pai.

Sem ter onde ficar, "agregou-se" na casa dos Thomaz da Sé por injunção de um amigo, na qual havia duas irmãs solteironas e a jovem Vidinha, moça corajosa, cantora.

O terror dos desocupados era o major Vidigal e seus carabineiros que chegaram a prender o Leonardo -Pataca por participar de uma festa de ciganos. 

Leonardo, filho, foi detido também,  mas por desocupação. A corajosa Vidinha saiu em sua defesa. Ele, porém desaparece por um tempo.

Quando volta, surpreende a todos: volta como carabineiro sob o comendo do... major Vidigal (!).

Mas, entre peripécias próprias do seu temperamento, por dó, ele facilita a fuga de Teotônio, um tipo de comediante, fazedor de caretas que o major Vidigal aguardava o momento propício para levá-lo a "Casa da Guarda" porque o artista não tinha o que se chamaria hoje de "emprego fixo". Vivia dessas apresentações.

Descoberta a ajuda de Leonardo na fuga de Teotônio, é ele preso de novo desta vez sob grave acusação a ponto de ser mesmo açoitado.

Então,  em desespero, a comadre vai até d. Maria e ambas resolvem visitar Maria Regalada que sabidamente recebia atenções especiais do major Vidigal.

As três vão à casa dele.

Ele rejeita os apelos, dizendo que a falta praticada por Leonardo fora muito grave.

Mas, Maria Regalada chega aos ouvidos do major, cochicha por uns instantes. 

Não demora, dá-se a liberdade de Leonardo.

O major Vidigal passa a frequentar a casa de Maria Regalada. Os cochichos deram certo...

Libertado, Leonardo se apresenta perante todos com a farda de um sargento, sargento de milícias.

Seu pai o chama para receber os bens deixado por seu padrinho barbeiro falecido.

E nesse quadro de redenção Leonardo se casa com seu amor a viúva Luisinha.

Morria depois d. Maria e seu pai Leonardo-Pataca.  O livro não diz mas e possível que a vida do casal tenha melhorado muito em termos patrimoniais pelas possíveis heranças.


O livro não é somente isso. Mas, para mim foi muito difícil concluir as 180 páginas. Nem sei dizer se o livro é do agrado dos jovens pré-universitários.