Muitos foram os livros lidos cujos conteúdos se perderam porque após a última página foram repostos numa estante e lá esquecidos. Passou o tempo e eu não mais me lembrava do que lera, salvo fragmentos. Para alimentar crônicas no blog "Temas Livres" num dado momento passei a resenhar e a comentar os livros que de algum modo me acrescentaram algo. Algumas dessas resenhas foram selecionadas neste blog dos livros lidos.
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sexta-feira, 19 de agosto de 2022
A PAIXÃO SEGUNDO G. H. de Clarice Lispector
quinta-feira, 4 de agosto de 2022
JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA - Projetos para o Brasil - Textos reunidos e comentados por Miriam Dolhnikoff
LIVRO 96
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● Literatura: José Bonifácio envereda ea literatura, faz análises de diversos autores anteriores ao seu tempo, discorre sobre a literatura portuguesa e espanhola e para ser poeta:
"A minha veia poética foi aguada pelo amor na primeira mocidade, depois pela vista e contemplação das grandes belezas da natureza em minhas viagens e estudos - para ser poeta é preciso ser namorado ou infeliz."
● Filosofia:
Força primordial: "A vontade é a força primordial verdadeira do universo, a que só pode morar nos grandes espíritos."
"Ao ser humano só foi dada uma ou outra faísca da verdade, mas não a plena luz, todos devem buscá-la sincera e zelosamente."
● Religião
"O clero, quando não pode ser amo, é escravo dos reis."
"A religião que convida à vadiação e faz do celibato uma virtude é uma planta venenosa no Brasil. Demais o catolicismo convém mais a um governo despótico que a um constitucional."
● Miscelânea
"Por que motivo as mulheres devem obedecer as leis feitas sem sua participação e consentimento?"
"Os homens desejam e depois amam; as mulheres amam e depois desejam."
"A verdade é um dos dons mais preciosos que o homem obscuro pode fazer ao homem poderoso."
"Boa regra de viver: fugir de grandes, e cortesãos, sobretudo de frades e clérigos."
● Pessoal
"Sempre gostei de passar de um livro a outro diferente, assim como de uma ocupação a outra."
"A fdp ( baixo calão grafado literalmente no texto) da morte, pois pelo pecado entrou no mundo, ainda que pouco me importa saber de onde entrou. Enquanto estas duas pernas de aranha puderem mover-se, buscarei fugir-lhe, pondo-me em marcha a grão galope."
● José Bonifácio, estudou em Coimbra, especializou-se em mineralogia e, por causa dessa especialidade viveu na Europa dos 20 aos 56 anos;
● Ecológico. Destruição da matas segundo Bonifácio, já em 1823: preciosas matas desaparecendo pelo machado e e pelo fogo destruídas pela ignorância e pelo egoísmo... "com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favorecem a vegetação e alimentem nossas fontes e rios... "em menos de dois séculos ("nosso belo Brasil") ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia. Virá então esse dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos".
● O livro contém 212 páginas, é denso com alguma dificuldade de interpretação mas tem o mérito de trazer algumas informações preciosas do modo de vida daqueles tempos pós independência, da escravidão, dos índios, perfil de D. |Pedro e do próprio José Bonifácio que seria proclamado o "Patriarca da Independência";
● O livro não é só isso. É MUITO mais. Um precioso documentos histórico pelo qual se se conhecerá, fora o âmbito político, um pouco do cotidiano nos tempos pós independência.
sexta-feira, 24 de junho de 2022
O VERMELHO E O NEGRO de Stendhal
LIVRO 95
O AUTOR
Stendhal é o pseudônimo do escritor francês Marie-Henry Beyle (1783-1842)
O LIVRO
Lançado em 1830 há quase 200 anos e está sendo publicado até hoje. A edição que tenho é de 1981, bem caprichada, pela Abril Cultural.
Em fonte minúscula (tamanho das letras), difícil de ler, então, essa edição contém 488 páginas, Se adotada a fonte 11 ou 12, o tamanho normalmente utilizada em edições a quantidade de páginas alcançaria, calculo, cerca de 700.
