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segunda-feira, 18 de março de 2019

RAZÃO E SENSIBILIDADE de Jane Austen

Livro 56


A Autora Jane Austen nasceu em 1775 na Inglaterra; não teve vida fácil porque, teve desilusão amorosa e morreu cedo, aos 41 anos por “complicações pulmonares”. É assim que exprime o livreto que acompanhou o livro, cuja edição é de 2002.


A indagação que se tem feito sobre a Autora é o seu talento de escritora, mesmo sendo “tímida e reservada, filha de um clérigo protestante do interior da Inglaterra viria a produzir livros tão sofisticados, como uma mulher de temperamento doce...”

Razão e Sensibilidade” foi publicada em 1812. (*)

Sim, é um livro de fácil leitura, com 360 páginas, “discursivo”, textos longos, cuja exposição dos eventos e caracteres dos personagens revela o modo (parcial) de vida dos ingleses no seu dia a dia, numa busca intensa de ocupação, de diversão incluindo a música, busca de amizades, de convivência.
































Quando me refiro a “ocupação”, não vi nada explícito sobre “trabalho”. 

O enredo, então, segue a linha de que todos têm alguma renda herdada e vivem uns com mais recursos que outros.

No primeiro volume os personagens principais, são a sra. Dashwood casada com Henry Dashwood e suas filhas Elinor (a mais velha), Marianne e a menina Margaret.

Henry era pai de um filho do primeiro casamento, John.

Henry falece e deixa a fortuna para o filho John, incluindo a magnífica propriedade em Norland Park.

A esposa de John, demonstrando personalidade forte e avara, dominadora, o convence a não transferir à madrasta e suas filhas, suas segundas irmãs os valores adicionais que recomendara seu pai antes do falecimento.

Ele e esposa Fanny eram apegados ao dinheiro.

Depois de um tempo, madrasta e filhas deixam a magnífica residência e se mudam para um chalé distante cerca de seis quilômetros dali em Devonshire.

Essa mudança faz com que Elinor fique distante do seu possível pretendente que amava, Edward, sujeito comedido, sóbrio – cujo amor era correspondido, pelo que demonstrava.

Marianne conhece Willoughby após um acidente, sendo levada em braços até sua casa.

Ela tinha um outro pretendente, o coronel Brandon, apaixonado. Tivera desilusão amorosa antes – a mulher que amava se casara com o seu irmão - e que era considerado “velho” com seus 35 anos.

Nesse momento ele sai de cena, sem muitas explicações ao receber uma carta. Mas, o motivo fora acudir sua sobrinha abandonada.

Também, sem muitas explicações Willoughby, informa constrangido que precisaria se ausentar para desempenhar algumas missões ordenadas por sua tia e viaja sem dizer quando voltaria

Marianne chora muito, por dias, e o espera.

Elinor é informada por Lucy que Edward era seu noivo havia quatro anos. Ela tem profunda decepção mas se contém.

Há então, nessas primeiras 130 páginas, muitas reuniões, jantares, jogos de baralho e os homens eram todos gentis e muito comportados.

O sentido desse primeiro volume era a “necessidade” de casamento às heroínas.

No segundo volume (do mesmo livro) destacam-se além de Elinor e Marianne, os personagens: a sra. Jennings, suas filhas sras. Middetlon e Palmer. Sir John era genro da sra. Jennings e alugara o chalé à viúva Dashwood e suas filhas.

E também Lucy, prima da sra. Jennings suposta noiva de Edward Ferrans.

A sra. Jennings convida as irmãs Elinor e Marianne a a acompanharem por algumas semanas em sua casa em Londres.

Marianne fica por demais ansiosa porque poderia reencontrar Willoughby. Manda-lhe bilhetes quando já em Londres, sem que ele responda.

Numa noite de festas, ela o vê com outra mulher e estranha muito. Pede explicação que não vem até que Willoughby lhe manda uma carta dizendo que se casaria com outra mulher, aquela que o acompanhara naquela noite.

Ela fica desnorteada, doente, chorando muito, afastando-se de todos. Todos que sabem do ocorrido lamentam a sorte da linda Marianne que se torna impaciente com todos.

O coronel Brandon, pretendente de Marianne conta a verdade sobre Willoughby que seria um aproveitador e mau caráter. Ele seduzira sua sobrinha Eliza e a abandonara grávida.

John ressalta a beleza de Elinor pretendendo que Brandon se interessasse por ela e não por Marianne, muito jovem.

