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quinta-feira, 17 de agosto de 2017

ENCONTROS COM HOMENS NOTÁVEIS de G. I. Gurdijieff

Livro 20

Tenho a impressão que os ensinamentos de Gurdijieff já tiveram estudos mais aprofundados no passado. Neste livro, o Autor, falecido em 1949, não se aprofunda nos seus ensinamentos, embora na convivência com os “homens notáveis”, muitas experiências ele relata até de modo jocoso. Esse livro teve uma versão cinematográfica. A sua capa provém de uma cena do filme.





Nas páginas de introdução, pelas palavras de um sábio que respeitava muito, Gurdijieff faz críticas irônicas aos romances que nada trazem de útil e a própria imprensa é desacreditada pelas distorções que pratica na divulgação de notícias. E critica, também, a gramática porque ela poderia tirar a espontaneidade das explanações. Ele falava, pelo menos, uma dezena de idiomas.

Não esperem, porém, que tudo de seus relatos, sejam experiências imaculadas. Não. Por vezes, para sobreviver nas grandes viagens que empreendeu, obrigava-se a obter recursos de modo não muito apropriados.

Por exemplo: apreendera pardais, pintava-os de amarelo e os vendia a bom preço afirmando que eram canários americanos raros.

Mas, não demoraria muito a deixar a cidade porque os pardais poderiam desbotar a qualquer momento...

Além dessa outras práticas foram relatadas que não se enquadram nos limites rigorosos da lisura.

Quando trabalhou na construção de uma linha férrea, sabendo do seu traçado e por quais cidades passaria, remetia a elas um  um assessor sugerindo o pagamento de uma "compensação" de tal modo que poderia desviar o traçado, as beneficiando. Mas, a cidade já constava do traçado!

Como tinha talento especial para "consertar tudo", era comum cobrar preço exorbitante apenas para mudar uma alavanca, fixar uma mola solta, que o incauto desconhecia.

O começo do livro revela sua perplexidade com certos fenômenos que poderiam ser atribuídos a milagres, sem explicação nos conceitos comuns da vida como, por exemplo, um jovem paralítico que rastejando até o túmulo do santo, o beijou e desmaiou. Ao recobrar os sentidos, estava curado, contrariando todas as possibilidades.

Há o relato da manifestação de espécie de zumbi, um espírito brincalhão que se apossa de um cadáver mal sepultado e pratica ações de mau gosto, especialmente contra os inimigos do morto.

Essas manifestações desafiavam sua razão.

Daí, suas viagens pela Ásia Central, incluindo o Tibete foram extensas, demoradas, fixando-se, com seus amigos que pensavam igual a ele, em localidades remotas, em busca do autoconhecimento.

Há descrições de grandes dificuldades que foram superadas nessas viagens que nem sempre revelavam essa busca interior. As viagens resultavam não tanto em revelações espirituais ao autor e seus seguidores, mas experiências de sobrevivência, contatos com tipos humanos que afinal, ajudaram na sua busca:

"Um dia fomos chamados ao recinto do terceiro pátio, em casa de um xeque do mosteiro, que falou-nos com a ajuda de um intérprete. Deu-nos como instrutor um dos monges dos mais antigos, um ancião que tinha o aspecto de um ícone e que, segundo os outros frades, tinha duzentos e setenta e cinco anos."

Experiências não se transferem, mas se relatam. Padre Giovani, italiano, a quem o autor conheceu em Citral (Paquistão), num dos diálogos disse:

"Por exemplo, se meu próprio irmão bem amado viesse, neste momento, até a mim e me suplicasse que lhe desse nem que fosse a décima parte de minha compreensão e de que modo o meu ser quisesse fazê-lo, não poderia sequer comunicar-lhe a milésima parte dessa compreensão, por mais ardente que fosse meu desejo, porque não existe nele, nem o saber que adquiri, nem as experiências pelas quais me foi dado passar a minha vida."

Nessas viagens tão duradouras, longínquas, não havia, pelo que relatado no livro, o elemento feminino, a prática sexual, mas entre seus companheiros de aventuras, a amizade integral, que provinha do “amor profundo”, de irmãos. (*)

Uma sua aliada, Vitvitskais, que viajou muito no grupo e o ajudou nos ateliês de "conserta tudo"`:

"A companheira que acabava de reencontrar era a inimitável e intrépida Vitstiskaia, que andava sempre vestida de homem. Participara de todas as nossas expedições perigosas nos confins da Ásia, África, Austrália e ilhas vizinhas." 

Nessas expedições, nessas aventuras, há momentos de crueldade. Para improvisarem uma jangada e aproveitarem o fluxo de um rio, resolveram abater todas as cabras que haviam servido tanto para carregar as bagagens como para a subsistência com a sua carne. Eram consideradas até então, aliadas.

Gurdijieff assim relata:

“No dia seguinte, começamos a matar as cabras, que ainda na véspera considerávamos, sinceramente, como nossas amigas e associadas em nossos esforços para superar as dificuldades da viagem.”

E ironiza esse ato bárbaro, se referindo a uma “bela manifestação cristã-muçulmana...”.

Os homens notáveis relacionados no livro são nove, incluindo o pai do Autor.

Quanto a este houve entre outros conceitos estes:

1º - Amar seus pais;
2º - Guardar sua pureza sexual;
3º - Demonstrar cortesia com todos, ricos ou pobres, amigos ou inimigos, detentores do poder ou escravos, qualquer que seja religião...
4º - Amar o trabalho pelo trabalho e não pelo ganho.

Entre as muitas máximas de seu pai, lê-se esta:

“Uma verdadeira miséria sobre a terra são as implicâncias das mulheres.”