O livro tem páginas maçantes, até contraditórias às vezes, mas o Autor o escreveu, pelo que pesquisei, com pena de ganso. É muita coisa!
O livro me interessou para tentar desvendar alguma coisa dos costumes da época, sem eletricidade, poucos divertimentos. Então, o que mais li foram "tédio", bailes, óperas, reuniões. Nos dias quentes à noite algumas horas nos jardins nas casas de gente abastada. Sob o luar...
Ninguém nunca me disse, mas eu faço uma trilogia desse livro com outros dois, a saber:
● O Vermelho e o Negro de Stendhal (1830)
● Madame Bovary de Gustave Flaubert (1856) (*)
● Anna Karenina de Liev Tolstoy (1877) (**)
A trilogia trata do adultério com final trágico. Esses três livros acima, todos
publicados no século XIX como se vê.
O TEMA
O romance, posso dizer, chega a ser tumultuado.
Tudo
se passa na cidade fictícia de Verrières, O prefeito da cidade, Sr.
de Rênal, por indicação do cura da cidade, o padre Chelan que
estava sendo afastado da cidade, indicou um jovem latinista -
recitava em latim o novo testamento - noviço ou seminarista,
mas nunca além disso, de nome Julian Sorel filho de um carpinteiro
que muito o maltratava na serraria.
Julian foi contratado como um tipo de preceptor dos três filhos do prefeito para viver na mesma residência suntuosa passando a ter contato com todos da famílias, com a Sra. de Rénal, muito bonita e mais a criadagem.
O Autor descreve Julian com um jovem muito bonito, depressivo, angustiado pelas diferenças que se dava (ou ainda dá) pelo seu nível social, obrigado a conviver com aquelas pessoas abastadas, com outros costumes, modo, interesses e... a hipocrisia.
Os filhos dos Rénal se afeiçoaram muito a Julian, mas não só eles. Também a mãe, a Sra, de Rénal.
Aquela convivência diária, encontros constantes pela casa, à noite após o jantar, os passeios nos jardins nem mesmo a luz de velas, o luar muitas vezes, um roçar nos braços, nas mãos, chegando ao ponto de que ambos assumiram uma paixão desbragada.
E a paixão incontida costuma não ter limites. Ela clama pela intimidade e, a partir dai, mais paixão, até mesmo assumindo riscos que podem pôr tudo a perder tanto nos laços familiares como sociais.
Num dado momento da obra, Julian e a Sra. de Rénal passam a se encontrar no quarto dela, porque o marido dormia num quarto ao lado.
A paixão se torna voluptuosa.
Mas, esse relacionamento chama a atenção da camareira Elisa, que recebera uma herança e tinha pretensões de se casar com Julian.
Vendo frustrada sua pretensão, ela relata ao sr. Valenod, rival do prefeito inclusive quanto à sua esposa a quem assediara no passado, o suposto adultério da Sra. de Rénal com Julian.
Dai uma carta anônima inevitável. O prefeito perturbado a lê, perde o senso, desconfia, a esposa se sentindo uma pecadora diante da febre alta de seu filho mais velho, imaginando um castigo divino tenta confessar ao marido a traição mas ele não leva a sério a cena emocionada que criara a mulher.
Com o tempo, sendo transferido como seminarista para Besançon e depois num em Paris, por intervenção do Abade Pirard ele foi aceito passando a secretariar o rico Marques de La Mole.
O Marques, além da esposa, Sra. de La Mole, tinha dois filhos, Norbert, um jovem educado e a lindíssima Matilde, Srta. de La Mole.
Mas, nesse meio tempo, Julian volta a casa da Sra. de Rénal, à noite e por uma escada alcança seu quarto...
Numa segunda vez, ela o rejeita mas acaba por ceder ao amor. Na fuga, Julian é confundido com um ladrão e quase alvejado pelos criados da casa.
