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segunda-feira, 4 de junho de 2018

MOBY DICK de Herman Melville

Livro 44


Talvez nem sempre seja bom a releitura de livro de mais de 500 páginas como é o Moby Dick. Na edição que reli, a fonte é minúscula, gerando o desconforto de maior atenção ao texto e, assim sendo, o aumento do tédio em paginas e páginas que enfeitam a obra consagrada mas que não tem significado relevante ao enredo da história. Explico: há descrições de operações e trabalhos a bordo que são incompreensíveis. Não? Descreva como se dá um nó numa gravata... sem a gravata...


















O livro emblemático de Herman Melville foi escrito em 1850. Teria sido inspirado em afundamento verdadeiro do navio Essex por uma baleia, em 1820.

O Autor trata da matança sistemática naqueles idos do final do século 19 e começo do século 20 de um ponto de vista “profissional” embora fossem os baleeiros chamados de carniceiros:

“Mas”, disse o Autor, “não obstante o mundo nos despreze a nós, caçadores de baleia, ele nos presta involuntariamente a maior homenagem: sim, uma adoração exagerada!, pois quase todos os círios, lamparinas e velas que ardem em volta do mundo ardem, como diante de tantos relicários, para nossa glória.”

Pois o óleo obtido de cada um desses animais do mar, em grande quantidade, impropriamente chamado de “espermacete” servia principalmente para iluminação, entre lamparinas e velas.

A descrição dos métodos de abate daqueles “peixes” que e o Autor chama de Leviatãs – nome dado a peixe mitológico feroz citado na Bíblia em Jó 41 -, é de emocionar de tão cruel que é.

Mas, o Autor, em muitos momentos se resigna, como neste trecho:

“Sem dúvida o homem que matou pela primeira vez um boi foi tido como assassino; talvez tenha sido enforcado; se houvesse sido julgado por bois, sem dúvida teria sofrido essa pena, por certo merecida, se qualquer assassino a merece. Ide ao mercado de carne num sábado à noite e vede as chusmas de bípedes vivos olhando as longas fileiras de quadrúpedes mortos. Tal espetáculo não acorda o canibal? Canibal? Quem não é canibal? Digo-vos que será mais tolerável o Dia do Juízo para o fidjiano (selvagens das Ilhas Fiji) que salgou um missionário magro na despensa, para prevenir-se da fome à vista, do que para ti, meu civilizado e esclarecido guloso, que prendes os gansos ao chão e regalas-te com seus fígados inchados em teu paté de foie gras”.

O Autor descreve cada tipo da "família" das baleias.

Faz, também, verdadeira dissecação do cachalote descrevendo a sua cabeça quando decepada, os olhos, a cauda, o esqueleto...

Então, desde o embarque de Ismael e seu amigo íntimo, o “canibal” Quiqueg, exímio arpoeiro, no navio Pequod o desfecho da história se dá a partir da pagina 500.

Moby Dick é o nome dado a um cachalote branco (seria albino?) muito grande que atacava baleeiras que o agrediam com arpões na tentativa de matá-lo para as vanglórias da vitória e obter o óleo precioso.

Os heróis da história são Ismael seu narrador, Quiqueg seu amigo íntimo, o capitão Acab - em busca de vingança porque o grande cachalote branco numa reação a ataque sofrido no passado, decepara sua perna – os imediatos Starbuck, Stubb e Flask.

Um episódio interessante do livro: Moby Dick fora, também, causa da perda de um braço do capitão do navio inglês "Samuel Enderby". Há o encontro desse navio com o Pequod e o capitão Acab se excita ao saber que Moby Dick continuava reinando nos mares.

O capitão Acab, mesmo nos desabafos ao imediato Starbuck reconhecia que sua vida se perdia num navio – as viagens de caça à baleia duravam três, quatro anos – situação piorada pelo seu espírito de vingança contra a grande baleia branca, o seu desejo de matá-la.

Starbuck apelava para que Acab abandonasse esse sentimento ruim e voltassem todos para casa felizes, no caso a cidade de Nantucket.