O padre Borsh, um dos notáveis, dissera que o homem e a mulher para atingirem um grau de convivência devem ter o tipo correspondente para que se completem. Em assim não sendo perdem quase todas as manifestações essenciais de sua individualidade.

E completava:

“Eis porque é absolutamente necessário que todo homem tenha perto dele, no processo de sua vida responsável, um ser do sexo contrário, de tipo correspondente, para que se completem mutuamente sob todos os aspectos.”

Então os notáveis que eu tenha apreendido, não transmitiram sempre algo revelador que não fosse a bondade, a espiritualidade e a amizade.

E um detalhe: embora a cada capítulo, um dos notáveis é destacado, no texto respectivo nem sempre se fala muito dele. O autor aproveita em cada capítulo para relatar suas experiências, suas aventuras e atitudes nem sempre... exemplares




Num velho livro publicado no início da década de 60, “Mente ou Alma” do médico psiquiatra Alberto Lyra, que estudou a psicologia de Gurdijieff, revela que sua personalidade, para os que o conheceram, irradiava força fora de toda comparação, liberdade interior além de ser trabalhador incansável.


Extraído do livro de Lyra, escrevera Peter Ouspensky, seu principal discípulo, sobre sua psicologia:

“A psicologia de Gurdijieff é extremamente prática e racional, porque ela mostra de maneira lógica como é o homem, quais são as suas enormes limitações, mas aponta, também, os meios para superá-las. Sob esse ponto de vista leigo e desprovido de qualquer sentimento religioso, mostra que, afinal de contas, o caminho que o homem tem de trilhar é o mesmo que lhe tem sido indicado pelos diversos instrutores religiosos de todos os tempos.”

(*) Na década de 20 do século XX, ao fundar seu "Instituto para o Desenvolvimento Harmonioso do Homem" em Nova York, ao ser questionado de onde vinha o dinheiros para seus empreendimentos, num tipo de apêndice do livro, em muitas páginas ele trata com detalhes essa "questão material", isto é, quando e como conseguiu recursos para todas suas viagens e projetos. Relata seu trabalho intenso, enfrentando toda sorte de desafios e, às vezes, revertendo situações adversas com novas inspirações e novas iniciativas. 

Um aforismo dele: Quanto piores as condições de vida, melhores serão os resultados do trabalho - contanto que nos lembremos continuamente do trabalho.”

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

PARIS É UMA FESTA de Ernest Hemingway

Livro 19





Não me parece seja este livro daqueles mais festejados do grande escritor americano. São crônicas dos tempos, na década de 20 do século XX, em que vivia em Paris usufruindo das suas belezas e, sobretudo, da boemia. Gostei muito.





Ernest Hemingway reside, então, em Paris, levando vida modesta, escrevendo contos nem sempre aceitos ou publicados pelos jornais e revistas que ele remetia.

E essa dificuldade não era só sua. Os outros escritores – muitos dos quais se consagrariam mais tarde - naqueles dias também não tinham seus escritos publicados com facilidade. E quando ocorriam as publicações, os valores pagos não eram expressivos.

Relata o Autor que, para fazer economia, passava fome mas tinha o sentimento inspirador de que Paris era uma espiração:

“De qualquer maneira, éramos ainda muito pobres e eu vivia tendo que enganar minha mulher, dizendo que recebera convites para almoçar fora. Passava duas horas andando pelos jardins de Luxemburg e, depois, voltava para contar-lhe maravilhas dos tais almoços”.

Uma frase que abre o livro escrita em 1930 para um amigo:

“Se você teve a sorte de viver em Paris, quando jovem, sua presença continuará a acompanhá-lo pelo resto da vida, onde quer que você esteja, porque Paris é uma festa móvel.”

Tinha por hábito trabalhar, escrevendo seus contos num café, um dos melhores de Paris, o “Closerie des Lilas”. Ali, o encontro com os amigos escritores.

A escritora Gertrude Stein ao ouvir do patron de uma oficina que admoestava um mecânico que nada fizera no seu Ford exclamara:

- Vocês todos são uma génération perdue.

Ao que ela emendou tendo Hemingway presente:

- É isso mesmo o que vocês são. Todos vocês, essa rapaziada que serviu na guerra. Vocês são uma geração perdida.

Hemingway nunca aceitou essa expressão de “geração perdida”.

Mas, preservava sua amizade com a escritora Gertrude Stein e quando “já não era a mesma coisa” observou:

“Quando uma antiga amizade não se refaz por completo, é na cabeça que a gente sente mais. Mas do que servem essas palavras? A coisa era muito mais complicada do que isso, e jamais conseguirei explica-la direito.”

[Numa legenda sob a foto de Gertrude Stein no livro “Paris é uma festa” lê-se que fora autora de literatura experimental e influente nos círculos culturais de vanguarda, colocou Hemingway sob suas asas e lhe deu caloroso apoio].

O escritor Scott Fitzgerald, autor do livro “O grande gatsby” filmado pelo menos três vezes por Hollywood em épocas diferentes, certo dia revelou a Hemingway um comentário de sua esposa que se referira não ao desempenho mas ao volume do seu órgão genital.

Hemingway, o tranquilizou quanto ao tamanho, ressaltando que a esposa do amigo enlouquecia, recomendando que fosse ao Louvre e examinasse a proporção das estátuas:

- Depois, vá para casa e olhe-se um espelho de perfil.


Há muito mais...



.//. 

Ernest Hemingway suicidou-se em 1961. Filme relativamente recente, “Papa”, revela sua intimidade nos últimos anos de sua vida atribulada.

Era um suicida em potencial, diga-se.

Poucos anos antes do gesto extremo que consumou em 1961, ele se queixava de que não conseguia mais escrever e que se tornara um impotente sexual.

Recebia carinho dos amigos e da esposa, embora esta muitas vezes se revelasse agressiva e irascível comportamento que poderia ter-lhe enfraquecido a “força do seu espírito”.

