Lucy, noiva de Edward, de todos os modos tenta a amizade de Elinor que, por delicadeza, a trata bem.

Os dias vão se passando repleto de intrigas, mexericos, desfeitas até que numa recepção, a mãe de Edward trata Lucy muito bem mostrando-se indiferente em relação a Elinor.

Elinor passa a admitir, então, que a aproximação entre Edward e Lucy pode se fortalecer.

No 3º volume (do mesmo livro)

Mas, a irmã de Edward, Fanny, ao saber pela irmã de Lucy, Anne, do noivado, tem uma reação inesperada e de repúdio. A mãe de Edward o deserta e transfere ao seu irmão mais moço os direitos que lhe pertenceria por ser o filho mais velho, dando-lhe a título de renda mil libras e praticamente nada ao outro.

Edward afasta-se da família, mantém o noivado com Lucy e resolve seguir vida religiosa ligando-se a algum presbitério.

Marianne em Londres, adquire forte gripe, muito doente, corre sério risco de morte mas se recupera.

Enquanto doente Marianne, recolhida em seu quarto, Willoughby vai à residência da sra. Jennings que estava ausente e emocionado revela a Elinor o amor “eterno” à sua irmã.

Dando valor às relações sociais e ao dinheiro, por imposição de sua tia que o perdoaria de tudo, se se casasse com outra mulher, rica, assim agira com muito sofrimento. Arrependido pelos abusos que praticara à sobrinha do coronel Brandon, atos de um libertino conforme classificara a sra. Dashwood (mãe de Marianne e Elinor).

Então, um dia, Edward vai ao chalé onde moravam as Dashwood, explica que Lucy se casara com seu irmão Robert que dera um “golpe” na sua mãe, sra. Ferrars, que lhe garantira renda antes de se casar.

Por fim, Elinor se casa com Edward, tem início o noivado do velho Brandon, agora com 37 anos com a linda Marianne, agora com 17 anos.

Todos os casais com o casamento vivem felizes para sempre.


(*) A história foi filmada em 1996 sob direção de Ang Lee, com elenco de astros.


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER de Milan Kundera

Livro 55




















Houve momentos em que encarei o livro como uma colcha de retalhos. (*)

Do ponto de vista filosófico, logo na primeira página se refere a uma “ideia misteriosa” de Nietzsche sobre o “eterno retorno”.

Não me proponho a aprofundar teses de Nietzsche até porque nunca cheguei a compreender conceitos do filósofo alemão.

Mas, páginas a frente diz que a Terra significa uma experiência e que não há outros planetas para avançar em outros graus pelo que concluo que o “eterno retorno” não tem possibilidade de ocorrer. Mas, e se existissem planetas onde fosse possível renascer de tal modo que as experiências pudessem prosseguir? E se houvesse outros?

Não, o Autor não insinuou a reencarnação….

Na proposição do título do livro, a “leveza do ser insustentável”, no decorrer do livro há ambiguidades de conceitos, mas o que me pareceu mais aproximado dela, a leveza, se dá num momento de paz, aquelas situações que a vida impõe reflexões… exatamente aquelas situações em que os pesos da sobrevivência estão ausentes.


O livro conta a história do médico Thomas, sua amante e depois esposa Tereza. Thomas entre dezenas de amantes, tem Sabina como referência que, por sua vez, tem como amante, também, Franz. 

Thomas é um “maníaco sexual consentido” porque desfrutava de dezenas de amantes, traia Tereza de modo a não disfarçar, incluindo Sabina como amante - um verdadeiro privilegiado porque nunca contraíra qualquer doença sexualmente transmitida.

Nesse ponto, o livro cansa.

O erotismo, porém, na maior parte do livro é “soft”, mas depois já assume algum desvio.

Tereza também traiu uma vez Thomas, uma história mal contada ocorrida num ambiente sórdido. O parceiro seria um agente da governo comunista?

Thomas era médico cirurgião, conceituado, prestigiado no hospital onde trabalhava conhecera Tereza numa pequena cidade da Boêmia, se amaram e passaram a viver juntos.

Embora infiel ao extremo, o final do livro revelará que, entre alto e baixos, eles se amavam: “Sentado na cama, olhava a mulher deitada a seu lado que, dormindo, apertava-lhe a mão. Sentira por ela um amor inexprimível”.