Num certo momento o cachalote branco reaparece.

E, então, começa a batalha.















Os arpões vão sendo atirados, atingindo o corpo da baleia que sangra – “...a baleia tem, como o homem, pulmões e sangue quente”. Ela reage, e vira os barcos que a atacam, destruindo-os e atingindo mortalmente alguns dos seus agressores.

Mesmo assim, continuamente ferido, o grande cachalote branco ataca o próprio Pequod que tomba de modo violento e afunda rapidamente.
Do naufrágio, só sobrevive o narrador Ismael que abraça um ataúde – construído para Quiqueg que esteve a beira da morte, doente – transformado em salva-vidas improvisado.

Na última página do livro, que trata do “Autor e sua obra”, tem esta ‘preciosidade’: “Poucos foram capazes de entender a riqueza do seu conteúdo (a busca da perfeição humana, o eterno embate do bem contra o mal, este simbolizado na monstruosa baleia branca.)”

Está claro que o autor dessas linhas fez a baleia o Moby Dick “eterno mal” mesmo sendo atacada sem dó, até por vingança, ódio, como descreve o livro.

Ora, o narrador se reconhece “carniceiro” embora ofereça com o óleo da baleia para velas e lamparinas...


E no evento morte após inúmeros ferimentos de arpões a tragédia relatada  no livro, afetando seus momentos de vida e paz:


“Como quando o cachalote ferido, que desenrolou da tina centenas de braças de arpoeira, depois de um profundo mergulho flutua de novo e mostra a corda frouxa e torcida erguendo-se a boiar e espiralando-se rumo á tona, assim Starbuck viu longos rolos do cordão umbilical de Madame Leviatã, com o qual o filhotinho ainda parecia amarrado à mãe. Não raro, nas rápidas vicissitudes da caça, esse cordão natural, com a extremidade materna solta, enrola-se na arpoeira de cânhamo, de modo que o filhote é assim capturado.”
(...)
No que se refere às tetas na fase da amamentação, “preciosas numa fêmea que aleite, são cortadas pela lança do caçador, o sangue e o leite que correm da mãe mancham à porfia o mar, por quinas de metros. O leite é muito doce e forte, tem sido provado pelo homem, iria bem com morangos.” 


Mas, não parece correta essa interpretação. 

Talvez porque Melville chamasse as baleias de “Leviatã” que na Bíblia seria um monstro de cujo “nariz procede fumo, como duma panela fervente, ou duma grande caldeira”.  O seu hálito faria acender os carvões e da sua boca sai chama.” (Jó 41.20-21).

É demais para uma linda baleia fazendo malabarismo com seus chafarizes e sons de pacificação em alto mar.

sábado, 28 de abril de 2018

AS CIÊNCIAS SECRETAS DE HITLER de Nigel Pennick

Livro 43














Não se trata de um livro comentado ou referência para explicar o nazismo do ponto de vista das “ciências secretas.”

Concentra, porém, muitas informações sobre as práticas ocultistas e crenças ditas místicas adotadas pelo nazismo, tendo como principal adepto Heinrich Himmler, destacado comandante nazista.

Com a SS (“Tropa de Proteção”) que comandou, caminhou por campos considerados sagrados, mas não do ponto de vista religioso, mas pagão.

Por exemplo, a ruinas de Stonehenge, um monumento megalítico misterioso, pré-histórico, situado nas proximidades de Londres se alinharia em linha reta com outros monumentos e templos considerados “sagrados”. 

Seriam as linhas geomânticas. E a crença nas forças telúricas.

Então Himmeler tomou posse do castelo de Wewelsburg e ali praticava rituais de espirituais, de magia negra  e na Catedral de Quedlinburg “até a queda do Terceiro Reich”, ele “ia todos os anos, à meia-noite, até aquela cripta (que fizera construir) para meditar silenciosamente em comunhão com o antigo monarca saxão” no caso Henrique, o Passarinheiro que “reconstruíra a Alemanha” sem faltar homenagens à esposa até mesmo à esposa dele, a rainha Mathilde. Fora esse monarca, segundo Himmler, o fundador do Primeiro Reich, havia 1000 anos antes.