Jardim de Luxemburgo - Paris

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

SÓCRATES de PLATÃO



LIVRO 18



Sócrates que nasceu e morreu em Atenas (470 – 399 a.C.) não deixou nada escrito. Tudo o que dele se sabe provém de seu discípulo, Platão (Atenas, 428 – 348-7 a.C.). Em suas obras divulgou diálogos nos quais se sobressaem ensinamentos de seu mestre. Há questionamento constante nesses textos, o que seja de Sócrates ou o que seja de Platão que, no caso, se valeria de seu mestre para explanar suas próprias ideias. O método de Sócrates fora a maiêutica que consistia em obter do discípulo e de quem mais se houvesse com ele todo o conhecimento a partir dos questionamentos que fazia. 

Os diálogos abaixo, obras de Platão, resumidos e comentados neste trabalho, apresentam princípios do pensamento de Sócrates de um modo ou outro tendo relação direta ou indireta com o julgamento e pena de morte que lhe fora imposta.

Meditando um pouco encontra-se em Sócrates algo de crístico.

A íntegra dessas obras são encontradas facilmente em plataformas de buscas, gratuitas.

 

EUTÍFRON

Reverência aos deuses mesmo nos excessos

Eutífron encontra Sócrates próximo ao Pórtico dos Reis e o questiona o que lá fazia indagando se teria ele, também, alguma ação judicial.

Sócrates diz que respondia a uma ação criminal pública porque fora acusado por um certo Meleto que teria proposto acusação vil, a de corromper a juventude. Diz Sócrates que ele instrui os jovens na idade mesmo do acusador, para “torná-los virtuosos, da mesma maneira que o bom lavrador se preocupa primeiramente das plantas tenras e depois das outras”.

Essa sua habilidade e sabedoria na instrução dos jovens teriam suscitado a cólera de muitos pela inveja ou alguma outra razão.

Então, Eutífron, um adivinho, diz a Sócrates que pouco sabia de Meleto e que lá estava como acusador do próprio pai, um homem velho, qualificando-o de homicida. E ele explica que um servo embriagado degolou outro. Então, seu pai deteve o criminoso, o acorrentou e o "encarcerou" num fosso e esqueceu o prisioneiro que morreu de fome, de frio e pelas correntes. E disse mais que essa sua decisão era contestada porque o assassino de um ou outro modo fora castigado e também "afirmam ainda que é cruel um filho acusar seu próprio pai de homicídio. Mal sabem eles, Sócrates, o que é piedoso ou cruel aos olhos dos deuses."

Sócrates, demonstrando assombro pelo que ouviu de Eutífron o indaga se ele estava certo do que pensavam os deuses, até porque eles se digladiavam no panteão o que poderia ensejar posições contraditórias entre a piedade e a crueldade.

Ora, Eutífron já era criticado pela fragilidade de seus argumentos para acusar o próprio pai. Mas, ele dizia que é piedoso exatamente aquilo que todos os deuses aprovam, enquanto é ímpio tudo o que os deuses rejeitam.

E Sócrates: "Compreende que talvez eu te pareça mais infame que os juízes, já que é evidente que pretendes provar-lhes que o que foi feito por teu pai é injusto e, mais, execrável aos olhos dos deuses."

E, ademais, o que é piedoso aqui pode ser execrável lá...

E a partir daí, a cada argumento, o filósofo demonstrava a fragilidade do posicionamento de Eutífron no tocante ao conceito de "piedade".

E pede que o acusador defina o que é ser piedoso sem considerar a opinião dos deuses. Mas, Eutífron, mantém sua crença.

E, então, segue Sócrates embaraçando os conceitos de Eutífron aproveitando suas vacilações quanto aos "piedosos" afirma não haver razão para acusar seu próprio pai além de desprezar a opinião dos homens.

Eutífron, então, se retira, dizendo que estava apressado ao que Sócrates lamenta porque tinha esperança de se livrar das acusações de Meleto pelo que poderia ter aprendido com ele sobre "assuntos divinos" e levar dai por diante uma vida melhor... 

MÊNON

Questões sobre a virtude

Mênon pertencera a uma família da nobreza originária da cidade de Farsalo, na Tessália. Esse diálogo pode ser situado no ano 402 a.C. 

O diálogo entre Mênon e Sócrates se refere à virtude. O que é virtude?

Tudo começa ao indagar, Mênon, a Sócrates se a virtude é coisa que se ensina ou que se adquire pelo exercício ou algo que advém aos homens por natureza ou por alguma outra maneira.

Sócrates responde que não sabe dizer se é coisa que se ensina ou de que maneira ela se produz. Então, diz ele, "estou longe de saber se ela se ensina ou não, que nem sequer o que issoé,  a virtude, possa ser, me acontece saber, absolutamente." 

Então, Mênon, dá sua primeira definição que consistira, a virtude, em ser capaz o homem de gerir as coisas da cidade e nessa gestão fazer bem aos amigos e mal aos inimigos e cuidar  ele próprio de não sofrer alguma coisa assim e, quanto às mulheres, cuidar bem da casa, de seu interior e sendo obediente ao marido.

Claro que Sócrates condena essa definição que não contemplaria, num único conceito "o que é virtude". 

Depois de tantas indagações de Sócrates, Mênon reclama que o filósofo caia em aporia, fato que na visão dele, Mênon, já não sabia mais ele próprio,  o que era virtude, E ouvira dizer que o próprio Sócrates constantemente caia em aporia.

(Aporia: duas opiniões divergentes sobre o mesmo tema, dando-se um "impasse" dificultando o aprendizado).

E a partir daí Sócrates indaga se a virtude é ciência ou "coisa". Se for ciência se a ensina; se não for ciência ninguém a ensina. Ademais, não há mestres que a ensinam.

