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terça-feira, 24 de outubro de 2017

RAÍZES DO BRASIL de Sérgio Buarque de Holanda



Livro 27

Trata-se de uma obra que exige concentração mais apurada na leitura de tal modo que se obtenha o preciso sentido dos conceitos emitidos pelo autor. 




A 1ª edição de Raízes é de 1936

A referência às 'raízes do Brasil', significa que o autor voltou aos tempos da colonização portuguesa e bom que se diga que não é ele crítico na medida em que afirma que não é (sempre) possível subestimar a “grandeza dos esforços” de Portugal na exploração das novas terras, embora não nega que tudo se fez “com desleixo e certo abandono”.

Mais a frente, ao tratar da “persistência da lavoura de tipo predatório”, a exemplo do que denunciara Euclides em “Os Sertões”, destaca o autor o uso do fogo para o desmatamento:

“Mostra-se nesse trabalho como o recurso às queimadas deve parecer aos colonos estabelecidos em mata virgem de uma patente necessidade que não lhes ocorre, sequer, a lembrança de outros métodos de desbravamento”.

E as consequências:

"Além de prejudicar a fertilidade do solo, as queimadas, destruindo facilmente grandes áreas de vegetação natural, trariam outras desvantagens, como a de retirar aos pássaros de construírem seus ninhos". E sem os pássaros, não há predador contra toda espécie de insetos e, como decorrência, o prejuízo à lavoura que fica exposta a essas pragas. 


E nessa linha, "a colheita do milho plantado em terra onde não houve queimada e duas vezes maior do que em roçados feitos com o auxílio do fogo."

No livro ainda se descobre que em terras paulistas a língua falada era, predominantemente, a indígena segundo, entre outras fontes citadas pelo autor, as observações do padre Antônio Vieira: “É certo que as famílias dos portugueses e índios de São Paulo, estão tão ligadas hoje umas às outras, que as mulheres e os filhos se criam mística e domesticamente, e a língua que as ditas famílias se fala é a dos índios, e a portuguesa a vão os meninos aprender à escola.”

Aponta no meio do capítulo “novos tempos”, que autores românticos tornaram “possível a criação de um mundo fora do mundo, o amor às letras não tardou em instituir um derivativo cômodo para o horror à nossa realidade cotidiana. Não reagiu contra ela, de uma reação sã e fecunda, não tratou de corrigi-la ou dominá-la; esqueceu-a, simplesmente, ou detestou-a, provocando desencantos precoces e ilusões de maturidade. Machado de Assis foi a flor dessa planta de estufa.”

[Mas, como negar a inspiração que resultou num um livro escrito, da poesia, saindo o poeta da realidade dura e buscando um mundo individual, superior, ideal que ele cultiva e expressa?]

Sobre o Segundo Reinado e a Primeira República, “as constituições feitas para não serem cumpridas, as leis existentes para serem violadas, tudo em proveito de indivíduos e de oligarquias, são fenômeno corrente em toda a história da América do Sul” – o significado de tal afirmação no fundo se refere “às primazias das conveniências particulares sobre os interesses de ordem coletiva...”   

Há um sentido crítico à “cordialidade” brasileira que sempre prevaleceu por aqui e até hoje visitantes de outros países ressaltam essa característica que nem sempre seria saudável quando se trata de relações impessoais, do Estado impessoal – separação do público e do privado. 

[Talvez houvesse algo com o "estágio alegre" do jeitinho brasileiro em tudo, verdadeira "prática cultural" que se contrapõe às relações impessoais saudáveis.]

Mas, ressalte-se que esse conceito, no livro, não é muito claro e pode ser exagerado. O brasileiro não parece ser tão cordial assim.

Bem, paro por aqui, reafirmando a dificuldade do texto do autor Sergio Buarque de Holanda em sua obra “Raízes do Brasil”, um clássico muito citado mas tenho dúvidas se lido na mesma proporção.

Mas, há muito que conhecer, muito que aprender na obra que deve ser lida com reflexão. O livro como se tentou trazer uma amostra nestas linhas, é um tratado sociológico e histórico da evolução brasileira em campos diversos, como o rural, urbano e político.





segunda-feira, 23 de outubro de 2017

MINHA FORMAÇÃO de Joaquim Nabuco

Livro 26


Há alguns anos, uma edição de bolso, a obra “Minha Formação” de Joaquim Nabuco veio às minhas mãos duma dessas gôndolas giratórias de livraria.

Livro com texto rebuscado, porque Nabuco fora, sobretudo, um intelectual, ao chegar à última página lamentei, sabendo que um dia desses teria que reler a obra. E reli.

Pouco sabia de Joaquim Nabuco que nascera no Recife em 1849, era rico, monarquista e abolicionista ferrenho. Faleceu em 1910 em Washington, como embaixador do Brasil. Viveu 61 anos.