No que se refere às referências ocultistas, tudo que se coadunasse com a "raça superior", ariana, era aproveitado.

Então, havia referências desde os ensinamentos de Helena Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica e mesmo de Aleister Crowley. Este último, aspecto não explanado pelo autor, é considerado um ocultista da magia negra. Há uma lenda que numa de suas cerimônias ocultistas (atrair seu anjo da guarda), teria atraído espíritos malignos que influenciariam o que de pior houve na vida da Terra.

Libertino, ele dizia: "faça o que quiser".

Muitos desses místicos se instruíram em conventos tibetanos que no passado praticavam um tipo de magia branca ou negra considerada inimaginável. Sobre o Tibete, indico Mistérios e Magias do Tibete” a resenha nº 10 desta série.

Quanto à inquestionável presença de Hitler à pergunta dos motivos da crença na Alemanha e no Führer: “Porque acreditamos em Deus, acreditamos na Alemanha que ele criou neste mundo e no Führer, Adolf Hitler que por Ele nos enviou”.

E ele, como agia com os poderes mágicos?

O exército alemão, num erro metereológico fatal, invadiu a Rússia com roupas absolutamente incompatíveis com o frio intenso naqueles dias de inverno rigoroso, não previsto. Quando informado que seus soldados morriam de frio dissera simplesmente "quanto ao frio, eu cuido disso".

Pensava que aqueles supostos "poderes mágicos" pudessem alterar o clima. 

Começou aí a perder a guerra de modo irreversível.


Muitos desses estudos ocultistas "saíram de moda" perderam adeptos nestes tempos de comunicação instantânea. Nas antigas catedrais da idade média havia os mistérios de figuras nelas inseridas, uma forma de transmitir mensagens ocultas...



A origem da suástica remonta a um passado remoto. Desde esses tempos remotos era um símbolo de “boa fortuna” ou “tudo está bem”.

Era um símbolo sagrado do Oriente. "Nos templos tibetanos é comum encontrarmos esse símbolo gravado nos portais ou nas pedras da maioria dos mosteiros".

O que o nazismo fez foi tomar a figura da suástica positiva mas a inclinou 45 graus, "tornando-a um símbolo maléfico" (*) 

Proviria de uma cruz cujos braços foram esticados e retorcidos, aparecendo a suástica, que simbolizaria, segundo um estudioso do símbolo, os “quatro grandes construtores do universo”.

E a origem da raça ariana?


Uma versão aceita é aquela em que seus ascendentes seriam sobreviventes da destruída Atlântica que rumaram para as terras da Índia e lá, instituíram as castas na sociedade reconstruída. Depois teriam se deslocado para o Irã.


Não é essa a única versão.

Com a divisão de castas da sociedade indu teria gerado o sentido da raça superior dos nazistas e, nesse caso, os judeus seriam a raça inferior a ser exterminada.

Para esse objetivo devidamente assumido, os vencedores da concorrência apresentaram “um crematório de alta capacidade que poderia queimar 2000 corpos a cada 12 horas". Usava, como combustível gordura humana.

E havia outras fórmulas de extermínio, como as câmaras de gás. E a barbárie institucionalizada.

Para reunir a herança ancestral alemã, havia a organização Deutsche Ahnenerbe que tinha por objetivo como explica o livro:
Investigar a extensão territorial e espiritual da raça nórdica indo-germânica; estudos das tradições populares alemãs e contar com os denominados "amigos do povo" para auxiliar nesse trabalho.

Mas, nem tudo se resumia a essas tradições. Pois foi dirigido à organização, o pedido de crânios humanos - dos judeus é claro - para os devidos estudos. Para isso, a SS poderia remediar essa carência capturando judeus. "Um médico removeria então a cabeço do corpo, despachando-a, numa lata especialmente desenhada para tal, à Universidade de Estraburgo". 
 As latas logo começaram a chegar...