Sócrates depois de tantas proposições próprias do seu modo de obter conhecimento,  se refere a estudiosos que dizem ser imortal a alma do homem e depois do que se chama morrer, sucede o nascer de novo, muitas vezes e mantém conhecimentos obtidos nas vidas passadas mas necessitando serem relembrados.

Com um escravo de Mênon que chama ao acaso, para provar conhecimentos sem ter sido ensinado, um escravo que vai respondendo testes geométricos com acerto de modo a comprovar conhecimentos de outras vidas.

(Não seria intuição, fenômeno que se define mas não se explica...convincentemente? Intuição não foi mencionada no texto; e outro ponto: Sócrates acreditava nos renascimentos sucessivos? Alma imortal? Sobre isso esse tema voltará em outros diálogos).

"E se a verdade das coisas que são está sempre na nossa alma, a alma deve ser imortal, não é?" pergunta Sócrates. E, nesse raciocínio, aquilo que acontece e não se lembra, "é necessário, tomando coragem, tratares de procurar e de rememorar".

Essa mudança de rumos no diálogo, no meu modo de ver, é uma preparação para uma mudança de Sócrates nesse debate sobre a virtude.

No meio desse diálogo, agora na presença de Ânito, que hospedava Mênon, provocado por Sócrates diz, Ânito, que todo homem de bem de Atenas é virtuoso e superior aos sofistas que cobram para transmitir sua sabedoria mesmo aos jovens. E Ânito critica os sofistas de modo exacerbado mesmo sem nunca ter se aproximado de de nenhum deles. Então Sócrates, percebendo-o exaltado lhe pergunta como pode ter esse juízo dos sofistas sem os conhecer. 

Ânito seria depois um dos principais acusadores de Sócrates no processo crime proposto por Meleto, participação que teria resultado em sua pena de morte.

Por fim, Sócrates aceita o valor de uma opinião correta, que ensina os bons caminhos a ser trilhados e diz que a virtude  é uma concessão divina que "nos aparece como advindo, àqueles a quem advenha".

Mas, não fica afastada a necessidade de empreender a pesquisa para o que é "afinal a virtude em si e por si mesma".

Em outros diálogos Sócrates se refere à virtude como conduta digna, justa e honesta.

APOLOGIA DE SÓCRATES

A defesa e uma pena injusta

Vimos no diálogo entre Sócrates e Eutífron que o filósofo fora denunciado por Meleto perante o júri de Atenas. Eutífron também não conhecia Meleto diante do questionamento de Sócrates que, naquele momento, não deixava de revelar alguma preocupação

Mas, a acusação que haveria Sócrates que enfrentar era esta:

"Sócrates é culpado de não aceitar os deuses que são reconhecidos pelo Estado, de introduzir novos cultos, e também é culpado por corromper a juventude. Pena: a morte".

As razões, todavia, que mais explicam, talvez, o ódio que amealhou o filósofo, eram a sua inteligência e sabedoria, a ponto de ter revelado, o Oráculo de Delfos, ser ele o mais sábio entre todos em Atenas.

Fora seu amigo Querefonte quem consultara o Oráculo sabendo se em Atenas havia alguém mais sábio que Sócrates. A resposta fora pela negativa, mas Sócrates sempre diria que o verdadeiro sábio é aquele que sabe que não sabe.

Essa referência do Oráculo fez com que Sócrates pesquisasse entre vários sábios se seriam mais sábios do que ele. Mas, Sócrates concluiu que nenhum daqueles o superavam.

Para essa conclusão, buscara os supostos sábios políticos. Mas, constatou que entre eles não havia sábios; buscou os sábios poetas concluindo que o expressado na poesia era uma inspiração natural como os adivinhos e os vaticinadores mas deles se afastou porque não eram sábios e, por fim, buscou os artesãos famosos e entre eles também não encontrou sábios.

Diz Sócrates:

- Este é o motivo pelo qual, finalmente lançaram-se contra mim Meleto, Ânito e  Licon: Meleto profundamente irado por causa dos poetas. Ânito por causa dos artesãos e políticos e Licon por causa dos oradores. 

Então, na continuidade de sua defesa, frente a frente com Meleto, o acusador se mantem retraído quando questionado sobre a acusação de que Sócrates corrompia os jovens. 

Não havia provas formais, não havia testemunhas. Sócrates pôs-se a desmentir simplesmente Meleto, alegando que fez melhores os jovens e o interpela:

- Vês, Meleto, como ficas calado, sem saber o que dizer? E isto não te se afigura vergonho e prova suficiente de que afirmo que nunca te preocupaste com estes assuntos?

Meleto simplesmente respondeu que são as leis que fazem melhores os jovens...

Meleto reafirma que Sócrates não acredita nos deuses porque afirma que o sol é uma pedra e a lua feita de terra.

Sócrates se refere a Anaxágoras que nos seus livros tem esses mesmos ensinamentos e diz:

- Ninguém acredita em ti, ó Meleto, e naquilo que afirmas, creio que não consegues persuadir nem a ti mesmo

Platão informa que a condenação de Sócrates não se dera por questões religiosas mas políticas por sua repulsa aos governos democráticos". Não colhi informações se as ideias de Sócrates se sua crença na imortalidade da alma e renascimentos sucessivos como ele parece admitir no diálogo com  Fédon, tiveram influência no julgamento.  

Sócrates informa que não trouxe seus filhos para emocionar o tribunal e obter sua absolvição e que não queria misericórdia, mas justiça atribuindo as acusações a falsidades dos acusadores.

E afirma amar os atenienses, mas que obedecerá primeiro o deus do que a eles e que "enquanto tiver ânimo, e enquanto for capaz não pararei de filosofar, estimular-vos e censurar-vos..." 