Episódios não muito explorados no livro, uma pena, envolvem os personagens nos eventos da “Primavera de Praga”, um movimento que eclodiu em 1968 na Tchecoslováquia, que na sua essência defendia princípios de liberdade e democracia no reduto socialista, mas trucidado pela invasão soviética com seus tanques e soldados, submetendo o líder Alexander Dubcek à humilhação e ao ostracismo.

Outros adeptos da “Primavera de Praga” foram perseguidos. Uma maneira de tirar eventual influência desses dissidentes, era impedir que trabalhassem em suas profissões.

Foi o caso do próprio Thomas. Escrevera ele uma carta a uma revista, que foi publicada como artigo, no qual, nas linhas não perdoava os comunistas pela truculência praticada pelo partido contra seus opositores, mesmo que desconhecessem tais atos de violência.

Thomas faz uma analogia, considerando o personagem da mitologia grega da obra de Sófocles, "Édipo", que não se perdoou ao saber que matara seu pai e desposara sua mãe. 

O castigo que se impusera, fora vazar seus próprios olhos.

Por isso, os comunistas "inocentes", que nada sabiam não poderiam ser perdoados como Édipo não se perdoara.

Procurado por prepostos do governo, não se retratou dessa proposição metafórica, perdeu o posto médico, para sobreviver passou a lavar vidros e, finalmente, refugiou-se com Tereza numa cidadezinha do interior, trabalhando como motorista de caminhão e ela, pela manha, cuidando de novilhas nos pastos: “não existe nada mais comovente do que vacas brincando”.

Uma novilha se aproxima de Tereza, para, e olha para ela longamente com grandes olhos castanhos”.

O livro apresenta momentos de tédio, como a insistência em se referir ao chapéu coco de Sabina - não pretendi "interpretar" essa passagem - e, de repente, num capítulo praticamente inteiro, se valendo da palavra kitsch para isso é para aquilo, explicando o Autor: “O kitsch é a estação intermediária entre o ser e o esquecimento”. (!)

E também a seguinte proposição: se o homem foi criado à imagem de Deus, as suas necessidades fisiológicas seriam inadmissíveis. Uma discussão inútil nesse nível.

As páginas finais foram pungentes em explanar sobre a violência contra os animais: “O direito de matar um veado ou uma vaca é a única coisa sobre a qual a humanidade inteira manifesta acordo unânime, mesmo durante as guerras mais sangrentas.”

Emocionante o relato dado ao câncer que vitimou a cadelinha Karenin (nome inspirado em Anna Karenina de Tolstoi) (**) ser sacrificada por falta de qualquer outra opção.

Há um relato no livro sobre reação controversa de Nietzsche já afetado pela loucura: sai o filósofo alemão de um hotel em Turim, ano de 1889, no momento em que um cocheiro espanca seu cavalo com um chicote: “Nietzsche se aproxima do cavalo, abraça-lhe o pescoço, e sob o olhar do cocheiro, explode em soluços.” (...) Nietzsche veio pedir ao cavalo perdão por Descartes – que considera o animal um autômato, uma máquina animada...” Quando um animal geme, não é uma queixa, é apenas o ranger de um mecanismo que funciona mal.”

E uma frase do Autor:

A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar com toda pureza, com toda a liberdade, em relação àqueles que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, num nível tão profundo que escapa ao nosso olhar) são as relações com aqueles que estão a nossa mercê: os animais. É aí que se produz o maior desvio do homem, derrota fundamental da qual decorrem todas as outras”.

Franz um intelectual, amante de Sabina e depois de jovem estudante, de compleição forte, fora assaltado nas ruas de Bangkok - estivera no Camboja em missão humanitária frustrada -, reage é atacado e morre num hospital de Genebra pelos ferimentos da agressão.

Tomas e Tereza morrem num desastre com o caminhão. O caminhão sem freios caíra num barranco.

(*) O livro inspirou filme do mesmo nome, de 1988, dirigido por Philip Kaufman, com os atores Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche e Lena Olin.
(**) Leitura - “Anna Karenina” de Leon Tolstoi - Livro 4 - neste blog.
Acessar: https://resenhadoslivrosqueli.blogspot.com/2017/06/4-ana-karenina-de-leon-tolstoi.html


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS de Machado de Assis

LIVRO 54



Partam do princípio de que eu não conhecia a obra nem por fragmentos e no conjunto sou obrigado a confessar que não gostei da obra.