No castelo dos La Mole Julian começou a desenvolver para o Marquês um trabalho eficiente, escrevendo cartas, passando a conviver naquele ambiente sofisticado, participando de conversas, frequentando óperas, passeios a cavalo com Norbert mas sempre se sentindo depressivo pela sua origem.
E havia no seu contato diário, a linda Srta. de La Mole, que tratava Julian com indiferença até porque recebia com frequência pretendentes muito ricos. Quem era, afinal, Julian que não um serviçal de seu pai?
Mas, com o tempo ela se encanta e se apaixona por ele, desprezando todos os pretendentes.
Aqui também uma escada leva o amante ao quarto dela.
E então, mesmo com esses encontros o Autor não se cansa de remeter a pergunta que ambos fazem, "ela me ama", "ele me ama".
Num certo dia ela revela sua gravidez e por carta informa esse estado ao seu pai, dizendo amar Julian e que fora ela quem o seduzira. O Marques de La Mole se desespera.
Eram trocadas cartas mesmo morando na mesma moradia...
Procura informações de Julian diretamente com a Sra. de Rénal que por carta relata o romance adúltero que tivera com o ele.
Matilde, diante do desaparecimento de seu pai depois dessa carta, chama Julian que estava em Strasburgo e ao saber que fora autora sua ex-amante, resolve assassiná-la em plena missa em Verrières.
Dois tiros não fatais: somente um tiro atinge a Sra, de Rénal no ombro que logo se cura.
Julian é preso e confessa a premeditação. Em meio a muita emoção, o júri de Besançon o condena à morte na guilhotina.
Recusa-se a recorrer da sentença de morte. Mas, depois recorre (?)
Matilde e Sra. de Rénal o visitam gerando ciúmes da primeira que tudo faz para libertá-lo.
Julian, desesperado, pede à Sra. de Rénal que cuide de seu filho porque acreditava que, com sua morte, Matilde o abandonaria.
Até que chega o dia da execução que se consuma. O Autor nada fala do recurso.
Matilde retém a cabeça do amado e na presença de Fouqué, amigo leal de Julian, que tudo acompanha, a sepulta numa gruta que mandara enfeitar.
O Autor sobre Sra. de Rénal dá um final inesperado. Três dias depois da morte do amado, ela também falece, mas não por suicídio porque prometera a Julian não executar esse ato extremo.
► O livro não é só isso. Há muito mais em suas quase 500 páginas que como disse, na edição em meu poder foi composto em fonte minúscula
Referências
(*) Acessar: MADAME BOVARY
(**) Acessar: ANNA KARENINA
domingo, 29 de maio de 2022
O FIO DA NAVALHA de W. Somerset Maugham
LIVRO 94
O escritor consagrado, inglês (1874-1965) é autor de vasta obra.
O livro é de 1944. "O fio da navalha" foi filmado em 1946.
A edição que está comigo tem 440 páginas.
Há muitos anos li esse livro porque me dissera que havia uma "discussão" afinal não resolvida sobre aquele velho tema que a todos intriga: o sentido da vida.
E a quem é revelado o essencial da vida, suas contradições, suas diferenças e suas exigências?
De regra, o livro pelo seu enredo, constitui-se leitura agradável embora, digamos, irrite um pouco os detalhes expostos sobre a vida fútil de um dos principais personagens (Elliott) - talvez uma estratégia do Autor - e também descrições de caracteres de todos eles, de modo exaustivo. De uma das personagens, foram tomadas duas páginas de descrição física destacando também sua beleza (Isabel).
A história se desenrola após o encerramento da 1º Grande Guerra (novembro de 1918) até se aproximar dos tempos em que já a 2ª guerra mostrava fortes sinais de eclosão.
Seus principais episódios se dão em Chicago, Paris e Londres.
Pois bem, nesse romance, o próprio Autor se coloca como um dos personagens compartilhando com suas riquezas, angústias e fraquezas.
Então, pelos personagens tentarei transmitir a essência do que retive do livro.