Para garantia da raça pura a SS entendia que em cemitérios selecionados havia a concentração de espíritos dos mortos ali sepultados. A revista da SS encorajava os seus membros a “procriar reencarnações de antigos heróis germanos através de relações sexuais” nesses antigos cemitérios alemães.  

Mas, a SS de Himmeler para alcançar seus ideais de raça pura, aceitou em seus quadros indivíduos não necessariamente nazistas assumidos, incluindo representantes de países derrotadas pelas forças de Hitler. O que estava reservado a esses "estranhos" quando o 3º Reich se consolidasse?

 O texto do livro é denso o que não prejudica o seu conteúdo que é extenso, mas senti um certo superficialismo. 



 (*) "Mistérios e Magias do Tibet" de Chiang Sing.


quinta-feira, 5 de abril de 2018

OTELO, O MOURO DE VENEZA de William Shakespeare

Livro 42

O que mais dizer dessa tragédia humana de Shakespeare tantas e tantas vezes encenadas nos teatros do mundo. No cinema entre outros fico com a versão de Orson Welles, diretor e ator naquele preto e branco sombrio, de 1952.

















A peça foi escrita lá pelos começos dos anos 1600.

A versão que tenho em mãos é de 1956 (2ª edição) e foi traduzida por Onestaldo de Pennafort a pedido da companhia teatral Tonia-Celli-Altran que a encenou a partir de março daquele ano, no Rio de Janeiro.

Há algo que não poderia deixar de mencionar sejam as observações ditas preconceituosas. Corro o risco.

Otelo era negro, mas segundo o Doge (líder da república veneziana então), ao se dirigir ao pai desesperado de Desdêmona que fugira para se casar com o Mouro:

- Se o emblema da virtude é a alvura, eu asseguro, senhor, que o vosso genro é mais branco que escuro.

Quando já envenenado pela falsa traição de Desdêmona, Otelo chega a admitir que a esposa poderia voar ao sabor da aventura, “em busca de outros céus... Talvez por eu ser negro”. 

Ninguém nunca disse que eu saiba, até porque não creio que houvesse racismo nos anos 1.600, mas nada impede que da peça Shakespeariana extraia da afirmação “por eu ser negro” a causa dos ciúmes cego do Mouro.

Esse timbre, o da cor negra de Otelo se repetirá no decorrer da obra universal de Shakespeare.

De Emília, já no fim da tragédia: “Ela (Desdêmona) era um anjo tão certo como sois um diabo negro!”

Iago, o vilão, o falso, odiava Otelo porque fora preterido na ascensão para seu “Lugar-tenente” que preferira o Mouro Miguel Cassio.

E também: ”O Mouro eu o detesto. É voz corrente por aí que ele fez as minhas vezes dentro dos meus lençóis. Se é verdade não sei.”

Rodrigo, rico veneziano, tinha desejos sexuais ao pensar em Desdêmona sendo influenciado no pior dos atos por Iago.

Ambos alertam o pai de Desdêmona, Brabâncio, de que fora ela desonrado pelo Mouro de Veneza e vivia em sua alcova.

Desesperado, Brabâncio avança contra o Otelo e então descobre que sua filha com ele se casara, o amava muito, encantada com as aventuras que dele ouvira em suas batalhas e sendo mesmo submetido à escravidão.

Otelo correspondia ao amor de Desdêmona.

Brabâncio, surpreso, aceita o casamento de sua filha do modo como se deu, porque fugira do refúgio do pai mas observa:

- Abre teus olhos Mouro, e sê bem cauteloso: se ela enganou o pai, pode enganar o esposo.

Iago ajeita um entrevero noturno entre Rodrigo e Cassio, após fazer com que ele bebesse mais vinho do que o normal. Nesse entrevero sem pedir se envolve Montano que sai ferido.

Otelo que governava Chipre pelas suas vitórias, destitui Cassio de suas funções de Lugar – tenente.

Desdêmona tinha um carinho especial por Cássio, aquela amizade “que Deus permite” porque em nada afetava sua fidelidade ao Mouro, insiste que o marido o reintegre ao posto.