Como o próprio festejado Autor revela, a “obra foi feita aos pedaços na Revista Brasileira pelos anos de 1880”.
Esses pedaços compuseram mais tarde o livro…

Por causa disso é que encontrei capítulos que no meu conceito, apenas preenchiam páginas, destoando da narrativa.

O narrador que conta sua história post mortem fora batizado com o nome de Brás Cubas. Seus pais, descendentes da família Cubas, deram-lhe o prenome de Brás, o mesmo nome do capitão-mor que fundou a Vila de São Vicente em São Paulo: “Brás Cubas”.

De família rica, adorado pelo pai, a vida de Brás Cubas fora dum desocupado, dum parasita como se disse nas páginas de introdução do livro (*).

Mas, na maturidade, sonhava em produzir o “emplastro Brás Cubas” ideia que não prosperou porque morreu antes, por causa da moléstia que o vitimou.

No seu leito de morte, às vezes assistido por sua antiga amante, Virgília, Cubas teve um delírio aparecendo para ele um hipopótamo que o “arrebatou” começando então uma viagem no seu dorso cujo destino seria, na verdade, “à origem dos séculos”.

Este ingênuo leitor de poucas letras imaginou que o nome Virgília de Virgílio e o hipopótamos, um animal poderoso poderia ser um cicerone caricato em relação ao privilegiado guia de Dante Alighieri, o filósofo, na Divina Comédia que o guiou nas plagas do inferno e do purgatório (**)

Teria Virgília algo com Beatriz a musa de Alighieri que o conduziu pelo céu?

Seria esperar demais, ora.

Nessa sua vida de prazeres e riquezas conheceu a linda Marcela, “dama espanhola” por que se apaixonou.

Vendo as dívidas pelos presentes caros que Brás lhe dava, seu pai interveio e o obrigou a estudar em Coimbra.

Ele tentou levar Marcela na viagem, mas foi frustrado por seu pai.

Já no navio, algo incomum: o capitão que tinha sua esposa a bordo muito doente era dado a recitar poesias tendo Brás como ouvinte (!)

Ao retornar ao Rio, um dia reencontrou Marcela, numa pequena loja. Com dificuldade a reconheceu, então com rosto inchado por moléstia, envelhecida. Tão logo pode Brás se afastou para encontrá-la anos depois nos momentos de sua morte.

E é aí que a Virgília se destaca porque apresentada como sua futura esposa, dentro do que pensara o pai de Brás, em arranjar um casamento e introduzi-lo na política.

Mas, Virgília pensava em obter títulos de nobreza e por isso casou-se com Lobo Neves político, indicado para um ministro, cuja nomeação não se efetivou porque se deram algumas coincidências com o número 13 do qual era supersticioso.

O amor entre Virgília e Brás se materializaria numa relação adúltera intensa.

Para facilitar os encontros, Brás aluga uma casinha na Gamboa, de bom padrão e lá o romance floresce.

Esse romance, então, se dá entre duas pessoas da sociedade, embora Brás fosse um bon vivant, desocupado.

Depois de algum tempo, o romance adúltero começa a ser percebido ou desconfiado. Só o marido, Lobo Neves nada desconfia (!).

Brás, começa a ouvir indiretas. Houve uma carta anônima remetida a Lobo Neves que Borba e Virgília desmentem vigorosamente.

[Esses rumores me lembram um pouco o que ocorre no romance de 1857 “Madame Bovary” de Gustave Flaubert. Madame Bovary frequentava seus amantes às claras; a comunidade sabia de seu adultério menos o marido médico Carlos Bovary que ela desprezava.] (***)

Outra noiva lhe é apresentada, D. Eulália mas ela falece prematuramente aos 19 anos de idade.

Mais tarde já nas páginas finais, a obra apresenta Brás Cubas como deputado, sem explicar como guindara ao posto.

E insere um novo personagem Quincas Borba, que pregava uma nova filosofia, o humanitarismo.

Borba quase um indigente, ao se encontrar com Brás, furta seu relógio. Mais tarde, após receber uma herança devolve outro relógio, não o mesmo que subtraíra de Brás, porém.

O humanitarismo exposto é constituído de frases interessantes e um tanto mundano:

- Imagina, por exemplo, que eu não tinha nascido, continuou o Quincas Borba; é positivo que não teria agora o prazer de conversar contigo, comer esta batata, ir ao teatro, e para tudo dizer numa só palavra: viver.