Mas, chega a admitir a condenação em multa. Quanto a ele poucos recursos teria para responder a essa pena, mas informa ao júri que Platão, Críton. Critóbulo e Apolodoro, homens dignos de crédito e confiança serão garantidores da quantia, de 30 minas.

Mas, com todo o esforço de sua defesa, de sua coerência fora injusta a condenação à pena de morte pela ingestão da cicuta.

Palavras finais de Sócrates aos juízes que absolveram:

"Bem, chegada a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor destino, se eu, se vós, é segredo para todos, exceto para a divindade."

CRÍTON

Cumprimento da lei

Este diálogo se dá entre Críton e Sócrates quando já condenado o filósofo à morte.

Críton se aproxima do leito de Sócrates e se surpreende com a serenidade do seu sono, a poucas horas do cumprimento imposta pelo julgamento.

Então, Críton, que tinha verdadeira admiração pelo filósofo, propõe que fugisse da morte e se refugiasse na Tessália, porque "ali possuis amigos que te distinguirão com honrarias como mereces e de protegerão contra qualquer investida".

E diz Críton que a saída de Atenas, não teria grandes complicações porque não diz mas a prática que propõe é subornar de modo a facilitar a fuga porque o valor nem seria alto - os subornados tinham limitações econômicas - e porque dispunha de bens para tanto, inclusive, se o caso, contaria com a ajuda estrangeira que colocaria renda à disposição de Sócrates.

Críton dissera a Sócrates para não se preocupar com eventual perseguição que poderia sofrer pela sua fuga.

Ademais, lembrava a Sócrates que sua entrega à morte traria problemas aos seus filhos pela sua obrigação em alimentá-los e educá-los que sofreriam com a orfandade.

Fora Sócrates quem, afinal, se submetera ao juízo da República?  Como lhe criticara Críton: "Sócrates, sinto vergonha por ti e por nós, teus amigos; além de acusarem a nossa covardia por permitir a consumação diante desse tribunal, o que poderias ter evitado, depois pela vergonha do teu processo..."

Mas, vai Sócrates rejeitando a proposta de fuga porque em Atenas sempre cumprira as leis, leis que lhe davam liberdade. E lembra a Críton que a proposta de fuga seria louvável se estivesse em linhas com as normas da justiça pelo que seria desonroso quanto mais se distanciasse delas. 

E, ademais, "não devemos cometer injustiças contra quem as cometem contra nós", não é justo praticar o mal a uma pessoa ou por causa do que pensa o povo, pagar o mal com o mal e também porque  "não existe diferença entre praticar o mal e ser injusto."

E se é ímpio praticar violência contra o pai ou a mãe, "é muito mais ímpio praticá-la contra a pátria. E, assim, todos aqueles que amam a pátria na qual se fixou pela fuga, certamente que olharão o fugitivo como "adúltero" das leis...

E, em Tessália que tem menos ordem, certamente que muitos dirão: "Eis um velho que, já com pouco tempo para viver e por ser de tal maneira apaixonada pela vida, não hesitou, a fim de conservá-la, em transgredir as leis mais sagradas".

E quanto aos filhos, em Tessália, pergunta Sócrates, sendo eles estrangeiros em sua própria pátria e estando longe de Atenas seriam melhor educados? E se  fosse ele para Hades (mundo inferior, dos mortos) com a morte?

E depois de toda essa preleção, Sócrates pede a Críton que se separassem e que seguissem "pelo caminho por onde o deus nos guia."

FÉDON

Imortalidade da alma e renascimentos 

Este, o ultimo diálogo antes da ingerir o veneno mortal, teve a presença de diversos dos discípulos de Sócrates, mas não Platão, adoecido.

Fédon explica que houve demora na execução da pena porque houvera uma solenidade de barco coroado que iria até  Delos aguardando sua volta a Atenas. Esse barco seria o mesmo "no qual Teseu embarcou para Creta os sete moços e sete moças que ele salvou, salvando-se também". E a promessa feita a Apolo, por isso, fora de todo ano, oferecer uma oferenda a Delos. Essas homenagens atrasaram o cumprimento da pena porque nesse lapso ela ficaria suspensa.

Xantipa, a esposa de Sócrates - "conhecida pela suas implicâncias", mas o que diria do marido? - lá estava ao seu lado tendo um dos seus filhos nos braços. Ela foi afastada do grupo por um dos escravos de Críton.

A Equécrates, Fédon promete relatar da melhor maneira todos os diálogos entre Sócrates e alguns dos seus discípulos sobre a vida, o suicídio, sobre renascimentos sucessivos e a imortalidade da alma.

No tocante ao suicídio, há que se lembrar do diálogo com Críton que propusera pagar a fuga do seu mestre para Tessália mas obtendo a pronta rejeição de Sócrates.

Não fora aí, ao respeitar as leis que o condenaram, um julgamento injusto, mas aceitando a pena de morte, um modo de "fugir" da vida?

Até que ponto se deve negar o suicídio?

Sócrates rejeita o suicídio, todos devendo aguardar que o deus "nos envie uma ordem formal para sairmos da vida, como a que hoje me envia."

Sócrates, em algumas passagens fala em Hades - um local de acolhimentos dos mortos, normalmente considerado, um mundo inferior - para se recolher após ingerir o veneno ou algum outro local para o acolhimento de uma alma como a dele.

E, prosseguindo, sobre o corpo físico, diz Sócrates que é ele que impõe mil obstáculos, que provoca enfermidades, ilusões, receios e amores desejos de toda ordem e, principalmente, pela paixão, a eclosão de guerras que visam apenas o poder e riquezas, afastando a todos da busca pela verdade.