Trata-se de uma obra valiosa porque abrange as últimas três décadas do século XIX, período em que se desenvolveu a campanha abolicionista e de certo modo, o início de uma perspectiva republicana, alternativa para a monarquia.
Nabuco era monarquista e tinha como modelo a monarquia inglesa. Era admirador do estilo inglês, da civilização e da cultura inglesa e houve momento em que vacilava entre Londres e Paris, que continha mais obras de arte visível, disponível por suas avenidas.
Esse encanto francês seria lembrado por Ernest Hemingway, “Paris é uma festa”, nos primeiros anos da década de 20 do século XX (v. resenha n° 19).
Relata Nabuco:
“A minha passagem pela Inglaterra deixou-me a convicção, que depois se confirmou nos Estados Unidos, de que só há, inabalável e permanente, um grande país livre no mundo. A Suíça é um país livre, mas é um pequeno país. Os Estados Unidos são um grande país, mas há nele, sem falar da sua justiça, da lei de Lynch, que lhe está no sangue, das abstenções em massa da melhor gente, do desconcerto em que caiu a política, uma população de 7 milhões, toda a raça de cor, para a qual a igualdade civil, a proteção da lei, os direitos constitucionais são contínuas e perigosas ciladas. A França é um grande país e um país livre, mas sem espírito de liberdade arraigado, sujeito sempre às crises das revoluções e da glória.”
Os Estados Unidos, ademais, segundo Nabuco, não tinham o potencial artístico relevante, os políticos eram os de categoria inferior. O Autor relata eventos em eleições presidenciais cujo resultado, tal como recentemente tem ocorrido, fora incerto e tudo confuso:
Em julho de 1877:
“A posição do presidente Hayes é a mais singular que já se viu neste país. Ele chegou ao poder por fraudes eleitorais sem exemplo” (...) deve, assim, a sua eleição, ou, melhor, o seu posto, a um sem-número de politicians de todos os matizes, desde os fabricadores de atas falsas até os juízes da Corte Suprema, que as apuraram. Chegando ao poder, porém, tem vergonha de tudo isso e torna-se ele o representante da pureza administrativa e eleitoral.”  
E então afasta, enxota, despreza todos aqueles políticos, senadores, funcionários públicos que participaram das fraudes que o ajudaram a se eleger.

A origem e lutas de Nabuco pela abolição da escravatura têm páginas emocionantes:

Desde a mocidade e depois ingressando na politica, como deputado dedicou-se de modo incansável à abolição da escravatura.
Outros abolicionistas se uniram ao movimento. Entre eles, Nabuco enaltece André Rebouças, negro:
“Matemático e astrônomo, botânico e geólogo, industrial e moralista, higienista e filantropo, poeta e filósofo, Rebouças foi talvez dos homens nascidos no Brasil o único universal pelo espírito e pelo coração... Pelo espírito teremos alguns, pelo coração outros; mas somente ele foi capaz de refletir em si ao mesmo tempo a universalidade dos conhecimentos e a dos sentimentos humanos.” (*)



André Rebouças,  amigo de Dom Pedro II, embarcou com a família real para o exílio na Europa com a proclamação da República.






Morando com a madrinha, ainda menino tivera Nabuco uma primeira experiência com o temor de um escravo que fugira duma senzala e agarrara seus pés, implorando que fosse comprado por sua madrinha porque o seu senhor, muito severo, castigava seus escravos com crueldade.

A partir dessa experiência, revelando que absorvera a escravidão “no leite materno que me amamentou” [de uma negra], “uma carícia muda” que o envolveu diria: “Assim eu combati a escravidão com todas as minhas forças, repeli-a com toda a minha consciência, como a deformação utilitária da criatura...”

Com a morte de sua madrinha, dona do engenho Massangana, relata ele quando de sua volta 12 anos depois, referindo-se aos escravos que o serviram:

“Não só esses escravos não se tinham queixado de sua senhora, como a tinham até o fim a abençoado. Eles morreram acreditando-se os devedores (...) seu carinho não teria deixado germinar a mais leve suspeita de que o senhor pudesse ter uma obrigação com eles, que lhes pertenciam.” (...) Oh! Os santos pretos! Seriam eles os intercessores pela nossa infeliz terra, que regaram com o seu sangue, mas abençoaram com seu amor!”

Claro que esse sentimento de gratidão de Nabuco provinha do que recebera de seus escravos que, no fundo, fora viva retribuição pelo modo como foram tratados no engenho de sua madrinha Ana Rosa.

Fora o Brasil o último país a promover a abolição dos escravos, fato que “humilhava a nossa altivez e emulação de país novo”, embora ocorressem muitas libertações gratuitas. Há referências de que na Província (Estado) de São Paulo, até 1885, cerca de 11 mil escravos haviam sido libertados, embora Nabuco revelasse que em 1879, quando iniciada a campanha abolicionista estavam ainda sob jugo quase dois milhões de negros.

O tráfico deixara de ser praticado em 1850. Em 1871, a Lei do Ventre Livre determinara que os filhos dos escravos, até que completassem oito anos ficariam com a mãe. Depois dessa idade, até os 21 anos, prestariam serviços aos seus senhores, o que significava “um regime igual ao cativeiro.”

Em 1888, Nabuco, como deputado, depois de constatar que o clero saíra da neutralidade em relação à abolição, resolvera ir a Roma e obter uma audiência com o papa Leão XIII – subscritor da encíclica “Rerum Novarum” de 1891 que entre outros temas apontou as condições subumanas de trabalho e as extensas jornadas exigidas aos operários – na qual solicitaria uma declaração do pontífice contra a escravidão no Brasil. Fora muito bem recebido e sensibilizara o papa. Mas a abolição viria logo, poucos dias depois com a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13.05.1888.

Nabuco explana que ao assinar tal lei, sabia a princesa que dos negros só poderia contar com seu sangue e “ela não o queria nunca...” e que a classe proprietária “ameaçava passar-se toda para a República...”

Ela seria proclamada 18 meses depois.

Com a República, Joaquim Nabuco, monarquista, se afasta da vida política mas em 1910 falece em Washington como embaixador do Brasil nos Estados Unidos.


(*) A Avenida Rebouças em São Paulo é uma homenagem a André Rebouças