Quincas Borba passa a exercer forte influência sobre Brás.

Depois de viajar para Minas, quando volta revela distúrbios mentais e tempos depois morre semidemente na casa de Brás Cubas.

Brás Cubas, por sua vez, morre externando amarguras por não ter concretizado o sonho do emplastro que levaria o seu nome, o “divino emplastro” que lhe daria o “primeiro lugar entre os homens, acima da ciência e da riqueza porque era a genuína e direta inspiração do céu.”

Pelo que, “o acaso determinou o contrário e aí vos ficais eternamente hipocondríacos”.

E também, nas últimas linhas do livro, ao chegar a “este lado do mistério” (porque falecido) achou-se com um “pequeno saldo” no derradeiro capítulo de negativas:

- Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.



Machado de Assis pelo seu personagem dândy pouco fala da escravidão, apenas uns comentários esparsos - nos tempos de criança fora maldoso com eles - e se apresenta um tanto preconceituoso com uma moça bonita, que lhe chamara a atenção e até se beijam, mas por ser coxa ele se afasta. Brás insiste em ressaltar essa deficiência.
Livro "realista" e fantástico? Nem pensar!


(*) A edição do livro foi promovida por um cursinho (“Objetivo”) no qual em notas de rodapé foram inseridos sinônimos de palavras sem ou de pouco uso e também sobre autores da literatura “universal” que Machado de Assis, mencionou à exaustão. Na introdução assinada por Francisco Achcar ele afirma que Machado de Assis é o maior escritor do Brasil na opinião de estudiosos da literatura brasileira… não sei!

(**) Resenhas da "Divina Comédia" de Dante Alghieri:
n° 36 - Inferno
n° 41 - Purgatório
n° 46 - Paraíso 

(***) Resenha de "Madame Bovary" - n° 3


sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

URUPÊS de Monteiro Lobato

LIVRO 53

A primeira edição do livro Urupês de Monteiro Lobato é de 1918. Então, há um século, era a obra publicada com diversas particularidades.

Então, mato minha curiosidade sobre o livro.

Ele é, digamos, "datado". 

Vou começar pelo fim falando do Jeca Tatu;





















O livro teve origem com uma carta mordaz do autor, remetida ao jornal “O Estado de São Paulo”, na qual fazia duras críticas ao CABOCLO, incendiário que degradava de modo devastador as matas da Serra da Mantiqueira.

Lobato desmonta os romances sertanejos e indianistas, referindo-se de modo pouco lisonjeiro à descrição de personagens bem constituídas mas que estariam muito distante da realidade

Em vez da beleza natural de Peri, personagem do romance “O Guarani” de José de Alencar explana Lobato:

Contrapôs-lhe a cruel etiologia dos sertanistas modernos um selvagem real, feio e brutesco, anguloso e desinteressante tão incapaz, muscularmente de arrancar uma palmeira, como incapaz, moralmente, de amar Ceci.” (*)

Toda essa adjetivação depreciativa tinha como origem a preguiça do sertanejo que nada produzia, sempre acocorado, sentado sobre os calcanhares, bebedor de cachaça, de pito na boca e afeito a produzir grandes incêndios, 

Com os incêndios que provocava abria “clareiras”, não atinando para a beleza das árvores que eram ceifadas.

Enquanto a mata arde, o caboclo regala-se.

- Êta fogo bonito!

(...)

"Entrando setembro, começo das "águas", o caboclo planta na terra em cinzas
um bocado de milho, feijão e arroz; mas o valor de sua produção é nenhum 
diante dos males que para preparar uma quarta de chão ele semeou."




O inconformismo de Lobato com essa prática danosa tem um pouco a ver com incêndios florestais também devastadores praticados por sertanistas e exploradores relatados por Euclides da Cunha em “Os Sertões” (“os fazedores de desertos”).

Já ouviram falar de Jeca Tatu?

Pois foi conhecendo esses tipos, que Lobato “idealizou” o personagem no livro Urupês.

Jeca Tatu” pode até ser humanizado, afinal, mas ele foi inspirado nesses caboclos “ cheios de preguiça:

Esse funesto parasita da terra é o CABOCLO, espécie de homem baldio, semi-nômade, inadaptável à civilização, mas que vive a beira dela na penumbra das zonas fronteiriças”.

Pois bem, com todas essas contrariedades, a carta referida remetida ao jornal foi publicada, teve repercussão e, como decorrência, Monteiro Lobato tornou-se o que ele chamou de “homem de letras”.