Por isso o filósofo se prepara para a morte e pelo seu trabalho, ela não se afigurará  horrível. E com a morte "seja (a alma) em si mesma" e "por si mesma" o que pode afligir àqueles que chegam a esse momento mesmo com a promessa de se verem livres e encontrar o que aspiraram, um pensamento de pureza.

Mesmo com questionamentos feitos por Símias e Cebes sobre a imortalidade da alma, ao morrer e se daria naquele dia, pelo seu modo de vida, de filósofo, de vida simples, sem vícios, esperava  Sócrates juntar-se a homens justos, bons senhores e deuses muito bons pelo que seus discípulos não devem se preocupar, E, depois, "é uma opinião muito antiga que as almas ao deixarem este mundo pela morte, vão para o Hades e que dali voltam para a Terra e retornam à vida..." Porque os vivos nascem dos mortos e estes daqueles.

E um ponto importante: muitos conhecimentos são trazidos dessas vidas passadas, pois "não afirmamos que esse homem lembra o que surgiu em sua imaginação"?

(V. diálogo com Mênon).

E essa consciência entre outros princípios inclui também, a beleza, a bondade, a justiça, a santidade.

Na sua primeira existência, as almas que se afasta do corpo, maculada pelo vício, impura, acreditando que nada existe além do físico receiam ingressar no mundo invisível do  Hades, ficam vagando pelos cemitérios, pelos túmulos, na verdade fantasmas medonhos que podem se tornar visíveis.

E assim ficam, até que pelo amor que se dedica a essa massa corpórea (pergunto: quem dedica amor a essa massa corpórea?) Sócrates se refere à metempsicose qual seja a de encarnar essas almas que se comportaram sem comedimento, sem pudor, renascerem em asnos e animais semelhante as que se dedicaram à injustiça, à tirania, à corrupção reviverem em corpos de animais como lobos, gaviões, falcões.

E os bons, virtuosos, na sua primeira existência, renascem em locais mais agradáveis incorporam animais pacíficos como abelhas e formigas, porque são espécies trabalhadoras ou então regressarão em corpos humanos "a fim de serem homens de bem". (*)

Segue Sócrates nas suas lições, respondendo aos seus discípulos sobre a imortalidade da alma:

- Logo, meu estimado Cebes, a alma é um princípio imortal e indestrutível, e nossas almas resistirão ao Hades.

(E em assim sendo, renasce seguindo em outras vidas, mantendo na alma a memória do conhecimento adquirido que precisa ser relembrado).

Sócrates profere longo discurso defendendo essa sua crença.

Nas últimas páginas do relato de Fédon, parece ter descrito Sócrates, a visão dum paraíso a partir da possibilidade de ver a Terra do alto e, desse modo, ver sua curvatura e toda a sua beleza. E também se refere a um tipo de inferno que se daria no rio Tártaro no qual serão precipitados os pecadores graves, homicidas, ladrões do qual nunca sairão. 

Sob muita emoção, chega a hora fatal, a hora do cumprimento da pena. Muita emoção de todos os que lá estava, inclusive do carcereiro.

Sócrates de despede dos filhos e da mulher. Críton diz que cuidaria deles. 

Momentos depois de ingerir a cicuta, já não sentia as pernas e quando o líquido chegasse ao coração ele faleceria,

Mas, Sócrates fez um último pedido:

- Críton, devo  um galo a Asclépios. Por favor, paga a minha dívida, não te esqueças.

Fédon diz a Equécrates que fora Sócrates "o melhor homem entre todos que conhecemos, o mais sábio e o mais íntegro".

(*) Esse texto, nas minhas limitações, vou confessando, me complicou. Li diversas vezes e não consegui atinar bem com o que quis dizer o filósofo; o que posso dizer é que para mim, mesmo falando em "primeira existência", a aceitação da metempsicose me pareceu uma contradição a tudo o que dissera Sócrates. Se um mito, que seja, mas ela está expressada no texto. Correntes espiritualistas explicam reencarnações às almas desvirtuadas pela "lei da causa e efeito" e sofrem "os efeitos".



ENTREVISTA COM SÓCRATES

Espera o repórter ter sido fiel ao pensamento do "entrevistado". É que muitos são os repórteres que no meio de uma entrevista colocam seu próprio pensamento não necessariamente o pensamento do entrevistado.



Num momento de sono, depois de ler essas obras clamo por Sócrates. Sua imagem conhecida nas enciclopédias se materializou:

Sócrates: Você me chamou? Eis-me aqui, o que deseja? Novamente me condenar?

Sem surpresa em o ter comigo, mas com emoção comecei a entrevista:

- A sua polêmica sobre a virtude com Ménon. porque sei que nos seus diálogos essa palavra aparece naquele sentido de conduta social justa, honesta...

Sócrates: Sim, é que virtude tem a ver com sabedoria, com a justiça e a honestidade, mas pode ter significados contraditórios no tempo e no local. Um herói de guerra será um virtuoso num lugar e iníquo perante suas vítimas.

- Me diga, Sócrates, com a sua fama merecida de sábio e suas palestras públicas como pôde ser acusado de corromper a juventude e difundir ideias contrárias à religião tradicional?

Sócrates: Foi um certo Meleto quem comandou essas acusações. Pelo jeito ele e seus aliados, Ânito para citar um, foram muito convincentes, porque fui condenado à morte bebendo cicuta. Eu tinha inimigos. Invejosos... 

- Além dessas falsidades e da injustiça se bem sei, e como sei pouco! – parece que sua sapiência, afirmada pelo oráculo de Delfos que ninguém o superava, também incomodava seus acusadores...

Sócrates: Sim, é verdade, mas na minha defesa eu deixara claro que “o verdadeiro saber consiste em saber que não se sabe”. E mais, proclamara: “... é muito sábio entre vós aquele que, igualmente a Sócrates, tenha admitido que sua sabedoria não possui valor nenhum”. Sobre a justiça, nem sempre ela se manifesta, muitos são os que lavam as mãos.