Começa aí as intrigas de Iago, muito querido pelo Mouro que acreditava nele. Nesse processo lento vai despertando a dúvida da fidelidade de Desdêmona que teria Cássio como amante.

Começam as "lições" de falsidade, desonestidade e, no tocante ao Mouro, a revelação de sua fraqueza interior! 

Num dado momento, Desdêmona perde o lenço, primeiro presente de Otelo considerado por ele muito precioso.

Emília, acha o lenço e pretende copiá-lo por causa de sua beleza. Mas, Iago a obriga a o entregar para em seguida deixá-lo nos aposentos de Cássio.

Os ciúmes de Otelo chegam ao extremo. Ele agride a esposa causando espanto a todos porque sempre demonstrara serenidade mesmo nos momentos mais críticos.

E Iago continua a infernizar a mente do Mouro a ponto de decidir estrangular a esposa.

E assim faz, sendo ofendido por Emília, aia de Desdêmona, que revelara todas as mentiras de Iago. Revelou que achara o lenço e que Iago dela o subtraíra para engendrar seu plano de falsidades.

Iago a esfaqueia. Antes de morrer Emília grita:

“- Ela era casta, Mouro! E te amava, cruel. Não quero ir para o Céu, se não falo a verdade. Por falar a verdade estou morrendo...”

Acuado em seus aposentos, já destituído de sua autoridade, Otelo se esfaqueia:

- Dei-te um beijo ao matar-te e ora desejo, ao me matar, morrer dando-lhe um beijo.
(Cai sobre o corpo de Desdêmona e morre).



Iago por seus crimes seria submetido aos mais duros castigos, espécie de tortura, "que seja a mais cruel".

  

sábado, 24 de março de 2018

A DIVINA COMÉDIA (Purgatório) de Dante Alighieri

Livro 41

NOTA IMPORTANTE NO FINAL DO TEXTO

Continuando na leitura de “A Divina Comédia”, agora na sua segunda parte, “O Purgatório”.





















O “Inferno” e "Paraiso" serão encontrados nas indicações abaixo (*).

Há uma mudança no modo de identificar os pecadores que tiveram “a sorte” de se arrependerem dos pecados antes da morte, pelo que foram aceitos no Purgatório.

Também uma montanha em cuja base se aglomeravam os “eleitos” tentando galgar em caminhos ríspidos, os primeiros “terraços” até atingirem as vizinhanças do céu.

Mas, os castigos aos pecadores no Purgatório não eram menos estranhos, algo realmente digno de comédia.

Pareceu-me até que o estilo da redação mudou um pouco em relação ao “Inferno”, mas a leitura é continua densa, inserindo Dante, para interagir com ele e Virgílio, figuras mitológicas.

“Ah! Quão diversos são estes círculos daquele outros infernais! Aqui, cantares divinos; lá gritos irados!”

E há a presença de anjos que ajudam os poetas nos caminhos inóspitos.

No Purgatório já há referência a questões mais “reais”:

O peso da oração:

“Mas nenhum anátema [excomunhão] é tão poderoso que deserde a alma do amor divino enquanto a esta alma restar a confiança no Sumo Amor. Essa alma deve permanecer fora do Purgatório trinta vezes o tempo em que na Terra viveu apartado da Santa Igreja, se preces do mundo não lograrem encurtar tal período”.

Mas também “cenas” como esta:

“Um delas (alma), adiantando-se, esboçou o propósito de abraçar-me, e com tal ímpeto que de entusiasmo igual fui tomado. Vã tentativa, pois a sombra era verdadeira só em aparência! Três vezes querendo estreitá-la, três vezes ao peito eu trouxe apenas as minhas mãos”.

Pecados e penitências:

⦁ Os soberbos curvados carregando grandes pedras segundo o peso de seus pecados: ”Dessa soberba aqui se paga a pena. Estaria em pior lugar, não houvesse mostrado a Deus que de meus pecados, no extremo momento me arrependera. É gloria vã dos ímpetos humanos!” declarou um penitente.

 ⦁ Os invejosos nada viam porque suas pálpebras estavam costuradas nos olhos por fios de metal...