Personagens
O próprio escritor Maugham
Começa informando que tivera projeção num romance que escrevera e, de passagem por Chicago, entrevistado, chamou a atenção de Elliott Templeton. A partir dele o Autor-personagem se envolve na sociedade e conhece a família de Elliott, sua irmã Mrs. Bradley e sua sobrinha Isabel.
Também Larry personagem que teria papel fundamental no romance.
Elliott Templeton
A atividade básica de Elliott era a de intermediar a venda de obras de arte.
É descrito como um personagem esnobe, superficial, afetado, afeito a patrocinar e aproveitar inumeráveis almoços e jantares da alta sociedade fosse americana, parisiense, londrina...
Tudo para ele se referia à linguagem do dinheiro e à manutenção desse seu status perante a sociedade, preocupando-se com roupas esmeradas e às boas maneiras de modo exacerbado.
Escapou da quebra da bolsa de Nova York em 1929 porque se antecipou nos seus vencimentos e, a partir daí foi enriquecendo (!)
Seu nível elevado de riqueza permitiu que tivesse um apartamento em Paris e uma residência luxuosa que construíra na Riviera francesa.
Sua riqueza permitiu que sustentação sua sobrinha Isabel e seu marido Gray Maturin quando este e seu pai faliram como decorrência da quebra da bolsa de Nova York.
Então, fútil mas generoso.
Levando essa vida de ostentação, requintada, doente, sofrendo com a indiferença dos seus conviventes sociais, ao falecer, em seu testamento, exigiu que fosse sepultado com a fantasia inspirada no que fora a vestimenta de um ancestral.
Era solteiro, não demonstrara interesse pelo sexo oposto. O Autor o leva a superar, parece, esse interesse pela vida "tola" que levava Elliott.
Mas, a ironia é que o Autor o seguindo tantas vezes nas suas manias, recepções, almoços e jantares participou frequentemente dessa vida tola...
Isabel
Sobrinha de Elliot, filha de Louise Bradley, viúva que tinha cuidados especiais com a filha.
Isabel amava Larry, seu noivo que não queria trabalhar e, como diz o livro, apenas "vadiar".
Então, havia uma pressão para que seu noivo, afinal, trabalhasse para conquistarem um casamento rico.
Aliás, seu amigo Grey Maturin que trabalhava com seu pai Henry, milionário comandando um escritório de investimentos, o convidara a trabalhar no escritório com ele.
Grey morria de amores por Isabel.
Mas, Larry não aceitou o emprego e ficou meio à margem do conjunto social e da influência de Elliott que deseja um casamento faustoso para a sobrinha, pensando na repercussão social.
Larry um dia ofereceu o casamento a Isabel, mas levando uma vida simples, ambos vivendo com uma renda anual de 3 mil dólares que ele fazia jus. Uma vida sem ostentação, sem futilidades.
Não aceitando, Isabel se casou com Grey mas sempre amando Larry.
Foram pais de duas meninas.
Os Maturin faliram de modo irremediável com a quebra da bolsa de Nova York.
Sem emprego e sem recursos, o casal foi ajudado de modo generoso por Elliott que o fez mudar para um apartamento que tinha em Paris enquanto Grey procurava emprego.
Com a morte do tio, Isabel herdou razoável fortuna e o casal mudou-se para Dallas - Texas onde Grey iniciaria, um novo empreendimento, aplicando o dinheiro da esposa.
Quando Larry anunciou que se casaria com Sophie uma moça conhecida desde a infância de ambos, mas que se perdera frequentando os cafés e cabarés mal afamados de Paris, Isabel ficou transtornada e armou um ardil para que a moça se embriagasse no dia de escolher o vestido, fugisse do casamento e voltasse à vida anterior, bebendo, até ser assassinada.
Larry
Esse personagem é o contraponto de toda a futilidade da vida dos demais personagens.
Falsificando a idade, pelo Canadá, foi para a guerra, como aviador.
Nas missões, viu a morte de um amigo, também aviador, que morrera após o salvar.
Essa tragédia fê-lo mudar de atitude e pensara a partir desse trauma encontrar razões para a própria vida.