- Mas, eminente e imortal filósofo, seus discípulos propuseram pagar pela sua liberdade, seria fácil...

Sócrates: É verdade, mas disse a Críton que numa outra qualquer cidade de fuga poderia ouvir: “eis um velho que, já com pouco tempo para viver e por ser de tal maneira apaixonado pela vida, não hesitou, a fim de conservá-la, em transgredir as leis mais sagradas”. Disse isso, mas me referia na verdade às próprias cominações que eu mesmo enfrentaria com a fuga.

- Mas, a vida não se sobrepõe a esses comentários populares? Como ressaltou em sua defesa o senhor tinha família e três filhos para criar, um já crescido e duas crianças. Não haveria aí um compromisso com a vida?

Sócrates: Essa sua indagação parece conduzir a minha resignação à morte à qual fui condenado como se fosse um suicida. Mas, eu disse a Cebes que não aceitava o suicídio, porque “os deuses cuidam dos homens e que os homens são posses dos deuses”. Por isso, “é necessário aguardar que o deus nos envie uma ordem formal para sairmos da vida, como a que hoje me envia.” Mas, disse também que “um homem que se insurge no momento da morte não ama a sabedoria, mas sim o seu corpo, e esse homem amará também as riquezas, as honrarias...”

- Em alguns momentos, acreditando que a alma dos justos tem um lugar entre os justos, seus iguais, não foi o senhor um pouco cruel em se referir ao corpo, ao físico?

Sócrates: O corpo nos enche de amores, de desejos, de receios, de mil ilusões e de toda classe de tolices...”Quem faz nascer as guerras, as revoltas e os combates? Nada mais que o corpo, com todas as suas paixões.” Essas “guerras têm origem apenas no desejo de acumular riquezas e somos obrigados a acumulá-las, para servi-las, como escravos, em suas necessidades.”

- O senhor defendia o renascimento (reencarnação)...

Sócrates: São conhecimentos que adquiri. Sempre acreditei que os vivos nascem dos mortos, como estes daqueles, prova de que as almas dos mortos existem se não em Hades, em algum lugar, do qual retornam à vida. Quando voltam à vida elas já têm conhecimentos e podem relembrar até pela imaginação.

- Estou um pouco confuso. Parece que o senhor, nas explanações a Cebes, aceita a metempsicose e ao mesmo tempo assume posições que a contradizem: sim, o senhor dissera que os descomedidos sem pudor, penetram nos corpos de asnos e animais semelhantes e os que cometeram injustiças, tiranias e rapinagens, animam os corpos de lobos, gaviões, falcões... os animais são bons respeitando os seus instintos, penso, mas, então, a contradição: em outro momento o senhor defendeu que se a alma maculada, impura, se afasta do corpo, é ela carregada com esse peso e, com medo do mundo invisível, do Hades, se torna visível, vagando em volta dos túmulos, dos cemitérios, fantasmas medonhos, espectros assustadores...

Sócrates: Sim, eis ai um mito - o da metempsicose, como você identifica - mas almas perdidas, cruéis ficam fora do mundo invisível que elas temem estar no Hades e podem ser visíveis em imagens medonhas.

- Insisto: as almas que se dedicaram à injustiça, à tirania, e às rapinagens não renasceriam, em vez de em corpos de lobos e de gaviões, em corpos humanos com traumas e deficiências?

Sócrates: Acho mesmo que o senhor já tem as respostas... mesmo dos renascimentos. As almas são imortais e renascem. Estarei me retirando agora. Meu tempo está esgotado.

Pude ainda dizer-lhe antes de acordar:

- Perdoe-me pela minha ignorância, grande filósofo – que até agora nos incita à reflexão. Espero que alguém mais instruído me interpele para esclarecer esses e outros pontos que ainda tenho dúvidas.


Sua imagem foi desaparecendo devagar. Mas, pude ver, num último instante, que naquela sua imagem severa, esculpida, seus olhos límpidos haviam brilhado. E brilham até hoje, 2,5 mil anos depois.

sábado, 5 de agosto de 2017

A GUERRA DOS MUNDOS de H. G. Wells

Livro 17

O Livro “Guerra dos Mundos” de Herbert George Wells  autor de ficção e historiador (*) do século XIX/XX (1866-1946), inspirou dois filmes de Hollywood, em 1953 dirigido por Byron Haskin e em 2005 dirigido por Steven Spielberg. A ilustração deste texto é do filme de 1953

 “Guerra dos Mundos escrito em 1898 causou impacto e ainda causa pelo realismo como descreve a invasão marciana à Terra com intenções de dominação valendo-se de extrema violência e horror.

O planeta vermelho estava num processo de exaustão e para os seus habitantes a necessidade de mudança radical para garantir a própria sobrevivência.

Olhando para a Terra, planeta azul com vastas áreas verdes poderia ser a solução para superar as dificuldades que os desafiavam:

“A pressão imediata da necessidade avivou as suas inteligências, alargou os seus poderes e endureceu-lhes o coração.”

E começa a invasão paulatina com naves cilíndricas que afundam na terra ao impacto. Devagar os marcianos se apresentam.  


O narrador descreve indivíduos muito feios para os padrões humanos: cabeça de cerca de 1,20 de diâmetro, um rosto desprovido de fossas nasais, talvez sem o sentido do olfato, um par de olhos escuros grandes e dezesseis tentáculos.

[Nem de longe a descrição dos ‘greys’ que abduzidos descrevem nestes tempos atuais].

Com armas de alta precisão, incluindo equipamento trípode “monstruoso” de 30 metros, lançando raios fulminantes, a tudo destruíam, incendiando casas, árvores e tudo o mais a sua frente.