 ⦁ Os iracundos [irados] eram envolvidos por fumaça que provocava escuridão “tal que nem no inferno eu vira”. E esses espíritos cantavam. Virgílio, o guia de Dante confirma e explica: “E por esse modo desatam os nós da ira que os ataram ao passado.”

⦁ Os avarentos deitados com o rosto voltado para a terra: “Havendo a avareza extinguido em nós a intenção do bem, a justiça divina que nos punir com fazer-nos olhar as coisas terreais”.

⦁ Os gulosos e que se entregaram à bebida, agora esqueléticos sentem o aroma dos frutos e o frescor da água, sem poder comer ou beber: “Felizes os que a graça divina livrou dos estímulos da gula e que só com o necessário se contentam.”

[São penitentes também os que negligenciaram as obras da fé e caridade.]

Os luxuriosos e os lascivos: “O primeiro grupo era dos luxuriosos de acordo com a natureza; o segundo, de lascivos contra a natureza”

Esses todos caminhavam sob fogo, cumprindo sua penitência porque também se arrependeram a tempo de seus graves pecados.

Um dos interrogados cumprindo a penitência:

“Ditoso és, pois de nossa experiência, podes colher a lição de viver melhor para bem morrer! Os que marcham em sentido contrário ao nosso purgam o pecado de haver César de Rainha”.

Essa a explicação do texto acima em nota de rodapé: “Júlio Cesar, segundo Suetônio, mantivera relações carnais com o rei oriental Nicomedes. A fim de aborrecê-lo, seus soldados após a vitória contra os galos, saudaram-no aos gritos de “Viva a Rainha”.

Há outras aberrações de cunho lascivo relatadas no Purgatório.

Já naqueles tempos, o escárnio...

Beatriz e despedida de Virgílio




















A partir dai, aproximando-se dos ares celestes, Virgílio deixa seu discípulo sem mais seu apoio embora outro poeta se aproximara. Estácio.

Virgílio retorna ao Limbo, local dos não batizados e pagãos virtuosos.

E ao ascender às alturas da montanha do Purgatório, Dante encontra Beatriz sua musa angelical lembrança dos tempos de infância que lhe diz:

“Dirigiu assim os passos por caminho errado, seguindo o que do bem era apenas falsa imagem – enganadora promessa de constância. Em vão, por meio de sonhos, procurei guiá-lo, e em vigílias fiz com que divisasse o verdadeiro bem. Com nada disse se importou. Tão fundo mergulhou no pecado que, para reerguê-lo, não havia senão um remédio: mostrar-lhe as penas que no Inferno aguardam as almas danadas.”


(*) Resenhas:



NOTA DE REDIRECIONAMENTO: 
Esta resenha e comentários foram atualizados e republicados conforme o livro de Dante Alighieri num único texto, a saber: Inferno, Purgatório, Paraiso.

segunda-feira, 5 de março de 2018

O PROCESSO de Franz Kafka

Livro 40



Livro complexo com suas quase 300 páginas, lançado em 1925. Kafka nasceu em Praga (República Checa) em 03.07.1883.

Li o processo a primeira vez entre aulas na Faculdade de Direito da PUC. Pela sua densidade e desatenção, tive que o ler novamente.

Naqueles idos da década de 60/70 assistira num cine cultural em São Paulo ao filme dirigido por Orson Wells baseado no livro “O Processo”. Esse filme é de 1962.

De Kafka foi cunhada a palavra “kafkiano”. Um dicionário “on line” a define entre outras definições:

“Que se assemelha à obra de Kafka, buscando expressar um ambiente de pesadelo, de irrealidade, de angústia e de absurdo; diz-se do que, no âmbito burocrático ou na civilização atual, se afasta da lógica ou da racionalidade.”

Sim, esse é o melhor conceito da palavra e da própria obra.

Numa leitura minha, embora não queira necessariamente o Autor, me parece que o personagem Joseph K. nestes tempos de modernidade seria diagnosticado com séria depressão.