Dai o desejo de "vadiar".
Permanecia horas estudando línguas, inclusive algumas orientais.
Saiu pelo mundo, trabalhou em mina de carvão, com todos os percalços de convivência com um companheiro polonês desbocado, mas culto, com mulheres de seu alojamento...
Mas, foi na Índia que teve experiências espirituais que mexeram com sua interioridade.
Num ritual que lá aprendera, curara a "terrível" enxaqueca que atormentava seu amigo Grey.
Em contato com Shri Ganecha (shri, termo de respeito ao praticante da espiritualidade, entre outros), vendo nele santidade, apreendeu sobre princípios da vida terrena, da maldade - porque existir esse jogo do bem e do mal promovido pelo Absoluto? -, da falta de respostas que a existência impõe, a questão da reencarnação cujo objetivo dessa sequência de vidas, muitas com sofrimento se perde no silêncio da alma...
Mas, o personagem descreve nesse clima místico, um êxtase de felicidade espiritual ao contemplar a beleza das montanhas e da floresta quando na Índia:
"Felicidade tão intensa que chegava a ser dolorosa, procurei libertar-me dela, pois sentia que se durasse mais um momento, eu morreria: e no entanto era um êxtase tão grande que seria preferível morrer a ter que renunciar a ele."
E onde estaria Larry, no final da história com seu desprendimento, pela renúncia à "glória" e à riqueza?
Talvez empregado numa oficina mecânica ou motorista de taxi em Nova York.
O livro não é só isso, isso é muito pouco. Como disse o livro beira a 450 páginas.
quinta-feira, 12 de maio de 2022
IRACEMA de José de Alencar
LIVRO 93
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Significados de palavras tupis-guaranis expostos pelo Autor em suas "Notas":
● Iracema em tupi-guarani significa lábios de mel
● Jandaia se refere a "periquito grasnador" que como explica o Autor, deu origem ao nome Ceará que "na língua indígena", segundo a tradição, "significa o canto da Jandaia.
Diz Machado de Assis, em sua crítica à obra Iracema que se trata de poesia em prosa, uma obra prima.
Na edição que tenho em mãos, há notas introdutórias da professora Angela Gutiérrez que ressalta o valor da obra, fazendo referência a nomes que são comuns hoje, personagens ou imagens do romance, como Iracema, Caubi, Irapuã... e nomes de entidades como TV Verdes Mares, Rádio Iracema...
Pois bem, a história muito leve ressalta a virgem Iracema pertencente à tribo dos tabajaras filha do Pajé Araquém que é surpreendida ao se deparar no meio da mata com um jovem branco, Martim. Numa reação de surpresa ela o fere com uma flecha e pergunta como pode ele falar sua língua. Esse incidente apenas aguça a paixão que nasce entre ambos.
● Martim, de origem latina, procedente de Marte - o que pode significar "guerreiro", como aliás a obra revela.
Embora ele fosse aliado dos pitiguaras, inimigos mortais dos tabajaras, tendo um amigo indígena daquela tribo, Poty, considerado seu "irmão", Martim se hospeda na cabana de Araquèm, Pajé, pai de Iracema e lá nasce aquele romance, aquele desejo contido que vai crescendo.
Mesmo quando revela que está grávida, o Autor em alguns episódios ainda a qualifica de "virgem", chamando-a de esposa.
Como se deu o "casamento"?
Iracema, feita por ela, oferece uma bebida a Martim, "o vinho de Tupã" - a bebida sagrada dos tabajaras feita com a jurema. Ao tomar a bebida, "todos sentem a felicidade tão viva e contínua, que no espaço da noite cuidam de viver muitas luas".
Foi nessas "espaço da noite" que Martim faz de Iracema sua esposa mas pelo efeito da bebida ao acordar pensou que vivera apenas um sonho...
"Tupã já não tinha sua virgem na terra dos tabajaras".
● Jurema: árvore com folhagem espessa, que produz fruto amargo que com outros "segredos" era produzida uma bebida alucinógena com os efeitos do haxixe e, dai as alucinações agradáveis, sonhos "tão vivos"...