Ao atingir seres humanos estes se transformavam em chamas brancas.

Os marcianos eram carniceiros, se alimentavam de cadáveres humanos num banquete macabro e assustador.

O narrador descreve o seu desespero em sobreviver, a humilhação em se esconder, o horror dos fugitivos daquela agressão infernal que avançava pelas cidades vizinhas de Londres. Também encontrar comida, enfrentar o pânico incontrolável de um sobrevivente que com ele convivia, a ponto de se obrigar a assassiná-lo.

A ameaça de um olho fixado num extensão móvel que adentrava as casas semidestruídas, a procura de vítimas escondidas.


A maior parte do livro se refere ao terror dos habitantes em fuga. Agora Londres “morta” fora atacada sendo destruída implacavelmente.

A destruição dos marcianos fora natural:

“Era um espaço imenso, com máquinas gigantescas aqui e ali, vastos montões de material e estranhas construções. E, espalhados por ali, alguns nas suas máquinas de guerra, viradas, outros nas manipuladoras agora rígidas, e uma dúzia deles enfileirados, rígidos e silenciosos, estavam os marcianos - mortos! - aniquilados pela bactéria da doença e da putrefacção contra a qual os seus organismos não estavam preparados; aniquilados como o tinham sido as plantas vermelhas, depois de todos os engenhos humanos terem falhado, pelas coisas mais humildes que Deus, na sua sabedoria, colocou na Terra.”

(*) H. G. Wells não é apenas escritor de ficção. Tenho comigo edição de 1939, em três volumes, da “História Universal” de sua autoria.


sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O PAPA DE HITLER de John Cornwell.

 Livro 16

[Publicado nos primeiro meses de 2010]

Esta resenha e considerações que fiz suscitaram polêmicas e questionamentos sérios. Estou inserindo nestas resenhas os fundamentos do livro citado com muita vacilação, sobre Pio XII informando desde logo que ele era um religioso que não ia além da sua condição humana com suas contradições e vaidades.
Nunca foi canonizado pela Igreja Católica e tudo indica que não será.


A Igreja Católica, por sua cúpula, já se houve praticando crueldades inimagináveis como nos tempos da inquisição. Os tempos mudaram tudo é história embora alguns atos choquem demais, são incompreensíveis porque praticados sob a cruz cristã.

Vem há anos enfrentando série de denúncias de pedofilia praticadas pelos seus membros – tantas provadas e confessadas por religiosos sem escrúpulos – o que permite questionar fortemente, como vem ocorrendo, a instituição do celibato. O desvio da pedofilia constitui-se, sobretudo, num crime da maior gravidade, execrável, até porque atenta contra a confiança e inocência da vítima indefesa, submetida sabe-se lá sob quais subterfúgios ou ameaças.


Quantos papas santificados silenciaram sobre a pedofilia em suas catedrais?

Mas, há um tema também grave que passa ao largo da melhor análise, que vai e volta. Trata-se da beatificação do papa Pio XII, o religioso que dirigiu a Igreja nos tempos da 2° Guerra e do nazismo dominando a Europa.

Essa vacilação do Vaticano me leva a repensar o livro muito contestado pela Igreja: “O Papa de Hitler – A História Secreta de Pio 12” de John Cornwell.






Segundo esse autor, a personalidade de Pio XII no relacionamento pessoal impressionava os circunstantes que o consideravam, muitos, piedoso e verdadeiro candidato à canonização.

Mas, quais fatos se prestam a colocar em dúvida essas impressões naqueles dias sobremaneira conturbados segundo o Autor? Anticomunista fervoroso Pio XII, muito ligado à Alemanha, aproximou-se dos nazistas dando início a contatos diplomáticos diversos, especialmente aqueles que se referiam à implantação do código canônico, inserindo a autonomia da Igreja em administrar seus membros, sem a interferência do governo. Nesse passo, permitiria até mesmo a ascensão do nacional-socialismo de Hitler, ultranacionalista, anticomunista ao promover gestões e alianças que resultariam na extinção do Partido de Centro Católico alemão que exatamente fazia oposição ao nazismo.

Durante a Segunda Guerra, eleito papa em 1939, preocupado em preservar Roma e até mesmo o Vaticano de represálias de Mussolini, aliado dos nazistas, apelando aos ingleses para que não bombardeassem Roma, uma ameaça real como reação aos ataques nazistas na Inglaterra do então incontrolável Hitler e seus asseclas, pouco ou nada fizera para condenar o holocausto, porém. Nas ruas, sob as janelas do Vaticano, enquanto isso, muitos foram os judeus e outros rejeitados pelo nazismo conduzidos para o sacrifício e para os campos de concentração. As manifestações de Pio XII contra os excessos nazistas e fascistas constituíram-se apenas em reprimendas contidas que na realidade pouca repercussão tiveram, enquanto o extermínio abominável, segundo o autor, vitimava milhões de criaturas em pleno século 20.

Por isso, o autor não faz concessões ao papa Pio XII, concluindo com uma frase dura: “Ao chegar ao final de minha jornada pela vida e os tempos de Pacelli, estou convencido de que o veredito cumulativo da história o mostra não como um santo exemplo para as gerações futuras, mas sim como um ser humano de falhas profundas, de quem os católicos e nossas relações com outras religiões podem melhor se beneficiar se expressando um sincero pesar.”

Não farei do alto da minha ignorância qualquer outro comentário sobre o religioso. O Autor já foi suficientemente contundente aos atos praticados ou omitidos por Pio XII. Mas, me parece que o melhor é encerrar a “angústia” da beatificação de Pio XII – se assim já não ocorreu de modo tácito - atirando uma pá de cal na demanda e, no silêncio tumular do religioso, apenas um episódio na página da História.