E, além disso, senti no texto todo um sentido de esquizofrenia de K.  já no início da obra quando dois supostos policiais ou agentes da lei invadem seu quarto, tomam seu desjejum, se apropriam do quarto de outra moradora da pensão e o informam que ele está sendo processado.

“Mas, processado por qual crime?”

Então, Joseph K. fora comunicado de um processo sem saber qual o crime, qual a acusação e, pior, qual o setor da justiça onde tramitava o seu processo.

De início despreza a acusação, porque nada de criminoso praticara. Procurador de um banco, cargo de destaque continuou com sua vida normal, por um tempo.
Mas, o processo passara a ser, num dado momento, uma preocupação.

Não tinha acesso a ele, não obtinha informações, não sabia do juiz da causa, eram inacessíveis  e, pior num momento dado da obra, começa a ser indagado do processo por personagens que rigorosamente não poderiam nada saber.

Ouve que funcionários da justiça poderiam ajudá-lo de tal maneira que podesse ser absolvido.

Mas, absolvido do quê?

Há cenas surreais, como o açoite aos dois agentes da justiça que em primeiro estiveram no seu quarto, castigo que se dá numa instalação reservado do próprio banco.

Mantendo contato com outros processados vai se aproximando de supostos personagens que poderiam ajudá-lo, como o pintor que era contratado pelos juízes para lhes pintar o retrato.

Saindo por uma porta secundária do apertado atelier, após a conversa inútil, soube que ali também era uma divisão da justiça (!).

Como se nota, há a descrição de um ambiente opressivo, de pesadelo que vai se fechando, num dia a dia depressivo.

E o livro caminha nessa trilha com longos discursos, de certo modo uma crítica a procedimentos da própria justiça, com sua burocracia e juízes inacessíveis.

Dispensa o advogado soberbo que seu tio contratara porque ele nada fizera para resolver o processo.

O desfecho começa com sua visita à catedral porque o banco o designara para acompanhar um cliente italiano importante e que queria conhecer os detalhes artísticos do templo cristão naquele momento escurecido e sem nenhum fiel.

O italiano não aparece – fora propositado -, de maneira que K. conhecesse o padre que o esperava na catedral. Ele é o religioso que presta serviços à justiça e diz que seu processo é grave, estando K. em vias de ser condenado.

Por fim, numa noite, quando K. completaria 31 anos, dois agentes sem identificação vieram buscá-lo e num local remoto o assassinam com facadas no coração. Comentário de um dos assassinos ao desenlace trágico:

- Como um cachorro! – era como se a vergonha fosse sobrevivê-lo.

...

O livro é denso, não é de leitura fácil mas o esforço compensa porque se descobre o “processo kafkiano” sem crime.




terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

GERMINAL de Émile Zola

Livro 39

Querem conhecer um livro repleto de lances inesperados e até mesmo suspense em meio a tragédias? Então “Germinal” é um prato cheio.  Publicado em 1885, o livro detalha a vida inumana dos mineiros em minas de carvão, que desciam a 700 metros até o fundo dos poços. E nesse ambiente de insalubridade absoluta cavavam o carvão numa jornada exaustiva, na escuridão, enfrentando calor intenso, recebendo a água preta nos rostos que vazava de todas as frestas dos estaqueamentos.

A preocupação com o grisu um composto de metano e gás natural, uma mistura explosiva perto de chamas.

Na apresentação do livro, a informação é que Zola visitou minas, desceu ao fundos do poço, viveu num cortiço, bebeu cerveja nos botecos e, sobretudo, constatou a pobreza imensa pelos baixos salários e, nesse quadro desolador, a fome. 













O romance começa descrevendo exatamente essa pobreza, a busca por “pão”, a preocupação em alimentar toda a família, geralmente numerosa, as sopas ralas. As moradias pertenciam às usinas que cobravam aluguel, eram pequenas e todos se acomodavam como podiam, amontoados um sobre os outros, sem muito pudor na intimidade entre irmãos e irmãs.

Do outro lado, do lado do sócio-empresário de uma das minas, ele recebia dividendos suficientes para não trabalhar, viver no luxo duma mansão juntamente com sua família, servido por criados que se serviam, até, da caleça dos patrões.