Martim, mesmo aliado dos Pitiguaras, permaneceu vivendo na aldeia Tabajara, suscitando a revolta por ser ele aliado dos inimigos e o ciúme de Irapuã que desejava Iracema.
O Pajé para assustar Irapuã furioso de sua cabana e o afastar do ataque a Martim, pratica um truque que nada tinha de sobrenatural.
● Irapuã: mel redondo.
Com os cuidados de seu irmão Caubi, Iracema e Martim fogem para a aldeia dos pitiguaras e lá ele se depara com guerras entre as duas tribos, vendo ela com amargura o sangue de muitos de seus irmãos tabajaras.
A morte de Iracema fora anunciada por ela:
- Guerreiro branco, Iracema é filha do Pajé e guarda o segredo da Jurema. O guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria.
Vi nessa frase o anúncio possível da morte de Martim se possuísse Iracema mas ele reage porque como guerreiro do seu sangue, "trazem a morte consigo".
Iracema sempre muito insegura, percebendo que Martim poderia estar saudoso de sua terra e de sua virgem loira.
Martim se afasta por "oito Luas" (cerca de dois meses) em guerra com outras tribos, ao lado de Poty dos Pitiguaras.
Quanto volta trilhando os campos de Porangaba... "tem medo de chegar; e sente que sua alma vai sofrer quando os olhos tristes e magoados da esposa entrarem nele"
Os latidos do cão Japi poderia ser de alegria.
● Porangaba: entre outras origens, significa beleza;
● Japi: significa "nosso pé".
Ao se aproximar, encontra Iracema combalida, segurando o filho:
- Recebe o filho de teu sangue. Era tempo, meus seios ingratos já não tinham alimento para dar-lhe!
Iracema foi sepultada ao pé do coqueiro que ele amava.
Muitas vezes lá esteve Martim para "acalentar no peito a agra saudade".
Mas, o final profundamente real quanto inexorável:
"A jandaia cantava ainda no olho do coqueiro: mas não repetia já o mavioso nome de Iracema".
"Tudo passa sobre a terra."
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O "poema em prosa" Iracema não é só isso. O pequeno livro tem muito mais do que essas linhas simples. Há todo um vocabulário dos termos indígenas.
Do mesmo Autor acessar:
domingo, 1 de maio de 2022
PROMETEU ACORRENTADO de Ésquilo
LIVRO 92
VER NO FINAL INFORMAÇÃO IMPORTANTE
Ésquilo nasceu por volta de 525 AC em Elêusis, próximo de Atenas e faleceu em 456 na Sicília.
PROMETEU ACORRENTDO, escrita em 470 AC é mais uma tragédia grega.
Em Édipo Rei (*) e Prometeu, há a predominância do cumprimento inexorável do destino.
Nesta obra de Ésquilo o destino tem a ver com o castigo de Zeus tal qual proclamam hoje correntes espirituais que falam na "lei do retorno", na "lei da causa e efeito."
Mas, há que se afirmar que Zeus é um deus pagão.
Essa tragédia tem os personagens seguintes além de Prometeu:
Poder e Força: Sob cujas ordens é executada a punição a Prometeu;
Hefesto: designado para acorrentar Prometeu numa "rocha varrida", que lamenta muito cumprir a missão imposta mas a executa, deixando Prometeu numa situação "ultrajante".
Oceano: Aliado de Prometeu que dele se aproxima em seu local do castigo e demonstra o desejo de interceder perante Zeus para minorar seus sofrimentos. E chega a aconselhar: "E por inteligente que sejas, desejo dar-te o mais salutar conselho. Conhece-te a ti mesmo e adota modos novos, pois um novo senhor reina sobre os deuses". Prometeu, porém, rejeitou a ajuda porque receava que Zeus fizesse contra o Oceano, algum tipo de retaliação.