Hoje com tantas opções de comunicação não parece existam caboclos assim broncos, mas a queima florestal ainda é uma prática predadora.

Talvez, nos rincões escondidos do país, sobrevivam jecas tatus políticos.


Há outra particularidade no livro. Na edição em meu poder, talvez a 4ª, é registrado o desagrado de Lobato com os acentos ("acentismos") que complicariam a língua.

É questionado:

- Mas a acentuação já está imposta por lei.

- Não há lei humana que dirija uma língua é um fenômeno natural, como a
oferta e a procura, como o crescimento das crianças, como a senilidade, etc.

Então, concluiu a editora:

"Diante disso resolvemos respeitar nesta edição a ortografia de Monteiro
Lobato, realmente mais simples e comoda do que a aconselhada por nossa
academia."

Como se vê, a palavra "cômoda" não veio acentuada. O 'a' com crase na 
edição é grafado com acento agudo (á) e não grave (`). 

Raros circunflexos mas ocasionalmente a ortografia oficial aparece.  

Urupês que seria aquela espécie de cogumelo que pode ser encontrado em camadas, geralmente da cor vermelha que floresce em madeira em decomposição.
Urupês é também o nome de uma cidade do Estado de São Paulo a 54 quilômetros de São José do Rio Preto.

(*) Ceci (Cecilia) personagem de “O Guarani” romance de José de Alencar.

A "essência" do livro é essa acima, mas é ele completado por 12 contos alguns dos quais não posso elogiar.

CONTOS QUE FIZERAM O LIVRO

Esses contos explanam sobre tragédias, situações cotidianas e sobrenaturais. Como brinde o resumo do resumo desses contos situados naqueles recantos interioranas, caipiras:

OS FAROLEIROS

Num farol perdido, deu-se um crime passional.

Gerebita se casou com Maria Rita, "uma morena de truz ("distinta") perigosa como o demo". 

Maria Rita traia Gerebita com Gavriel.

Gavriel também foi abandonado por Maria Rita.

O mundo girou e os dois foram se encontrar no mesmo farol, "um modo de morrer p'r'o mundo."

Gerebita odiava Gavriel, causa de sua infelicidade e da infidelidade da esposa.

Gerebita assassina Gavriel e atira o corpo no mar. Dali o corpo nunca chegaria à praia. 

Lobato se refere a espécie de duelo havido com o pugilato até a morte de Gavriel e faz analogia com a ópera Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni cujo significado é "cavalheirismo rústico".

"Reclama" Lobato que "cavalleria" fora traduzido como "cavalaria" razão pela qual alterou o nome do conto de "Cavalleria Rusticana" para "Os faroleiros".

O ENGRAÇADO ARREPENDIDO


Francisco Teixeira de Souza Pontes era um sujeito "engraçado".

Quando mencionado seu nome, desde logo provocava risos.

Já passando dos 30 anos resolveu cuidar seriamente da vida.

Mas, não conseguia. Tantas fora suas piadas e sua graça que não era levado a sério.

E, por isso, até chorava.

Um dia surgiu a possibilidade de trabalhar na coletoria ocupando o lugar do major Bentes, já velho e doente.

De todos os meios que dispunha, Pontes de aproximou do velho, pensando em substitui-lo quando morresse. Contava com a ajuda de um parente do Rio para que fosse nomeado.

Mas, Bentes se mantinha firme.

Pontes, então, depois de estudar as preferências anedóticas de Bentes, um dia lhe conta uma refinada anedota que surte efeitos: o velho explode numa sonora gargalhada dando-se o "estouro de uma artéria".

O velho Bentes morre.

Pontes assustado com a tragédia provocada pela piada esconde-se por um tempo, não avisando seu parente no Rio a tempo, perdendo a vaga.

O tom de tragicomédia se deu pelo suicídio de Pontes.

Ele se enforcou tendo como "instrumento" uma ceroula.

A COLCHA DE RETALHOS


A velhinha com seus 70 anos cozia uma colcha de retalhos e explicou:

- Esta colcha é o meu presente de noivado. O último retalho há de ser do vestido de casamento, não é Pingo? (A neta era assim chamada: "Pingo d'Água").

Mas, a neta um dia fugiu para não mais voltar. A colcha não foi concluída e a peça seria sua mortalha como pedira a velhinha.

Logo depois ela morreu, mas a sua última vontade não foi cumprida porque a mortalha não cobriu seu corpo.

"Que importa ao mundo a vontade última de uma pobre velhinha da roça?"

A VINGANÇA DA PEROBA


Nunes era um caipira afeito à cachaça. Meio que um"jeca tatu".

Sua propriedade fazia divisa com o sensato Pedro Porunga, de família numerosa.

Um dia Nunes se sente desafiado a um comentário que soubera, de Pedro Porunga.

E resolve construir um monjolo, aquele equipamento rústico triturador de grãos, movido pela queda de água corrente.

Para isso derruba uma perobeira que exatamente fazia divisa entre a sua e a propriedade de Porunga.

Houve estranheza deste, porque a peroba era o marco divisório.

Monjolo construído, um dia em meio à cachaça, convida seu filho pequeno a também beber. O menino fica tonto e vacilante desaparece dali.

É encontrado com a cabeça dilacerada no pilão pelo sobe e desce do monjolo, para horror da mãe e irmãs.

E o "cachaceiro do inferno" desmontando a pancadas o monjolo, ainda apalpava o fundo do pilão, "em procura da cabecinha que falava".

A tragédia poderia ser a vingança da peroba, sua praga.

MEU CONTO DE MAUPASSANT

Diálogo no trem entre dois "sujeitos". Um deles enaltece Guy de Maupassant se referindo ao seu pensamento sobre o amor e a morte.

Então, na visão de uma velha árvore saguaragi disse um dos interlocutores que fora ela "comparsa no meu conto de Maupassant".

Dissera que conhecera um italiano, mau encarado e beberrão que poderia ter assassinado uma velhinha com uma foice.

Mas, nada foi apurado. Tempos depois o italiano foi localizado em mau estado físico e moral, frequentador do xadrez até que no trem, ao passar por aquela árvores, atirou-se da janela para a morte.

Quem matou a velhinha a peso de foice fora o próprio filho (!)

"POLLICE VERSO"

(Tradução: "Polegar voltado para baixo")

Nico (Inacinho) 
era um caçula de dezesseis filhos do coronel Inácio da Gama. 

O pai descobrira a vocação do caçula ao vê-lo dissecando um sanhaço vivo: "médico".

Ele era cruel com os animais.

Durante o curso de medicina tinha lá sua turma e era apaixonado por Yvonne.

Mesmo médico de má fama, foi chamado para tratar o major Mendanha, capitalista aposentado.

Fez lá um diagnóstico "genérico" embora ninguém soubesse ao certo qual era a doença do major milionário de Itaoca.

Prolongando o tratamento poderia obter uma boa soma e ir para Paris para estar com Yvonne.

Mas, a despeito do "tratamento" Mendanha faleceu. O médico fez os cálculos das visitas e das injeções, apresentando aos herdeiros a soma vultosa de 35 contos de réis.

Ganhou na Justiça o valor que cobrara do inventário.

Embolsou a dinheirama e viajou para Paris falando que tinha lições na Sorbonne, mas passou a viver com Yvonne num apartamento em Montmartre e frequentadores de cabarés.

Quem sabe quando acabasse o dinheiro, o pai pudesse ajudá-lo a manter o "aperfeiçoamento de estudos".

O pai, já viúvo, que se orgulhava do filho médico, de sua presença na Sorbonne, relacionado a celebridades médicas daquela universidade.

BUCÓLICA

É a historia da menina "entrevada" e a mãe, "má como a irara": "Pestinha, porque não morre?"

Um dia a Inácia a negra que cuidava dela esteve fora e não pode voltar a tempo por causa de uma chuvarada.

A menina morreu de sede após se arrastar até perto do pote mas não o alcançando.

"Morreu de sede, o anjo!"

Enxugando as lágrimas na manga e indo embora e se o Libório não a quiser "sou bem capaz de me pinchar nesse rio. Este mundo, não paga a pena",

"Sol a pino. Desânimo, lassidão infinita..."


O MATA-PAU

Mata-pau é uma árvore parasita que com o tempo consome a árvore à qual se "uniu, isto é, mata a mãe que sem perceber ia sendo consumida.

Elesbão se casa com Rosinha.

Não tinham filhos, o que os tornava tristes.

Um dia no seu sítio, ouvem o choro de uma criança e acabam a adotando como filho.  

À medida que ia crescendo revelava suas perversidades: "É ruim inteirado". Era alcunhado de Ruço.