Tudo era suportado, os mineiros expostos àquelas condições de trabalho degradantes e os patrões usufruindo dos lucros, até que começa a trabalhar na mina, nas mesmas condições, Etienne até então um desempregado rebelde que fora com seus superiores em outros empregos.

Num dado momento a administração da mina decidiu que os reparos no estaqueamentos não faziam parte da jornada de extração fato que reduzia os salários já minguados.

A revolta é geral. Etienne que agora residia na casa de Maheu e família, dormindo num cama num aposento minúsculo vinha se cultuado em teses socialistas e anarquistas, misturando conceitos nietzchinianos:

“Já que Deus estava morto a justiça asseguraria a felicidade humana, fazendo reinar e igualdade e fraternidade. Uma sociedade nova surgiria em um dia, como nos sonhos, uma sociedade imensa, esplêndida como uma miragem, onde cada cidadão viveria do seu trabalho e teria o seu quinhão nas alegrias comuns.”

Com essas ideias e a fome aumentando a cada dia, eclodiu a greve em todas as minas, muito forte, com o apoio, ainda que distante da Internacional e não poderia faltar até mesmo um padre que criticava os patrões acerbamente.

Os grevistas às centenas saem em passeata, gritando por “pão, pão, pão” sem que houvesse a reação dos patrões.

[Um aspecto que me chamou a atenção: havia uma usina de açúcar nas proximidades que se utilizava da beterraba como matéria prima. Ela também foi afetada pela greve. Não saberiam os grevistas que as folhas da beterraba engrossariam a sopa rala? O furto famélico das próprias beterrabas não seria aceitável? O Autor não se referiu a esse ponto. Talvez complicasse a história].

A greve resulta no confronto entre policiais armados e a massa esfomeada. Os tiros matam 14 grevistas, incluindo o aliado de Etienne, Maheu, aumentando a tragédia de sua família e o desespero de sua esposa corajosa.

O tratamento dado ás mulheres era ríspido. Meninas sem perspectiva se entregavam aos namorados e muitas engravidam e tinham filhos precocemente. A tragédia com mais destaque fora Catherine, filha de Maheu que, deflorada por Chaval, era tratada a pontapés por ele que, na história, é o vilão que morre pelas mãos de Etienne.

Com o passar dos dias, os mineiros envergonhados voltam ao trabalho, inclusive Etienne – que deixara de ser hostilizado pelos mineiros. Ele acompanhava Catherine que decidiu trabalhar para diminuir a fome da família, agora sem o pai.

Suvarin, um polonês taciturno, que ironizava os ideais de Etienne por fim desabafa falando do enforcamento de sua esposa na Rússia que explodira uma linha de ferro, atingindo um trem de passageiros e não o trem imperial como era o plano.

Suvarin: “Você nunca serão dignos da felicidade enquanto possuírem alguma coisa, enquanto esse ódio aos burgueses for apenas o desejo desesperado de serem burgueses também.”

Nessa noite o polonês sabotou a mina onde Etienne voltaria a trabalhar. Arruinara as escoras e os estaqueamentos de tal modo que a água passou a verter pelas frestas e a descer sobre o poço da mina com muita força. O desbarrancamento atingiu um riacho perto que passou a despejar água no mesmo poço enquanto não estancada.

Salvaram-se os que puderam, mas Etienne, Catherine e Chaval ficaram retidos num beco em perigo porque a água avançava. 

O ciúme de Chaval por Catherine provocou Etienne - que já haviam brigado - que o matou com uma pedra.

Duas semanas depois fora resgatado porque a turma de socorro ouvira as batidas de Etienne. Poucas horas antes Catherine falecera.

Tragédias.

Etienne, salvo, grisalho, teve que se acostumar à claridade, deixa a região rumando para Paris, chamado pelo dirigente da Internacional que o conhecia.

Mas, em sua mente não perdera a esperança de dias melhores para os trabalhadores, “crescendo para as colheitas do século futuro.”

O livro tem muito, muito mais. Gostei bastante.