Io: filha de Ínaco: que Zeus amava, mas pelo ciúmes de Hera (esposa de Zeus) foi expulsa pelo pai de casa e deixada à própria sorte no deserto, por terras estranhas, habitantes perigosos. Ela chega até Prometeu mas segundo as profecias dele, Io finalmente, pelo "capricho do Destino, uma grande colônia será fundada por ti Io e pelos teus filhos".
Hermes: filho de Zeus que vai até Prometeu para saber de suas previsões sobre a perda do trono pelo pai, após um casamento...
Coro das Oceânidas: Aliado de Prometeu que sofre com ele o castigo que lhe impôs Zeus.
Prometeu fora duramente castigado por Zeus por ter dado aos mortais, aos homens, ensinamentos e segredos conforme explana já acorrentado nas rochas. Ele se refere ao que ensinou e inventou em benefício dos mortais:
● A construir moradias com tijolos e madeira para que saíssem os mortais das cavernas escuras;
● A distinguir as estações de inverno e a das flores , dos frutos e da colheita;
● Inventou o sistema de números e o alfabeto;
● A subjugar os animais para fazerem os trabalhos mais pesados;
● Os navios para os marinheiros correrem os mares;
● A utilização do fogo...
"Vede como está preso em correntes o miserável deus que sou, o inimigo de Zeus, que incorreu no ódio de todos os que frequentam a corte de Zeus porque amou demasiado os homens."
Mas, Prometeu exalando o ódio contra Zeus, declara que ele perderá o trono depois de um casamento do qual se arrependerá, porque a esposa lhe dará um filho mais forte que ele.
Então, a tais presságios se apresenta Hermes a mando de seu pai Zeus para saber "que casamento é esse que fazes tanto barulho".
Prometeu, ao ser acusado por Hermes de que delira e está doente, ele responde:
"Se estar doente e odiar os inimigos, então, sim, estou doente."
Então, Hermes, agrava o castigo de Prometeu informando que o "cão alado" de Zeus, o "abutre sanguinário", devorará "com voracidade grandes pedaços do seu corpo (...) que virá todo o dia fazer seu repasto e o dia inteiro vai mastigar a negra iguaria que é o teu fígado".
No dia seguinte, o fígado recuperado era novamente devorado.
E Hermes não lhe dá esperança de breve reparo ao castigo, mas lhe diz:
"Então olha ao teu redor, reflete, e não acredites que a teimosia valha mais que uma sábia deliberação."
E o Coro aliado de Prometeu, no final, sob ameaça de Hermes a possíveis retaliações de Zeus contra ele, Coro, diz:
"Usa de outra linguagem e dá-me conselhos que eu possa escutar. Acaba de dizer frases intoleráveis. Como podes ordenar que eu cometa uma covardia? O que ele deve sofrer, quero sofrer com ele. Aprendi a odiar os traidores. De nenhum outro vício tenho mais horror."
E a frase final de Prometeu:
"Ó minha venerável mãe e tu, Éter, que fazes rodar ao redor do mundo a luz comum a todos, vede o tratamento ultrajante que me infligem?"
FINAL DA HISTÓRIA
Em Prometeu Acorrentado, o destino dele está ligado aos desígnios de Zeus que o castiga pela ajuda aos mortais e mesmo ao ódio externado ao deus.
Há excessos?
Depois dessas obras (Prometeu, Édipo Rei) filósofos gregos tentaram mudar os rumos adotando a liberdade de pensar se afastando dos desígnios do destino.
Porém, depois de 2500 anos, até hoje, com tanto "progresso" sabemos ou controlamos o essencial da vida? Como explicar tantas diferenças entre os semelhantes, as dores físicas, morais. Seriam castigos? Se sim, por quê? Por quem?
O essencial da vida não entendemos ou não nos é dada a compreensão.
(*) Acessar:
ESSA RESENHA PODE SER COMPARADA COM AS OBRAS: ÉDIPO REI de Sófocles e MEDÉIA de Eurípedes. bastando acessar EDIÇÃO ESPECIAL DAS TRÊS TRAGÉDIAS: