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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

K. de Bernardo Kucinski

LIVRO 110 












Diz o Autor que "tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu".

Com efeito, quase tudo aconteceu.

A obra contém alguns capítulos com timbre de crônica mas o que destacado é o relato amargo de um pai, judeu  — que sofrera os efeitos do nazismo, na Polônia — sobre o desaparecimento de sua filha mais querida, em relação aos outros dois filhos nos tempos da ditadura militar no Brasil.

O que, afinal, acontecera com ela depois de notar, K., que sua filha estava há dez dias sem fazer qualquer contato?

K. era um literato, poeta que, com outros judeus, preservava a língua iídiche já então considerada morta, "uma língua cadáver, isso sim, que eles pranteavam nessas reuniões  semanais, em vez de cuidar dos vivos"

Com suas preocupações literárias, surpreendeu-se K. ao saber que sua filha era casada. A modesta cerimônia se dera aos parentes do noivo. Ele sequer fora informado dessa união. Seu genro também era da comunidade acadêmica — não chegara a o conhecer — e como ela desaparecido.

Para desvendar o paradeiro da filha, preocupado, vai ao Departamento de Química onde lecionava. Seus alunos de modo discreto, informaram que ela, que nunca faltava em suas aulas, estava ausente da faculdade havia 11 dias.

A partir daí, no começo de modo tímido, depois fazendo todos os contatos possíveis e até mesmo com falsos "informantes" sai em busca do paradeiro da filha. E do marido.

Conversou com militares, com religiosos e com quem mais lhe fosse indicado para alguma informação que desvendasse o desaparecimento dela.

O que nunca havia feito: procurou a Catedral Metropolitana da Sé, templo católico que nunca entrara antes e ali se uniu ao grupo de pais e parentes que, como ele, procuravam informações dos seus desaparecidos.

De rabinos supostamente influentes no meio político pouco ou nenhuma ajuda recebeu.

Já não duvidava da ação politica antiditadura de ambos. E já ia se convencendo que sua filha poderia ter sido morta nos porões da ditadura.

► Ana Rosa, a filha de K., esse era o seu nome segundo livreto 'Tag' de junho de 2023 que acompanhou o livro, "desaparecera" em 1974.  O Autor era seu irmão.

O Autor se refere ao agente Fleury que naqueles prédios clandestinos do Doi-Codi praticava a tortura e assassinatos contra os militantes capturados.

Nas páginas finais, a "transcrição" de uma carta remetida por "Rodriguez" ao "companheiro Klemente" na qual faz ele ponderações amargas por não terem parado as ações de luta à iminência da derrota do movimento, inclusive lamentando  execuções de membros que queriam deixar as células por vislumbrarem uma "guerra perdida" e, pior,  tratados injustamente como traidores.

Há o nome mencionado nessa suposta carta de um militante (Márcio) que fora executado pela célula.  Esse nome, Márcio (Toledo), é mencionado, também, por Alfredo Sirkis relatando que membros da ALN já praticamente desarticulada, o executaram na rua porque temiam que  saindo da luta, poderia denunciar os que ficaram. Um "estupido crime". (*)

Na resenha do livro "Os Carbonários" de Alfredo Sirkis:

"Num dado momento, vendo que a guerrilha perdia terreno, membros de outras siglas com o mesmo objetivo, iam sendo mortos ou presos, Sarkis resolveu deixar a VPR, descrevendo seu constrangimento perante os demais companheiros revolucionários". 

E reconhece:

"Doze meses depois, estávamos ali, dizimados, reduzidos a menos de um quarto do que fora a organização. Um pensamento sombrio me assaltou. Será que chegava ao réveillon de 71?" (*)

Kafka

Há no livro referências a Kafka (também a Milan Kundera).

"O Processo" de Kafka, de família judaica, é anterior ao nazismo, de 1925. Nessa obra  seu personagem Joseph K. acusado por um crime que desconhecia, até porque não havia crime, não se sentia culpado, tanto que busca nas teias judiciárias saber do que tratava a acusação.

O final trágico é consequência da perseguição da qual fora vítima na trama, sem descobrir do que era acusado, revelando-se cansaço psicológico, dando-se espécie de desistência, entregou-se aos algozes, algo como o suicídio.  (**)

É sempre bom cuidar que a interpretação não vá além do que pensou o autor da obra.


O livro K. contém 196 páginas e nelas há muito mais a ser conhecido.


 APÊNDICE

Naqueles idos das décadas de 60 e 70 como acadêmico de direito na PUCSP, um dia apareceu na classe José Dirceu para umas palavras sobre a oposição à ditadura (talvez em 1969). Questionei-o apontando as dificuldades, porque o lado que combatia era o Exército. Manifestação muito rápida, houve algumas vaias e aplausos.

Referência no texto.

(*) Acessar: OS CARBONÁRIOS

(**) Acessar: O PROCESSO de Kafka




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