Rosa ia se desenvolvendo, ficando bonita, atraente. A relação mãe-filho degenerou para amantes.

Elesbão de nada desconfiava, até ser alertado pelo pai moribundo.

Um tempo e Elesbão foi assassinado a golpes de foice. Desconfiaram de Ruço, mas não havia provas para incriminá-lo.

Viúva Rosinha, Ruço a chantageou a vender tudo e se assim não agisse, ele a abandonaria.

O golpe final de Ruço contra sua "mãe-amante" foi incendiar a casa para se livrar da mulher e ficar com tudo o que amealhado na venda dos equipamentos do sítio.

Rosa se salvou das queimaduras, mas nunca mais do juízo

E, então,se disse filosoficamente que 

- Não é só no mato que há mata-paus !...

BOCATORTA

Bocatorta era um negro disforme que habitava  um casebre na fazenda, meio escondido.

Seria feio como Quasímodo? (*)

A ele se atribuíam sumiços de animais e malefícios.

Eduardo, noivo de Cristina quis conhecê-lo e um dia saíram a passeio, Don'Ana, o major - pai da moça - e mais Eduardo.

Cristina temia muito encontrar Bocatorta pelo que dele se contava, até mesmo  a violação de uma sepultura de uma jovem.

Foram até onde vivia Bocatorta mas Cristina se escondeu o rosto nos ombros da mãe.

Era a "hediondez personificada" com seu cachorro "atôa, todo ossos, peloe e bernes, rosnava contra os importunos."

Cristina amanheceu febril e faleceu depois de oito dias.

À noite Bocatorta desenterrara o corpo da jovem e fora visto pelo pai e o feitor a abraçando.

Uma cena de horror. Bocatorta foi contido e arrastado para um pântano cuja profundidade era desconhecida.

Houve o esquecimento da tragédia noturna, Bocatorta desaparecido no logo e Cristina em seu túmulo não sem antes o único beijo que recebera em sua vida.  

Que se dera com a violação de sua sepultura.

(*) Quasímodo, personagem do romance "O corcunda de Notre Dame" de Victor Hugo.

O COMPRADOR DE FAZENDAS 


Não havia pior fazenda que a do Espigão, arrematada por um Davi Moreira de Souza que esperara fosse um bom negócio.

Resolveu vendê-la e recebera carta de seu agente de negócios que informara haver um pretendente à compra.

Antes da chegada do comprador, toda a fazenda fora "maquiada" de tal modo que bem impressionasse o comprador a caminho.

Era o Pedro Troncoso, um jovem bem apessoado que contou grandes vantagens.

E ali foi ficando, aproveitando-se da hospitalidade ao exagero do vendedores.

Troncoso flerta com Zilda, a filha solteira de Moreira.

E à medida que o comprador elogiava o estado da fazenda, Moreira aumentava o preço.

Troncoso parte fazendo promessas vagas da compra e nada de fechar o negócio.

O tempo passa.

Quando volta com a decisão de finalmente comprar a fazenda foi recebido a chicotes pelos Moreiras e ouvindo desaforos:

- Comedor de bolinhos! Papa-manteiga! Toma! Em outra  não hás de cair, ladrão de ovos e cará!...

Zilda assistia a tudo aquilo com os "olhos pisados do muito chorar".

E Moreira perdeu o grande negócio de sua vida: o duplo descarte - da filha e da Espiga...

O ESTIGMA

Fausto casara "rico". Sua fazenda viera de seu casamento. Sua esposa de feições duras, positivamente feia e "provavelmente má".

Via na fazenda a jovem e linda Laura, órfã de pai e mãe, prima de Fausto que na verdade fazia os trabalhos domésticos. Dele, ela era "um raio de sol matutino que folga e ri na face noruega da minha vida..."

Com o tempo, a beleza de Laura provoca ciúmes na esposa de Fausto que exige seja ela expulsa da casa.

Um dia Laura aparece mora, com um tiro no peito segurando o revolver da própria casa como se fora um suicídio. Como poderia ela ter acesso à arma?

Mistério.

O tempo passa e a esposa de Fausto dá a luz a um menino.

O menino nascera com uma estranha marca no peito, "uma cobrinha coral de cabeça preta".

"Denunciada" pela estranha marca, a esposa morre logo depois do parto por causa de suposta "febre puerperal".

O agora moço com sua marca no peito "ignorava o crime de que fora ele próprio o eloquente delator."